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Eficácia institucional de dispositivos constitucionais.

A educação como defesa do Estado Democrático de Direito

Eficácia institucional de dispositivos constitucionais. A educação como defesa do Estado Democrático de Direito

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O texto revisita os processos jurídicos que deflagram a dicção da maturação constitucional e verifica se este é, na verdade, a maturação do próprio Estado, que se arrasta por nada menos que sete textos constitucionais.

1.Introdução

            A ineficácia de dispositivos constitucionais não é novidade na história brasileira. Ainda no império, a ilegitimidade de elites comprometia a efetividade de normas constitucionais com o intuito de gerir a máquina estatal em prol de grupos empenhados na monocromia do Estado. Sem risco de exagero, e à luz do entendimento de FAORO (2001), é possível afirmar que tal eficácia nunca foi alçada à prioridade do Estado na satisfação de seus titulares.

            A ancestralidade deste desvio jurídico-institucional permeou a evolução sócio-política do país, onde aprofundou raízes e inviabilizou a formação de uma personalidade nacional em fases distintas como no período pós-independência, na reformulação econômico-social após a abolição da escravatura [01], e nos primeiros passos da República.

            Como forma de justificar a ausência de eficácia destes dispositivos, via de regra o Estado invocava a realidade inegável de sua incapacidade de operacionalizá-los, em se pesando a intrínseca relação entre a extensão dos direitos positivados e as obrigações de uma entidade como o Estado, constituída exclusivamente para este fim.

            Uma visão primeira sustentou que o próprio Estado, na figura dos seus titulares, positivou obrigações muito maiores do que se poderia levar a efeito. Na leitura de MEIRELLES (1966, p. 489), em seu conceito de bem estar social, esta seria vertente bastante discutível, posto que confrontaria o potencial material e espiritual do Estado, fosse como produtor de normas ou gerenciador orçamentário.

            Neste sentido, a assunção de responsabilidades além da capacidade operacional do Estado, isto é, a teoria da "imprudência constituinte", respalda-se no registro de metas históricas sem que se considerasse a navegabilidade até aquelas. Fosse essa navegabilidade dependente de fatores externos ou não, o fato é que, neste viés, tanto mais verdadeiro seria o norte quanto mais transponível fosse-lhe o caminho.

            Esta vertente teórica recuou a partir dos dispositivos constitucionais que sucederam momentos ditatoriais no país, isto é, nas décadas de 40 e 90. O motivo foi a ausência de qualquer voz que a empunhasse após o ápice do período Varguista em 1937, e após a ordem militar de 1964, respectivamente. Desta forma, a teoria da imprudência constituinte teve que ceder lugar à outra dicção: a da "maturação constitucional".

            De forma genérica, poderíamos chamar de maturação constitucional a disposição das normas constitucionais em patamares diferentes de aplicabilidade, propiciando a classificação destas de acordo com sua eficácia (Temer, 2004). O efeito, entretanto, permanece o mesmo: a ausência de eficácia em vários segmentos positivados. Tanto quanto negá-las, reconhecer-lhes exclusiva futuridade conduziria à reedição do Estado do século XIX.

            Para De Luca (1999, p. 81), por carência de lastros culturais (diversidade étnica) e referências cívicas (ausência de personalidades heróicas) surgidas dentro do que poderíamos associar a acepção jurídica de Hesse (1991) sobre um estado de necessidade [02], o país passou a ser visto como um "gigante" ainda em franco desenvolvimento, um "país em obras", o que restou por gerar apatia técnica e política ante as necessidades de um Estado emergente.

            Neste sentido, uma teoria da maturação poderia não ser interpretação recente e que recaia tão somente sobre as normais constitucionais. Ao contrário, seria fator maior que se estende também sobre estas.

            Ainda que se reconheça certa presunção maturativa de parte dos dispositivos constitucionais, a teoria torna-se inaplicável aos princípios. Estes, que fundamentam o próprio modelo de Estado de Direito, são reconhecidos e universalmente solidificados desde o Iluminismo, adquirindo, portanto, formato ultraconstitucional. Esta questão da aplicação de um modelo de maturação toma contornos polêmicos quando estes dispositivos constitucionais são direitos. Contudo, não se pode propor a compensação de um com outro (ausência de direitos com aplicação de princípios), posto que o que se invoca é o direito e não o princípio, ainda que, sabidamente, o primeiro descenda do último.

            Também a eficácia de dispositivos constitucionais em bases maturativas confrontaria não apenas a via discursiva universal, mas daria margem a novas desagregações políticas – contramão do próprio sonho constitucional. Somente a partir da República o uso da norma, tal qual a exposição ao princípio, não mais dependeu de sua positivação. Problema sanado quanto à materialidade, o comando constitucional é hoje interpretado pela doutrina por vezes com reservas dialéticas quanto à sua forma, pelo prisma temporal da maturação e, ainda poucos, com vigor imperativo que exige imediata aplicabilidade.

            Contudo, a doutrina majoritária do Direito Constitucional classifica as normas constitucionais, a partir da óbvia aproximação dos seus objetivos prescritos. Desta forma, aquelas normas de eficácia plena, eficácia limitada e eficácia contida também representam as operacionalizações do comando constitucional. A lacuna que se abre entre estes modelos possibilita mensurar o quantum de realização se obteve dentro da proposta constituinte, mas não permite que se verifique sua aderência no próprio Estado. Com futuridade ou não, a presunção de eficácia permanece como essência da norma constitucional, posto que emana da vontade de forças sociais construtivas e, em seus respectivos momentos históricos, também irresistíveis.

            Para verificarmos a fixação doutrinária destes dispositivos, é necessário bipartimos de outra maneira a questão da eficácia. Assim, poderíamos teorizar sobre um conjunto de enfoques executivos chamando-o de Eficácia Operacional, isto é, o quantum de realização logrou-se com o comando constitucional, seja qual for o padrão de relativização desta eficácia.

            Quanto à aderência dos dispositivos constitucionais no consciente coletivo, independente de sua operacionalização, poderíamos teorizar sobre uma Eficácia Institucional. O objetivo é revisitar os processos jurídicos que deflagram a dicção da maturação constitucional e, mais importante, verificar se este é na verdade a maturação do próprio Estado, que se arrasta por nada menos que sete textos constitucionais, e quase duzentos anos de formação.


2.Eficácia Institucional – Conceituação

            A fim de visualizarmos com nitidez a Eficácia Institucional de dispositivos constitucionais, é necessária uma visão bastante sintética do que seria o seu desdobramento fático, isto é, a Eficácia Operacional. Pode-se resumir em conformidades, isto é, se o cidadão tem direito à saúde, então lhe dê serviços de saúde; se o cidadão tem direito à ampla defesa, permita-lhe o uso da ampla defesa. Tudo, obviamente, dentro dos limites fáticos do próprio Estado que também sensibilizarão toda a interpretação de sua aplicabilidade.

            Assim, uma Eficácia Operacional diria respeito ao objeto, sendo que as considerações atinentes resumem-se ao fato, à materialidade. Tem este enfoque caráter executivo dentro da proposta constitucional, posto que sua satisfação é tão somente o encontro positivo da obrigação assumida pela vontade constituinte com o direito consolidado pela mesma estrutura soberana.

            Ainda no que tange à Eficácia Operacional de dispositivos constitucionais, ou seja, seu estado objetivo, resta muito a ser consolidado. As dificuldades quase sempre recaem sobre os direitos sociais que, por óbvio, representam ao Estado grandes obrigações de investimentos. O Estado ainda se mantém distante da meta constitucional de 1988, e deste modo direitos submetem-se à sua capacidade financeira, interesse governamental, ou qualquer fator que venha exprimir a realidade social e global.

            Em tese, este distanciamento permite fôlego extra para uma teoria de maturação constitucional com especial relevância do aspecto econômico. Exemplo peculiar e que popularizou-se na partir década de 70, na macro economia ministerial, com a máxima "fazer crescer o bolo para depois dividir" [03]. O aspecto econômico desta maturação é bem desenvolvido por Joon Chang (2004), que ironiza como sendo o princípio da "boa governança" dos países em desenvolvimento imposta pelo colegiado de países industrializados.

            De qualquer forma, sendo a Eficácia Operacional a conjunção perfeita entre o comando constitucional e seus efeitos, e mesmo considerando todas as vertentes doutrinárias acerca da operacionalização destes comandos, e a sua consecução dependente de recursos mais substanciais, é lícito que nos perguntemos se esta constitui base única do desenvolvimento do Estado, em especial dos princípios e direitos.

            Quanto a Eficácia Institucional, é compreendido na doutrina jurídica que a discussão objetiva sobre a eficácia de dispositivos constitucionais – devido também às inegáveis carências de infra-estrutura em toda a nação – por anos tem inibido a problemática subjetiva, fazendo secundária a verificação da sua aderência na esfera social. Não raro dá-se o encurtamento do debate jurídico a cerca da subjetividade das normas constitucionais classificando-o como excessivamente doutrinário e despido de realidade. Realidade esta que seria, em Lassale (1862), o "grifo" da norma constitucional [04].

            A ação estatal, no que consiste em utilizar sistemas normativos na formação, é sem dúvida um instrumento de mudança social, ainda que esta mudança se dê em forma de manutenção do paradigma tido historicamente como ideal pela sociedade, isto é, uma mudança social ratificadora. Friedman [05] distinguia a mudança formal da comportamental como sendo esta última "mudança através do direito", cuja assimilação possibilitaria a extrapolação do enfoque legal.

            Neste sentido, a Eficácia Institucional de dispositivos constitucionais possibilita uma perspectiva reativa social de menor impacto, transmigrando novas mudanças sociais através do "filtro institucional" já estabelecido. De forma prática, este mecanismo poderia significar a aceitação ou não pela sociedade de um novo poder constituinte, o que dependeria não somente de suas propostas formais, mas principalmente da Eficácia Institucional obtida pela ordem jurídica.

            Em referência a Canotilho (1999) - que registra como sendo fatores de proteção de direitos e garantias individuais a restrição mutacional dos dispositivos (cláusulas pétreas), e a eficácia das normas constitucionais como um todo – poderíamos agregar certamente a Eficácia Institucional destes dispositivos, posto que a garantia de aplicabilidade não supre a aderência em nível social. Isto é, não haveria de se importar com a ausência de determinado direito ou garantia aquele que destes não tivesse conhecimento.

            Assim, comungando com o pensamento de necessidade de conservação de direitos e garantias, a busca pela Eficácia Institucional de dispositivos constitucionais é na verdade ação promotora de segurança jurídica e institucional. Quanto mais difundidos e arraigados os dispositivos tanto mais possível pela consciência geral a identificação de ilegitimidades.

            Ainda pouco se observa se estes dispositivos estão sendo solidificados no Estado Democrático de Direito, de forma que possibilitem sua invocação a qualquer tempo. Neste sentido, reflete-se também no campo constitucional o paternalismo do Estado enquanto entidade retilineamente "provedora" de direitos e deveres, em prejuízo do processo de estabelecimento da auto-imagem constitucional [06], isto é, a assunção da titularidade de direitos e obrigações por parte dos cidadãos.

            Contudo, é possível observar que a Teoria da Eficácia Institucional encontra consistente justificação doutrinária, em que pese, ainda, modelos concretos de aplicação em que o poder estatal atingiu grau satisfatório de representatividade, notadamente na República.

            Kelsen entendia que esta capacidade aderente da norma advinha da simbiose de dois universos no próprio Direito [07], considerando que uma norma hipotética sempre daria suporte a um sistema normativo. A Norma Fundamental (hipotética), portanto, não se alteraria diante das mutações de sistemas organizacionais.

            Ainda em Kelsen, a norma, por força própria, se elevaria à condição de reconhecimento na sociedade, bastando para tanto a observação dos seus aspectos formais garantidores de validade jurídica. É evidente que as ações do Estado, enquanto de Direito, não poderiam embasar-se única e exclusivamente no reconhecimento da norma, tendo assim que assumir esta característica de aceitação dentro da sua própria natureza coercitiva.

            Contudo, Piaget (1975) pondera acerca da posição de Kelsen ao registrar que este enfoque normativista de "pureza" não encontraria respaldo em dispositivos constitucionais, visto que a Norma Fundamental – que dá base para todas as outras dentro do ordenamento jurídico - não permite sua visualização sem conteúdo axiológico. Do contrário, segundo Piaget, não se teria o pronto reconhecimento da ordem jurídica, logo o princípio de validade de todas as normas inferiores estaria comprometido.

            Desta forma, se entendermos que o reconhecimento dos dispositivos constitucionais é pressuposto para a aplicação da estrutura normativa inferior, é lícito o entendimento que a aderência destes dispositivos, isto é, sua Eficácia Institucional, constitua fator primordial para a continuidade de determinada ordem jurídica.

            Não se confunde a Eficácia Institucional com a eficácia social. Esta última liga-se intrinsecamente à efetividade, enquanto a primeira não depende da efetividade porquanto sua mensuração não se faz com base no uso do dispositivo, mas através de características subjetivas sinalizadoras da construção da auto-imagem dos componentes do Estado.

            Para Ferraz Júnior (2003) uma norma se diz socialmente eficaz quando encontra na realidade condições adequadas para produzir seus efeitos, e que, embora a capacidade realizadora da norma debruce sobre a realidade do Estado, a norma constitucional tem o objetivo, também, de produzir efeito ideológico.

            Neste sentido, a Eficácia Institucional de dispositivos constitucionais também é produção de efeitos, não no campo fático, mas na esfera ideológica, desencadeando a observação espontânea dos dispositivos pelo reconhecimento geral pelos atores do Estado de Direito.

            A Eficácia Institucional é essencialmente informação. Sua substância constitui especial instrumento de consolidação das vontades sociais positivadas na Constituição, servindo de lastro para as diversas ações do Estado, e formando base suficiente para correções de percursos de forma politicamente menos traumática.

            Para Ferreira Filho (2001) o regime [constitucional] depende da existência de uma opinião pública ativa e informada. Destarte, a característica de uma opinião pública ativa advém da liberdade firmada na própria Norma Fundamental, e o caráter informativo deste e de outros dispositivos constitucionais tem como conseqüência a aderência do modelo determinado pela ordem jurídica positivada, o que reforça o pragmatismo das normas até o ponto ideal onde se faz perene seu melhor sentido aplicável.

            A busca pela Eficácia Institucional consiste também na aderência de elementos formadores da própria Constituição. Estes elementos, em comunhão com Afonso da Silva (2001), poderiam ser organizadores, limitadores do poder estatal, ou claramente ideológicos. Registra ainda o jurista que o sentido jurídico de Constituição não se obterá se a apreciarmos desgarrada da totalidade da vida social, sem conexão com o conjunto da comunidade. Materializa-se também nestes dispositivos a preocupação coletiva de consolidação do correto sentido (jurídico, sociológico ou político) de aplicabilidade que, como de regra, frisam as melhorias necessárias em relação ao modelo até então vigente. Daí também se valida a presunção de eficácia de um dispositivo constitucional.

            Como vertente doutrinária de uma eficácia plena, a Eficácia Institucional não visaria, em sentido estrito, a efetividade dos dispositivos constitucionais, mas tornaria permeável a base da titularidade constituinte para a consecução deste objetivo.

            Assim, o Estado Democrático de Direito age visando à eficácia operacional de dispositivos constitucionais, mas também age em sistemas formadores visando sua continuidade. Estes sistemas formadores e fixadores da base doutrinária de um paradigma podemos entender, também, como parte indissociável do processo de Educação.

            A Eficácia Institucional tramita, necessária e seqüencialmente, pelo novo ordenamento estabelecido (lastro normativo), desmembrando-se em seguida através da educação, transformando-se em um dos instrumentos protetores de direitos [08], servindo ao propósito constitucional.

            Não obstante a colocação sociológica de Ferdinand Lassale (1862) acerca da dualidade da Constituição - Jurídica e Real -, é em Hesse (1999) que reencontramos nossa dicção. Chama o jurista de "vontade de Constituição" a práxis dos seus dispositivos, não dependendo tão somente de seu conteúdo. Assevera o jurista que se impõe ao dispositivo constitucional a obrigação de ser compreendido não somente como ordem legitimada pelos fatos, mas através de atos da vontade dos titulares do Estado.

            Neste sentido, dá-se a formatação do Estado também através do exercício teórico dos dispositivos constitucionais, transformando-os em força ativa através de sua fixação no consciente coletivo. Cuida Hesse de afirmar que quanto mais intensa for a vontade de Constituição, menos significativas hão de ser as restrições e os limites impostos à força normativa da própria Constituição.

            Assim, é possível afirmar que a busca da Eficácia Institucional de dispositivos constitucionais agrega-se às medidas de defesa contra arbítrios, em que pese, ainda, sua característica de suscetibilidade devido à "ausência de garantias externas para o cumprimento de seus preceitos" [09], posto que ordem máxima do Estado.

            A educação formal, embora não seja a única via para a Eficácia Institucional de dispositivos constitucionais, nos remete ao discurso inconteste sobre a necessidade de seu oferecimento a todos os cidadãos, nos moldes saudáveis ao Estado. Esta dicção, embora se registrasse com ênfase no Brasil somente a partir dos anos 30, veio se solidificando desde antes da Revolução Francesa, nas disputas entre os intelectuais e os jesuítas pela base educacional da França.

            Foi no período pós-revolução, entretanto, que se denotou grande importância à educação como caminho da Eficácia Institucional, sendo que sua aplicação foi configurada na condição de prioridade. A fixação destes dispositivos na França pós-revolução deu-se através de modelos tanto entusiastas quanto o preceito da nova liberdade permitisse.

            É do Marquês de Condorcet – iluminista defensor da educação pública – a idéia de liberdade pedagógica no ensino, buscando, entretanto, a aderência de valores que viria retirar para sempre o indivíduo da condição servil, enquadrando-o na condição de titular de direitos. Pouco antes de sua morte em 1794, Condorcet registrava que uma das finalidades da educação era "conhecer e exercer seus direitos, conhecer e cumprir seus deveres". Seu modelo de ensino até hoje é baliza do sistema educacional francês. Levar o povo a conhecer seus direitos e obrigações institucionais era fundamental à solidificação da auto-imagem do cidadão livre. Nascia assim a missão de se firmar o Estado Democrático de Direito através da educação formal, que seria regida com vistas à Eficácia Institucional dos dispositivos contidos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

            Nos Estados Unidos, desde a sua independência no século XVIII, a Eficácia Institucional é tida e defendida em vários níveis da educação formal, pública ou privada. Thomas Jefferson – um dos patronos da independência daquele país - registrou que "os povos são guardiões da sua própria liberdade", e que a educação americana com base histórica era fundamental para o desenvolvimento de "virtudes democráticas".

            Segundo o U.S. Department of Education [10] (ED) é obrigatória a disciplina História Americana [11] até o ensino médio naquele país, sendo seu currículo também testado anualmente por aquele órgão governamental. O principal tópico desta disciplina curricular americana é o estudo da Constituição. Em 2001, entretanto, um senso educacional verificou o alarmante aproveitamento em algumas high schools no quesito História Americana, chegando a menos de 50%. Não obstante, havia relação deste índice com a taxa de pobreza das famílias, em especial em Vermont e Massachusetts.

            Um projeto que envolveu políticos e comunidade teve o objetivo de corrigir tal distorção a partir de ações de universidades, poder público e iniciativa privada, com suplementação de recursos financeiros e técnicos aos programas de recuperação escolar. A ação política baseou-se no entendimento de que se estava comprometendo a cultura liberal e colocando em risco a democracia, muito embora os estudantes mantivessem boas médias em disciplinas voltadas ao desenvolvimento econômico do país. Não obstante, estava-se perdendo aderência dos dispositivos constitucionais, e o fluxo imigratório àquele país que não encontrasse lastro educacional histórico poderia gerar desigualdades civis ainda maiores.


3.A Eficácia Institucional no Brasil

            O Estado brasileiro também possui vários exemplos de busca pela Eficácia Institucional, muitos deles ainda permeiam a memória recente do país. A maioria em mídia impressa, mas nem todas se elevaram à condição de referencial jurídico. Bons exemplos são os periódicos da corte no Brasil colônia, e os encartes iluministas que entravam no país por meio da ebulição política na Bacia do Prata no século XIX [12]. Estes últimos, por óbvio, são referenciais historiográficos sem um perfeito enquadramento em nosso tema, posto que veiculavam informações contrárias aos paradigmas constituídos da época, mas produziam eficácia no processo de consolidação da então desejada república dos pampas.

            De Luca (1999) registra que a Revista Brasil, que circulou entre 1916 e 1925, sustentou a missão de irradiar dispositivos da Constituição Republicana de 1891. Nos recentes anos 60 foram os "Cadernos do Povo Brasileiro", e nos anos 80 chamaram a atenção os fascículos da coleção "Primeiros Passos" [13]. Estas mídias, entretanto, não eram alicerçadas na determinação estatal de aderência de dispositivos de direito. Eram muito mais externalizações não governamentais, sem dúvida a serviço da informação, mas bem pouco focadas nas questões constitucionais formadoras, caracterizando-se pelo seu cunho pontual.

            Por outro lado, não podem ser esquecidos os procedimentos do Projeto Rondon e o ativo programa de rádio "A Voz do Brasil", que se transformaram em referenciais de comunicação institucional.

            Um exemplo mais recente, e ímpar na textura jurídica, é a obra da Academia Paulista de Magistrados (Netto, 2003) que produziu uma cartilha ilustrada sobre a Lei 10.406/02 – Novo Código Civil. Neste material fica especialmente clara a busca da Eficácia Institucional de dispositivos constitucionais.

            As iniciativas não governamentais, portanto, sempre alcançaram extraordinário movimento dentro do Estado. Necessário que se pondere, contudo, a capacidade de difusão por ocasião da mídia e por ocasião do custo, ainda que simbólico, inacessível á grande parte da população. É, outrossim, a contribuição que a sociedade dá à si própria, cumprindo os próprios preceitos constitucionais, mas não consegue caráter compensador da educação ministrada pela formalidade do ensino. Esta, como obrigação do Estado, é mecânica de abrangência infinitamente maior e duradoura, sólida e funcional, capaz de atingir o cerne da problemática da aderência dos dispositivos constitucionais no consciente coletivo dos titulares do Estado.

            Sempre se dividiu a responsabilidade da educação ao Estado e a sociedade, sendo que a parte que caberia ao Estado fica formalizada através do ensino (escola). Quanto à responsabilidade da sociedade na educação, esta recai sobre sua célula mãe: a família, embora reste certo que o modelo familiar passa por modificações importantes desde a revolução industrial. A Constituição Federal de 1946 trazia em seu artigo 166 :

            "A Educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana".

            Não registrava a Carta, entretanto, qualquer sinalização analítica sobre o tema. Contudo, em 1961 houve inserção de dispositivo ordinário que conduz diretamente à Eficácia Institucional através da lei n° 4.024 de 20 de dezembro de 1961 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:

            "Art. - 1° A educação nacional, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fim:

            a) a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade".

            É bastante claro que a alínea "a" do dispositivo não alude ao direito material (Eficácia Operacional), mas sim à fixação destes direitos (Eficácia Institucional), tomando esta última como uma das finalidades da Educação.

            Muito provável que a lei 4.024/61 fosse uma tentativa do governo de João Goulart não de obstar o golpe militar iminente, mas de diminuir-lhe o potencial à medida que encontraria uma sociedade civil mais familiarizada com seus direitos individuais e coletivos, e sobre a formação do Estado. Os direitos a que se refere o dispositivo da lei 4.024/61 reencaminhavam o conteúdo normativo da Constituição Federal de 1946, que era representativa quanto à forma e muito positiva quanto aos direitos. O conhecimento do Estado era de suma importância para o afastamento de sistemas ilegítimos, fosse não permitindo a dilapidação constitucional, ou exigindo nova assembléia constituinte quando de nova ordem [14]. O processo, entretanto, na época, corria contra o tempo.

            Foi a partir do golpe militar de 1964, que se intensificou a busca da Eficácia Institucional dos direitos, deveres e princípios constitucionais. Com o Ato Institucional nº 2, em 1967, modificou-se o texto constitucional de 1946 sendo criado outro paradigma.

            A Emenda Constitucional nº 1 de 1969 alterou o texto constitucional de 1967 inserindo nova redação a partir do artigo 1º. Houve suspensão, flexibilização ou supressão de direitos normatizados em nível constitucional, em detrimento de outros emergentes como o da "segurança nacional", que constava dos textos constitucionais de 1967 e de 1969.

            Já em 1969 a nova ordem, erigida em 1964, vez que não logrou completo êxito no processo revolucionário pela Eficácia Operacional, investiu na vertente comportamental das normas, isto é, na busca da Eficácia Institucional.

            O decreto lei 869 do mesmo ano trouxe a obrigatoriedade do ensino de Educação moral e Cívica para primeiro e segundo graus, e de Estudos de Problemas Brasileiros para ensino superior. Importante notar que a alínea "f" do dispositivo legal possui exatamente a mesma formatação da alínea "a" do artigo 1º da lei de Diretrizes e Bases da Educação do governo democrático de 1961.

            "Art. 2º A Educação Moral e Cívica, apoiando-se nas tradições nacionais, tem como finalidade:

             ... f) a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhecimento da organização sócio-político-ecônomica do País;

            Em 1971 passou a vigorar a lei n° 5.692 que traçava novas diretrizes educacionais, e alterou ainda mais substancialmente a parte estatal da Educação (ensino), em especial do 1° e 2° graus. Mais uma vez, é interessante notar que a nova lei não revogou as bases da Educação estabelecidas no artigo 1° na lei 4.024/61, e que buscava a Eficácia Institucional dos dispositivos constitucionais, muito embora revogasse outros pontos através do seu artigo 87. Por óbvio, o dispositivo legal servia à consolidação do conteúdo normativo da nova ordem constitucional.

            O fato da lei 5.692/71 não revogar por completo as Diretrizes e Bases da Educação de 1961 (lei 4.024) também gerou controvérsia no próprio meio doutrinário da nova ordem.

            Renan (1978), texto de vários cursos de universidades brasileiras na década de 80, classifica a lei 4.024/61, ainda vigente à época, como material de cunho marxista e "praticamente neutra", devendo ser re-interpretada sempre à luz do novo ordenamento constitucional.

            Por toda a década de 80 o Estado buscou a máxima eficácia com ações operacionais e a aplicação de uma educação formal voltada para a solidificação do modelo vigente, como forma de extirpar um viés ideológico que já não competia com o princípio revolucionário de 1964.

            Faltava, entretanto, o retorno da democracia e sua positivação em dispositivos constitucionais livres, pois a Eficácia Institucional é ferramenta que visa tão somente à aderência da ordem jurídica estabelecida no texto constitucional, mas não tem o condão de transfigurá-la. Esta função modificadora do paradigma veiculado institucionalmente é atribuição dos titulares do Estado no aspecto operacional.

            A Constituição Federal de 1988 reafirma o aspecto educacional dentro das obrigações do Estado em seu artigo 205:

            "A Educação, direito de todos e dever do Estado e da Família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania, e sua qualificação para o trabalho".

            Tanto este dispositivo quanto aquele da Constituição de 1946 (art. 166) registram a conjunção de direitos e princípios, mas fica latente o foco operacional da vontade constituinte (a Educação é direito e dever).

            Podemos ponderar que o dispositivo de 1988, entretanto, sinaliza a Eficácia Institucional de forma tímida. Na intenção de abarcar o máximo possível de variáveis, e abandonar as mazelas ditatoriais, acaba o dispositivo sendo muito vago no aspecto subjetivo:

            "...visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania...".

            Por outro lado, o dispositivo constitucional já possuía o meio ideal para sua Eficácia Institucional, visto que ainda encontrava-se vigente o art. 1º da Lei 4.024/61 com toda sua condição formadora.

            Neste sentido a seqüência institucional perfeita teria se iniciado, posto que agora o Estado possuía um texto constitucional democrático, bem como lhe era assegurado o veículo ideal para fixá-lo via educação.

            Com a lei 8.663 de 14 de junho de 1993 o Estado retirou a base doutrinária da ditadura, porquanto revogou o Decreto Lei 869 de 1969, pondo um fim à "cartilha revolucionária" de 1964:

            "Art. 1º É revogado o decreto-lei nº 869, de 12 de dezembro de 1969, que dispõe sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País e dá outras providências."

            Esta mudança implicaria, em tese, que os dispositivos constitucionais, já sem os óbices ditatoriais [15], poderiam fluir por todo o Estado Democrático de Direito, sendo que, ainda, a norma alocava a reserva horária ao estudo das ciências humanas e sociais:

            "Art. 2º A carga horária destinada às disciplinas de Educação Moral e Cívica, de Organização Social e Política do Brasil e Estudos dos Problemas Brasileiros, nos currículos do ensino fundamental, médio, e superior, bem como seu objetivo formador de cidadania e de conhecimento da realidade brasileira, deverão ser incorporados sob critério das instituições e dos sistemas de ensino respectivo às disciplinas da área de Ciências Humanas e Sociais." (grifo nosso).

            Nota-se que não foi retirada a busca da Eficácia Institucional (grifo) da proposta de educação formal, mas houve tão somente a transferência desta para outros subsistemas didáticos condizentes com o novo paradigma do Estado, isto é, do modelo ditatorial para o modelo democrático, em perfeita sintonia com o dispositivo constitucional. Também fica mantido o aparato formador da lei 4.024/61, ainda em vigência, que dispõe em seu artigo 1º que a educação nacional tem por fim "a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado...".


4.A decadência da Eficácia Institucional na educação

            Em 1995 a lei 9.131 dá outro formato às Diretrizes e Bases da Educação nacional efetuando alterações administrativas na lei 4.024/61. Verifica-se nesta nova norma sua influência quase que exclusivamente operacional, mas ainda sem alterar o artigo 1º da lei 4.024/61. Houve amplitude burocrática na educação formal com manutenção do propósito de aderência do Estado à luz dos dispositivos constitucionais e, ordinariamente, no que prescrevia a lei 8.663/93.

            Entretanto, em 1996 foi criada a lei 9.394 compilando a nova LDBE – Lei de Diretrizes e Bases da Educação – que consolida os programas para todos os níveis do ensino nacional. Esta norma revogou por completo a lei 4.024/61, e inseriu um novo conceito pedagógico em substituição àquele de 1961, trazendo uma substancial diferença em relação à proposta de aderência constitucional.

            Pode-se fazer um comparativo entre a LDBE de 1961 (lei 4.024) e a LDBE de 1996 (lei 9.394) a fim de verificar suas propostas de Eficácia Institucional, em que pese ainda o fato de ter esta última o respaldo de uma Ordem Jurídica fincada em preceitos da Carta Magna de 1988, tida como a mais democrática da história do país:

            Lei 4.024/61

            "Art. 1° - A educação nacional, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fim:

            a) a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade." (grifo nosso)

            Lei 9.394/96

            "Art. 2º- A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho." (grifo nosso)

            Observa-se aqui o recuo da Eficácia Institucional na educação, posto que o primeiro texto normativo referia-se a conteúdos bem mais concretos: "a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado...", e o segundo texto caminha pela abstração: "....seu preparo para o exercício da cidadania", motivo pelo qual pôs-se a trabalhar com generalidades e não com a didática de direitos e deveres. Não possuem os dois comandos normativos, portanto, a mesma mecânica de eficácia. A mesma norma, ao referir-se ao ensino (porção da educação fornecida pelo Estado) conjuga em seu artigo 3º, como reprodução do artigo 206 da Constituição Federal, ainda menos o objetivo da aderência, porquanto não sinaliza a necessidade de fixação, mas tão somente de referenciais para pacificação social (liberdade, igualdade), e condução administrativa do processo (gestão, valorização, qualidade):

            "Art. 3o - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

            I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

            II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;

            III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;

            IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;

            V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

            VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

            VII - valorização do profissional da educação escolar;

            VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;

            IX - garantia de padrão de qualidade;

            X - valorização da experiência extra-escolar;

            XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

            Quanto ao currículo do ensino, a lei 9.394/96 trouxe diretrizes para sua elaboração com a aposição de comandos igualmente abstratos:

            "Art. 27 - Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes:

            I - a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comam e à ordem democrática;" (grifo nosso).

            No final de década de 90 o Estado recebeu de entidades ligadas ao Ministério da Educação um projeto didático contendo otimização e padronização de procedimentos, além de inovação pedagógica acerca dos temas afetos ao ensino fundamental (1ª a 8ª série – 7 a 14 anos). Este projeto chamava-se Parâmetros Curriculares Nacionais. Dentro destes Parâmetros, ou PCNs, a Eficácia Institucional de dispositivos constitucionais foi mitigada para aporte de assuntos difusos e, na visão governamental, operacionalmente importantes, com base ainda na capacidade de assimilação dos temas em cada faixa etária.

            Assim, nos PCNs surgiram os Temas Transversais, que consistem até hoje em veiculo dos dispositivos peculiares à realidade social brasileira, sendo esses temas a Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde e Orientação Sexual, Trabalho e Consumo. Estes dois últimos ministrados aos estudantes da segunda metade do Ensino Fundamental (5ª a 8ª série – 11 a 14 anos). A concretização do Estado Democrático de Direito, do ponto de vista da Eficácia Institucional, dependeria, a partir deste ponto, não mais de orientação focada no direito, mas em multidisciplinariedades capazes de abarcar conteúdos operacionais em detrimento das matérias de cunho formador.

            Ordinariamente à lei 9.394/96, a Câmara de Educação Básica do Conselho de Educação instituiu diretrizes curriculares especiais para o Ensino Médio através da Resolução CEB nº 3, de 26 de junho de 1998. Nela se consubstanciam três princípios educacionais: estética da sensibilidade, política da igualdade, e a ética da identidade. Estes princípios deveriam ser observados na organização curricular daquele nível de ensino, o qual, segundo a UNESCO, comportaria alunos entre 15 e 17 anos de idade.

            Estes princípios curriculares – art. 3º da Resolução CEB n° 3 – conquanto desmembramentos operacionais dos princípios exigidos pela lei 9.394/96 (LDBE), tinham a finalidade de alicerçar a dinâmica da formulação curricular do Ensino Médio:

            "III – a Política da Igualdade, tendo como ponto de partida o reconhecimento dos direitos humanos e dos direitos e deveres da cidadania, visando à constituição de identidades que busquem e pratiquem a igualdade no acesso aos bens sociais e culturais, o respeito ao bem comum, o protagonismo e a responsabilidade no âmbito público e privado, o combate a todas as formas discriminatórias e o respeito aos princípios do Estado de Direito na forma do sistema federativo e do regime democrático e republicano."(grifo nosso)

            Observamos aqui (grifos) a intenção da Eficácia Institucional de dispositivos constitucionais, posto que tratam diretamente dos Direitos Individuais e da formação do Estado, muito embora faça diferentes referências entre norma e princípio. No texto é expresso que a educação como obrigação do Estado, através do ensino, constitui elemento fixador do próprio Estado Democrático de Direito. A proposta de Eficácia Institucional, contudo, não se sustentou, porquanto em 1998 o Estado recebeu o censo educacional do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística -IBGE e, como comanda a Constituição Federal (art. 214), elaborou projeto de gestão dos problemas indicados naquele relatório estatístico, dando origem à lei 10.172/2001 em que aprova o Plano Nacional de Educação [16].

            Entre as constatações das estatísticas governamentais está a precária situação das escolas brasileiras, o alto índice de evasão escolar, e o atraso no acesso aos níveis de ensino em relação à faixa etária. Chamou a atenção a situação especial do Ensino Médio onde faltavam vagas nas escolas, ficando este nível do ensino em situação de estrangulamento operacional também devido à presença de pessoas com idade superior a 18 anos (atraso escolar).

            Foram muitas as conseqüências do plano, como a obrigatoriedade de ensino de 8 anos (7 a 14), e diminuição da progressão meritocrática neste período a partir de uma metodologia garantidora de maior fluxo de alunos entre os níveis de ensino, com vistas a compensar repetências e liberar espaços operacionais àqueles que adentram no sistema escolar.

            Ainda no anexo da lei 10.172/2001, os objetivos do Plano Nacional de Educação traçam prioridades para o Ensino Fundamental (7 a 14 anos), sendo que esta prioridade externa a Eficácia Institucional à medida que incluía:

            "o necessário esforço dos sistemas de ensino para que todas [as crianças] obtenham a formação mínima para o exercício da cidadania".

            Contudo, a referência normativa para a Eficácia Institucional não fica demonstrada no artigo 210 da Constituição Federal que prescreve:

            "Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos nacionais e regionais." É, outrossim, demonstrada no seu artigo 205: "(...) visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania...".

            Esta hermenêutica mostra que a consecução da meta para o Ensino Fundamental não se trata simplesmente de "esforço" estatal, mas de imperatividade do comando constitucional, posto que não se fala em formação mínima quanto às características da cidadania, mas em conteúdo mínimo para a sua formação, o que nos são bem distintos em sua aplicação e, mais ainda, quanto à matéria (cultura e cidadania).

            Quanto ao Ensino Médio (15 a 17 anos), a norma traz no item 3.2 do seu anexo o entendimento de que este, por sua característica de relação educação-mercado de trabalho, é estratégico em quase todos os países, e que o Brasil teria meta árdua de desenvolvimento. Desta forma registrou-se comando normativo afirmando que "o ensino médio deverá permitir a aquisição de competências relacionadas ao pleno exercício da cidadania".

            Ainda no Ensino Médio, o Estado, através do Ministério da Educação, inseriu em 1999 dispositivo semelhante aos PCNs do ensino fundamental. São os PCN+, ou PCNEM, que constituem conjuntos de tópicos didáticos voltados ao ensino do segundo grau. Estes parâmetros oferecem educação através de três conjuntos de disciplinas: Linguagens, Códigos e suas tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias; Ciências Humanas e suas tecnologias.

            Não cabe aqui, obviamente, efetuar debate acerca da correção didática sobre cada tema do sistema vigente, senão especificamente no ponto de interesse da matéria constitucional em estudo. Neste sentido, destaca-se o grupo disciplinar das Ciências Humanas e suas tecnologias, onde são apresentadas as disciplinas Geografia, História, Filosofia, Sociologia. Como anteriormente exposto, a lei 10.172/2001 dispõe sobre base didática do Ensino Médio:

            "...o ensino médio deverá permitir a aquisição de competências relacionadas ao pleno desenvolvimento da cidadania", mas existe substancial divergência doutrinária quanto à substituição dos conceitos educacionais formadores, tidos até 1998, pelo conceito de competências.

            Para Lopes (2002) os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio – PCNEM, enquanto determinação estatal em cumprimento a diretrizes do Banco Interamericano de Desenvolvimento, não atende aos anseios educacionais históricos. O modelo estaria dissociado das necessidades de formação do cidadão à medida que converge com maior ênfase para a satisfação de processo mercadológico global. Neste sentido, o projeto apresentaria clara política eficientista, em franca contraposição ao sentido construtivista por qual deveria transitar o educando. Vê Lopes (2002) com grande reserva a dicção do MEC acerca do desenvolvimento de "competências", a "centralidade ao contexto do trabalho", e a própria contextualização exigida do educando que, dissociada de lastro cultural, poderia gerar contrariedades às normas, ou "acentuar e revitalizar processos de submissão" social.


5.Defesa e proteção do Estado Democrático de Direito

            O Estado, enquanto conjunção das dimensões institucional e individual, isto é, sentido lato e sentido stricto da formação social, usa dispositivos que visam à defesa e à proteção do modelo vigente, ou seja, a manutenção do status, mas nem sempre ficam claras as concepções de "defesa" e "proteção". É necessário resgatar o apropriado sentido jurídico destes dois termos, com vistas à compreensão dos diversos fatores, em ambas as dimensões, na consecução do Estado, preponderantes na inteligência da Eficácia Institucional de dispositivos constitucionais.

            Defesa é modus operandi de proteção, enquanto esta última é diretamente a guarda como vínculo principal. O sentido de defesa está intrinsecamente ligado à ação que visa proteger. Contudo, a proteção não advém necessariamente de ação, podendo se manifestar também em forma de silêncio ou capitulação tácita.

            Na dimensão institucional, como exemplo de proteção através de ação (defesa), poderíamos imaginar que o Estado, ao sofrer ameaça, usasse inclusive da força. Contudo a Constituição Federal não franquia ao Estado a utilização de defesa indiscriminada, e estabelece limitações do modus operandi da proteção deste e das instituições democráticas nos termos dos artigos 136 a 144. Entende o mundo livre, e a própria vontade maior de democracia de direito, que a entidade Estado, considerando sua pujança, não poderia receber "carta branca" de seus titulares para agir, mesmo para sua proteção.

            Para Moraes (2004), que entende estes fenômenos como os Sistemas de Administração de Crises, a Constituição não permite o livre arbítrio do Estado (seus representantes) com vistas a minimizar a possibilidade de cometimento de abusos. Desta forma, a Carta Magna, que também é fruto de ricas experiências, comanda o limite claro entre as ações que visam à proteção do Estado e o totalitarismo. Parte substancial da doutrina constitucionalista, entretanto, corrobora com a dificuldade histórica de se apreciar estes atos discricionários pelo Poder Judiciário, em entendimento retilíneo acerca da conformidade com o dispositivo legal. Desta forma o Poder Judiciário não poderia apreciar o mérito político, mas tão somente os fatores que transcendem a posição normativa.

            Contudo, comungamos com o entendimento de Di Pietro (2004) acerca da necessidade de fixação de limites aos atos discricionários, sejam relativos aos desvios de poder, ou no sopesamento dos motivos determinantes.

            Também neste sentido entendemos que deva haver a conversão da dicção de Administração de Crises em maior correção semântica a partir de "Administração de Necessidades", pois, no caso específico de defesa e proteção do Estado, com o cuidado de não proceder a ingerências entres os poderes, esclareceria a natureza jurídica híbrida e estática do poder discricionário, e reconheceria na motivação justa sua primeira propulsão realizadora de atos. Esta discussão, a despeito da Carta Política de 1988 ter traçado mecanismos de proteção até mesmo em momentos como estes, em que o próprio Estado se defende, remanesce dos primeiros anos da República, por conta de renovações de estado de sitio e fechamentos do Congresso Nacional.

            Ainda na dimensão institucional, em caráter mais diluído e por isso mesmo de difícil visualização, a proteção do Estado por vezes se manifesta através de dispositivos promotores de equilíbrio como o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, a função social da propriedade, ações pontuais como a produção normativa enquanto função não original dos poderes constituídos, ações declaratórias de constitucionalidade, entre ouros.

            Não obstante, para o Estado Democrático de Direito deve restar claro que nenhuma necessidade de proteção justificará, por si só, e sem conseqüências, o uso dos dispositivos constitucionais de defesa. Esta mecânica jurídica flui com extrema facilidade no Estado brasileiro a partir de sua dimensão institucional, mas nem sempre visualizada pela sua dimensão individual.

            Tais argumentações acerca da defesa e proteção do Estado - questão ainda mais ampla - são aqui necessárias somente como indicativos de que o Estado, embora não seja titular de direitos, possui vigorosos dispositivos de proteção institucional, mas estes são limitados por outros mecanismos de proteção do cidadão enquanto efetivo titular de todo processo.

            Do ponto de vista da dimensão individual do Estado, a proteção se dá pela positivação de direitos dos cidadãos. A defesa desses direitos é efetuada através de dispositivos legais garantidores, materiais ou processuais, sendo também sua manifestação através de princípios consolidados no trabalho jurídico, bem como aqueles norteadores da representatividade e da administração pública. Existe também dispositivo que impede a usurpação de alguns direitos positivados, como as Cláusulas Pétreas (artigo 60, parágrafo 4° da Constituição Federal).

            Cumpre ainda indicar, à luz da doutrina que se vem firmando, que a busca pela plena aplicabilidade das normas constitucionais, vinculando o legislador, tem sido outra vertente de defesa do cidadão para o cumprimento da vontade constituinte soberana.

            No sentido deste trabalho, tem a dimensão individual do Estado mais um instrumento de defesa dos direitos historicamente requeridos pela sociedade, e que pode levar, como dissemos, não à eficácia operacional dos preceitos constitucionais, mas a solidificação destes no consciente coletivo, a ponto de conservar direitos e garantias mesmo havendo inovação do ordenamento jurídico maior. Este é o sentido da Eficácia Institucional.

            As Cláusulas Pétreas, consideradas como última barreira entre o Estado Democrático de Direito e os modelos baseados no arbítrio, não são outros senão dispositivos de segurança construídos pelo poder constituinte, para assegurar que enquanto este Poder perdurar os titulares dele serão protegidos. Mas, é necessário abstrair que, sopesados ciclos histórico-políticos do Brasil, ainda existe o risco do constitucional originário, sendo este bastante para implantar totalmente uma nova ordem jurídica.

            Assim, é licito que a Eficácia Institucional de dispositivos constitucionais seja a base indelével do direito, posto que advém do reconhecimento de institutos muito acima de qualquer poder que visasse reformas desconstitutivas de direitos. O veículo da Eficácia Institucional é a educação, exigível enquanto responsabilidade do Estado, que cumpre na forma de ensino. A educação é, portanto, não somente um direito positivado, mas o mais poderoso instrumento de proteção do homem livre.

            Do enfoque de sua prestação pelo estado, a educação também pode ser vista em números, com vista a materializar seu desenvolvimento e assim mensurar o próprio Estado.

            Segundo o IBGE (SIS, 2003), a população na faixa etária de 25 ou mais, isto é, historicamente a população com maior incidência de pais e mães, era de 99 milhões de pessoas. Destas, 85 milhões enquadravam-se no analfabetismo funcional [17]. Linhas gerais, significa imaginar que de cada 5 famílias brasileiras, 4 eram compostas de pais analfabetos funcionais .

            A estes pais desprivilegiados da educação devemos agregar, proporcionalmente, outras 75 milhões de pessoas com idade entre 0 e 24 anos, que seriam os filhos, formando então 43 milhões de famílias de pais analfabetos funcionais.

            Do universo de 75 milhões de filhos, somente 44 milhões freqüentam escolas (37 milhões delas no ensino público). Neste sentido, é licito calcular que de cada dois filhos destes pais apenas um é estudante.

            Assim, os dados mostram que 80% das famílias brasileiras são formadas por pais analfabetos funcionais cujos filhos freqüentam escola. Destes jovens estudantes, 50% está em situação de distanciamento, posto que comporta jovens que trabalham durante o dia e estudam a noite (18 a 24 anos), e crianças em creches ou pré-escolas (0 a 6 anos). A outra metade dos filhos estudantes das 43 milhões de famílias educacionalmente desfavorecidas é composta pela faixa etária entre 7 e 17 anos, isto é, no ensino fundamental (7 a 14 anos), e ensino médio (15 a 17 anos).

            A leitura do artigo 205 da Constituição Federal, que determina a responsabilidade pela educação ao Estado, a família e a sociedade, em relação às estatísticas, aponta para o cumprimento por parte do Estado de não mais que 20% desta responsabilidade. Quase a totalidade, isto é, 80%, recai sobre a sociedade que a divide com ações não governamentais, mídia, e a própria interação social.

            Quanto às ações não governamentais, segundo as estatísticas (IBGE, 2002), a partir de 1990, isto é, logo após a Constituição Federal de 1988, foram criados 76% dos organismos que hoje operam com a defesa de direitos e minorias. Neste sentido, estes organismos representam hoje 16% do total de operação do Terceiro Setor (45 mil entidades). No total, os organismos não governamentais possuem 275 mil centros de atividades, sendo que a sua maioria (26%) é fundada em orientações religiosas e mais presentes nas regiões Nordeste e Sudeste.

            Não conseguem, entretanto, atender mais do que 5% da sociedade, e nem sempre de forma gratuita. Exemplo sobre a implicação orçamentária em dispositivos educacionais produzidos sem a devida participação pecuniária do Estado é a cartilha pedagógica sobre o novo Código Civil (op. cit.), cujo conteúdo jurídico-pedagógico era inconfundível à proposta que hoje vemos como Eficácia Institucional, mas custava à família, à época, o equivalente a uma semana de provisão de carne, segundo informações do DIEESE [18] acerca do preço da cesta alimentar básica.

            Com relação à educação, o Terceiro Setor tem operado muito mais na formação de unidades de ensino regular, e não especialmente em currículo de interesse jurídico com capacidade formadora. Outrossim, o estudo do IBGE de 2003 indica ainda que, embora seja obrigação do Estado, o atingimento da meta constitucional para o ensino fundamental (artigo 208, inciso I) foi de 97%, e em relação à progressão do ensino médio (inciso II) o atingimento foi de 75%.

            Embora a meta constitucional para Estado quanto à educação esteja em vias de cumprimento nos próximos anos [19], é necessário que se clarifique que o projeto educacional brasileiro sofreu otimizações e reduções para obter maior fluxo em seu oferecimento. A eficácia operacional está, se não estabelecida, ao menos muito próxima da exigida. Contudo, não se pode afirmar que o mesmo ocorre quanto vemos pelo prisma da Eficácia Institucional.

            Em 20% das famílias não há necessidade de maiores preocupações por parte do Estado, tendo em vista a posição relativamente estável em relação à educação. Entretanto, é possível observar que nos demais 80% dos núcleos familiares o Estado só participa com ¼ na formação cívica ideal.

            Apenas como exemplo, poderíamos observar que a lei 8.663/93, que eliminou as disciplinas Educação Moral e Cívica, Estudos de Problemas Brasileiros, e Organização Social e Política do Brasil, também determinava que as cargas horárias destas disciplinas fossem convertidas em estudos de Ciências Humanas e Sociais (art. 2°). Neste sentido, a padronização curricular no ensino, que visa o cumprimento da meta constitucional, pode negligenciar a formação dos titulares do próprio Estado.

            Braga (2004) entende que a sistemática educacional imposta pelo Estado suprime temas importantes na manutenção de sua própria característica de democrático de direito. Os PCNs de ensino médio, em ciências humanas, retirou-se o lastro Institucional pela ausência de estudo de importantes períodos do país, vilipendiando assim pontos esclarecedores para a construção jurídica do educando, em especial a fixação dos seus direitos. Exemplo é que no roteiro de ciências humanas destes PCNs não há uma única referência a Constituição Federal. Este fator é significativamente negativo, posto que na contramão do processo de fixação dos direitos, conforme o Ministro do STF Maurício Corrêa (Netto, 2003):

            "Não há democracia sem participação ativa da sociedade civil e não há cidadania completa se homens e mulheres desconhecem seus direitos e deveres."

            Os efeitos desta subtração podem ser severos e nocivos à conservação da democracia, pois a dilapidação do processo de reconhecimento jurídico do Estado é capaz de gerar ciclos sociais diferentes daqueles desejados pela Constituição Federal de 1988.

            A questão, por óbvio, é a ausência de referência normativa nos conteúdos que levassem o educando a fazer contato prévio com o ordenamento jurídico ao qual pertence. Isto é, a proposta de se utilizar a Constituição Federal como referencial social, posto que ela possui especial característica analítica, capaz de abranger todos os temas contemporâneos, em especial aqueles que tratam dos direitos e garantias individuais, forma de governo, direitos políticos. Demais, fazendo tais dispositivos parte das chamadas cláusulas pétreas (art. 60, parágrafo 4°), nos parece evidente a inexistência de quaisquer óbices em sua difusão no circuito educacional. Nas palavras de Reale (Netto, 2003):

            "Não se é cidadão, na plenitude desta palavra, sem um mínimo de consciência jurídica, assim como não se alcança a identidade nacional sem ter pelo menos notícia das partes mais importantes do ordenamento jurídico do País."

            Os dados estatísticos sobre a educação promovida pelo Estado, através de observação mais profunda, mostram outro panorama que queremos destacar:

            20% das famílias brasileiras possui, para sua proteção institucional, uma entidade que é, ao mesmo tempo, o orientador de direitos civis, educador, referencial comportamental de crianças, maior ou única perspectiva de desenvolvimento social, e base de um modelo político que se pretende democrático. Esta entidade é uma pessoa com não mais que 17 anos de idade, cursa os primeiros anos do ensino médio em uma escola pública, e em geral é pobre.

            Infelizmente, a mesma pessoa que socorre institucionalmente a família é sobrecarregada por questões jurídicas relevantes: está mais acessível ao crime, alvo da política desenfreada de consumo, e bem mais cedo do que imagina sairá da proteção do do Estatuto da Criança e do Adolescente – lei 8,069/90. Sairá, aliás, sem conhecê-lo.

            Também aos 16, o Estado, por conta da "democracia", permite-lhe votar (CF art. 14, parágrafo 1°, "c") sem saber o que é um partido político e qual sua importância história, ao mesmo tempo em que lhe "requer a cabeça" em perspectiva de maioridade penal (PEC – Projeto de Emenda Constitucional n° 173/93), sem lhe ensinar o que é ampla defesa (art. 5°, LV). De tão escassos e referentes estes jovens vivem a intolerância nacional, pois que não lhes são dados o direito de errar, isto é, se apenas um deles perder a fé no modelo constitucional, por sua posição estratégica social, arrastará uma geração passada e uma futura, engessando o Estado Democrático de Direito, que, sem que soubessem foi construído exatamente para servi-lo.

            As demais famílias registradas no infortúnio educacional nacional (60%) adquirem educação através da mídia (em geral televisiva), vez que a condição de analfabetos funcionais não lhes permite obtê-la pela via escrita, ou fica à sorte das boas ações das organizações não governamentais. Estas famílias, segundo estatísticas (IBGE, 2001), contém pessoas na faixa etária de 15 a 17, mas 25,5% delas não estudam porque trabalham, e 5,9% não estudavam devido à distância entre a escola e seus lares, ou porque não havia vagas, situação já trazida de 1997 quando apenas 30,8% das pessoas desta faixa etária estavam no ensino médio.


6.Considerações finais

            A Eficácia Institucional de dispositivos constitucionais sempre existiu. Contudo, nossa doutrina jurídica, com raras exceções, a vê apenas como educação em si mesma, juntamente com ressalvas dialéticas que impedem seu desenvolvimento na construção de uma nação justa. Embora haja certa resistência em admitir a necessidade de determinados conteúdos jurídicos na educação, é importante atentarmos para o fato de que a contextualização na educação efetuada sem lastro institucional não permite ao educando ver o Estado como um todo. Neste ponto o Estado se omite, como se nada existisse além das fronteiras da capital.

            Não estamos falando aqui do ensino de pormenorizadas questões jurídicas a crianças e adolescentes, mas de ensinamentos basilares advindos de uma ordem saudável. Pinker (1998) explica que o ser humano possui incrível propensão natural para valorização do parentesco, bastando observarmos a dicção de "pátria mãe gentil", "mãe natureza", "pai nosso que estais no céu", "irmãos de sangue", etc. Desta forma, convertendo para nosso foco jurídico, a Constituição como a norma de maior característica coletiva benéfica, aliada à sua capacidade de penetração territorial, pode vir a ser instrumento precioso no estabelecimento definitivo do modelo democrático, porquanto deve reforçar aos educandos os laços de transmissão de direitos e modelos – uma espécie de herança social a ser acolhida e protegida.

            O conteúdo curricular dos PCNs, em especial do ensino médio é questionável. Seus modelos promotores de "competências" não indicam a iniciativa formadora necessária à construção do cidadão consciente, estando muito mais próximos de teorias empresariais eficientistas de Covey [20] e Nelson [21], além de passíveis de desvios a cargo da discricionariedade das escolas em suplementá-los. É necessário que reconheçamos a existência jurídica desta Eficácia Institucional e do enorme risco que uma incorreta formação enseja. Não bastassem as implicações danosas à pessoa do educando, a omissão do Estado na fixação de preceitos constitucionais pode levar, a médio e longo prazo, a fenômenos como estados paralelos, deslaicização do Estado, e fragilização da democracia, deixando-nos suscetíveis aos arbítrios e desvios no âmbito institucional que, embora tenhamos a impressão de terem sido sepultados pela história, na verdade nunca nos deixaram - vivem sorrateiros nas sombras da democracia.


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Notas

            01 Referência à difícil adaptação da economia brasileira após a lei áurea, por FURTADO (1991;136)

            02 Para Hesse o estado de necessidade seria o grande teste de uma Constituição. Interpreto este estado de necessidade como uma depressão social capaz de alocar alguns dispositivos constitucionais em planos menores ou mediatos, não somente por fatos essencialmente políticos que venham comprometer a paz, mas também por eventos naturais geradores de grave carência social. Neste sentido, já se antecipa a Constituição brasileira através dos dispositivos do Estado de Defesa e Estado de Sítio, artigos 136 a 141.

            03 Atribuída ao então Ministro da Fazenda Delfim Neto.

            04 A constituição real e a constituição jurídica

            05 FRIEDMAN, Lawrence M., por Maria Tereza Duarte Lima in "Sociologia e Direito" - Cláudio Souto e Joaquim Falcão; Pioneira, São Paulo, 2002

            06 A alusão a uma auto-imagem constitucional é aqui retirada do clássico princípio psicanalista para compor, no âmbito jurídico, a capacidade de reconhecimento, por parte do cidadão, de sua titularidade no Estado Democrático de Direito, não cabendo nesta interpretação o conceito de cidadania, posto que esta encontra forte lastro quase que exclusivamente no uso de direitos políticos.

            07 Plano jurídico-positivo e Plano lógico-jurídico.

            08 Segundo Canotilho, outros instrumentos de proteção às normas constitucionais que tratam de Direitos e Garantias Individuais são sua própria eficácia imediata, e sua imutabilidade.

            09 Hesse sugeriu que a Constituição seria um instituto solitário e à mercê de ataques de interesses menores devido ao fato de que não encontra ordenamento superior. Na época, 1959, não havia doutrina consubstanciada sobre a União Européia, o que não daria suporte para os entendimento atuais sobre dispositivos supraconstitucionais legítimos. Corrobora também a visão de que Princípios poderiam possuir força bastante para suplantar normas, mas não encontrariam base positiva para sua invocação.

            10 Órgão que equivale ao Ministério da Educação no Brasil.

            11 Ressalte-se que Amarican History equivale à antiga disciplina Estudos Sociais no Brasil, e que nela a abordagem é histórico-política para os vários temas como colonização, indígenas, a guerra civil, e outros. Não é correto a analogia entre American History e a extinta disciplina Educação Moral e Cívica.

            12 Ver PADOIN, Maria Medianeira. Federalismo gaúcho. São Paulo:Companhia Editora Nacional, 2001.

            13 Editora Fundação Perseu Abramo, 2005

            14 Aponto aqui especial semelhança com a movimentação doutrinária na França e Estados Unidos nos períodos pós-constitutivos, respeitadas as devidas proporções, no intuito de chamar a atenção para os procedimentos comuns na história do desenvolvimento político ocidental, e não apenas como questões pontuais carentes de considerações na maioria das referências educacionais nacionais.

            15 Refere-se especialmente à substituição de valores fundamentais da Pessoa Humana pelos mecanismos asseguradores da "segurança nacional". Em muitos aspectos, o Decreto Lei 869/69 era extremamente eficaz nesta substituição.

            16 O Plano Nacional de Educação é documento anexo da lei 10.172/2001

            17 Segundo a UNESCO, a pessoa analfabeta funcional possui menos de 4 anos de estudo. O que corresponde no Brasil a não consecução da 4ª série do ensino fundamental

            18 Base agosto de 2003. www.dieese.org.br, - consulta em setembro de 2005.

            19 Segundo a lei 10.172/01 (anexo) o prazo para atingimento da meta constitucional para o ensino fundamental seria de dois anos, isto é, até 2003. No ensino médio o prazo é até 2011.

            20 Steve R. Covey, autor best seler de livros com dinâmicas empresariais como Os sete hábitos das pessoas altamente eficazes.

            21 Bob Nelson, autor de O Gerente Minuto.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Heliton Santos. Eficácia institucional de dispositivos constitucionais. A educação como defesa do Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 855, 5 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7519. Acesso em: 3 maio 2024.