Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/7508
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Apontamentos à Emenda Constitucional nº 45/04 e a reforma do Judiciário

Apontamentos à Emenda Constitucional nº 45/04 e a reforma do Judiciário

Publicado em . Elaborado em .

Sumário: 1- Introdução. 2- Direito à celeridade processual. 3- Força Normativa dos Tratados e Convenções. 4- Jurisdição do Tribunal Penal Internacional. 5- Hipóteses de Intervenção. 6- Conselhos Nacionais. 7- Magistratura e Ministério Público. 8-Orçamentos e Custas. 9- Competências e Atribuições do STF e STJ. 10- Controle Concentrado e Legitimidade. 11- STJ- Composição e Órgãos. 12- Justiça Federal. 13- Justiça do Trabalho. 14- Justiça dos Estados. 15- Súmula Vinculante. 16- Conclusões


1- INTRODUÇÃO

            Tema dos mais importantes debatidos foi (e é) a reforma do Poder Judiciário, denominação sob a qual se congregam disposições relativas não somente ao Poder Judiciário, mas à atividade jurisdicional, com todas as suas instituições.

            Grande celeuma foi criada em relação ao tema, e acirrada discussão instalou-se. Sobreveio, por fim, ao termo do processo, a Emenda Constitucional nº 45/04, com algumas importantes modificações.

            É imperativo que estas modificações sejam difundidas e debatidas entre todos os membros da comunidade jurídica, pois de uma forma ou de outra atingem a todos.

            O objetivo desta abordagem é exatamente este: chamar a atenção e suscitar a meditação sobre o alcance e a conformações das alterações. Para tanto, o método a ser utilizado será a tratativa de cada disposição ou grupo de disposições de alteração, efetuando-se as pontuações pertinentes.


2- DIREITO À CELERIDADE PROCESSUAL

            Ao artigo 5º, foi acrescido o inciso LXXVIII, com o seguinte teor: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

            A demora na tramitação dos processos foi identificada como um dos pontos nevrálgicos da denominada "crise de jurisdição", constata nas últimas décadas. Múltiplas causas conduziram a um quadro no qual a duração do processo atinge, como regra, vários anos, gerando concreta frustração de expectativas e conspirando contra a legitimidade do processo como veículo da jurisdição.

            A solução do processo tradicional sempre foi a utilização, por vezes anômala, do processo cautelar. O agravamento da situação diante do rápido incremento no número de demandas, motivado, dentre outros fatores, pelo amplo reconhecimento de direitos pela Constituição Federal de 1988, e pelos planos econômicos (Cruzado, Bresser, Verão, Cruzado, II Collor etc..) conduziu à criação do instituto da antecipação de tutela, rompendo com secular paradigma da impossibilidade da execução sem sentença. Não faltou quem sustentasse a inconstitucionalidade do instituto, por violação à ampla defesa e contraditório.

            Este argumento podia ser contraposto mediante invocação do artigo 5º, inciso XXXV da Carta Política. Tal preceptivo condensa a fórmula do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Uma interpretação inicial e primária do dispositivo conduz à conclusão de que implicaria em assegurar unicamente o acesso ao Poder Judiciário, vale dizer, um mero direito ao processo.

            Todavia, a aplicação da interpretação conferida ao inciso, na esteira da doutrina e da jurisprudência, o transformou em verdadeira cláusula de utilidade da jurisdição. Por este prisma, o mencionado princípio assegura não somente um direito à ação e ao processo enquanto veículo da tutela jurisdicional, mas também a uma tutela potencialmente útil e eficaz.

            Dentre os fatores de aferição do índice de eficácia da tutela jurisdicional encontra-se a celeridade com que ela é prestada, pois a demanda judicial em regra põe em suspensão a relação jurídica que é objeto da pretensão por ela veiculada, impedindo a imediata fruição do direito ou dirimência da situação de conflito, cuja extinção é exatamente sua finalidade.

            Logo, tutela jurisdicional prestada de forma eficiente é aquela prestada em prazo razoável.

            Também pelo viés do artigo 37, caput, da CF/88, poderíamos conceber um princípio da tutela jurisdicional eficiente. É que a atividade jurisdicional também é uma atividade do Estado, uma atividade de administração da justiça levada a efeito por um segmento do aparato estatal, que compreende não só o Poder Judiciário mas outras instituições como o Ministério Público, a Defensoria Pública, as Procuradorias Fazendária etc...A prestação jurisdicional, por outro lado, não abarca exclusivamente a atividade do Juiz, senão que carece de atividades administrativas no âmbito do próprio Poder Judiciário e destas outras instituições.

            Neste passo, é imperioso considerar que a dicção do artigo 37, caput, inicia por mencionar a "administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Município". Via de conseqüência, as disposições do artigo também se destinam ao Poder Judiciário e aos outros órgãos (Ministério Público, Defensorias Públicas etc...) inclusive a aplicação do princípio da eficiência, que tem na celeridade uma de suas facetas.

            Não se pode estabelecer um parâmetro objetivo para mensurar-se quando tempo carece o juiz para decidir um feito, embora o CPC e o CPP o façam de forma não vinculativa, estabelecendo prazo para alguns atos. É que o magistrado deve estar convicto para decidir, e esta convicção não comporta formulação matemática. Há ainda o aspecto do excesso de serviço, visto que o magistrado representa a instância onde todo o trabalho se canaliza.

            Mas os demais fatores que integram a formação do "tempo do processo" podem ser medidos com a régua do princípio da eficiência diante de um parâmetro de razoabilidade, princípio, aliás, que, também, de forma direta ou indireta, aplica-se às atividades do Estado, qualquer que seja sua natureza. Assim, a rigor, o direito a uma jurisdição eficaz, e, portanto, célere, já estava assegurado na própria Constituição antes da reforma.

            Isto, no entanto, não subtrai valor à nova disposição, cujo mérito inicial é deixar explícito este direito subjetivo fundamental. Mas a disposição vai além.

            Deveras, há a inclusão do processo administrativo, que não estava abarcado no inciso XXXV do artigo 5º da CF/88. Além disso, o inciso cria o direito não só à duração razoável do processo, como também a meios que a assegurem.

            Esta menção aos meios dirime qualquer dúvida acerca da constitucionalidade de medidas de execução não precedidas de decisão meritória decorrente de cognição exauriente, ou, por outras palavras, torna a antecipação de tutela um direito assegurado constitucionalmente, observados os requisitos legais.

            Mas em que se traduz a eficácia concreta desta norma? Carece de regulamentação para se ver aplicada? Quais as sanções para sua inobservância?

            A materialização concreta da eficácia da norma enfrenta grandes dificuldades práticas. Os processos, sejam administrativos ou judiciais, enfeixam complexos conjuntos de atos e relações, com inúmeras variáveis, tornando sobremaneira dificultoso o estabelecimento de um gabarito de prazos. A própria invocação da razoabilidade já acena para um conceito aberto, sujeito a interpretação diante de cada hipótese específica. É, neste contexto, pouco provável que venham a ser estabelecidas sanções para a demora, ou que venham a ser vivificadas as já existentes, que se tornaram pouco mais do que meras exortações.

            Mas sem dúvida seria interessante que se criasse uma reclamação administrativa para que a parte ao menos pudesse assinalar a demora.

            Apesar de tudo, a norma tem eficácia plena e aplicação imediata, nos termos do parágrafo 1º, artigo 5º, da CF/88, e desde já se pode dizer existente um suporte constitucional para a antecipação de tutela.

            Como fazê-la valer? O instrumento que se me parece mais adequado é a argüição de descumprimento de preceito fundamental, regulamentada pela Lei nº 9.882/99.


3- FORÇA NORMATIVA DOS TRATADOS E CONVENÇÕES

            Foi inserido um parágrafo 3º ao artigo 5º da CF/88, estabelecendo que "os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais"

            Há uma inovação no tocante à eficácia normativa dos tratados e convenções internacionais, pois antes ingressavam no ordenamento jurídico pátrio como normas infraconstitucionais. [01]

            A polêmica acerca da eficácia normativa dos tratados teve acirrada discussão por ocasião da adesão ao Pacto de San José da Costa Rica, motivada na vedação deste instrumento à prisão por dívidas.

            Estabeleceu-se, então, que "a Constituição Federal de 1988, votada por representantes do povo eleitos como assembléia constituinte, admite a prisão civil do depositário infiel (art. 5º, LXVII) e não pode ser derrogada por mero pacto internacional (Convenção de San José de Costa Rica, art. 7º, nº 7), que representa apenas a vontade política de alguns países, ingressando no regime jurídico nacional como lei comum após aprovação pelo Congresso, que in casu age apenas na condição de parlamento." [021] Julgamentos contrários também não faltaram [03], tendo predominado a primeira posição.

            No âmbito do STF, o RE 253.071, relatado pelo Min. Moreira Alves tem em sua ementa: "Esta Corte, por seu Plenário (HC 72.131), firmou o entendimento de que, em face da Carta Magna de 1988, persiste a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel em se tratando de alienação fiduciária, bem como de que o Pacto de São José da Costa Rica, além de não poder contrapor-se à permissão do artigo 5º, LXVII, da mesma Constituição, não derrogou, por ser norma infraconstitucional geral, as normas infraconstitucionais especiais sobre prisão civil do depositário infiel. Esse entendimento voltou a ser reafirmado recentemente, em 27/05/98, também por decisão do Plenário, quando do julgamento do RE 206.482. Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. Inconstitucionalidade da interpretação dada ao artigo 7º, item 7, do Pacto de São José da Costa Rica no sentido de derrogar o Decreto-Lei 911/69 no tocante à admissibilidade da prisão civil por infidelidade do depositário em alienação fiduciária em garantia"

            Com o novo parágrafo, a controvérsia resta espancada nos casos vindouros. Mas em se tratando de norma de direito público e de extensão de direitos, como fica a questão da possibilidade de retroação? Somente os tratados e convenções posteriores à Emenda nº 45/04 ingressarão no ordenamento nacional com força de emendas à Constituição. Tal ilação é conseqüência do princípio da segurança jurídica.

            Nada impede, contudo, que seja apresentada proposta de emenda constitucional tendo por conteúdo matéria hoje regulada por tratado internacional internalizado pelo direito nacional com status de lei infraconstitucional. E isso é possível ainda mesmo quando se tratar de matéria relativa a direitos fundamentais, pois a vedação à reforma constitucional relativa a direitos e garantias fundamentais deve ser entendida como estritamente voltada a modificações que subtraiam direitos, total ou parcialmente, mas não as que os ampliem.


4- JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

            O parágrafo quarto do artigo 5º da CF/88 afirma que o Brasil expressamente se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional a qual tenha manifestado adesão.

            Através do Decreto nº 4.388/02, o Brasil aderiu formalmente ao tratado de criação do Tribunal Pena Internacional, entidade dotada de personalidade jurídica de direito público internacional, com competência para julgamento dos crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão, os quais são especificados em longo rol. O exercício desta jurisdição internacional baseia-se em concessão do Estado aderente em relação a sua soberania, pois a jurisdição é um atributo da soberania, e o Estado aderente abre mão de parte dela para a entidade supranacional. O exercício da jurisdição do Tribunal Penal Internacional é supletivo, vale dizer, somente ocorre caso não tenha havido persecução no Estado aderente ou, se havida, não o foi regularmente. Em regra, a configuração dos delitos punidos é somente a dolosa, apresentando do citado tratado causas específicas de exclusão da responsabilidade penal.

            O número de nações que aderiram ao denominado TPI foi expressivo, sendo que o número de Estado que manifestaram recusa expressa é inferior a dez [04]. Lamentavelmente, a eficácia do TPI parece estar mais vinculada a conveniências políticas do que à real tentativa de repressão aos delitos que abarca em sua competência.


5- HIPÓTESES DE INTERVENÇÃO

            A intervenção de um ente político em outro (União em relação aos Estados, e estes em relação aos Municípios) constitui uma hipótese excepcional de anormalidade constitucional, pois excepciona o princípio da autonomia que caracteriza o federalismo.

            A matéria vem regulada pelo artigo 34 e seguintes da CF/88. A alteração operada pela Emenda nº 45/04 consiste na revogação do inciso IV do artigo 36, o qual tinha a seguinte redação: "de provimento do Superior Tribunal de Justiça, de representação do Procurador-Geral da República, no caso de recusa à execução de lei federal."

            Em seu lugar, no inciso III foi incluída a hipótese "no caso de recusa à execução de lei federal", carecendo de aprovação a representação do Procurador- Geral pelo Supremo Tribunal Federal.


6- CONSELHOS NACIONAIS

            A emenda criou o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, instituindo o questionado controle externo do Poder Judiciário. [05]

            Estes órgãos ainda suscitam muita resistência, mas acredito que injustificada. Em momento algum existiu a intenção de intervir no livre exercício da jurisdição, que é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. O Poder Judiciário não tem o que temer. Pelo contrário, será apenas mais um órgão para legitimar a atuação deste poder. E se equívocos são cometidos no exercício da função judicante, visto que o juiz é humano e, portanto, falível, não é fechando os olhos para eles que se irá construir uma Justiça efetiva.

            Em síntese, é da essência da tri-partição das funções-poderes a mútua fiscalização de cada um dos poderes e a presença de pessoas estranhas ao quadro da magistratura é essencial para assegurar e democracia e a representatividade da sociedade, que é a destinatária da função judicante. O que não poderia ser admitido, em hipótese alguma, são mecanismos de interferência na formação da livre convicção do magistrado.

            O mesmo raciocínio vale para o Ministério Público, cuja atuação tem sido alvo de críticas a meu ver injustificadas. É fundamental para a democracia a ampla transparência na atuação de todos os agentes públicos, independentemente do poder ao qual se liguem ou do cargo ocupado. Ninguém está indene à fiscalização, e quem cumpre sua função dentro da lei nada tem a temer. Eu particularmente, acredito que a atuação do Poder Judiciário e do Ministério Público é como regra pautada pela legalidade e pela fiel observância dos princípios constitucionais, e, por conseguinte, problema algum vejo em órgão de controle externo.

            O Conselho Nacional de Justiça é composto de 15 membros, representando a magistratura, o Ministério Público, a advocacia e a sociedade civil, sob presidência de um Ministro do Supremo Tribunal Federal. A indicação cabe a cada órgão judicante ou representativo respectivamente, mas a nomeação é do Presidente da República, após aprovação pelo Senado.

            Os membros devem ter idade mínima de trinta e cinco anos e máxima de sessenta e seis, e o mandato é por dois anos, admitida uma recondução.

            Ao conselho compete "o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juizes", cumprindo-lhe, dentre outras medidas "zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências".

            Os deveres funcionais dos juizes encontram-se previstos nas leis processuais e de natureza material (alguns) e na LOMAN. Exemplo do primeiro caso encontramos nos artigo 125 e seguintes do CPC. Na Lei Orgânica da Magistratura, os deveres dos magistrados encontram-se no artigo 35, diploma este cuja aplicação e observância também deve ser zelada pelo novo órgão.

            Também é atribuição do Conselho o controle da observância do artigo 37 da CF/88, notadamente no que diz respeito à legalidade, em relação aos atos administrativos do Poder Judiciário, podendo revê-los e mesmo desconstituí-los, de ofício ou provocado, sem prejuízo da atuação do Tribunal de Contas da União.

            Aqui pode surgir controvérsia, pois, a rigor, está havendo intervenção no poder de autogoverno, de auto-administração dos Estados Federados. De fato, está sendo criada uma instância administrativa de fiscalização dos judiciários estaduais em matéria que o sistema federativo atribui com exclusividade ao ente federado. Que atos administrativos possam ser amplamente questionados via judicial não se pode duvidar, frente ao artigo 5º, inc. XXXV, da CF/88, mas a revisão administrativa de atos somente pode ser feita dentro da esfera de atuação do ente que os emitiu. Logo, a constitucionalidade desta atuação do Conselho é questionável por ferir princípio constitucional sensível, materializado na divisão de competências e na autonomia inerentes ao federalismo.

            Há, ainda, quanto aos atos administrativos a problemática da por vezes tênue linha que separa os atos vinculados dos discricionários.

            Também poderá receber e conhecer o Conselho de reclamações relativas a magistrados, órgãos do Poder Judiciário, cartórios, serviços notariais etc, sem prejuízo da atuação correicional e disciplinar interna, inclusive com poderes de avocação de processos disciplinares e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria, com subsídios e proventos proporcionais, aplicando outras sanções disciplinares.

            Aqui também fica questionável a imposição de medidas de cunho administrativo-sancionatório por órgão federal na esfera de atribuição dos Estados. O Juiz Estadual é um agente público estadual. Está hierarquicamente subordinado ao chefe do Poder Judiciário Estadual, sob o prisma administrativo. Assim sendo, se suas decisões podem ser revistas por um Tribunal de âmbito Federal (STF ou STJ), sob a ótica administrativa, a criação de um órgão federal para exercício de determinadas competências afronta a autonomia do ente federado.

            Trata-se, por conseguinte, de inconstitucionalidade de norma constitucional oriunda do poder derivado. [07] Há uma inconstitucionalidade por derivação, pois a norma de reforma implica situação concreta que indiretamente revoga ou prejudica princípio sensível. Não há abolição do federalismo, mas indiretamente ele é afetado pela ingerência federal em matéria reservada ao ente federado. Idêntico raciocínio vale para o inciso V deste mesmo artigo 103-B, que prevê a revisão de processos administrativos relativos a magistrados.

            Melhor solução teria sido a previsão de conselhos estaduais com estas atribuições.

            A possibilidade de representação ao Ministério Público, em caso de probabilidade de delito ou abuso de autoridade é perfeitamente legal.

            O Conselho acompanhará o desenvolvimento das atividades jurisdicionais nos vários órgãos do Poder Judiciário através de inspeções, correições, e relatórios, propondo as medidas que julgar necessárias. Um alerta pode ser feito, de antemão, no que tange a eventuais discrepâncias regionais ou locais em relação à tramitação dos feitos, e ele diz respeito à necessidade de considerarmos as necessidade de cada região e sua carências. Não podem ser considerados meros números, sem se conhecer as realidades regionais.

            As funções de corregedor serão exercidas pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, sendo-lhe, para tanto, outorgado poder de designação de magistrados e requisição de servidores para o auxiliarem.

            A estrutura do Conselho Nacional do Ministério Público, segue mutatis mutandis, a do Conselho Nacional de Justiça, e padece dos mesmos problemas mencionados.

            A criação dos conselhos repercute em outras disposições. Nas competências do Senado Federal, foi incluída a de julgamento do membros dos conselhos nacionais de Justiça e do Ministério Público nos crimes de responsabilidade (art. 52, inc. II). O Conselho Nacional de Justiça foi expressamente acrescido ao rol dos órgãos do Pode Judiciário (art. 92, inc. I-A).


7- MAGISTRATURA E MINISTÉRIO PÚBLICO

            Diversas modificações advieram no tocante às carreiras da Magistratura e Ministério Público. Uma primeira alteração que ainda não foi definitivamente esclarecida concerne à exigência de "três anos de atividade jurídica" do bacharel de direito para poder ocupar um dos cargos. Duas questões despontam. Primeiro. O que se há de entender por atividade jurídica? Segundo, ela terá de ser exercida em cargo privativo de bacharel?

            Os concursos mais recentes apresentam variada gama de interpretações do dispositivo, uns exigindo cargo privativo de bacharel, outros aceitando até estágios acadêmicos.

            O redação deixa margem à duvida. Ela não menciona que a atividade judiciária tenha de ser feita na condição de bacharel ou em cargo exclusivo de pessoa já formada. Todavia, é razoável sustentar que a atividade judiciária tenha de ser exercida por pessoa já formada (é exigível do bacharel).

            De plano descarta-se a interpretação que condiciona a atividade prática ao exercício de advocacia ou à inscrição na OAB, pois em tal caso, todos os servidores públicos, em regra, estariam impedidos, já que normalmente é vedado o exercício concomitante de advocacia.

            Neste contexto, poderíamos dizer, então, que há necessidade de que a pessoa seja formada quando do exercício de atividade judiciária, mas esta atividade não precisa ser privativa de bacharel. Esta interpretação cumpre a finalidade da exigência, que é a de fazer com que pessoas com alguma experiência ocupem os cargos, e ao mesmo tempo se coaduna com as regras hermenêuticas que regem a interpretação de normas de restrição de direitos, em especial a de que devem ser interpretadas de forma restritiva, vendando-se ampliações não especificadas no próprio texto.

            Aliás, recente decisão do Conselho Nacional de Justiça trilhou esta interpretação ao atender a pedido de consulta de servidor do judiciário que, embora bacharel, exercia atividade que não era privativa de pessoa formada, e que representava atividade onde havia contato concreto com a movimentação de processos.

            Ficam desconsiderados, neste diapasão, os estágios acadêmicos. De certa forma, esta exclusão torna as chances dos candidatos mais igualitárias, pois nem sempre os estágios implicam necessariamente prática jurídica e os critérios para escolha não são necessariamente objetivos, de modo que todos possam ter acesso a esta possibilidade. Se a igualdade não é atingida de forma absoluta, pelo menos diminuem-se as diferenças.

            Por outro lado, qualquer atividade de prática jurídica ou afim, como serviços cartorários, serviços de assessoria etc...podem e devem ser considerados, pois contribuem efetivamente na formação do conhecimento profissional e da experiência necessários ao exercício de atividades de tamanha importância como a magistratura ou o cargo na carreira do Ministério Público.

            Na promoção por merecimento, foi incluído o critério de produtividade (art. 93, inciso II, alínea "c", da CF/88). Conforme já referido, este é um critério que deve ser apreciado com parcimônia, porque rapidez nem sempre significa eficiência na jurisdição. A formação da convicção do magistrado ou do membro do Ministério Público é algo intangível e intimamente relacionado ao princípio da independência funcional que deve presidir as atividades destes cargos em um Estado Democrático de Direito. Claro que isso não significa que estas atividades não estejam sujeitas ao princípio da eficiência, como dito alhures, e há o dever de prestação de jurisdição em prazo razoável. Mas há que se atentar para o fato de que a conformação de um pequeno detalhe em uma demanda pode tornar a análise de questões a ela relativas muito mais difícil do que em outra idêntica.

            Na apuração da antigüidade, foi mantido o quorum de dois terços dos votos dos membros para recusa de nome que conste na lista. Mas agora há expressa menção à necessidade de fundamentação nos votos. A questão da fundamentação dos votos era objeto de várias demandas. A rigor, por força do artigo 93, inciso IX, da CF, toda decisão, ainda que administrativa, carece de fundamentação e o dispositivo da alínea "d" não falava em voto secreto. Mas o dispositivo, em sua nova redação, dirime qualquer dúvida.

            Foi inserida uma alínea "d" ao inciso II do artigo 93 da CF/88, que determina que "não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão". Norma de escassa aplicabilidade. Quem fiscalizará?: As partes? E com que critério sustentar que o juiz ou membro do Ministério Público excedeu-se. Bastará invocar-se o excesso de serviço (que, aliás, é uma realidade na maioria das comarcas) para justificar.

            No inciso III do mesmo artigo, foi suprimida a menção a Tribunal de Alçada, pois estes foram definitivamente extintos.

            O inciso IV estabelece como requisito para o vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento. É realmente uma medida interessante para assegurar um mínimo de qualidade no serviço jurisdicional, assegurando, também, de homogeneidade na formação.

            O inciso VII permite que o magistrado (e o promotor) deixem de estar obrigados a residir na respectiva comarca mediante autorização do Tribunal (ou Procurador-Geral). A flexibilização é fundamental, mas a reforma deveria ter ido além, deveria ter abolido a previsão de residência na comarca. É uma ilusão acreditar que o fato de o magistrado residir na comarca efetivamente faça com aquele conheça melhor a realidade desta. O juiz e o promotor ocupam cargos importantes, mormente nas pequenas cidades, e, além do status natural do cargo, normalmente também ocupam, diante da realidade das pequenas cidades brasileiras, uma posição privilegiada no que tange a situação econômica. É, portanto, absolutamente natural que convivam em meios sociais mais restritos. Logo, o conhecimento que acabam tendo da comunidade é obtido principalmente através da atividade forense, para a qual não faz diferença alguma onde residam.

            Pelo contrário, a residência na comarca acaba por submeter os ocupantes desses cargos a pressões das mais diversas. Em pouco tempo o magistrado já condenou o parente próximo de um comerciante (ou o próprio comerciante), ou o promotor denunciou parente ou amigo de um líder da comunidade etc... É inegável que acaba se gerando um certo constrangimento, que se não chega a inibir a atividade profissional, certamente a torna mais difícil do que já é, quando o magistrado tem de valer-se quiçá do único mercado da cidade ou o promotor vai à reunião onde está o citado líder. A apreciação das questões deve ser feita de forma imparcial, e a melhor forma de assegurar isso é exatamente o contrário, permitir que o magistrado e o promotor residam fora da comarca, se possível, permitindo que a convicção seja formada unicamente pelo material carreado aos autos e não por boatos ou comentários. A exigência de moradia na comarca, em síntese, benefício algum traz para o bom desempenho da atividade jurisdicional, pelo contrário, é fonte de preocupação e constrangimento que poderiam ser evitados. De ponderar que é uma questão que motivo algum tem para figurar em um texto constitucional, e deveria, quanto muito, constar das leis organizativas de cada carreira.

            A remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, também poderá ser promovida pelo Conselho Nacional, sendo que na remoção, a pedido, ou permuta, são aplicáveis as regras do artigo 93, inciso II, alíneas "a", "b", "c" e "e", da CF/88, vale dizer, as regras relativas à promoção por merecimento.

            No caso da publicidade dos julgamentos, a redação do artigo 93, inciso IX permitia que a lei, se o interesse público o exigisse, limitasse a presença às partes e advogados ou somente a estes. A nova redação, porém, acresce que isto somente será possível "nos casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação". Há, assim, uma limitação, uma mitigação à possibilidade de redução da publicidade, intervindo a variável do interesse público à informação.

            A legitimidade da atividade jurisdicional está diretamente relacionada à transparência com que é conduzida, e este se liga diretamente com a publicidade. A publicidade é que permite a fiscalização da fiel observância dos princípios constitucionais. De par com o direito à intimidade, que é um direito individual, há também o direito à informação, base da fiscalização da atividade do Estado, e a norma reforça a valia deste último.

            A mesma preocupação com a publicidade informa a alteração no inciso X do artigo 93, que determina que as decisões administrativas dos tribunais serão, além de motivadas, em sessão pública.

            No tocante ao órgão especial dos tribunais, há o acréscimo do adjetivo "delegadas" às competências do Tribunal Pleno que serão exercidas, sendo o preenchimento das vagas metade por antigüidade, e metade por eleição do Tribunal Pleno.

            Foram extintas, por força do inciso XII, acrescido ao artigo 93 da CF/88, as denominadas "férias forenses", que se caracterizavam pela paralização dos feitos (excetuados os processos criminais e outras exceções, como as dos artigos 173 e 174 do CPC), havendo expressa determinação acerca da necessidade de plantões nos dias em que não houver expediente normal, o que já é feito na prática.

            O inciso XIII do artigo 93 estabelece que "o número de juizes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população". Em outras oportunidades já apontei para o fato que uma das grandes causas na demora dos feitos reside no insuficiente número de juizes. Melhorias administrativas ajudam, como, exemplificativamente, a informatização, mas, ao fim, a atividade jurisdicional concentra-se sempre nas mãos do juiz. É humanamente inviável conduzir seis ou sete mil processos em prazo razoável, sob pena de cometimento de erros graves, o que é intolerável ao exercício da jurisdição, onde estão em jogo vidas de pessoas. Esta norma restará sem eficácia alguma se não forem tomadas as medidas administrativas necessárias.

            O inciso XIV prevê que aos servidores possam ser delegada a execução de atos administrativos e de mero expediente, sem caráter decisório. Isto na prática já ocorria. Caráter decisório somente haverá naqueles casos onde há uma alternativa passível de escolha, o que não há em casos como os de meras vistas e juntadas de documentos, dentre outros.

            O inciso XV determina que a distribuição de processo será imediata em todos os graus de jurisdição. O que disposição deste teor faz no texto de uma Constituição? Qual o motivo? Ora, isto é matéria a ser tratada em legislação ordinária, motivo algum havendo para constar de disposição constitucional.

            No artigo 98, a tratativa das vedações teve acréscimo de dois incisos (de número IV e V). O primeiro veda ao magistrado (e ao membro do Ministério Público), o recebimento "a qualquer título ou pretexto, auxílio ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as hipóteses legais". Em linha de princípio, o recebimento de auxílio ou contribuição relacionado à atividade judicante caracteriza crime e grave falta funcional. A disposição visa deixar clara a vedação. Dentre as hipóteses de exceções, podemos mencionar bolsas de pesquisa científica.

            O inciso V traz a "quarentena", nome conferido à necessidade de afastamento por um prazo mínimo a fim de que o magistrado não usufrua das vantagens representada pelo fato de ter exercido suas funções em determinado juízo ou tribunal. O prazo estabelecido foi de três anos, mas é relativo exclusivamente ao órgão onde o juiz atuava.


8- ORÇAMENTOS E CUSTAS

            No artigo 99, foram inseridos três parágrafos. O primeiro deles, o parágrafo 3º, diz que, na ausência de envio da proposta orçamentária do respectivo Tribunal, deverá ser considerada a proposta vigente, ajustada de acordo com os parâmetros do § 1º do mesmo artigo. Menciona-se a posposta vigente porquanto a proposta a ser enviada é a do ano seguinte.

            Se os limites do § 1º, relativos à lei de Diretrizes Orçamentárias não forem observados, caberá ao Poder Executivo efetuar os necessários ajustes.

            No curso da execução orçamentária, despesas superiores às constantes da Lei de Diretrizes Orçamentárias somente poderão ser feitas mediante créditos suplementares, devidamente aprovados (§ 5º do artigo 99).

            Por expressa determinação do artigo 98, § 2º, as custas e emolumentos serão destinadas exclusivamente ao custeio das atividades da Justiça, o que é absolutamente correto, uma vez que se trata de taxa. [08]


9- COMPETÊNCIAS E ATRIBUIÇÔES DO STF E STJ

            As competências do STF e do STJ foram alteradas. No caso do STF, foi revogada a alínea "h" do inciso I do artigo 102, que dispunha acerca da homologação de sentenças estrangeiras e do exequatur às cartas rogatórias, os quais poderiam delegados pelo regimento interno ao seu Presidente. Esta atribuição passou ao STJ, por força do artigo 105, inciso I, alínea "i", da CF/88.

            Ainda no mesmo inciso, foi incluída uma alínea "r", que determina ser competência do STF o julgamento das ações contra o Conselho Nacional de Justiça e Conselho Superior do Ministério Público.

            No inciso III, foi incluída a alínea "d" que cria nova hipótese de recurso extraordinário nas demandas que julgarem válida lei local em face da lei federal. È uma hipótese totalmente nova e diversa da anterior compleição do recurso extraordinário. De fato, nas três alíneas do inciso terceiro do artigo 102 sempre esteve em voga a Constituição Federal. Na alínea "a", havia menção direta à decisão que contrariasse dispositivo da Constituição. Na alínea "b", em caso de a decisão declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal [09]. No caso da línea "c", tínhamos a decisão que julgasse válidos lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição.

            Mas na alínea inserida pela Emenda nº 45/04, a contrariedade não é à Constituição, mas à lei federal, ou seja, somente de forma indireta a Constituição é afetada. A disposição na verdade toma parte da alínea "b" do inciso III do artigo 105, que dispunha ser competência do STJ julgar em recurso especial as causas em que a decisão julgasse "válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal." O adjetivo "local" também é extensivo à lei, e abarca a lei municipal ou estadual.

            O dispositivo da alínea "b" do inciso III do artigo 105 da CF menciona, em sua nova redação, como passível de interposição de recurso especial somente a decisão que "julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal".

            Na contrariedade de lei local ao direito infraconstitucional federal, é a integridade deste que é diretamente visada. A tutela constitucional somente de forma indireta é assegurada na medida em que a contrariedade viola o princípio do federalismo (art. 1º da CF/88) e a disciplina das competências legislativas (artigos 22, 23 e 24 da Cf/88). Mas a tutela direta é em relação ao direito federal infraconstitucional. Logo, não mais podemos afirmar que a finalidade do recurso extraordinário seja a tutela direta da Constituição, asserção antes válida.

            Desta dicotomia de competência e remédio jurídico em caso de contrariedade de ato ou lei ao direito federal podem resultar problemas. É que normalmente os atos contestados escudam-se em leis, e estas produzem efeitos concretos através daqueles. Assim sendo, teremos possibilidade de decisões contrárias em recurso especial e extraordinário abordando a mesma hipótese e analisando, ainda que de forma indireta, o julgamento de cada um dos recursos o objeto do outro.

            O parágrafo 2º do artigo 102 recebeu nova redação para estender também para as ações diretas de inconstitucionalidade o efeito erga omnes e vinculante das decisões, mencionando, ainda, que é extensivo à administração direta e indireta das três esferas.

            Esta sim uma matéria genuinamente constitucional, mas que estava regulada pelo direito infraconstitucional, mais especificamente a Lei nº 9.868/99, artigo 28, parágrafo único, que estendeu estes efeitos, antes próprios somente da ação declaratória de constitucionalidade, também para a ação declaratória de inconstitucionalidade, atentando para a paridade das situações e para o caráter objetivo do processo de controle concentrado de constitucionalidade. [10]

            Foi inserido, ainda, um § 3º ao artigo 102, relativo à necessidade de demonstração, no âmbito do recurso extraordinário, da repercussão geral das questões constitucionais discutidas, com possibilidade de que o Tribunal, por dois terços dos votos, não conheça do recurso. A regra visa afastar discussões banais que marcaram muitos dos recursos interpostos nos últimos anos, onde a questão constitucional acabava servindo de "pano de fundo" para discussões de questiúnculas individuais.


10- CONTROLE CONCENTRADO E LEGITIMIDADE

            Com a parificação das ações de controle concentrado, de constitucionalidade e inconstitucionalidade, surgiu a necessidade de tratativa igualitária, pelo que a Emenda nº 45/04 altera o caput do artigo 103, para mencionar também a ação declaratória de constitucionalidade.

            Nos incisos IV e V, que versam sobre a legitimidade para o pedido, foram incluídos a Câmara Legislativa do Distrito Federal e o Governador do Distrito Federal, repondo-se omissão do legislador de 1988.

            Por conseguinte, foi revogado o §4º do artigo 104, que mencionava a legitimidade para a ação declaratória de constitucionalidade.


11- STJ - COMPOSIÇÃO E ÓRGÃOS

            O artigo 104 da CF/88 teve seu caput modificado. A nomeação dos Ministros do STJ continua sendo feita pelo Presidente, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta, de notório saber jurídico e reputação ilibada, mas a aprovação agora tem de ser pela maioria absoluta do Senado Federal.

            Dois novos órgãos irão funcionar junto ao Superior Tribunal de Justiça. O primeiro é a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cumprindo lhe, dentre outras tarefas regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira. Estes cursos não se confundem com o certame para ingresso. São os cursos de formação, posteriores ao concurso, com a finalidade de homogenizar a formação dos magistrados.

            Embora todos tenham logrado êxito em certames cada vez mais difíceis, é certo que o conhecimento e a experiência de cada um nas múltiplas áreas do direito é diverso. O magistrado de entrância inicial está, em princípio, sujeito a ter de apreciar todos os tipos de feitos, salvo hipótese de juízos especializados. Logo, é fundamental que os magistrados sejam familiarizados com as questões básicas que irão enfrentar na resolução das demandas. Outro aspecto que tem necessariamente de ser tratado concerne aos aspectos administrativos da direção do foro ou de uma vara judicial.

            É de todo conveniente que, respeitadas peculiaridades regionais, sejam estes procedimentos padronizados, até para que a tutela jurisdicional seja prestada da forma mais igualitária possível aos jurisidicionados de todo o País. A completa eficácia deste novo inciso I do parágrafo único do artigo104 carece de legislação que regulamente a mencionada escola, indicando sua composição e fixando-lhe as atribuições.

            Já o Conselho Federal de Justiça terá por atribuição, dentre outras que a lei específica lhe venha a atribuir, a de realizar a supervisão orçamentária e administrativa da Justiça Federal, inclusive com poderes correicionais. Esta atividade se exerce sem prejuízo da realizada pelo Conselho Nacional de Justiça.


12- JUSTIÇA FEDERAL

            As modificações do artigo 107 da CF/88 acenam para a descentralização da atividade dos Tribunais Regionais Federais, que deverão instalar a justiça itinerante, com realização de atividades dentro da respectiva área de jurisdição, inclusive com interiorização da atividade de órgão jurisdicionais.

            Mas as modificações mais importantes são as relativas a competência da Justiça Federal. Fora inseridos um inciso V-A e um parágrafo quinto ao artigo 109. O inciso inclui dentre a competência da Justiça Federal as causas relativas a direitos humanos, definidas nos termos do parágrafo quinto.

            Este, de seu turno, determina que "na hipótese de grave violação dos direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil sejasignatário, poderá suscitar, perante o Superior tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal."

            A regra não implica automatização da competência federal em relação aos casos enunciados. Primeiramente, as causas deverão versar exclusivamente sobre direitos humanos pertinentes a tratados ou convenções internacionais a que o Pais tenha aderido.

            A demanda deve envolver grave violação a estes direitos, havendo necessidade do deslocamento da competência para assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes dos instrumentos internacionais acima mencionados. Contrario sensu, deverão existir elementos que indiquem que um julgamento na justiça de origem não assegura a exata apreciação da violação e o cumprimento das obrigações.

            Por fim, o julgamento do incidente pelo STJ carece de provocação fundamentada do Procurador-Geral de Justiça. Observa-se, portanto, que se trata de uma competência condicional.


13- JUSTIÇA DO TRABALHO

            O artigo 111 teve três parágrafos revogados, sendo acrescido um artigo 111-A. Este último muda a composição do TST. O número de Ministros continua sendo de 27, com nomeação pelo Presidente da República, mas a provação do senado deverá se dar pela maioria absoluta do senado.

            A escolha se um quinto dos membros será dentre advogados e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de atividade, observado o artigo 94. Os demais serão escolhidos junto aos Tribunais Regionais do Trabalho.

            Junto ao TST funcionarão a Escola nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, nos mesmos moldes dos órgãos existentes junto ao STJ.

            A redação do artigo 112 é nova, pois suprime a menção à necessidade de um TRT em cada Estado e Distrito Federal. A competência da Justiça do Trabalho foi significativamente ampliada nas alterações do artigo 114.

            A anterior redação era sintética e mencionava apenas os dissídios individuais e coletivos, e, na forma da lei, as controvérsias decorrentes das relações de trabalho e sentenças oriundas da própria justiça trabalhista. A nova redação é ampla e apresenta menção de vários casos. O inciso I menciona as "ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios".

            Estas demandas são aquelas onde a relação de trabalho figura como elemento da causa de pedir e são discutidos consectários desta relação, vale dizer, direitos e deveres cuja causa reside nela. Cumpre mencionar que não estão abrangidos os casos de ações onde a relação é estatutária. De fato, a redação anterior do dispositivo já mencionava "relação de trabalho", e o entendimento predominante é de que a competência no caso de servidores sujeitos ao regime estatutário era da justiça comum, estadual ou federal. [11] Não há motivo para entender-se que as relações estatutárias tenham a competência alterada para apreciação dos litígios delas decorrentes, uma vez que mantida a mesma expressão.

            Logo, a menção aos entes da administração direta e indireta é pertinente exclusivamente à relações celetistas, embora existam respeitáveis opiniões que advogam solução diversa.

            O inciso II elenca as ações que envolvem o exercício do direito de greve. Aqui, ao revés, na ausência de especificação, a interpretação deve ser abrangente. Vela lembrar, porém, que interditos proibitórios para ingressos em estabelecimentos em vista de "piquetes" não apresentam na causa de pedir elementos de direito trabalhista, não estando abarcadas na categoria de ações relativas a greve.

            O inciso III menciona "as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores" também na ausência de qualquer restrição, todos os sindicatos devem ser considerados.

            O inciso IV trata dos "mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita a sua jurisdição". É difícil conceber-se hipótese de habeas corpus em matéria trabalhista, pois não há jurisdição criminal no âmbito desta Justiça. Os mandados de segurança, todavia, são bastante comuns, e mais recentemente podemos apontar os mandados de segurança visando o desconto das contribuições sindicais ou confederativas. [12]

            O inciso V refere "os conflitos de competência entre órgão de jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no artigo 102, inciso I, alínea ‘o’." A alínea em questão refere-se aos conflitos de competência entre so STJ e os demais Tribunais Superiores.

            O inciso VI versa sobre "as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho". Mais uma vez se afirma que a relação trabalhista tem de fazer parte da causa de pedir como fato relevante. Não é o simples fato de o evento causador do dever de indenizar ter se dado em ambiente de trabalho. Tampouco basta que este evento tenha se dado na execução de um serviço relativo a relação trabalhista. É mister que figurem como partes, direta ou indiretamente, da demanda as partes da relação jurídica material trabalhista, e que a relação esteja à base da causa de pedir. Uma ação de indenização proposta contra terceiro, em vista de evento ocorrido quando o trabalhador exercia seu ofício, não se enquadrará nesta hipótese, salvo se voltar-se também contra o empregador. Face ao terceiro, não tem importância alguma a relação de trabalho. Diversamente, se o evento foi protagonizado por outro trabalhador da mesma empresa ou órgão, há motivo para competência da Justiça do Trabalho.

            No inciso VII, constam "as ações relativas à penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho". Qualquer espécie de ação, sendo que normalmente as ações propostas com esta temática visam exatamente anular a imposição da penalidade.

            Também estão incluídas, no caso no inciso VIII, as execuções das contribuições previstas no artigo 195, inciso I, alínea "a", e II, e acréscimos legais provenientes de sentença. Tratam-se das contribuições da seguridade social, hoje da alçada da Justiça Federal comum.

            Os parágrafos 2º e 3º do artigo 114 também foram modificados. Na redação anterior, recusada a arbitragem, poderiam os sindicatos ajuizar dissídio coletivo. Na nova redação, nas mesmas circunstâncias, podem as partes, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça Trabalhista, ao decidir o conflito, observar também as disposições convencionais anteriores.

            O parágrafo 3º antes tratava da execução oficiosa das contribuições previdenciárias, e agora passou a versar sobre a possibilidade de o Ministério Público do Trabalho ajuizar dissídio coletivo em caso de greve em atividade essencial e ante a possibilidade de lesão ao interesse público.

            Também as disposições pertinentes à composição dos Tribunais Regionais do Trabalho foram modificadas. Estes órgão passarão a ser constituídos por, no mínimo sete juizes, nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco, recrutados, se possível, na respectiva região, sendo um quinto entre advogados e membros do Ministério Público do Trabalho, com mais de dez anos de atividade, e os demais por promoção de Juizes do Trabalho, em alternância de antigüidade e merecimento.

            Nos parágrafos 1º e 2º deste artigo, está prevista a possibilidade de descentralização das atividades dos Tribunais Regionais do Trabalho, através de órgãos julgadores e da justiça itinerante.


14- JUSTIÇA DOS ESTADOS

            No artigo 125 da Constituição foram inseridos três parágrafos, com alteração da redação de outros dois. No parágrafo 3º do artigo 125, a novidade reside na menção aos juizes de direito como integrantes do primeiro grau de Justiça Militar Estadual (antes eram mencionados somente os Conselhos de Justiça).

            No parágrafo 4º há importante modificação. Foram inseridas nas hipóteses de competência da Justiça Militar Estadual as ações judiciais contra atos disciplinares militares. Cuida-se das ações de revisão ou anulação de penalidades administrativas. A segunda hipótese consiste na ressalva da competência do júri para julgamento dos crimes praticados contra vítima civil. A questão da competência nos delitos cometidos por militares, sobretudo por policiais militares, gerou intermináveis controvérsias, que somente foram esclarecidas a partir do advento da Lei nº 9.299/96, que atribuiu a competência, em caso de vítima civil, à justiça comum À luz deste critério, e contrario sensu, o delito cometido por policial militar contra outro militar já era da alçada Justiça Militar. [13] Mas deveria ser observado se estava no exercício de suas funções, pois como lembra o julgamento do Conflito de Competência nº 27642/SP [14], "é da competência da Justiça Estadual Comum julgar tentativa de homicídio praticada por policial militar, fora de suas funções, em razão de dívida de cheque, contra colega, ainda que com arma da corporação."

            Agora não resta dúvida de que se a vítima é civil, prevalecerá a competência do Júri.

            É importante lembrar que mesmo a redação anterior mencionava os crimes militares definidos em lei. Logo, delitos como o abuso de autoridade refugiam (e assim continuam) da competência da Justiça Militar.

            Ao observarmos o parágrafo 5º, entendemos o motivo de o juiz togado ter sido mencionado especificamente no parágrafo 3º. É que o artigo 5º estabelece uma distribuição horizontal de competência, determinando que o juiz togado irá julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações relativas a atos disciplinares, ficando o julgamento dos demais crimes sob a competência do Conselho de Justiça, com a presidência do juiz togado. A única finalidade lógica que pode ser atribuída a esta nova compleição é a de afastar o corporativismo dos julgamentos que envolvem terceiros (civis) ou a impugnação de atos administrativos nos quais pode haver interesse, direto ou indireto, dos julgadores militares.

            Os parágrafos 6º e 7º condensam disposições relativas à descentralização da atuação da Justiça Estadual, nos moldes das já vistas para a Justiça Federal e do Trabalho.

            O artigo 126, por fim, recebeu modificação para permitir que sejam criadas varas especializadas para questões agrárias. A redação anterior, que trazia a possibilidade de designação de magistrados de entrância especial para esta finalidade, parece muito mais lógica. O número de conflitos fundiários em cada localidade não é significativo a ponto de justificar uma vara especializada. Aliás, a presença de conflitos desta natureza em determinado local pode ser essencialmente transitória. Por outro lado, a criação de uma vara com jurisdição ema ampla área territorial a fim de abarcar número de ações que justifique seu funcionamento, pode ensejar dificuldade de acesso das partes, como no caso de uma vara com jurisdição sobre todo um Estado, ou uma região específica dele. Terão as partes envolvidas, tanto mais quando em voga conflitos coletivos, condições de se deslocar até a sede do juízo?


15- SÚMULA VINCULANTE

            Outro ponto extremamente controvertido, e que com o controle externo constituem os mais polêmicos, é a adoção do precedente vinculante, ou da denominada súmula vinculante.

            O instituto amealhou críticas ao argumento de que tolheria a liberdade de decisão e a independência funcional do magistrado e que poderia induzir a um "engessamento" do Direito.

            Os defensores, por outro lado, lembravam que a grande massa de demandas versa sobre matérias estritamente de direito e normalmente pacificadas, não havendo sentido em se prolongar discussões estéreis, cujo deslinde é de antemão sabido.

            De minha parte, manifestei-me favorável ao instituto desde que condicionado a periódica revisão dos paradigmas jurisprudenciais. [15] De fato, a revisão periódica evitaria a natural tendência dos órgãos jurisdicionais em manter suas soluções. Também assinalei pela possibilidade de que as súmulas vinculantes pudessem ser instituídas dentro de cada corte, para o fim de orientar suas decisões, sujeitas à adaptação frente aos precedentes de tribunais superiores.

            As súmulas vinculantes foram adotadas, porém com amplitude bem menor. Destarte, consoante o novo artigo 103-A, somente o Supremo tribunal Federal poderá editá-las, mediante decisão de dois terços de seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, a qual terá efeito vinculante em relação aos demais órgão do Poder Judiciário e administração direta e indireta nas três esferas.

            Tanto a edição da súmula como sua revisão e cancelamento poderão se dar por provocação e de ofício.

            No parágrafo primeiro são delineados os contornos do instituto. O objeto da súmula será a validade, eficácia e a interpretação de norma determinada na esfera de atribuições do STF, ou seja, a norma terá de ser constitucional ou terá de envolvera interpretação de norma constitucional. Para legitimar o incidente, há necessidade de controvérsia entre órgãos judiciários entre si ou destes com a administração a qual acarrete dois efeitos a saber: grave insegurança jurídica e relevante aumento do número de processos. Note-se que é usado o aditivo "e", de modo que uma só das circunstâncias não basta. O juízo acerca da presença destes elementos é feito primeiramente pelo suscitante, para legitimar o pedido, e, posteriormente, pelo STF, a fim de editar ou não o verbete sumular.

            O parágrafo 2º estabelece que poderão provocar a aprovação, o cancelamento ou a revisão de súmula vinculante também os legitimados a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, independentemente do que venha a dispor a lei. Logo, eventual lei que venha regulamentar a legitimação e o procedimento da postulação de terceiros em relação a edição, revisão ou cancelamento deverá observar a obrigatoriedade da presença dos mencionados no artigo 103.

            Da aplicação incorreta de súmula ou omissão de aplicação caberá reclamação [16] ao STF, que anulará o ato administrativo ou cassará a decisão, determinando que novos atos sejam efetuados.

            Acredito que a adoção do instituto foi muito tímida e poderia ter sido estendida a todos os tribunais, ao menos com vigência dentro de cada corte, deixando-se livres os magistrados de primeiro grau para julgarem com plena liberdade. Assim os Tribunais, com base nas decisões do primeiro grau, poderiam aquilatar a realidade e ter elementos para análise acerca da manutenção, revisão ou cancelamento dos precedentes vinculantes.

            Também poderia ter sido adotada a súmula vinculante com obrigatoriedade ampla em relação ao STJ, no que concerne à matéria infraconstitucional.

            A inadmissão de recursos com base no precedente vinculante poderá reduzir significativamente os feitos em tramitação, contribuindo sobremaneira para a celeridade da tutela jurisdicional. O magistrado deve ter plena liberdade de julgar conforme a interpretação da lei, mas não há, sem dúvida, sentido em se proferir decisões, que sabidamente serão cassadas ou reformadas, por puro capricho pessoal, pois aplicação do Direito deve ser procedida com atenção à utilidade e razoabilidade.

            Vale lembrar, por fim, que somente súmulas editadas posteriormente à emenda poderão ser revestidas de vinculatividade. Admitir também para as anteriores sem uma confirmação esta condição desatentaria para o fato de que quando foram editadas não se tinha em mira a vinculatividade.


16- CONCLUSÕES

            A reforma, pelo que dela se falava antes de ocorrer, foi bastante limitada. Ainda assim, algumas medidas importantes foram tomadas, em especial o controle externo e a adoção da súmula vinculante.

            O controle externo, nos moldes em que aventado, apresenta alguns pontos de duvidosa constitucionalidade na medida em que interfere em situações onde está em voga a autonomia dos Estados Federados. Mas não represente em si um mal.

            A tripartição de poderes-funções que caracteriza o Estado contemporâneo de feição ocidental, escuda-se na premissa de que cada um deles tenha a possibilidade de interagir com os demais, formando uma posição de equilíbrio. A supremacia de um gera o desequilíbrio e é a semente da tirania. Mecanismos de controle interna corporis não asseguram uma fiscalização democrática e completa por parte da sociedade. O legislativo tem seus atos-fim fiscalizados pelo Poder Judiciário, que pode lhes negar aplicação se inconstitucionais. Também pode se dizer que o Pode Executivo pode exercer esta fiscalização, desde que se lhe outorgue a possibilidade de sponte propria deixar de aplicar lei inconstitucional. [17]

            O executivo pode ter seus atos contratados pelo Poder Judiciário. Mas e este último, quem pode questionar seus atos? Ora, a sua atuação somente sofre restrição pelo legislador na medida em que estabelece as feições ordinárias do exercício do poder sub especie jurisdicionis. Mas não há um controle permanente externo. Claro que existem órgãos internos, como as corregedorias, cuja atuação deve ser presumida como, legal, imparcial e absolutamente idônea. Porém, havia o clamor popular pelo controle externo, que não tolhe a liberdade e autonomia do magistrado, verdadeiras pilastras do Estado de Direito.

            Assim, o controle externo, se bem dimensionado e conduzido, não representa em si um mal, mesmo porque o Poder Judiciário nada tem a temer. Há problemas? Sim, todas as construções humanas os têm. Mas o controle externo será apenas mais uma forma, juntamente com a atuação dos órgãos internos, de os detectar e corrigir, e estes problemas não devem ser ocultados. Pelo contrário, devem ser revelados a bem da credibilidade do Poder Judiciário, onde os erros eventualmente cometidos são assumidos e corrigidos, buscando-se a transparência, que é fundamento da legitimidade, e que deve nortear todas as atividades do Estado.

            As súmulas vinculantes, de seu turno, constituem uma inarredável necessidade. Há um déficit de jurisdição que poderia ser ainda maior se as pessoas, exercendo plenamente sua condição de cidadão, conhecessem melhor seus direitos e a forma de os fazer valer. Boa parte deste déficit se deve ao vultoso número de processos, cujo peso se faz sentir, sobretudo, nos tribunais. Não é racional, neste contexto, prolongar contendas com discussões inúteis quando já se conhece o resultado. O direito federal deve ter, respeitadas as peculiaridades de cada região e de cada caso, uma interpretação-aplicação uniforme, pois o destino da demanda não pode depender fundalmentalmente do juízo em que proposta. Os temas já pacificados não podem ficar rendendo gastos e perda de precioso tempo.

            Desta forma, a súmula vinculante é uma solução que se bem aplicada poderá trazer excelentes resultados. Mas há que se assegurar que não sirva de mecanismo para comodismo. Acredito inclusive, que poderia ter sido adotada com muito maior amplitude.

            De qualquer forma, legem habemus, e temos de retirar a máxima eficácia e o melhor resultado possível dela em vista do objetivo maior do Direito: a justiça.

            Finda-se aqui, esta singela contribuição para o conhecimento e debate destas modificações, debates este que, espero, apenas principie.


NOTAS

            01 Ver Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 5a edição, São Paulo. Atlas, 1999, p. 518.

            02 Habeas Corpus nº 1999.03.00.046911-1/SP, 5ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Juiz Johonsom di Salvo, j. 08.05.2001, Publ. DJU 15.06.2001, p. 1253.

            03 Ad exemplum, Habeas Corpus nº 70002798239, 19ª Câmara Cível do TJRS, Rel. Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior. j. 28.08.2001.

            04 Dentre eles Estados Unidos, China, Cuba, Rússia, Coréia do Norte e Israel.

            05 Embora ainda se questione acerca do enquadramento do Ministério Público, se verdadeiro poder independente ou não, o certo é que está vinculado ao Pode Executivo.

            06 A hipótese de normas constitucionais inconstitucionais, embora controvertida, é admitida por setores da doutrina e teria ensejo quando normas oriundas do pode constituinte derivado afrontam normas estabelecidas pelo poder originário e pertinente ao cerne da Constituição.

            07 As taxas, como cediço, são cobradas opor serviço específico e divisível, o que é o caso.

            08 O fato de os tratados ingressarem no ordenamento a partir da Emenda nº 45/04 na condição de emendas à Constituição não afeta a possibilidade de que sejam inconstitucionais, pois conforme se observa na nota supra, é possível a inconstitucionalidade de norma constitucional, gerando a denominada inconstitucionabilidade.

            09 A respeito já tinha se manifestado o Supremo Tribunal Federal: "As decisões consubstanciadoras de declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive aquelas que importem em interpretação conforme à Constituição e em declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, quando proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de fiscalização normativa abstrata, revestem-se de eficácia contra todos (erga omnes) e possuem efeito vinculante em relação a todos os magistrados e Tribunais, bem assim em face da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, impondo-se, em conseqüência, à necessária observância por tais órgãos estatais, que deverão adequar-se, por isso mesmo, em seus pronunciamentos, ao que a Suprema Corte, em manifestação subordinante, houver decidido, seja no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade, seja no da ação declaratória de constitucionalidade, a propósito da validade ou da invalidade jurídico-constitucional de determinada lei ou ato normativo." (Rcl 2.143-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 06/06/03)

            10 A respeito, cita-se o Conflito de Competência nº 37154/RJ (2002/0149212-7), 3ª Seção do STJ, Rel. Min. Laurita Vaz. j. 25.06.2003, unânime, DJU 04.08.2003, p. 220, em cuja ementa consta: "1. Compete à Justiça Federal processar e julgar ação ordinária proposta por ex-servidor público federal, contratado por prazo determinado nos termos da Lei nº 8.745/93, que disciplina a contratação temporária para atender excepcional interesse público, em conformidade com o art. 37, inciso IX, da Constituição Federal, porquanto vinculado ao regime estatutário. Precedentes do STJ. 2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo da 1ª Vara Federal de Itaboraí, Seção Judiciária do Rio de Janeiro, ora suscitado."

            11 A primeira tem sido considerada obrigatória, ao passo que a segunda carece de autorização de assembléia ou de inexistência de cobrança da contribuição sindical por sindicato na base considerada.

            12 Ad exemplum, cita-se o Conflito de Competência nº 35670/SP (2002/0066124-9), 3ª Seção do STJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido. j. 11.09.2002, DJU 10.02.2003, p. 169, em cuja ementa se lê: compete à Justiça Militar Estadual processar e julgar crime de homicídio praticado por policial militar em atividade contra outro policial militar em idêntica situação (artigo 9º, inciso II, alínea "a", do Código Penal Militar). 2. Precedentes do STJ e do STF. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, o suscitante. " No mesmo diapasão o Conflito de Competência nº 31977/RS (2001/0061637-6), 3ª Seção do STJ, Rel. Min. Felix Fischer. j. 18.02.2002, Publ. DJ 11.03.2002 p. 163, em cuja ementa consta: "É da competência da Justiça Militar julgar homicídio praticado por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação, ex vi art. 9º, II, a do Código Penal Militar. Conflito conhecido, competente o Juízo Suscitante. "

            13 3ª Seção do STJ, Rel. Min. Felix Fischer. j. 09.02.2000, Publ. DJU 08.03.2000, p. 45

            14 Ver o meu "Vinculação ao Precedente. Problemas e Soluções", disponível nos sites http://www.mundojuridico.adv.com.br e http://www.jurid.com.br.

            15 O instituto é regulado pelo Regimento Interno do STF.

            16 A hipótese de o executivo deixar de aplicar lei inconstitucional suscita vívido debate, mas é admitida mesmo quando a norma origina-se de proposição deste poder, alegando-se que o interesse público deve prevalecer.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Apontamentos à Emenda Constitucional nº 45/04 e a reforma do Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 859, 9 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7508. Acesso em: 18 maio 2024.