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A Constituição Brasileira de 1988, a figura jurídica do cargo comissionado na Administração Pública Brasileira e a Jurisprudência do STF

A Constituição Brasileira de 1988, a figura jurídica do cargo comissionado na Administração Pública Brasileira e a Jurisprudência do STF

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O presente artigo objetiva trazer luzes sobre a polêmica criação de cargo comissionado na administração pública, provido apenas por portaria em detrimento da criação de cargo efetivo provido por concurso público, comparando à Jurisprudência do STF.

Retornamos ao tema cargo comissionado, desta vez para fazer uma abordagem interpretativa dos artigos constitucionais e infra-constitucionais, sendo distinta da abordagem histórica/sociológica feita no artigo anterior sobre esse mesmo assunto.

O Estado Democrático de Direito Brasileiro.

O Estado Democrático de Direito Brasileiro tem as suas bases estabelecidas mediante consensos políticos e jurídicos positivados em lei. A Carta Magna não é apenas uma Carta Jurídica na qual estão estabelecidas os comandos constitucionais que todos devem obediência, notadamente o administrador público, mas também, é uma Carta Política, na qual estão estatuídos os consensos da sociedade através dos parlamentares que são os legítimos representantes do povo!

O Poder Legislativo na Constituinte de 1988, através dos seus parlamentares chegaram ao consenso político e escreveram os comandos constitucionais, dentre eles, os Princípios Constitucionais da Administração Pública, positivados no art. 37, Caput da CR/88, que deve ser executado pelo Poder Executivo, protegido pelo Poder Judiciário e fiscalizado institucionalmente pelo Ministério Público e Tribunal de Contas. Cabe também aos Cidadãos fiscalizar, denunciar e representar pessoalmente (art. 14, da Lei n° 8.429/92) ou através de suas entidades (Associações, Sindicatos, ONG, Federações, etc. Art. 17, da Lei 8.429/92) qualquer administrador público que violem os direitos do Cidadão, à ordem jurídica e os Princípios Constitucionais da Administração Pública Brasileira.

Isso porque é vedado a qualquer autoridade, seja ela do Judiciário, do Executivo, do próprio Legislativo, do Ministério Público ou do Tribunal de Contas, por força de circunstâncias, por interesse de grupos corporativistas ou outro desígnio obscuro quaisquer, fazer livre interpretação dos dispositivos constitucionais e infra-constitucionais positivados, sob pena de desorganizar o ordenamento jurídico e violar aquilo que claro e consensualmente foi escrito na Constituição da República pelos Constituintes e posteriormente nas leis!

O consenso constitucional referente ao concurso público como regra basilar para acesso e provimento de cargo efetivo na Administração Pública Brasileira.

A Constituição da República determina:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:   (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;   (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Esse dispositivo elegeu o concurso público como regra basilar para acesso e provimento de cargo público efetivo no Estado Brasileiro. Assim, ficou estabelecido também de forma geral a igualdade de acesso para todos, pois, ninguém não mais precisa de padrinhos políticos, de gente influente ou do próprio governante da vez para acessar um cargo público. É também uma forma de salvaguardar os princípios constitucionais do art. 37, Caput da CR/88. Consenso jurídico/político respaldado pela Jurisprudência do STF, a seguir transcrita:

CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA, INDIRETA E FUNDACIONAL - ACESSIBILIDADE – CONCURSO PÚBLICO.

A acessibilidade aos cargos públicos a todos os brasileiros, nos termos da lei e mediante concurso público é princípio constitucional explícito, desde 1934, art. 168. Embora cronicamente sofismado, mercê expedientes destinados a iludir a regra, não só reafirmado pela Constituição, como ampliada, para alcançar os empregos públicos, art. 37, I e II. Pela vigente ordem constitucional em regra, o acesso aos empregos públicos opera-se mediante concurso público, que não pode ser de igual conteúdo, mas há de ser público. As autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista estão sujeitas à regra, que envolve a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Sociedade de economia mista destinada a explorar atividade econômica está igualmente sujeita a esse princípio, que não colide com o expresso no art. 173, § 1º. Exceções ao princípio, se existem, estão na própria Constituição (STF MS 21322-1 - DF - Ac. TP, 03.12.92 - Rel. Min. Paulo Brossard, in Revista LTr, volume 57, n° 09, setembro de 1993, pág. 1092).

O consenso constitucional referente ao acesso e provimento, através de portaria e escolha pessoal do administrador público da vez, de cargo comissionado como exceção à regra do cargo efetivo, provido por concurso público.

A Constituição da República ordena:

Art. 37...

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;    (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Analisando o parágrafo V, do art. 37, da Constituição da República de 1988, constatamos que há uma determinação de que o provimento de cargos em comissão em toda a Administração Pública Brasileira seja em "condições e percentuais mínimos previstos em lei" e "destinado apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento".

Interpretando a primeira parte sublinhada deste parágrafo, percebe-se que a expressão "condições e percentuais mínimos previstos em lei" do dispositivo constitucional remete à ideia de uma condição mínima, de um percentual mínimo de um todo. No entanto, tal interpretação há quem a considere insuficiente, pois, dependendo das condições, circunstâncias e conveniências, para alguns "percentual mínimo pode representar 5% de um todo; para outros 10%, já para terceiros 20%, ficando o debate estéril. Como vimos, dispositivos constitucionais são consensos jurídicos/políticos e nenhuma autoridade, nenhum operador do direito pode fazer uma interpretação livre, particular, dos artigos constitucionais que ordena uma regra estatuída, positivada. Assim, para resolver a questão e trazer luzes à referida expressão, recorreremos à ciência exata da matemática! A seguir as definições e conceitos matemáticos:

Percentual é a fração por cento de qualquer coisa, cada um dos 99 (noventa e nove) valores que estão contidos na divisão de alguma coisa por cem; qualquer unidade que se divide por cem é um percentual de cem; é uma unidade proporcional relacionada sempre ao número cem;

Percentual Mínimo é a fração por cento de qualquer coisa, que corresponde ao intervalo de 01% (um por cento) a 10% (dez por cento) na divisão de alguma coisa por cem; 1% (um por cento) é o extremo menor do intervalo, 10% (dez por cento) é o extremo maior do intervalo e 5% (cinco por cento) é o meio do intervalo. Portanto, percentual mínimo é o intervalo de uma a dez unidades/valores proporcionais relacionadas sempre ao número cem;

Percentual Quíntuplo ou Quinta parte é a fração por cento de qualquer coisa, que corresponde ao intervalo de 11% (onze por cento) a 20% (vinte por cento) na divisão de alguma coisa por cem; 11% (onze por cento) é o extremo menor do intervalo, 20% (vinte por cento) é o extremo maior do intervalo e 15% (quinze por cento) é o meio do intervalo. Portanto, percentual quíntuplo é o intervalo de onze a vinte unidades proporcionais relacionadas sempre ao número cem;

Percentual Terço ou Terça parte é a fração por cento de qualquer coisa, que corresponde ao intervalo de 21% (vinte e um por cento) a 30% (trinta por cento) na divisão de alguma coisa por cem; 21% (vinte e um por cento) é o extremo menor do intervalo, 30% (trinta por cento) é o extremo maior do intervalo e 25% (vinte e cinco por cento) é o meio do intervalo. Portanto, percentual terço ou percentual terça parte é o intervalo de vinte e uma a trinta unidades/valores proporcionais relacionadas sempre ao número cem;

Percentual Meio ou Metade é a fração metade por cento de qualquer coisa, que corresponde ao intervalo de 41% (quarenta e um por cento) a 50% (cinqüenta por cento) na divisão de alguma coisa por cem; 41% (quarenta e um por cento) é o extremo menor do intervalo, 50% (cinqüenta por cento) é o extremo maior do intervalo e 45% (quarenta e cinco por cento) é o meio do intervalo. Portanto, percentual meio ou percentual metade é o intervalo de quarenta e uma a cinqüenta unidades/valores proporcionais relacionadas sempre ao número cem e assim sucessivamente.

Dessa forma, como exceção, o cargo comissionado possui as seguintes características impostas pela Constituição da República de 1988:

a) O cargo comissionado deve ser criado por lei em condições e percentual mínimo e sempre relacionado à criação de cargo efetivo (Princípio da Proporcionalidade/Moralidade) - ou seja, para cada cem cargos efetivos criados, a administração pública está autorizada pela Constituição Federal a criar dentro da proporcionalidade do intervalo de 01 (um) até 10 (dez) cargos comissionados, sob pena de inconstitucionalidade da lei. Consenso jurídico/político respaldado pelo Tribunal Pleno do STF (decisão irrecorrível) a seguir transcrita:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EXPRESSÃO “CARGOS EM COMISSÃO” CONSTANTE DO CAPUT DO ART. 5º, DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º E DO CAPUT DO ART. 6º; DAS TABELAS II E III DO ANEXO II E DAS TABELAS I, II E III DO ANEXO III À LEI N. 1.950/08; E DAS EXPRESSÕES “ATRIBUIÇÕES”, “DENOMINAÇÕES” E “ESPECIFICAÇÕES” DE CARGOS CONTIDAS NO ART. 8º DA LEI N. 1.950/2008. CRIAÇÃO DE MILHARES DE CARGOS EM COMISSÃO. DESCUMPRIMENTO DOS ARTS. 37, INC. II E V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

[...] 3. O número de cargos efetivos (providos e vagos) existentes nos quadros do Poder Executivo tocantinense e o de cargos de provimento em comissão criados pela Lei n. 1.950/2008 evidencia a inobservância do princípio da proporcionalidade.

4. A obrigatoriedade de concurso público, com as exceções constitucionais, é instrumento de efetivação dos princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa, garantidores do acesso aos cargos públicos aos cidadãos. A não submissão ao concurso público fez-se regra no Estado do Tocantins: afronta ao art. 37, inc. II, da Constituição da República. Precedentes.

5. A criação de 28.177 cargos, sendo 79 de natureza especial e 28.098 em comissão, não tem respaldo no princípio da moralidade administrativa, pressuposto de legitimação e validade constitucional dos atos estatais.

8. Ação julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade do art. 5º, caput, e parágrafo único; art. 6º; das Tabelas II e III do Anexo II e das Tabelas I, II e III do Anexo III; e das expressões “atribuições”, “denominações” e “especificações” de cargos contidas no art. 8º da Lei n. 1.950/2008.

9. Definição do prazo máximo de 12 (doze) meses, contados da data de julgamento da presente ação direta de inconstitucionalidade, para que o Estado faça a substituição de todos os servidores nomeados ou designados para ocupação dos cargos criados na forma da Lei tocantinense n. 1.950. (STF, ADI 4125, Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 10/06/2010, DJe-030 DIVULG 14-02-2011 PUBLIC 15-02-2011 EMENT VOL-02464-01 PP-00068) – grifos nossos.

b) O cargo comissionado com as suas atribuições e competências só pode ser criado por lei (Princípio da Legalidade) - ou seja, nenhuma outra norma (portaria, decreto, ato, resolução, etc.) pode criar cargo comissionado, sob pena de lei inconstitucional. Consenso jurídico/político também respaldado pelo Tribunal Pleno do STF (decisão irrecorrível) a seguir transcrita:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EXPRESSÃO “CARGOS EM COMISSÃO” CONSTANTE DO CAPUT DO ART. 5º, DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º E DO CAPUT DO ART. 6º; DAS TABELAS II E III DO ANEXO II E DAS TABELAS I, II E III DO ANEXO III À LEI N. 1.950/08; E DAS EXPRESSÕES “ATRIBUIÇÕES”, “DENOMINAÇÕES” E “ESPECIFICAÇÕES” DE CARGOS CONTIDAS NO ART. 8º DA LEI N. 1.950/2008. CRIAÇÃO DE MILHARES DE CARGOS EM COMISSÃO. DESCUMPRIMENTO DOS ARTS. 37, INC. II E V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

[...] 7. A delegação de poderes ao Governador para, mediante decreto, dispor sobre “as competências, as atribuições, as denominações das unidades setoriais e as especificações dos cargos, bem como a organização e reorganização administrativa do Estado”, é inconstitucional porque permite, em última análise, sejam criados novos cargos sem a aprovação de lei.

8. Ação julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade do art. 5º, caput, e parágrafo único; art. 6º; das Tabelas II e III do Anexo II e das Tabelas I, II e III do Anexo III; e das expressões “atribuições”, “denominações” e “especificações” de cargos contidas no art. 8º da Lei n. 1.950/2008.

9. Definição do prazo máximo de 12 (doze) meses, contados da data de julgamento da presente ação direta de inconstitucionalidade, para que o Estado faça a substituição de todos os servidores nomeados ou designados para ocupação dos cargos criados na forma da Lei tocantinense n. 1.950. (STF, ADI 4125, Relatora Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 10/06/2010, DJe-030 DIVULG 14-02-2011 PUBLIC 15-02-2011 EMENT VOL-02464-01 PP-00068) – grifos nossos.

Interpretando agora, a segunda parte sublinhada do parágrafo V, do art. 37, da CR/88. A expressão "destinado apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento" do dispositivo constitucional remete à ideia de comando, de cúpula. Reafirmando mais uma vez que os dispositivos constitucionais são consensos jurídicos/políticos e nenhuma autoridade, nenhum operador do direito pode fazer uma interpretação livre, particular, dos artigos constitucionais que ordena uma regra estatuída, trata-se então, de funções de comando, de cargos ocupados por pessoas das quais se originam as ordens, as orientações para gerir a administração pública. Assim sendo, temos mais uma característica do cargo comissionado:

c) O cargo comissionado deve ser destinado somente, apenas, às atribuições de direção, de chefia e de assessoramento - ou seja, o administrador público jamais poderá editar lei que crie cargos comissionados para substituir os cargos de natureza efetiva inerente ao serviço público, sob pena de inconstitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal declarou cautelarmente a inconstitucionalidade  da Lei Complementar de nº 11/91 do Estado do Espírito Santo, que transformava o cargo de assessor jurídico, cargo de natureza efetiva, provido por concurso público, inerentes ao cargo de Procurador do Estado, em cargo de confiança (funções de comando, de chefia, de orientações da administração) confira:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos. Carta Federal Constituição 132. (881 ES, Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 01/08/1993, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 25-04-1997 PP-15197 EMENT VOL-01866-02 PP-00238, undefined).

Recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (não cabe mais recurso), se referindo ao cargo de assessor jurídico de natureza comissionada,  exercido por servidores não concursados, em substituição ao cargo de assessor jurídico de natureza efetiva, exercidos por servidores concursados, declarou inconstitucional qualquer lei criada com esse propósito, confirmando a afronta a Constituição da República, confira:

"A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da OAB em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da CF. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes." (ADIN 4.261, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 2-8-2010, Plenário, DJE de 20-8-2010.)

Diante da mencionada jurisprudência do STF, fica indubitavelmente claro que não se pode fazer confusão semântica entre o cargo de assessor jurídico, de natureza efetiva, de apoio técnico-administrativo permanente, que tem atribuições ordinárias, tarefas cotidianas, contínuas, e  indispensáveis à atividade fim da administração pública, exercido por Procuradores de Estado, por Analistas Ministeriais, dentre outros servidores, providos mediante concurso público e o cargo de chefia de Assessoria Jurídica, de natureza comissionada, que orienta as ações administrativas, provido mediante portaria, sob o critério da pessoalidade do chefe da instituição da vez!

Referido cargo também compõe o quadro de carreira dos serviços efetivos na maioria dos Ministérios Públicos Estaduais e Federal. Aqui em Pernambuco é exercido pelo analista ministerial na área de direito não podendo ser provido e nem exercido por servidores de cargo comissionado, porém o chefe dos assessores jurídicos poderá ser exercido por um servidor comissionado. Igualmente decisão pode ser aplicada ao cargo de técnico ministerial de natureza efetiva inerente ao serviço público, mas o chefe dos técnicos ministeriais poderá ser provido e exercido por servidor comissionado, bem como o cargo de diretor que também pode ser cargo comissionado!

Não se pode haver na mesma instituição o cargo de assessor jurídico, que simultaneamente, seja de natureza efetiva e de natureza comissionada. Também como determinou o Pleno do STF (ADIN 4.261, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 2-8-2010, Plenário, DJE de 20-8-2010.), nenhuma autoridade pode transformar o cargo efetivo de assessor jurídico em cargo em comissão, com exceção da chefia. Tal ato e edição de lei, ambos são uma afronta ao Princípio da Legalidade e da Moralidade. Tal fato caracteriza improbidade administrativa, previsto no art. 11, I e V, da Lei n° 8.429/92.

O art. 37, V, claramente determina que as funções de confiança a serem desempenhadas pelos ocupantes de cargos em comissão estarão restritas “às atribuições de direção, chefia e assessoramento”. Ou seja, destinados às pessoas de comando, à cúpula, que ficam temporariamente na instituição, enquanto dura o mandato. Isso é para evitar apadrinhamentos, fisiologismo, nepotismo, abuso e injustiça, tão habituais no contexto histórico brasileiro e, infelizmente, ainda tão atuais. Por óbvio, as normas em questão visam proteger o interesse público em seu sentido mais amplo, na medida em que, por meio do concurso público, garante-se obediência aos princípios da legalidade, publicidade, moralidade, impessoalidade e eficiência, os quais devem nortear todos os atos administrativos e toda atuação administrativa, inclusive a da administração pública indireta.

O consenso constitucional referente aos limites da discricionariedade do administrador público brasileiro.

Importa observar os limites da discricionariedade dos Procuradores-Gerais de Justiça Estaduais ao enviarem projetos de leis às respectivas Assembléias Legislativas dos seus respectivos Estados, eivados de inconstitucionalidades, devido à criação indiscriminada de cargos comissionados. Tais excessos transforma a discricionariedade em arbitrariedade, como bem define Hely Lopes de Meirelles:

"...poder discricionário não se confunde com poder arbitrário. Discricionariedade e arbítrio são atitudes inteiramente diversas. Discricionariedade é liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei; arbítrio é ação contrária ou excedente da lei. Ato discricionário, quando autorizado pelo direito, é legal e válido; ato arbitrário é sempre ilegítimo e inválido.."

O raciocínio aplicado ao Governador do Estado de Tocantis pelo Pleno do STF, que não se pode confundir autonomia administrativa com arbitrariedade administrativa também pode ser empregado em relação a autonomia administrativa e financeira dos Ministérios Públicos Estaduais e Federal. Portanto, para cada 100 (cem) cargos de natureza efetiva de qualquer órgão da administração pública, a Constituição da República autoriza que sejam criados apenas de 01 até 10 (dez) cargos comissionados. Qualquer lei que não obedeça a esse princípio proporcional/moral constitucionais é lei inconstitucional e é ato arbitrário e não discricionário, é arbitrariedade administrativa e não autonomia administrativa, tanto os atos como a lei, estão eivado pela inconstitucionalidade, incorrendo o administrador público responsável por essa iniciativa, em atos de improbidade administrativa!

Destaque-se que a Constituição Federal, em seu artigo 37, § 2º, estabelece não apenas a nulidade do ato de nomeação, mas também a punição da autoridade responsável quando houver burla à regra geral de investidura nos cargos públicos pela via do concurso público. O Administrador Público que não cumpre o art. 37, V, da Constituição Federal referente às características do cargo comissionado, atenta contra os princípios da administração pública, pois faz o que é proibido em lei e frustra a exigência do concurso público, tipificados no art. 11, I[1] e V[2], bem como, causa dano ao erário, por ordenar/permitir a realização de despesas não autorizadas em lei e age negligentemente na conservação do patrimônio público, tipificados no art. 10, IX[3] e X[4], todos positivados na Lei n° 8.429/92 - Lei de Improbidade Administrativa.

Depois de estudado o tema sobre a criação indiscriminada de cargos comissionados, conclui-se que o administrador público que não cumpre a Constituição Federal também desobedece as sólidas Jurisprudências do Supremo Tribunal Federal. Como alguns guardiões da Constituição Federal e Estadual se voltaram contra aquilo que eles deveriam proteger, cabe a nós então, em última análise, a fiscalização Cidadã ou através das nossas entidades de classe constatar se o princípio da proporcionalidade/moralidade, representado pelo percentual mínimo do cargo comissionado em relação ao cargo efetivo está respeitada; se os cargos comissionados com as suas respectivas atribuições e vencimentos, que existem na sua instituição foram criados somente através de lei constitucional e finalmente, se eles são destinados apenas à chefia, assessoramento e à diretoria.

Qualquer realidade encontrada na Administração Pública Brasileira diferente da Constituição Federal e da Jurisprudência do STF estudada no presente artigo, cabe representação no Tribunal de Contas do Estado respectivo, à OAB Seccional e Federal, ao próprio Ministério Público e/ou a judicialização das violações através de uma Ação de Inconstitucionalidade - ADIN e/ou a postulação de uma Ação de Improbidade Administrativa feitas pelas nossas entidades de classe.

- Artigo escrito pelo Professor e advogado Samuel Ferreira da Silva Filho, inspirado nas notícias de criação desenfreada de cargos em comissão no âmbito dos Ministérios Públicos Estaduais do Brasil.

- Membro do Conselho Fiscal do SINDSEMP-PE. 

Paulista-PE, 12 de junho de 2018.

[1]Lei n° 8.429/92. Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência.

[2] Lei n° 8.429/92. Art. 11...

V - frustrar a licitude do concurso público.

[3] Lei n° 8.429/92. Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens e haveres das entidades referidas no art. 1° desta lei, e notadamente:

IX ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento.

[4] Lei n° 8.429/92. Art. 10...

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público.



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