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Direito e escravidão: aspectos jurídico-políticos das relações anglo-brasileiras na supressão do tráfico de escravos

Direito e escravidão: aspectos jurídico-políticos das relações anglo-brasileiras na supressão do tráfico de escravos

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O Império Britânico se utilizou do poderio bélico que detinha para coercitivamente suprimir o tráfico de escravos, vez que não havia consentimento por parte dos que compartilhavam desse comércio.

RESUMO: Neste trabalho analisa-se a relação entre o Império do Brasil e a Grã-Bretanha no período de 1808 a 1850 no que tange à supressão do tráfico de escravos. Isso porque o império britânico atuou como principal ator estatal no cenário internacional para suprimir o comércio triangular estabelecido entre África, América e Europa. Foi utilizado o método histórico em concorrência com a análise de fontes primárias, principalmente tratados, advindas de arquivos europeus. Foi considerado que a Grã-Bretanha atuou com grande relevância no comércio triangular, em específico no tráfico de escravos, e que o excedente econômico adquirido com esse comércio fomentou a indústria britânica e a transição do mercantilismo para o sistema capitalista. Ademais, após a consolidação industrial, um grupo alijado da tomada de decisões no cenário político inglês, os Quakers, viu no desmantelamento do tráfico a oportunidade de ascenção ao poder. Assim, esse grupo instigou calorosas discussões na defesa do trabalho livre. Isso acarretou, em 1807, a supressão do tráfico de escravos aos súditos britânicos, e corroborou com o tratado de amizade firmado entre o governo português, instalado no território brasileiro, e o britânico na interpretação nefasta do trabalho escravo e no comprometimento da abolição desse trabalho no futuro. Também favoreceu os tratados de 1815 e 1826 que proibiram o tráfico ao norte da linha do Equador e posteriormente o fim do tráfico de escravos de forma plena. A priori o tráfico cessou, porém se reestabeleceu no decorrer da década de 1830 e perdurou até a década de 1850, quando o império britânico sancionou a bill Aberdeen, sob protesto do Império do Brasil, que possibilitou que a armada inglesa inspecionasse e capturasse qualquer embarcação suspeita da realização do tráfico de cativos. Com essa ação, amparada na capacidade bélica do governo inglês, o império britânico forjou uma nova concepção doutrinária e jurisprudencial no Direito Internacional.

Palavras-chave: Direito; Escravidão; Grã-Bretanha; Império; Tráfico.


INTRODUÇÃO

O comércio atlântico de escravos entre o século XVI e XIX teve dentre seus objetivos o fornecimento de mão de obra para os trabalhos das colônias na América e Antilhas, isso possibilitou a geração de excedente econômico que foi então apropriado pelas metrópoles para fomento da revolução industrial em curso, assim, favorecendo a consolidação do sistema capitalista.

Os Estados europeus, vislumbrando as possibilidades de ganho com o comércio triangular, não pormenorizaram na aplicação de suas respectivas armadas para realizar o trato de cativos. Todavia, após a consolidação da revolução industrial e o estabelecimento do sistema capitalista, a manutenção da economia política colonial fundada majoritariamente no escravismo se mostrou inviável face à produção mecanizada. Logo, os pactos coloniais que serviram vantajosamente para as metrópoles por trezentos anos já não podiam seguir existindo vez que gerava relação obrigacional bilateral de compra e venda de produtos.

Exemplo capital disso, a produção de açúcar no império britânico, devido ao monopólio existente entre as colônias, em especial nas Antilhas, teve sua competitividade de preços afetada pela produção da Índia Oriental. A eliminação dos pactos coloniais referentes ao comércio oferecia à Grã-Bretanha a oportunidade de ampliar a oferta do açúcar para o mercado consumidor inglês.

Esse fator econômico se atrelou ao fator político interno britânico, onde a nascente elite capitalista, que obtinham suas propriedades através do próprio capital e não da exploração direta do comércio de escravos, se via alijada politicamente da tomada de decisões. Assim, pensar a produção com mão de obra assalariada não apenas favorecia a economia capitalista, recém ascendida, como também permitia a consolidação no poder de novo grupo político alinhado com os princípios e ideais capitalistas.

A estrutura jurídica para implementar essa nova política no decorrer no século XIX se amparou em três pilares, o primeiro se consolidou com a posição britânica na confecção de tratados internacionais favoráveis ao fim do tráfico, o segundo se refere à imposição direta da legislação britânica face aos demais Estados que realizavam o comércio triangular, o terceiro, com a instauração de comissões mistas de julgamento referente aos navios apresados realizando o tráfico de escravos após leis que impunham sua supressão.


GÊNESE

 Expansão Ultramarina, Estado e Escravidão.

“Partimos quinta-feira, aos 3 dias de agosto de 1492, da barra de Saltes, às oito horas. Avançamos umas sessenta milhas, com grande exaltação até o pôr-do-sol, em direção ao sul” (COLOMBO, 1991, p. 30). Assim está no primeiro registro do diário de bordo do líder da expedição que mostrou, ao velho mundo, o continente que se encontrava em meio ao caminho às índias.

Financiado pelo reino espanhol, a descoberta de terras além-mar realizada pela navegação de Colombo foi a gênese da estrutura político-econômica que se consolidou nos séculos subsequentes no Ocidente. Com a expansão ultramarina, a possibilidade da aquisição de metais para fomentar os Estados europeus se expandiu, desse modo, possibilitando a consolidação política de regimes afora mundo ibérico, exempli gratia, anglo-saxões, francos, batavos, etc.

Na concepção weberiana, o “Estado moderno é um agrupamento de dominação que apresenta caráter institucional e que procurou – com êxito – monopolizar, nos limites de um território, a violência física legítima como instrumento de domínio” (WEBER, 2007, p. 62). Destarte, essa concepção do Estado é articulada por Weber como o Estado racional, que floresce junto ao capitalismo moderno – pois a participação estatal regula as relações comerciais favorecendo a acumulação.

O mercantilismo, na visão weberiana, foi o começo desse Estado racional imbricado entre política e economia:

Mercantilismo significa a transferência do empreendimento aquisitivo capitalista para a área política. Trata-se o Estado como se este se compusesse exclusivamente de empresários capitalistas; a política econômica em relação ao exterior baseia-se no princípio de passar para trás o adversário, de comprar o mais barato possível e de vender muito mais caro. O fim consiste em fortalecer o poder da direção do Estado em relação ao exterior. Mercantilismo significa, portanto, a formação de uma potência estatal moderna, e isto diretamente mediante o aumento das receitas principescas, e indiretamente mediante o aumento da capacidade tributária da população. (WEBER, 2004, p. 523).

Não obstante ao papel estatal ante ao mercantilismo, Weber apresenta as condições postas ao tempo:

Cada Estado particular tinha que concorrer pelo capital, que estava livre de estabelecer-se em qualquer lugar e lhe ditava as condições sob as quais o ajudaria a tornar-se poderoso. Da aliança forçada entre o Estado nacional e o capital nasceu a classe burguesa nacional – a burguesia no sentido moderno da palavra. É, portanto, o Estado nacional fechado que garante ao capitalismo as possibilidades de sua subsistência e, enquanto não cede lugar a um império universal, subsistirá também o capitalismo. (WEBER, 2004, p. 517).

Assim, exposta a relação entre o mercantilismo e a expansão ultramarina ocorrida no decorrer dos séculos XV e XVI, cabe compreender a ocupação territorial das terras além-mar e sua utilização com o fim da acumulação primitiva de capital. Sendo que as primeiras ocupações buscaram tanto levar população europeia às colônias quanto a utilização da mão de obra de autóctones.

 Todavia, quanto aos europeus levados às colônias para trabalhos:

Mr. Peel, quien llevó con él 50.000 libras esterlinas y trescientos trabajadores, a la colonia Swan River, en Australia. Su plan consistía en que sus trabajadores realizaran sus tareas para él, al igual que lo hacían en el viejo terruño. Llegados a Australia, sin embargo, donde la tierra abundaba — abundaba demasiado —, los hombres prefirieron trabajar por cuenta propia como pequeños propietarios, en lugar de hacerlo por un salario bajo las órdenes del capitalista[1]. (WILLIAMS, 2003, p. 31).           

Desse modo, os problemas fundamentais começam a aventar contra as propostas originárias dos Estados. No mais, a lida com os autóctones se apresentou problemática vez que as questões relacionadas à antropologia cultural foram cruciais para compreensão da possibilidade de trabalhos com mão de obra nativa, pois “[...] era como arrebatarle el sentido de su existencia […] era esclavizar no solamente sus músculos sino también su espíritu colectivo[2]” (WILLIAMS, 2003, p. 34).

Uma terceira via utilizada na busca por mão de obra, já desconsiderada a dos trabalhadores livres europeus e dos nativos das próprias colônias, foi a dos indentured servants[3] – europeus, judicialmente condenados ou que assumiam o contrato em troca da passagem de para o novo mundo, que eram levados às colônias para trabalhos sobre regime de contrato. Entretanto, o processo de desenvolvimento das manufaturas na Europa exigia vultuoso número de pessoas para a indústria e comércio, assim, o envio de nacionais às colônias frustrava os objetivos continentais europeus.

Esses Estados que em meados do século XVII preparavam terreno para mudanças estruturais em suas políticas econômicas, pois, a acumulação de metais deveria dar lugar ao desenvolvimento da indústria nacional, com isso, promovendo a criação de empregos e incentivando as exportações, tendo, portanto, que gerar investimentos em tecnologia, além de assegurar a existência de uma grande população para que a balança entre oferta e demanda por trabalho possibilitasse o pagamento de baixos salários.

Quanto à participação dos indentured servants nos trabalhos das colônias, Eric Williams destaca que dois terços dos imigrantes que chegaram à Pensilvânia durante o século XVIII eram servants brancos, sendo que no decorrer de quatro anos chegaram, somente à Filadélfia, 25.000, os cálculos apontam que mais de 250.000 servants imigraram durante todo período colonial. Cabe ressaltar que a preferência pelo trabalho de escravos negros africanos, que seria preferido ao dos servants, no decorrer do século XVI, não

[...] fue el sentimiento de humanidad por sus compatriotas y por los hombres de su mismo color lo que dictó la preferencia del colono por el esclavo negro. No hay rastros de este sentimiento de humanidad en los registros de la época, por lo menos en lo que se refiere a las colonias de plantación y a la producción comercial[4]. (WILLIAMS, 2003, p.43).

Assim, preteridos os trabalhadores livres, os autóctones e os servants, os britânicos partiram à África em busca de mão de obra para colonizar o Novo Mundo e em 1680 já possuíam experiências bem-sucedidas do uso de cativos africanos em trabalhos nas Antilhas. Outrossim, a utilização de escravos evitava que se desenvolvesse manufatura capaz de concorrer com a europeia, logo, mantendo a economia colonial em bases complementares.

A preferência pelo escravo africano também se deu no que diz respeito à relação com a terra, vez que o servant fiava receber certa fração de terra ao término do contrato, ao contrário do negro africano que poderia ser mantido alijado da propriedade da terra, ademais, a diferença étnica facilitou a construção ideológica da dominação. Outrossim, o escravo africano no século XVI era mais barato que um trabalhador livre, pois o capital utilizado para comprar um cativo equivalia ao pagamento por dez anos de trabalho de um homem branco.

Desse modo, expõe-se a origem da escravidão negra africana assentada em bases econômicas, não raciais. As preferências pelo trabalho desses não foram feitas amparadas na cor da pele do trabalhador, sim nos baixos custos de seu trabalho. Outrossim, as características étnicas e genéticas dos negros africanos, tão discutidas, somente à posteriori foram levantadas como justificativa a uma resolução econômica. (WILLIAMS, 2003, p. 49).

O Comércio Triangular e o Sentido Profundo da Colonização.

Ante ao processo de utilização de escravos africanos para os trabalhos no novo mundo, uma rede comercial ampla e complexa se instaurou no Atlântico para fornecer a mão de obra necessária às colônias, assim fomentando o comércio das metrópoles, isso porque os navios que partiam da costa africana com destino à América e às Antilhas, por sua vez, já haviam passado pelo novo mundo com seus porões abarrotados de manufaturas europeias que eram vendidas antes da ida à África. Desse modo, os Estados europeus se deparavam com abundantes fontes de acumulação de capital, sendo que para a Grã-Bretanha a manutenção do comércio triangular se tornou objetivo basilar de sua política exterior.

Não obstante, antes da consolidação dessa complexa rede de comércio, cabe destacar que a as Antilhas, já em 1562, fora o destino da primeira expedição inglesa que realizou o tráfico de escravos - tal empresa confrontava as arbitragens papais que tornaram a África monopólio português. Nesse diapasão, a participação britânica no processo de exploração do tráfico de escravos advindos da África se fez de modo central, tanto que até 1698, com apoio da marinha britânica, existia um monopólio da exploração do comércio de escravos na África, sendo que o fim da exclusividade nessa exploração adveio do conflito travado com Holanda que, junto a demais Estados, advogava pela liberdade dos mares.

Todavia, o fim do monopólio britânico em mãos da Royal African Company favoreceu diretamente as demais empresas inglesas que avançaram fortemente na exploração do comércio de escravos, exemplo disso, Liverpool administrou cinco oitavos do tráfico britânico de escravos e três sétimos de todo o tráfico europeu. Assim, a participação da Grã-Bretanha no comércio de escravos se torna indelével, ademais, cabendo destacar o papel que a história atribui aos ingleses da superioridade numérica de escravos transportados ante os demais Estados.

Conforme apresentado, os cativos eram adquiridos por meio, principalmente, do escambo por mercadorias manufaturadas britânicas, e então levados às regiões de plantação para produção de açúcar, melaço, anil, algodão e outros gêneros tropicais. Esses que fomentaram a criação de polos industriais na Inglaterra, ao passo que se ampliava a consolidação da manutenção do trabalho com escravos.

Destarte, gerando outro efeito imbricado ao tráfico como o desenvolvimento das cidades com portos voltados ao mar, isso porque a construção naval fomentou o crescimento urbano e das indústrias nelas localizadas, e.g., Bristol, Liverpool e Glasgow ascenderam como os centros portuários e comerciais em tal magnitude quanto Manchester, Birmingham e Sheffield no período industrial. Outro exemplo dos favorecimentos da exploração britânica do mercado de escravos, James Watt pode desenvolver os melhoramentos na máquina a vapor graças ao capital advindo do tráfico com as Antilhas, assim, possibilitando a expansão da industrial do ferro que propiciou o surgimento das primeiras pontes e estradas de ferro.

Fernando Antonio Novais, observando as vantagens percebidas pelas metrópoles na relação com as colônias, concebeu o termo de sentido profundo da colonização para delimitar o processo de transferência do excedente econômico das colônias para as metrópoles via comércio triangular. A compreensão do movimento de colonização assentava-se no sentido da colonização de Caio Prado Júnior - onde a exploração e povoamento das terras além-mar era descrito pela expansão marítima com fins da expansão comercial europeia dentro da concepção mercantilista da época. A relação comercial que se estabelecia entre a colônia e a metrópole articulava essa última enquanto uma economia complementar àquela produtora de gêneros tropicais destinados à exportação. (PRADO JR, 2011, p. 31-32).

A concepção de Novais amplia a perspectiva de Caio Prado, com a articulação ao problema da formação do capitalismo na Europa. Sua interpretação relaciona o comércio colonial, assentado no exclusivo metropolitano, e a consolidação, através dos séculos, dessa instituição responsável pelo processamento da apropriação do excedente econômico das colônias pelas metrópoles. Logo, o sistema colonial agia como um dispositivo da acumulação primitiva do capitalismo mercantil europeu. (NOVAIS, 1989, p. 92).

Portanto, as relações coloniais advinham dessa relação de apropriação do excedente econômico, sendo a escravidão reflexo do encadeamento existente nessas relações. Assim, o tráfico de cativos justifica a opção pelo trabalho escravo, pois favorecia acumulação primitiva, e não o contrário.

Todavia, a apropriação do excedente econômico não será extremada no que tange ao comércio com as colônias, exemplo disso, o Rio de Janeiro, já no começo do século XIX, recebeu a maior parte dos escravos vindos da África concomitante ao desembarque de produtos manufaturados vindos da Europa e dos Estados Unidos em direção ao mercado interno brasileiro, mas que também eram reexportados para África na realização do escambo por cativos (ALENCASTRO, 2000, p. 3).

Direito e Escravidão.

A relação entre as leis e a escravidão se remete aos tempos babilônicos de Hamurabi, onde a escravidão se encontra disposta de forma institucionalizada no código que leva o nome de dito rei do século XVIII antes de Cristo. Onde a propriedade e os traços de personalidade jurídica do escravo são descritos através de tipificações fatídicas que abordam a realidade da época e permite a análise dos contextos sociais do império babilônico.

No texto inicial do Código de Hamurabi, que explicita o contexto histórico em que está inserido o império e sua organização social e política, existe referência ao governo de um Rei sobre oprimidos e escravos, assim, evidenciando a existência daqueles que teriam uma colocação social alijada à submissão e restrição de liberdades. A relação de propriedade é evidente, exempli gratia, tal lei dispõe que “Se alguém tomar um escravo homem ou mulher da corte para fora dos limites da cidade, e se tal escravo homem ou mulher, pertencer a um homem liberto, este alguém deve ser condenado à morte” (HAMURABI, 1994, p.03).

Nesse diapasão, o Código também dispõe sobre a possibilidade de locação e sublocação e venda de escravos, assim, restando claro o caráter do instituto da escravidão que se perpetuaria pelos séculos subsequentes. Todavia, a relação entre livres e cativos também está exemplificada na lei babilônica, e.g., “Se um escravo do estado ou o escravo de um homem livre casar com a filha de um homem livre, e nascerem filhos, o dono do escravo não terá o direito de escravizar os filhos e filhas deste” (HAMURABI, 1994, p.04), assim, restando a possibilidade de relação entre livres e escravos de forma aceitável ante a sociedade.

Essas relações, que viriam a ser fortemente questionadas no escravismo surgido no século XVII, eram possíveis uma vez que o cativo era na maioria das vezes de cidades próximas, que eram conquistadas pela guerra, assim, os traços étnicos e sociais não apresentavam variações significativas, além do que havia a possibilidade de que a situação posta fosse invertida e aqueles que eram livres se tornassem escravos daqueles cativos. Assim, até mesmo as relações de trato eram mais brandas que as da escravidão moderna, pois, com a possibilidade de mudança do status quo face às intempéries do destino, os algozes poderiam ter sua posição trocada com as vítimas.

Esses mesmos rasgos são observados na sociedade romana com o trato dispensado aos cativos, todavia, o Direito romano traz uma codificação substancialmente mais vasta e estruturada que a babilônica. Nas leis romanas é possível encontrar conceituações da escravidão, dos atributos possíveis à personalidade dos escravos, além de vasta jurisprudência discorrendo sobre a relação Estado, entes privados e escravos.

Isso se deve ao grau de desenvolvimento desse instituto na sociedade romana, isso porque o crescimento da cidade obrigou a uma elevação da produção agrícola para abastecimento da urbe e os demais artifícios para manutenção do luxo que se estabelecia no nascente império. Assim, relatos demonstram que ao fim da república e início do império era possível encontrar proprietários com mais de quatro mil escravos, momento em que surge.

[...] o trafico da escravatura, cuja invenção alguns estrangeiros se comprazem em attribuir aos portugueses. Roma converteu-se então num dos principaes mercados de escravos. Este commercio tornou-se tão lucrativo, que personagens elevadas não lhe resistiram, como o austero Gatão, que comprava escravos jovens para os vender depois com grandes interesses. (MARNOCO E SOUZA, 1910, p. 44).

Assim, face à dinâmica econômica da sociedade romana, o escravo é imbuído de personalidade jurídica em muitos momentos, e.g., na ordem econômica o cativo podia representar seu proprietário em diversos atos, porém, sendo vedada a capacidade de tonar o senhor devedor de outrem, mesmo com prévia autorização. Ademais, o escravo detinha capacidade jurídica para litigar face ao seu proprietário, como expõe MARNOCO E SOUZA, o “escravo poder estar em juízo contra o seu senhor, para obter a emancipação no caso de fideicomisso ou de resgate pelo pecúlio convencionado, e de poder accusar o seu senhor por ter supprimido um testamento que lhe dava a liberdade” (1910, p. 51), portanto, o Direito romano não alijou por completo a personalidade dos escravos submetidos à sua jurisdição.

Outro instituto seguido do Direito Romano, o Partus sequitur ventrem, princípio que legitimou a perpetuação da condição de escravo àqueles que fossem gerados por escravas, ensejou a perpetuação da condição de propriedade à prole advinda de qualquer relação. Mesmo havendo paternidade reconhecida pelo senhor, livre, devido a condição de escravo estar atrelada ao ventrem, o filho advindo seguia a condição da mãe, estando sujeito a condição de cativo. (MORRIS, 1999, p.43).

Não obstante, complementando as considerações acerca do Direito romano e a trata dos cativos, influenciados pelo estoicismo, o poder dominical sofre limitações com a lei petronia que proibiu a participação de cativos nos circos de enfrentamento de feras. MARNOCO E SOUZA expõe que “ Os imperadores justificam estas, e outras restricções impostas ao exercido do poder dominical, com o fundamento de que o interesse do Estado exige que o proprietario não abuse da cousa que lhe pertence” (1910, p. 48).

Todavia, essa perspectiva de relação entre senhores e cativos não perdurou no período moderno da escravidão que se deslancha no século XVII. As leis imperiais brasileiras reforçaram o direito dominical dos proprietários sobre os escravos, sendo que as constituições imperiais se silenciaram quanto à direitos e garantias relegados a esses. Ademais, as leis criminais do Império do Brasil legitimaram a violência e o livre arbítrio dos senhores aos quais os escravos estavam sujeitos.


DOCUMENTOS HISTÓRICOS.

 Tratados para Supressão do Tráfico.

Durante os séculos XVI, XVII e XVIII a escravidão foi regida pelo código civil, pois esse diploma legal é o natural para regular as relações de propriedade, ao tempo, estabelecidas entre os senhores e os cativos. Quanto aos crimes que viessem a ser cometidos por esses, o Código Penal também dispunha da imputabilidade a que os escravos estavam encargados.

Todavia, a visão do escravo como propriedade começa a ser desconstruída de forma sistêmica no decorrer do final do século XVIII até meados do século XIX. Um dos principais agentes responsáveis por isso na política britânica são os Quakers, doutrinários dos princípios protestantes que se concentraram inicialmente na Inglaterra, porém, devido às perseguições religiosas acabaram migrando para os Estados Unidos.

Muitos Quakers, a priori, utilizaram-se do tráfico de escravos para construção de suas fortunas, porém, o capital obtido com o tráfico fomentava o desenvolvimento de indústrias e bancos que deixavam de depender diretamente do tráfico para subsistência. Todavia, muitos Quakers que viviam em pequenas comunidades rurais ao norte dos Estados Unidos, e independiam da mão de obra escrava, iniciaram discursos de defesa das liberdades humanas em favor dos cativos que influenciaram os demais grupos Quakers tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra.

Entretanto, o desenvolvimento econômico e social dos Quakers, principalmente na Grã-Bretanha, não foi acompanhada da participação política desses nas decisões do parlamento, assim, frustrando os interesses de um nascente e poderoso grupo detentor de poder econômico. Assim, considerando-se preteridos da participação política do Império, os Quakers iniciam suas manifestações públicas pela supressão da escravidão e do tráfico de escravos, sendo já em 1787 fundado um comitê pela abolição do tráfico.

Outrossim, fator econômico incisivo sobre o discurso liberal da supressão do tráfico foi o custo da produção do açúcar nas Antilhas em relação à Índia. Assim, a única oportunidade restante ao império britânico seria a conquista da ilha de São Domingos, atualmente Haiti e República Dominicana, que apresentava solo pouco desgastado e maior fertilidade (WILLIAMS, 2003, p.172). Destarte, podendo suprir a indústria nacional da Grã-Bretanha por um período razoável, além da possibilidade de construção de alianças estratégicas com a Espanha para limitar o acesso francês ao novo mundo.

Todavia, para que essas conjecturas fossem levadas a cabo, o comércio triangular, e por consequência o tráfico de escravos, deveria seguir sendo realizado. Porém, com a revolução bem-sucedida de 1791, em que o poderio europeu foi extirpado da ilha de São Domingos, não restava viabilidade aos planos britânicos, e o fim da manutenção do comércio triangular e dos regimes monopolísticos característicos dos pactos coloniais deveriam ser preteridos, assim, havendo a abertura dos mercados – e por conseguinte ao açúcar indiano – e a supressão do tráfico.

Desse modo, os estadistas britânicos insurgiram em discursos acalorados na defesa do livre mercado e dos direitos humanos referentes ao fim do tráfico de cativos, sendo que dentre inúmeras coletâneas dos pronunciamentos proferidos no parlamento em Londres, destaca-se o The Debate on a Motion for the Abolition of the Slave Trade, in the House of Commons, on Monday the Second of April, 1792, Reported in Detail[5] [6], onde a primeira transcrição é da manifestação de William Wilberforce na Casa dos Comuns do Parlamento, e que demonstra o discurso humanitário que se estabeleceria tanto para a supressão do tráfico de escravos quanto dos Direitos Humanos na modernidade.

Os discursos e manifestações dos políticos e dos Quakers levou ao Ato para a Abolição do Comércio de Escravos - An Act for the Abolition of the Slave Trade – aprovado pelo parlamento britânico em 1807, que suprimiu o tráfico de cativos nos territórios sob a égide do império. Apesar de grande avanço em termos do reconhecimento de direitos humanos, que Jenny S. Martinez destacou como a origem dos Direitos Humanos Internacionais na obra The Slave Trade and the Origins of International Human Rights Law, o Ato para a Abolição não extinguiu o instituto da escravidão do império britânico.

Be it therefore enacted by the King's most Excellent Majesty, by and with the Advice and Consent of the Lords Spiritual and Temporal, and Commons, in this present Parliament assembled, and by the Authority of the same, That from and after the First Day of May One thousand eight hundred and seven, the African Slave Trade, and all and all manner of dealing and trading in the Purchase, Sale, Barter, or Transfer of Slaves, or of Persons intended to be sold, transferred, used, or dealt with as Slaves, practiced or carried on, in, at, to or from any Part of the Coast or Countries of Africa, shall be, and the same is hereby utterly abolished, prohibited, and declared to be unlawful; so offending shall forfeit and pay for every such Offence the Sum of One hundred Pounds of lawful Money of Great Britain for each and every Slave so purchased, sold, bartered, or transferred, or contracted or agreed for as aforesaid[7][...][8].

Assim, a compra, a venda, o escambo, a transferências e demais negociações relativas ao comércio de cativos da costa da África restou proibida. Ademais, também ficou exposto as penalidades em que incorriam aqueles que descumprissem os mandamentos do referido Ato.

Ante ao contexto abolicionista britânico, foi firmado o Tratado de Aliança e Amizade de 19 de fevereiro de 1810 (simultaneamente ao tratado de comércio e navegação, que reforçava a presenção das embarcações de bandeira britânica nos portos portugueses) entre o governo português, instalado em terras brasileiras, devido à invasão napoleônica à metrópole pelo não isolacionismo continental levado a cabo pela França, e a Grã-Bretanha. Quanto ao tráfico de cativos, o Artigo X do referido Tratado expõe que:

Sua Alteza real o Príncipe de Portugal, estando plenamente convencido da injustiça e má política do comércio de escravos, e da grande desvantagem que nasce da necessidade de introduzir e continuamente renovar uma estranha e factícia população para entreter o trabalho e indústria nos Seus domínios do Sul da América, tem resolvido de cooperar com Sua Majestade Britânica na causa da humanidade e justiça, adotando os mais eficazes meios para conseguir em toda a extensão dos Seus domínios uma gradual abolição do comércio de escravos. E movido por este princípio, Sua Alteza Real e Príncipe Regente de Portugal Se obriga a que aos Seus vassalos não será permitido continuar o comércio de escravos em outra alguma parte da Costa da África, que não pertença atualmente aos domínios de Sua Alteza Real, aos quais neste comércio foi já descontinuado e abandonado pelas Potências e Estados da Europa que antigamente ali comerciavam; reservando contudo para os Seus próprios vassalos o direito de comprar e negociar em escravos nos domínios africanos da Coroa de Portugal. Deve porém ficar distintamente entendido que as estipulações do presente Artigo não serão consideradas como invalidando ou afetando de modo algum os direitos da Coroa de Portugal aos territórios de Cabinda e Molembo, os quais direitos foram em outro tempo disputados pelo Governo da França, nem como limitando ou restringindo o comércio de Ajudá e outros portos da África (situados sobre a costa comumente chamada na língua Portuguesa de Costa da Mina), e que pertencem, ou a que tem pretensões a Coroa de Portugal, estando Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal resolvido a não resignar, nem deixar perder as Suas Justas e legítimas pretensões aos mesmos, nem os direitos de Seus Vassalos de negociar com estes lugares, exatamente pela mesma maneira que eles até aqui o praticavam[9].

Assim, a Grã-Bretanha, conforme o disposto no Artigo X, reconheceu o direito português à realização do tráfico em seus próprios domínios (BETHELL, 2002, p. 30), logo, o interesse britânico restou formalmente ressalvado, mas materialmente prejudicado. Outrossim, deve ser observado que não houve o estabelecimento de prazos no que tange a possível supressão do tráfico de escravos, o que viria a ser utilizado como tese de defesa às ações britânicas em 1848 para o fim do tráfico.

Não obstante, destaca-se que houve a expressa disposição da proibição do comércio com territórios alheios aos de domínio de Portugal. Porém isso não impediu que as capturas ocorressem em outros territórios frutos de conflitos tribais e que os cativos fossem transladados até as cidades portuárias portuguesas.

Ademais, em 22 de janeiro de 1815, em Viena, em conferência pós vitória contra a França comandada por Napoleão, as potências europeias, Grã-Bretanha, Suécia, Rússia, França, Prússia, Suíça e Áustria destacadamente impeliram Portugal à assinatura de tratado que estabelecera, de imediato, defeso o tráfico de escravos ao norte da linha do Equador, trazendo no caput do documento que:

Sua Alteza Real o Principe Regente de Portugal, Tendo no artigo decimo do Tratado de Alliança feito no Rio de Janeiro em 19 de Fevereiro de 1810, declarado a sua Real Resolução de cooperar com sua majestade Britannica na causa da humanidade e justiça, adoptando os meios mais efficazes para promover a abolição gradual do Tratado de Escravos: e Sua Alteza Real em virtude da dita Declaração desejando effectuar, de commum accordo com Sua Magestade Britannica e com as outras Potencias da Europa, que se prestarem a contribuir para este fim benefico, a abolição immediata do referido Trafico em todos os logares da Costa da Africa sitos ao Norte do Equador: Sua Alteza Real o Principe Regente de Portugal e Sua Magestade Britannica, ambos igualmente animados do sincero desejo de accelerar a epoca, em que as vantagens de uma industria pacifica, e de um commercio innocente, possam vir a promover-se por toda essa grande extensão do Continente Africano, libertado este do mal do Trafico de Escravos, Ajustaram fazer um Tratado para esse fim. [10]

Destaca-se que um dos termos mais densamente discutidos após a imposição britânica, em meados do século XIX, do fim do tráfico de escravos está disposto nesse Tratado de 1815, especificamente no Artigo IV, onde existe a reserva do direito ao fim do tráfico por parte das respectivas potências. Assim, restando evidente que os termos legais para o fim do tráfico de escravos deveriam partir de documento externo ao referido Tratado de 1815 e que, ademais, deveria haver a pactuação das partes quanto ao objeto, assim, respeitando os princípios do Direito Internacional à época - vez que os Direitos Humanos apareceriam mais distintamente nas doutrinas entre finais do século XIX e início do século XX.

As Duas Altas Partes Contratantes se reservam e obrigam a fixar por um Tratado separado o periodo em que o Commercio de Escravos haja de cessar universalmente, e de ser prohibido em todos os Dominios de Portugal: e Sua Alteza Real o Principe Regente de Portugal Renova aqui a sua anterior Declaração e Ajuste de que, no intervallo que decorrer até que a sobredita abolição geral e final se verifique, não será licito aos Vassallos Portuguezes o comprarem ou traficarem em Escravos em qualquer parte da Costa de Africa, que não seja ao Sul da Costa de Africa, que não seja ao Sul da Linha Equinocial, com rica especificado no segundo artigo deste Tratado; nem tão pouco o emprehenderem este trafico debaixo da Bandeira Portugueza para outro fim que não seja o de supprir de Escravos as Possessões Transatlanticas da Corôa de Portugal[11].

Ainda no Congresso de Viena, em 8 de fevereiro de 1815 foi firmado o Ato número XV, Declaração das Potências na Abolição do Comércio de Escravos (declaração de princípios), onde foi exposto o interesse dos Estados europeus no fim do tráfico de escravos amparada em valores subjetivos ligados à humanidade e moralidade.

Having taken into consideration that the commerce, known by the name of "the Slave Trade," has been considered, by just and enlightened men of all ages, as repugnant to the principles of humanity and universal morality; that the particular circumstances from which this commerce has originated, and the difficulty of abruptly arresting its progress, may have concealed, to a certain extent, what was odious in its continuance, but that at length the public voice, in all civilized countries, calls aloud for its prompt suppression; that since the character and the details of this traffic have been better known, and the evils of every kind which attend it, completely developed, several European governments have virtually come to the resolution of putting a stop to it, and that successively all the Powers possessing colonies in different parts of the world have acknowledged, either by legislative Acts, or by Treaties, or other formal engagements, the duty and necessity of abolishing it; That the Plenipotentiaries assembled at this Congress cannot do greater credit to their mission, better fulfil their duty, and manifest the principles which actuate their august Sovereigns, than by endeavouring to carry this engagement into effect, and by proclaiming, in the name of their Sovereigns, their wish of putting an end to a scourge, which has so long desolated Africa, degraded Europe, and afflicted humanity;[12] [13]

A visão descrita nessa Declaração soa capciosamente, pois a Europa não foi degraded, pelo contrário, a acumulação primitiva de capital advinda da exploração do tráfico de escravos, e do comércio triangular em si, possibilitou a consolidação da revolução industrial e do sistema capitalista, vez que as instituições que fomentam os mercados possuem estreitas relações com as relações coloniais.

Exemplo disso, advindo de Londres, o banco Barclay’s, teve sua fundação pela família de Quakers que se dedicavam ao tráfico de escravos desde 1756. Não obstante, Liverpool, Manchester e Glasgow também concentraram significativo número de bancos cujo capital foi originado do tráfico. Outrossim, não se pode olvidar o papel desse capital no desenvolvimento de indústrias metalúrgicas, e.g., Anthony Bacon fundou uma das principais fábricas de ferro britânicas em 1765 com recursos advindos de seus negócios com o tráfico antilhano. (WILLIAMS, 2003, p.87).

Em 28 de julho de 1817 foi assinada em Londres Convenção Adicional ao Tratado de 22 de janeiro de 1815 - que estabeleceu defeso o tráfico de escravos ao norte da linha do Equador. O texto dessa convenção buscou regulamentar de forma estrita os instrumentos a serem utilizados para a supressão do tráfico e estabeleceu ainda importante instituto como as Comissões Mistas, além de trazer as Instruções Especiais destacadas às embarcações cujo policiamento relativo ao tráfico foram atribuídas. Outrossim, essa Convenção também delimitou as áreas de domínio português na África, além de atribuir ao tráfico realizado em outras áreas não abrangidas pelo tratado como pirataria.

Em referência ao tráfico, no que tange às delimitações das nacionalidades das embarcações e seus tripulantes, a Convenção de 28 de julho de 1817 traz em seu Artigo I que:

As Duas Altas Partes Contractantes Declaram, que Ellas consideram como Trafico illicito de Escravos, o que, para o futuro, houvesse de se fazer em taes circumstancias como as seguintes, a saber: 1º Em Navios e debaixo de Bandeira Britanica, ou por conta de Vassallos Britannicos em quaquer bandeira que seja; 2º Em Navios Portuguezes em todos os Portos ou Paragens da Costa d'Africa que se acham prohibidas em virtude do Artigo I do Tratado de 22 de Janeiro de 1815; 3º Debaixo de Bandeira Portugueza ou Britannica, quando por conta de Vassallos de outra Potencia; 4º Por Navios Portuguezes que se destinassem para um Porto qualquer fóra dos Dominios de Sua Magestade Fidelissima. [14]

Essas disposições não impediram que inúmeras embarcações se armassem com tripulação e bandeira portuguesa para realização do tráfico de escravos, e tampouco a fariam mesmo após independência do Brasil de Portugal. Isso porque mesmo aqueles que aceitaram a nacionalidade brasileira não viam obstáculos na transferência das embarcações para bandeira portuguesa, para isso utilizando-se de documentos falsos e subornos (BETHEL, 2002, p. 315).

Por sua vez, quanto aos territórios delimitados na convenção, em específico no Artigo II, tem-se que:

Os Territorios nos quaes, segundo o Tratado de 22 de Janeiro de 1815, o Commercio dos Negros fica sendo licito para os Vassalllos de Sua Magestade Fidelissima, são: 1º Os Territorios que a Corôa de Portugal possue nas Costas d'Affrica ao Sul do Equador, a saber; na Costa Oriental da Africa, o Territorio comprehendido entre Cabo Delgado e a Bahia de Lourenço Marques; e, na Costa Occidental, todo o Territorio comprehendido entre o oitavo e decimo oitavo gráo de latitude meridional; 2º Os territorios da Costa d'Affrica ao Sul do Equador sobre os quaes Sua Magestade Fidelissima declarou reservar seus Direitos, a saber: Os territoris de Molembo e de Cabinda na Costa Oriental da Africa, desde o quinto gráo e doze minutos o até oitavo de latitude meridional[15].

A autorização para abordagem às embarcações suspeitas de realizar o tráfico, as indenizações devidas em caso de apresamentos ilegais, o estabelecimento das comissões mistas e as instruções especiais que as belonaves que realizassem as visitas às embarcações suspeitas de tráfico deveriam possuir, todas essas estão postas no Artigo V da referida Convenção:    

As Duas Altas Partes Contractantes, para melhor conseguirem o fim que se propõem, de impedir todo o Commercio illicito de Escravos aos Seus Vassallos respectivos, Consentem mutuamente em que, os Navios de Guerra de Ambas as Marinhas Reaes que, para esse fim se acharem munidos das Instrucções Especiaes de que abaixo se fará menção, possam visitar os Navios mercantes de Ambas as Nações que houver motivo razoavel de se suspeitar terem a bordo Escravos adquiridos por um Commercio illicito; os mesmos Navios de Guerra poderão (mas sómente no caso em que de facto se acharem Escravos a bordo) deter e levar os ditos Navios, afim de os fazer julgar pelos Tribunaes estabelecidos para este effeito, como abaixo será declarado. Bem entendido, que os Commandantes dos Navios de ambas as Marinhas Reaes, que exerceram esta Commissão, deverão observar stricta e exactamente as Instrucções de que serão munidos para este effeito. Este Artigo, sendo inteiramente reciproco, as Duas Altas Partes Contradictantes Se Obrigam uma para com a outra á indemnização das Perdas que os seus Vassallos respectivos houverem de soffrer injustamente pela detenção arbitraria e sem causa legal, dos seus Navios. Bem entendido, que a indemnização será sempre á custa do Governo ao qual pertencer o Cruzador que tiver commettido o acto de arbitrariedade. Bem entendido tambem, que a visita e a detenção dos Navios de Escravatura, conforme se declarou neste Artigo, só poderão effectuar-se pelos Navios Portuguezes ou Britannicos que pertencerem a qualquer das duas Marinhas Reaes, e que se acharem munidos das Instrucções especiaes annexas á presente Convenção;

Assim, ficando expresso as condições em que deveriam ocorrer os apresamentos e os trâmites materiais e processuais que incidiriam sobre as embarcações objeto das abordagens. Outrossim, as indenizações também incidiam sobre os casos que envolvessem as abordagens, além das arbitrariedades cometidas pelas belonaves.

Para delimitar a vigência da Convenção de 28 de julho de 1817, adicional ao Tratado de 22 de janeiro de 1815, Artigo Separado foi firmado em 11 de setembro de 1817. Esse dispositivo delimitou prazo de quinze anos, após legislação nacional de supressão do tráfico, para término do prazo de eficácia da Convenção de 28 de julho de 1817.

Logo que se verificar a total abolição do Trafico de Escravatura para os Vassallos da Corôa de Portugal, as duas altas partes contractantes convém em adaptar, de commum accordo, ás novas circumstancias, as Estipulações da Convenção Addicional assignada em Londres em 28 de Julho proximo passado; mas quando não seja possivel concordar em outro Ajuste, a Convenção Addicional daquella data ficará sendo valida até a expiração de quinze annos, contados desde o dia em que o trafico da Escravatura for totalmente abolido pelo Governo Portuguez. [16]

O prazo de quinze anos descrito no Artigo Separado teve seu computo a partir de 1831 quando o Império do Brasil, já independente de Portugal, sancionou a Lei de 7 de novembro de 1931, conhecida como lei para inglês ver, que proibia o tráfico de escravos. Sendo que tal lei adveio da assinatura, em 23 de novembro de 1826, de Convenção entre o Império do Brasil e a Grã-Bretanha para abolição do tráfico de escravos.

Esse Tratado de 23 de novembro de 1826 estabeleceu os parâmetros referentes às relações entre o império britânico e brasileiro que se dariam após a independência, sendo que para isso o próprio texto legitimou os tratados e convenções de 1815 e 1817. As comissões mistas e as visitas às embarcações suspeitas de realizar a trata de cativos seguiriam nos mesmos termos e utilizariam os respectivos instrumentos, ademais, estabeleceu o prazo de três anos, após a ratificação pelas partes do tratado de 1826, para que houvesse a declaração de ilegalidade do tráfico de cativos.

ARTIGO I. Acabados tres annos depois da troca das Ratificações do presente Tratado, não será licito aos Subditos do Imperio do Brasil fazer o Commercio de Escravos na Costa d'Africa, debaixo de qualquer pretexto, ou maneira qualquer que seja. E a continuação deste Commercio, feito depois da dita época, por qualquer pessoa subdita de Sua Magestade Imperial, será considerada, e tratada de pirataria. ARTIGO II. Sua Magestade o Imperador do Brasil, e Sua Margestade o Rei do Reino Unido da Grã-Bretanha, e Irlanda, julgando necessario declararem as obrigações, pelas quaes se achão ligados para regular o dito Commercio até o tempo da sua abolição final, concordão por isso mutuamente em adoptarem, e renovarem tão efficazrnente, como se fossem inseridos palavra por palavra nesta Convenção, todos os artigos, e disposições dos Tratados concluidos entre Sua Magestade Britannica, e El-Rei de Portugal sobre este assumpto, em 22 de Janeiro de mil oitocentos e quinze, e vinte oito de Julho de mil oitocentos e dezasete, e os varios artigos explicativos, que lhes têm sido addicionados. ARTIGO III. As Altas partes Contratantes concordão mais em que todas as materias, e cousas nos ditos Tratados conteudas, assim corno as Instrucções, e Regulações, e fórmas de Instrumentos annexos ao Tratado de vinte e oito de Julho de mil oitocentos e dezasete, sejão applicadas mutatis mutandis ás ditas Altas Partes Contratantes, e Seus Subditos, tão efficazmente como se fossem aqui repetidas palavra por palavra, confirmando, e approvando por este acto tudo o que foi feito pelos Seus respectivos Subditos em conformidade dos ditos Tratados, e em observancia delles. ARTIGO IV. Para a execução dos fins desta Convenção, as Altas Partes Contratantes concordão mais em nomearem desde já Commissões mixtas, na fórma daquellas já estabelecidas por parte de Sua Magestade Britannica, e El-Rei de Portugal, em virtude da Convenção de vinte e oito de Julho de mil oitocentos e dezasete. [17]

A condição de supressão do tráfico de escravos pelo Império do Brasil, conforme exposto, se deu pela sanção da Lei de 7 de novembro de 1831. Essa Lei libertou todos os escravos que entrassem em território nacional e sancionou as penas cabíveis aos responsáveis pelo transporte, compra, venda e que possuíssem interesse na trata, outrossim, também houve o estabelecimento de recompensas àqueles que fizessem denúncias e apresamentos referentes ao tráfico de cativos, sendo que esses, se constatada a realização do tráfico, deveriam, no texto da lei, ser reencaminhados à África.

Art. 1º Todos os escravos, que entrarem no territorio ou portos do Brazil, vindos de fóra, ficam livres. [...] Art. 2º Os importadores de escravos no Brazil incorrerão na pena corporal do artigo cento e setenta e nove do Codigo Criminal, imposta aos que reduzem á escravidão pessoas livres, e na multa de duzentos mil réis por cabeça de cada um dos escravos importados, além de pagarem as despezas da reexportação para qualquer parte da Africa; [...]  Art. 4º Sendo apprehendida fóra dos portos do Brazil pelas forças nacionaes alguma embarcação fazendo o commercio de escravos, proceder-se-ha segundo a disposição dos arts. 2º e 3º como se a apprehensão fosse dentro do Imperio. Art. 6º O Commandante, Officiaes, e marinheiros de embarcação, que fizer a apprehensão, de que faz menção o art. 4º, têm direito ao producto da multa, fazendo-se a partilha, segundo o regimento da marinha para a divisão das presas. Art. 7º Não será permittido a qualquer homem liberto, que não fôr brazileiro, desembarcar nos portos do Brazil debaixo de qualquer motivo que seja. [...] Art. 8º O Commandante, mestre, e contramestre, que trouxerem as pessoas mencionadas no artigo antecedente, incorrerão na multa de cem mil réis por cada uma pessoa, e farão as despezas de sua reexportação [...] [18]

Conhecida como Lei para inglês ver, essa lei foi fruto do embate político entre a base aliada do imperador e a oposição. Isso porque a câmara baixa se opunha fortemente à centralização exercida pelo poder executivo instituído na forma do “poder moderador”, enquanto a câmara alta preparava dados estatísticos para compreender a situação em que o Império do Brasil estaria com a supressão do tráfico de escravos (PEIXOTO, 2012, p. 59).

Se analisado os votos da câmara baixa referente à ratificação do Tratado de 1826 que dispôs sobre a supressão do tráfico, e consequentemente à sanção da Lei para inglês ver, fica evidente que a votação esteve centrada entre a base e a oposição ao poder executivo. Exemplo da tentativa de domínio da política, o congresso buscou aprovar projeto que abolisse a escravidão, assim, possibilitando que o mesmo não se originasse no poder executivo, além do interesse no prolongamento do prazo estipulado para supressão do tráfico.

 Apresamentos e Comissões Mistas.

Conforme exposto, a Convenção de 28 de julho de 1817 delimitou de forma expressa as competências e os instrumentos para realização das visitas às embarcações suspeitas de realizar o tráfico de escravos. Destarte, ao se analisar o Artigo VI da referida Convenção, se pode compreender um dos fatos que marcaram o tráfico no decorrer da primeira metade do século XIX, o lançamento de escravos ao mar para evitar a perda das embarcações e demais punições estabelecidas na referida Convenção.

ARTIGO VI. Os Cruzadores Portuguezes ou Britannicos não poderão deter Navio algum de Escravatura em que actualmente não se acharem Escravatura em que actualmente não se acharem Escravos a bordo: e será preciso para legalizar a detenção de qualquer Navio, ou seja Portuguez ou Britannico, que os Escravos que se acharem a seu bordo, sejam effectivamente conduzidos para o Trafico, e que aquelles que se acharem a bordo do Navio Portuguezes haviam sido tirados daquella parte da Costa d'Africa onde o Trafico foi prohibido pelo Tratado de 22 de Janeiro de 1815[19].

A necessidade de se encontrar cativos nas embarcações também é reforçada pelas “Instrucções destinadas para os Navios de Guerra Portuguezes e Inglezes que tiverem a seu Cargo o impedir o Commercio illicito de Escravos” dispostas na Convenção de 28 de julho de 1817, e que delimitou e atribuiu as questões técnicas e legais para realização dos apresamentos, e. g., no Artigo I, das referidas Instrucções, tem-se que:

ARTIGO I.     Todo o Navio de Guerra Portuguez ou Britannico terá o direito, na Conformidade do Artigo quinto da Convenção Addicional de data de hoje, de visitar os Navios Mercantes de uma ou de outra Potencia que fizerem realmente, ou forem suspeitos de fazer o Commercio de Negros; e se a bordo delles se acharem Escravos, conforme o theor do Artigo sexto da Convenção Addicional acima mencionada: e pelo que diz respeito aos Navios Portuguezes, se houverem motivos para se suspeitar que os sobreditos Escravos fossem embarcados em um dos Pontos da Costa de Africa, onde este Commercio não lhes é já permittido, segundo as Estipulações existentes entre as duas altas potencias; neste caso tão sómente, o Commandante do dito Navio de Guerra os poderá deter, e havendo-os detido, deverá conduzi-los o mais promptamente que for possivel para serem julgados por aquella das duas Commissões mixtas, estabelecidas pelo Artigo oitavo da Convenção Addicional de data de hoje, de que estiverem mais proximos, ou á qual o Commandante do Navio aprezador julgar, debaixo da sua responsabilidade, que pode mais depressa chegar desde o ponto onde o Navio de Escravatura houver sido detido. Os Navios a bordo dos quaes se não acharem Escravos destinados para o Trafico, não poderão ser detidos debaixo de nenhum pretexto ou motivo qualquer. Os Criados ou Marinheiros Negros que se acharem a bordo destes ditos Navios, não serão, em caso nenhum, um motivo sufficiente de detenção.

A necessidade da materialidade para apresamento de embarcações seguiu vigente após 1830, quando o Império do Brasil aboliu o tráfico de escravos. Todavia, até a referida data, as Instrucções dispunham sobre a imunidade às embarcações luso-brasileiras.

Artigo IV. Não poderão ser detidos, debaixo de pretexto algum, os Navios Portuguezes Mercantes, ou empregados no Commercio de Negros, que forem encontrados em qualquer paragem que seja, quer perto de terra quer no mar largo, ao Sul do Equador, a menos que não seja em consequencia de se lhes haver começado a dar caça ao Norte do Equador.

Essa imunidade, que foi suprimida nos termos do Tratado de 1826, com o transcorrer do tempo e a passagem à ilegalidade, mais especificamente ao tratamento de pirataria, levou ao apresamento de inúmeras embarcações luso-brasileiras por belonaves britânicas. Essas que, conforme exposto nos tratados de 1817, deveriam encaminhar as presas às comissões mistas para julgamento.

A Convenção de 28 de julho de 1817 trouxe de forma expressa o rito pelo qual as comissões deveriam submeter àqueles que estivessem sob sua jurisdição. Sendo que, no Artigo I, do Regulamento para as Commissões mixtas que devem residir na Costa de Africa, no Brazil, e em Londres, está expresso que:

ARTIGO I. As Commissões mixtas, estabelecidas pela Convenção Addicional da data de hoje na Costa de Africa e no Brasil, são destinadas para julgar da legalidade da detenção dos Navios empregados no trafico da Escravatura, que os Cruzadores das duas Nações houverem de deter em virtude da mesma Convenção, por fazerem um Commercio illicito de Escravos. As sobreditas Commissões julgarão, sem appellação conforme a letra e espirito do Tratado de vinte e dous de Janeiro de mil oitocentos e quinze, e da Convenção Addicional ao mesmo Tratado, assignada em Londres no dia vinte e oito de Julho de mil oitocentos e dezesete. - As Commissões deverão dar as suas Sentenças tão summariamente quanto for possivel, e lhes é precripto o decidirem, (sempre que for praticavel) no espaço de vinte dias, contados daquelle em que cada Navio detido for conduzido ao porto da sua residencia: 1º Sobre a legitimidade da Captura; 2º Sobre as indemnidades que o Navio aprezado deverá receber, no caso dese lhe dar liberdade. Ficando estipulado, que em todos os casos, a Sentença final não poderá ser differida além do termo de dous mezes, quer seja por causa de ausencia de testemunhas, ou por falta de outras provas, excepto a requerimento de alguma das partes interessadas, com tanto que estas dêem fiança sufficiente de se encarregarem das despezas e riscos da demora, no qual caso os Commissarios poderão á sua discrição conceder uma demora addicional, a qual não passará de quatro mezes.

Torna-se clara a celeridade buscada nas decisões das comissões mistas, ademais, a possibilidade de indenizações favoreceu a não captura por erros grosseiros de criteriosidade. Outrossim, a possibilidade da fiança possibilitava a continuação das atividades das embarcações, o que permitia que a referida fiança fosse paga pela própria atividade do navio enquanto transitava a causa.

Nesse diapasão, em referência à forma do processo que julgará os apresamentos, o referido Regimento expressa que:

ARTIGO III. A forma do Processo será como se segue: Os Commissarios Juizes das duas Nações deverão em primeiro logar proceder ao exame dos papeis do Navio, e receber os depoimentos, debaixo de Juramento do Capitão, e de dous ou tres, pelo menos, dos principaes individuos a bordo do Navio detido; assim como a declaração de Captor debaixo de Juramento, no caso que pareça necessaria; a fim de se poder julgar e decidir se o dito Navio foi devidamente detido, ou não, segundo as Estipulações da Convenção Addicional da data de hoje, e para que, á vista deste Juizo, seja condemnado, ou posto em liberdade. E no caso que os dous Commissarios Juizes não concordem na Sentença que deverão dar, já seja sobre a legitimidade da detenção, já sobre a indemnidade que se deverá conceder, ou sobre qualquer outra duvida que as Estipulações da Convenção desta data possão suscitar; nestes casos farão tirar por sorte o nome de um dos Commissarios Arbitros, o qual, depois de haver tomado conhecimento dos Autos do Processo, deverá conferir com os sobreditos Commissarios Juizes sobre o caso de que se trata; e a sentença final se pronunciará conforme os votos da maioria dos sobreditos Commissarios Juizes, e do sobredito Commissario Arbitro.

Desse modo, sendo reforçada a questão da celeridade processual já apresentada em outros dispositivos, além do devido processo legal que deveria ser seguido na realização dos julgamentos. Os casos em que ocorresse divergência de entendimentos seriam relegados à apreciação de terceiro Comissário para que ocorresse o arbitramento.

Sendo que no caso de apresamentos ilegais indenizações eram devidas, e reconhecidas como legitimas, aos proprietários das embarcações apresadas, conforme dispõe o Regimento:

ARTIGO VI. Immediatamente depois de dada a Sentença, o Navio detido, (se for julgado livre) e quanto restar da sua Carga, serão restituidos aos Donos, os quaes poderão reclamar perante a mesma Commissão a avaliação das indemnidades a que terão direito de pretender. O mesmo Captor, e, na sua falta, o seu Governo ficará responsavel pelas sobreditas indemnidades. As duas altas partes contractantes se obrigam a satisfazer, no prazo de um anno desde adata da Sentença, as indemnidades que forem concedidas pela sobredita Commissão. Bem entendido que estas indemnidades serão sempre á custa daquella Potencia á qual pertencer o Captor.

Por ser devida pelo Estado envolvido na captura, as indenizações em sua maioria eram realizadas de forma célere, como é possível contar nos processos do apresamento das embarcações Ismênia, Recuperador, Santa Rita e Sultana[20]. Nesses casos, as indenizações foram pagas pelo Império do Brasil aos súditos espanhóis que tiveram suas embarcações apresadas sob a suspeita não confirmada da realização do tráfico.

Se as buscas realizadas às referidas tivessem encontrado algum cativo, e fosse possível verificar materialmente a realização do tráfico, a incidência do Regimento seria possível, vez que:

ARTIGO VII. No caso de ser qualquer Navio condemnado por viagem illicita, serão declarados boa preza o Casco, assim como a Carga, qualquer que ella seja, á excepção dos Escravos que se acharem a bordo para objecto de Commercio: e o dito Navio e a dita Carga serão vendidos em leilão publico a beneficio dos dous Governos: e quanto aos Escravos, estes deverão receber da Commissão mixta uma Carta de Alforria, e serão consignados ao Governo do Paiz em que residir a Commissão que tiver dado a Sentença, para serem empregados em qualidade de Criados ou trabalhadores livres. - Cada um dos dous Governos se obriga a garantir a liberdade daquella porção destes individuos que lhe for respectivamente consignada.

Outrossim, quanto ao pagamento das indenizações e os juros a serem considerados no cômputo dos valores, o Regimento traz de forma objetiva as alíquotas e objetos que devem ser calculados para totalização da quantia devida pelo dano:

ARTIGO VIII. Qualquer reclamação de indemnidade, por perdas occasionadas aos Navios suspeitos de fazeremo Commercio illicito de Escravos que não forem condemnados como boa preza pelas Commissões mixtas, deverá ser igualmente recebida e julgada pelas sobreditas Commissões na fórma especificada pelo Art. 3º do presente Regulamento. E em todos os casos em que se passar Sentença de restituição, a Commissão adjudicará a qualquer Requerente, ou aos seus procuradores respectivos, reconhecidos como taes em devida forma, uma justa e completa indemnidade em beneficio da pessoa ou pessoas que fizerem as reclamações: 1º Por todas as Custas do Processo, e por todas as perdas e damnos que qualquer Requerente ou Requerentes possam Ter soffrido por tal Captura e Detenção, isto é, no caso de perda total, o Requerente ou Requerentes serão indemnizados; 1º Pelo casco, massame, apparelho e mantimentos; 2º Por todo o frete vencido, ou que se possa vir a dever; 3º Pelo valor da sua carga de generos, se a tivar; 4º Pelos escravos que se acharem a bordo no momento da deterioração da Carga ou dos Escravos; 5º por qualquer diminuição no valor da Carga de Escravos, por effeito de mortalidade augmentada além do computo ordinario para taes viagens, ou por causa de molestias occasionadas pela detenção; este valor deverá ser regulado pelo calculo do preço que os sobreditos Escravos teriam no logar do seu destino, da mesma fórma que no caso precedente da perda total;     6º Um Juro de cinco por cento sobre o importe do Capital empregado na compra e manutenção da Carga, pelo periodo da demora occasionada pela detenção; 7° Por todo o premio de Seguro sobre o augmento de risco.

Diversos foram os apresamentos julgados pelas comissões mistas no Rio de Janeiro, Londres e Serra Leoa, todavia essas capturas são resultados dos esforços de uma pequena esquadra britânica com as atribuições de fiscalizar a rota entre o Brasil e a costa da África (BETHELL, 2002, p.213). Isso porque além de poucas embarcações disponíveis para controle do mar, as velocidades alcançadas por essas eram limitadas, assim, possibilitando que embarcações velozes com escravos se furtassem às intercepções.

Exemplo disso, entre dezembro de 1835 e abril de 1839, os registros apontam que a armada britânica realizou o apresamento de 11 embarcações ao largo do mar territorial brasileiro suspeitos da realização do tráfico. Sendo também notório que embarcações preparadas ao tráfico realizaram cerca de trezentas viagens à Moçambique, Congo e Angola, além das com destino à Costa da Mina, sendo fruto disso o desembarque de aproximadamente 125.000 escravos no território do Brasil (BETHELL, 2002, p. 178).


SUPRESSÃO DO TRÁFICO DE ESCRAVOS (1826-1850).

Lei para inglês ver, bill Aberdeen, Protesto Brasileiro.

Antes de ser sancionada a lei que abolia formalmente o tráfico por súditos e embarcações brasileiras, o tráfico se dava por meio da ida a África de embarcações, preparadas para o transporte de cativos, todavia, com os porões abarrotados com manufaturas tanto brasileiras quanto europeias e então realizavam o escambo, regressando com escravos. Porém a sistemática para seguimento do tráfico com a possibilidade de apresamentos pela armada britânica forçou mudanças operacionais, sendo que as manufaturas que seriam escambadas chegavam ao continente africano por meio de embarcações sob bandeira dos Estados Unidos ou de alguma outra nação europeia, ao passo que uma segunda embarcação, muitas vezes sem identificação de nacionalidade, fazia o transporte desde a costa da África até ao Brasil (ALENCASTRO, 2000, p. 6).

Ademais, com a sanção da Lei para inglês ver de 1831, houve uma abruta diminuição na entrada de cativos, conforme o Gráfico 1[21] - para a constituição dos dados foram analisados os registros des 34.948 viagens transatlânticas, das quais, aproximadamente 3,6% não lograram em chegar à costa africana por infortúnios diversos, assim, podendo ser deduzido que dois terços de todas as viagens destinadas ao tráfico foram documentadas - podendo ser alegada uma redução para aproximadamente 10% do número total de cativos que entravam nos 10 anos anteriores à Lei para inglês ver e que perdurou no decorrer dos cinco anos posteriores a essa Lei.

 Esse foi o primeiro reflexo significativo na queda no número de entrada de escravos vindos da África, todavia, não persistiu por muito tempo, vez que a expansão das plantações de café exigia braços para os trabalhos nas lavouras, assim, ante a expansão do tráfico, ocorrida subsequentemente à lei de 7 de novembro de 1831, sem óbices pelas autoridades brasileiras, ao final da década de 1830 do século XIX o número de cativos que entravam no Brasil retomou aos números da década de 1820 - quando ainda não se havia suprimido legalmente o tráfico dos territórios portugueses (BETHELL, 2002, p.250).

Desse modo, ante a realidade fática da continuidade do tráfico, o congresso brasileiro elaborou substancial número de projetos com a finalidade de majorar as punições àqueles que fossem capturados transportando escravos ao Brasil, ou nos preparativos para fazê-lo. Porém esses projetos não obtiveram êxito na aprovação pelo Congresso Nacional, que reunia as elites rurais brasileiras e não eram afrontados pelo poder executivo, que passava por uma transição devido a volta de D. Pedro I à Europa para posse do trono em consequência da morte de seu pai. (PEIXOTO, 2013, 83). Logo, a supressão de facto do tráfico perduraria até meados da década de 1850, conforme se pode constatatar com os dados do Gráfico 1.

Face à continuação do tráfico, em 8 de agosto de 1845 o parlamento britânico sancionou An Act to amend an Act, intituled An Act to carry into execution a Convention between His Majesty and the Emperor of Brazil, for the Regulation and final Abolition of the African Slave Trade[22] [23], legislação conhecida por bill Aberdeen - Lorde Abeerdeen, ao tempo, era secretário de Estado para os assuntos estrangeiros do governo britânico. Essa lei também refletiu o posicionamento do governo brasileiro pelo fim das comissões mistas e a intepretação da perda de validade do tratado de 1817 e seus textos adicionais, uma vez que o prazo estipulado de 15 anos no tratado de 1826 se aproximava.

'WHEREAS a Convention was concluded between His late Majesty King George the Fourth and the Emperor of Brazil, for the Regulation and final Abolition of the African Slave Trade, and signed at Rio de Janeiro on the Twenty-third Day of November One thousand eight hundred and twenty-six: And whereas by the said Convention it was agreed between the High Contracting Parties to adopt, for the Purpose and Period therein referred to, the several Articles and Provisions of the Treaties concluded between His said late Majesty and the King of Portugal on this Subject on the Twenty-second Day of January One thousand eight hundred and fifteen and on the Twenty-eighth Day of July One thousand eight hundred and seventeen, and the several explanatory Articles which had been added thereto, [...] And whereas on the Twelfth Day of March One thousand eight hundred and forty-five it was notified by the Imperial Government of Brazil to Her Majesty's Government, that the British, and Brazilian Mixed Commissions established at Rio de Janeiro and Sierra Leone would cease on the Thirteenth Day of the said Month of March; but that the Imperial Government would agree that the said Mixed Commissions should continue for Six Months longer, for the sole Purpose of adjudicating the Cases pending, and those which might have occurred before the said Thirteenth Day of March [...].[24] [25]

Esse primeiro artigo faz referência aos tratados firmados entre Grã-Bretanha e o Império do Brasil, e a continuação pelo período de seis messes das comissões mistas anglo-brasileiras, para adjudicação dos casos pendentes. Assim, a posição brasileira pela não continuidade das comissões mistas foi respeitada, porém as consequências dessa decisão se refletem na possibilidade do julgamento pela armada britânica das embarcações presas por tráfico.

III. And whereas by the said Convention of the Twenty-third Day of November One thousand eight hundred and twenty-six [...] carrying on of the African Slave Trade under any Pretext or in any Manner whatever, and that the carrying on such Trade after that Period by any Person, Subject of His Imperial Majesty, should be deemed and treated as Piracy [...]  the Act of the Eighth Year of the Reign of His late Majesty King George the Fourth as prohibits the High Court of Admiralty and the Courts of Vice Admiralty from exercising Jurisdiction over Vessels captured in virtue of the said Convention shall be repealed, and that further Provisions be made for the due Execution of the same;' be it enacted, That so much of the said Act as prohibits the High Court of Admiralty or any Court of Vice Admiral in any Part of Her Majesty's Dominions from adjudicating on any Claim, Action, or Suit arising out of the said Convention, [...] shall be repealed[26].

Esse artigo que revogou as orientações para que as presas fossem julgadas pelas comissões mistas, em consequência, dispensou o direito de julgamento pelo tráfico ao almirantado. O império britânico entendia que se por um lado os tratados não seriam mais respeitados, a possibilidade de julgamentos, mesmo em tempos de paz, era a única saída para interromper o infame negócio.

Para isso, os instrumentos que possibilitavam o tráfico não poderiam ser disponibilizados novamente à compra, após os apresamentos, por interessados pela trata, assim, as embarcações e toda e quaisquer ferramentas envolvidas no tráfico deveriam ser destruídas.

VI. And be it enacted, That any Ship or Vessel which shall be detained under any such Order or Authority as aforesaid, and shall have been condemned by Her Majesty's High Court of Admiralty or by any Court of Vice Admiralty, may be taken into Her Majesty's Service, [...] shall be broken up and entirely demolished, and the Materials thereof shall be publicly sold in separate Parts[27].

Diante da bill Aberdeen, e do contexto político interno, o Império do Brasil, por seu ministro de negócios exteriores, Antonio Paulino Limpo de Abreu, emitiu Protesto contra o acto do Parlamento britânico, sancionado em 8 de agosto do anno corrente, que sujeita os navios brasileiros, que fizerem o tráfico de escravos, ao Alto Tribunal do Almirantado e a qualquer tribunal do Vice-Almirantado dentro dos domínios de sua magestade britânica[28] para expressar as razões de fato e de Direito que resguardavam a posição brasileira.

A argumentação do Protesto se iniciou por um relatório que expôs os tratados de 1815, 1817 e 1826, e as respectivas convenções adicionais, construindo a cronologia pelo qual o governo português, e subsequentemente o brasileiro, aceitou as condições britânicas referentes ao tráfico de escravos, ademais, foi apontado os prazos pelo quais os tratados seguiriam válidos.

Pelo Tratado de 22 de janeiro de 1815, o Governo do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves obrigou-se a abolir o comércio de escravos ao norte do Equador [...] a Convenção adicional de 28 de julho de 1817 [...] Nesta Convenção estabeleceu-se, entre outras providências, o direito de visita e de busca, e a criação de Comissões mistas para julgarem os apresamentos feitos pelos cruzadores das Altas Partes Contratantes, [...] No mesmo ano de 1817 foi assinado em Londres [...] um artigo separado, pelo qual se concordou em que, logo depois da abolição total do tráfico de escravos, as duas Altas Partes Contratantes conviriam em adaptar, de comum acordo, às novas circunstâncias as estipulações da Convenção adicional de 28 de julho do mesmo ano, e acrescentou-se que, quando não fosse possível concordar em outro ajuste, a dita Convenção adicional ficaria válida até a expiração de 15 anos contados desde o dia em que tráfico de escravos fosse totalmente abolido. Pelo artigo 1º da Convenção celebrada entre o Brasil e a Grã-Bretanha no dia 23 de novembro de 1826, e ratificada no dia 13 de março de 1827, estabeleceu-se que, “acabados três anos depois da troca das ratificações, não seria mais lícito aos súditos do Império do Brasil fazer o comércio de escravos na costa da África [...] seria considerado e tratado como pirataria” [...] o direito de visita e busca exercido em tempo de paz pelos cruzadores britânicos contra embarcações brasileiras, e as Comissões mistas criadas para julgarem as presas feitas pelos ditos cruzadores britânicos ou pelos brasileiros, deviam expirar no dia 13 de março de 1845, por ser esta a época em que terminavam os 15 anos depois de abolido totalmente o tráfico de escravos, pelo artigo 1º da Convenção celebrada em 25 de novembro de 1826, e ratificada em 13 de março de 1827.

Também foi examinado os infortúnios que acarretam com que um novo tratado, em substituição àqueles cujos prazos de validade expiraram, fosse ratificado. Ao fazer referência ao comércio lícito de seus súditos em sequência às negociações de 1835, 1840 e 1842, o governo imperial brasileiro defende a produção agrícola, principal fonte de equilíbrio da balança de pagamentos, que necessitava de braços para a produção.

Culpa não foi do Governo imperial se antes da expiração do prazo de quinze anos, acima mencionado, não foi possível obter-se um acordo justo e razoável entre o mesmo Governo imperial e o da Grã-Bretanha, para adaptar às novas circunstâncias da abolição total do tráfico as medidas estabelecidas na Convenção adicional de 28 de julho de 1817. É uma verdade incontestável que no ano de 1835, assim como nos de 1840 a 1842, o Governo imperial prestou-se sempre com o mais decidido ardor a diversas negociações propostas pelo Governo de S. M. Britânica. Se nenhuma destas negociações pôde concluir-se nem ratificar-se, a razão foi porque o Governo imperial viu-se colocado na alternativa, ou de recusar-se, malgrado seu, a tais negociações, ou de subscrever a completa ruína do comércio lícito de seus súditos, que aliás deve zelar e proteger. A escolha não podia ser duvidosa a um Governo que tivesse consciência dos seus deveres.

A soberania do Estado em suas relações exteriores se fundamenta na capacidade de participação das relações internacionais em condições de independência, ou seja, tomando suas próprias decisões e obrigações em regime de igualdade jurídica com outras nações, par in parem non habet imperium, não importando as diferenças existentes entre os Estados. Essa condição de soberania, e.g., permite ao Estado participar na construção de normas e assumir compromisso por tratados. (BROTONS, 1997, p. 135).

BOBBIO aponta que “Externamente cabe ao soberano decidir acerca da guerra e da paz: isto implica um sistema de Estados que não têm juiz algum acima de si próprios” (1997, p. 1180). É nesse sentido a argumento do governo brasileiro no Protesto, vez que o conceito soberania está atrelado ao território, sendo que as embarcações são reputadas partes do território de uma nação, assim, os crimes cometidos em embarcações brasileiras devem ser perquiridos pelo governo do Brasil. Logo, a ação de captura de embarcações brasileiras é apresentada como uma afronta aos princípios do Direito Internacional.

A letra do sobredito artigo 1º da Convenção só compreende os súditos brasileiros e o tráfico ilícito que estes possam exercer. Ninguém contesta que os crimes cometidos no território de uma nação só podem ser punidos pelas autoridades dela, e outrossim que se reputam parte do território de uma nação os seus navios, para o efeito, entre outros, de serem punidos por suas leis os crimes que neles forem perpetrados. Absurdo fora reconhecer no Governo britânico o direito de punir súditos brasileiros nas suas pessoas ou na sua propriedade, por crimes cometidos no território do Império, sem muito expressa, clara e positiva delegação deste direito, feita pelo soberano do Brasil ao da Grã-Bretanha. Onde está no Tratado esta delegação clara e positiva? Subentender, a título de interpretação, a delegação de um poder soberano que não se acha expressa, seria quebrantar o primeiro preceito da arte de interpretar, e é, que não é permitido interpretar o que não precisa de interpretação. Quando um ato está concebido em termos claros e precisos, quando o seu sentido é manifesto e não conduz a absurdo algum, nenhuma razão há para recusar-se ao sentido que semelhante ato apresenta naturalmente. Recorrer a conjecturas estranhas para restringi-lo ou ampliá-lo é o mesmo que querer iludi-lo. Acresce a isto que, subentender no caso de que se trata, a delegação de um poder soberano feita pelo Governo imperial ao da Grã-Bretanha sem que igual delegação fosse feita pelo Governo da Grã-Bretanha ao Governo imperial, contraviria, se alguma obscuridade houvesse no artigo, a outro preceito que se recomenda como regra de interpretar, e vem a ser, que tudo o que tende a destruir a igualdade de um contrato é odioso e, neste caso, é necessário tomar as palavras no sentido o mais restrito para desviar as conseqüências onerosas do sentido próprio e literal, ou o que ele contém de odioso.

A pirataria - ato ilegal de violência, detenção ou depredação de embarcações ou de seus passageiros, tripulantes, e/ou dos bens desses – também é questionada no Protesto por se considerar que o tráfico de escravos não envolvia abordagens a embarcações de terceiros em busca de proveitos.  Assim, a compreensão de ficção jurídica, válida unicamente entre as partes que assumem essa interpretação, é apontada para desqualificar o caráter danoso à navegação livre que a Grã-Bretanha tenta atribuir ao tráfico brasileiro.

O tráfico é no referido artigo equiparado a pirataria, somente por uma ficção de direito, e sabido é que as ficções de direito não produzem outro efeito além daquele para que são estabelecidas. Em verdade, o tráfico não é tão facilmente exercido como o roubo no mar; não há tanta dificuldade em descobrir e convencer aos seus agentes como aos piratas; em uma palavra, o trafico não ameaça o comércio marítimo de todos os povos como a pirataria.

Também é apontado pelo Ministro Antonio Paulino Limpo de Abreu o histórico britânico da trata de escravos e os benefícios auferidos pelos ingleses com o comércio triangular por mais de três séculos, fundamentando essa visão nos discursos de importantes atores políticos do velho mundo.

Nem é concebível como possa o tráfico ser considerado hoje pirataria, segundo o direito das gentes, quando ainda no ano de 1807 afirmava Lord Eldon no Parlamento britânico que o tráfico tinha sido sancionado por Parlamentos em que tinham assento os jurisconsultos mais sábios, os teólogos mais esclarecidos, e os homens de Estado mais eminentes; quando Lord Hawksbury, depois Conde de Liverpool, propunha que as palavras inconsistente com os princípios de justiça e humanidade fossem riscadas do preâmbulo da lei que aboliu o tráfico de escravos; quando enfim o Conde de Westmoreland declarava que ainda que ele visse os presbíteros e os prelados, os metodistas e os pregadores do campo, os jacobinos e os assassinos reunidos em favor da medida da abolição do tráfico de escravos, ele havia de levantar bem alto a sua voz contra ela no Parlamento. Não é concebível como possa o tráfico ser considerado hoje pirataria, segundo o direito das gentes, quando não há muitos anos ainda a mesma Inglaterra não se reputava infamada em negociar em escravos africanos, e quando outras nações cultas ainda há bem pouco tempo prescreveram esse tráfico. Escravos índios conserva presentemente a Grã-Bretanha. Rússia, França, Espanha, Portugal, Estados Unidos da América do Norte, Brasil e outras potências ainda não aboliram e escravidão. Obvio é portanto que fatos que tantas nações praticam atualmente, e que ainda não há muitos anos eram praticados por todo o mundo, não serão com justiça considerados pirataria senão entre povos que como tal os classificarem expressamente nos seus Tratados.

Outrossim, a jurisprudência internacional à época respaldava a posição do Império do Brasil no que tange à ilegalidade da ação britânica de visita e apresamento de embarcações sob bandeira brasileira, isso porque os conceitos relativos à universalidade de valores somente seriam desenvolvidos em finais do século XIX e início do século XX. Os tribunais e juízes franceses à época respaldavam integralmente o Direito à livre navegação alcançado no decorrer do século XV por doutrinadores como Hugo Grotius.

Já se mostrou que o direito das gentes não reconhece o direito de visita e busca no alto mar em tempo de paz, os Tribunais ingleses assim o tem por vezes reconhecido, como aconteceu no caso do navio francês Louis, capturado no ano de 1820 na costa d’África, por se ocupar no tráfico de escravos, declarando-se que tal captura era nula, porque o direito de visita e busca no alto mar não existe em tempo de paz. Lord Stowell na decisão deste caso alegou como argumento especial que, ainda mesmo admitindo que o tráfico estivesse efetivamente proibido pelas leis municipais da França, o que era duvidoso, o direito de visita e busca, sendo um direito exclusivamente beligerante, não podia, conforme o direito das gentes, ser exercido em tempo de paz para executar-se aquela proibição por meio dos Tribunais britânicos, a respeito da propriedade de súditos franceses. Proferindo o julgamento do Supremo Tribunal do Almirantado neste caso, Lord Stowell declarou mais que o tráfico de escravos, posto que injusto, e condenado pelas leis municipais da Inglaterra, não era pirataria, nem era crime à face do direito das gentes absoluto.

Essa perspectiva, assim como as demais expostas e alegadas pelo ministro Antonio Paulino de Limpo Abreu, corroborou com a defesa dos interesses e direitos brasileiros. Porém, em uma perspectiva do realismo político, a letra da lei não pode estabelecer diálogo simétrico com a diplomacia das ganhoneiras britânica.

Lei Eusébio de Queirós, Últimos Cativos e Hegemonia.

Passada a bill Aberdeen, no ano seguinte, 1846, o governo inglês revogou as Corn Laws[29] que favoreciam os grãos britânicos, assim, com o mercado aberto aos produtos advidos de outras partes do globo, os produtores brasileiros eram compelidos a seguir no tráfico de cativos para fomentar a produção nacional para exportação, tanto que, conforme o Gráfico 1, o número de escravos desembarcados em território brasileiro anualmente retomou à soma dos anos anteriores às leis de proibição do tráfico.

      Devido à dependência da produção agrícola, a elite fundiária brasileira acirrou os ânimos nas discussões no congresso uma vez que a supressão do tráfico afetaria o status quo da política nacional. Além disso, a pressão diplomática do império britânico, amparada na armada real, influenciava no acalouramento dos embates ideológicos, sendo que os apresamentos começavam a se intensificar e o número de embarcações que conseguiam êxito no retorno ao Brasil com escravos diminuía.

Assim, em 4 de setembro de 1850, ante a situação fática posta, foi aprovada a Lei Eusébio de Queirós, então ministro à época. Essa lei nos moldes da bill Aberdeen trazia duras condições aos que tentavam realizar o tráfico de cativos, tanto que apenas “sinais” de emprego no tráfico já era suficiente para o apresamento da embarcação e a condenação pela tentativa de importação de escravos.

Art. 1º As embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras encontradas nos portos, enseadas, ancoradouros, ou mares territoriaes do Brasil, tendo a seu bordo escravos, cuja importação he prohibida pela Lei de sete de Novembro de mil oitocentos trinta e hum, ou havendo-os desembarcado, serão apprehendidas pelas Autoridades, ou pelos Navios de guerra brasileiros, e consideradas importadoras de escravos. Aquellas que não tiverem escravos a bordo, nem os houverem proximamente desembarcado, porêm que se encontrarem com os signaes de se empregarem no trafico de escravos, serão igualmente apprehendidas, e consideradas em tentativa de importação de escravos[30].

A condenação, antes imputada aos proprietários das embarcações e aos capitães responsáveis ao tempo da empreensão, passaram a ser estendidas a todos os membros da tripulação, sendo que os de menor escalão respondiam na condição de cúmplices. Considerando que o crime estava tipificado como de pirataria, a pena passível de ser atribuídas aos agentes variava entre galé perpétua - prisão perpétua -  e a média de 20 anos de prisão, tendo como pena mínima de 10 anos de prisão, conforme a Lei de 16 de dezembro de 1830 que manda executar o Codigo Criminal.

Art. 3º São autores do crime de importação, ou de tentativa dessa importação o dono, o capitão ou mestre, o piloto e o contramestre da embarcação, e o sobrecarga. São complices a equipagem, e os que coadjuvarem o desembarque de escravos no territorio brasileiro, ou que concorrerem para os occultar ao conhecimento da Autoridade, ou para os subtrahir á apprehensão no mar, ou em acto de desembarque, sendo perseguido. Art. 4º A importação de escravos no territorio do Imperio fica nelle considerada como pirataria, e será punida pelos seus Tribunaes com as penas declaradas no Artigo segundo da Lei de sete de Novembro de mil oitocentos trinta e hum. A tentativa e a complicidade serão punidas segundo as regras dos Artigos trinta e quatro e trinta e cinco do Codigo Criminal.

Até mesmo as viagens à Costa da África foram dificultadas, isso porque fianças eram exigidas para concessão dos passaportes mercantes, além de que escravos, tanto cativos, for força dessa Lei Eusébio de Queirós, quanto libertos, por força do artigo 7º da Lei para inglês ver, não poderiam ser aceitos a bordo uma vez que não poderiam entrar em território brasileiro.

Art. 7º Não se darão passaportes aos navios mercantes para os portos da Costa da África sem que seus donos, capitães ou mestres tenhão assignado termo de não receberem á bordo delles escravo algum; prestando o dono fiança de huma quantia igual ao valor do navio, e carga, a qual fiança só será levantada se dentro de dezoito mezes provar que foi exactamente cumprido aquillo a que se obrigou no termo.

No que tange ao artigo sétimo da Lei para inglês ver, cabe destacar o caráter eugênico inserido no texto da lei e que garantiu que os imigrantes com destino ao Império do Brasil adviessem de países europeus. Conforme já exposto, “Art. 7º Não será permittido a qualquer homem liberto, que não fôr brazileiro, desembarcar nos portos do Brazil debaixo de qualquer motivo que seja”.

Exemplo da aplicação desse dispositivo, John Abraham Cole, americano do Mississipi, “tinha a intenção de embarcar para o Rio de Janeiro uma mulher negra e seus dois filhos” (SILVA, 2011, P. 210). Ao comentar com o Agente de Colonização sobre o interesse de outros compatriotas na migração para o Brasil nas mesmas condições, testemunhou a fala de que “... a questão é grave, e me parece indispensavel alguma providencia a esse respeito”. (SILVA, 2011, p. 211).

Assim, com os reflexos dessa Lei para inglês ver, em concomitância com a força investida na supressão do tráfico pela Lei Eusébio de Queirós, em meados da década de 1850 o tráfico havia sofrido baixas consideráveis e o número de embarcações que ainda faziam a travessia de forma pontual estavam reduzidas e já não figuravam de forma categórica como no decorrer dos três séculos anteriores à supressão.  Também influenciou na redução do tráfico as recompensas oferecidas àqueles que denunciassem o tráfico, além de que havia o policiamento das costas brasileiras e vistorias aos navios que se encontrassem nos portos nacionais. (COSTA, 1997, p. 91).

Quanto ao conceito de hegemonia, de acordo com Arrighi teriam existido três períodos de hegemonia em nível internacional, interessando-nos o segundo, relativo ao de proeminência britânica.  As mudanças perpetradas pela Revolução Industrial em fins do século XVIII, e que se expande para outras nações europeias, bem como aos EUA, a partir da segunda metade do século XIX, levam a Grã-Bretanha à condição de liderança no âmbito internacional, período conhecido por Pax Britannica.

O conceito de hegemonia mundial está relacionado à capacidade de um Estado em exercer a liderança sobre determinado grupo de nações soberanas, que difere de uma capacidade de dominação pura e simples na medida em que a liderança se dá em um plano intelectual e moral (ARRIGHI, 1996, p. 27-28).

Arrighi remete ao conceito de Gramsci de hegemonia, válido para o plano nacional. Em Gramsci, o conceito é estabelecido a partir da relação entre coerção e consenso contida na metáfora do centauro, de Maquiavel:

“Deveis saber, assim, que duas formas há de combater: uma, pelas leis, outra pela força. A primeira é natural do homem; a segunda, dos animais. Sendo, porém, a primeira muitas vezes insuficiente, é necessário recorrer à segunda. Ao príncipe se faz preciso, porém, saber empregar de maneira conveniente o animal e o homem. Isto foi ensinado em segredo aos príncipes, pelos cronistas antigos, que cantam a sucedida a Aquiles e outros príncipes da antiguidade, entregues aos cuidados do centauro Quiron, que os educou. É que isso (ter preceptor meio homem meio animal) significa que o príncipe sabe empregar uma e outra natureza.” (MAQUIAVEL, s.d., p. 102-103).

Já para Gramsci:

“Outro ponto a ser fixado e desenvolvido é o da ‘dupla perspectiva’ na ação política e na vida estatal. Vários graus nos quais se pode apresentar a dupla perspectiva, dos mais elementares aos mais complexos, mas que podem ser reduzidos teoricamente a dois graus fundamentais, correspondente à natureza dúplice do Centauro maquiavélico, ferina e humana, da força e do consenso, da autoridade e da hegemonia, da violência e da civilidade, do movimento individual e daquele universal (da ‘Igreja’ e do ‘Estado’), da agitação e da propaganda, da tática e da estratégia, etc.” (GRAMSCI, 2007, p. 33).

A coerção implica em utilização da força, ou a ameaça de seu uso, enquanto o consentimento implica em uma relação de liderança moral, centrada na ideia de que a liderança do grupo dominante, ou do Estado dominante, para nossos propósitos, seja representante do interesse geral. A hegemonia para Gramsci está vinculada à relação de consenso no âmbito de um Estado, ou seja, a partir das relações sociais que são estabelecidas internamente. (ARRIGHI, 1996, p. 28-29).

A transplantação do conceito de hegemonia para o plano das relações interestatais leva a alguns desafios. O primeiro deles se desdobra em dois sentidos, porque há um duplo aspecto na palavra “liderança”, particularmente quando aplicado nas relações interestatais. De acordo com Arrighi um “Estado dominante exerce uma função hegemônica quando lidera o sistema de Estados numa direção desejada e, com isso, é percebido como buscando um interesse geral. É esse tipo de liderança que torna hegemônico o Estado dominante.” (ARRIGHI, 1996, p. 29). Entretanto, um Estado dominante também pode atrair os demais para sua via de desenvolvimento, o que levaria no decorrer do tempo a um acirramento da competição interestatal, em vez de aumentar o poder do Estado hegemônico. De acordo com Arrighi, só a liderança de primeiro tipo configuraria uma situação hegemônica (ARRIGHI, 1996, p. 29).

O segundo porque é mais complexo definir um interesse geral no nível internacional do que no plano interno a um Estado nacional, onde a ampliação do poder deste último, por si só, se constitui um objetivo geral. No caso de um sistema de Estados o poder não pode se ampliar a não ser por um grupo de Estados à custa de outros Estados e, se isso ocorrer, significa que a liderança hegemônica de um Estado é regionalizada, e não verdadeiramente global (ARRIGHI, 1996, p. 29).

Diante disso, a definição de hegemonia é apresentada por Arrighi como condicionada a outros determinantes:

“As hegemonias mundiais, como aqui entendidas, só podem emergir quando a busca do poder pelos Estados inter-relacionados não é o objetivo da ação estatal. Na verdade, a busca do poder no sistema interestatal é apenas um lado da moeda que define, conjuntamente, a estratégia e a estrutura dos Estados enquanto organizações. O outro lado é a maximização do poder perante os cidadãos. Portanto, um Estado pode tornar-se mundialmente hegemônico por estar apto a delegar, com credibilidade, que é a força motriz de uma expansão geral do poder coletivo dos governantes perante os indivíduos. Ou, inversamente, pode tornar-se mundialmente hegemônico por ser capaz de afirmar, com credibilidade, que a expansão de seu poder em relação a um ou até a todos os outros Estados é do interesse geral dos cidadãos de todos eles.” (ARRIGHI, 1996, p. 29-30).

Sendo assim, a liderança britânica no século XIX é exercida a partir de uma relação entre coerção e consenso em que podemos identificar a presença de elementos ferinos na relação que é estabelecida com o Império do Brasil. Ao mesmo tempo, o aspecto humano do centauro pode ser levantado a partir da identificação entre liberalismo de livre comércio e a definição dos direitos humanos em nível internacional, momento em que a Grã-Bretanha passa a exercer uma liderança moral.


CONSIDERAÇÕES FINAIS.

“The suppression of the Slave Trade was the joint work of the Navy and the Foreign Office, the one carrying into effect the agreements negotiated by the other” [31](LLOYD, 1968, p.171). O Império Britânico se utilizou do poderio bélico que detinha para coercitivamente suprimir o tráfico de escravos, vez que não havia consentimento por parte dos que compartilhavam desse comércio.

As motivações políticas para o posicionamento britânico advinham tanto do estágio de desenvolvimento econômico e industrial em que se encontravam quanto ao que pretendiam alcançar e manter, para isso, se utilizando da hegemonia alcançada pela pax britannica e o domínio das redes comerciais até então sobre influência de outros Estados (ARRIGHI, 1996). Todavia, o imperialismo de livre-comércio imposto pela Grã-Bretanha também não cessou no domínio econômico e terminou por incluir em seus domínios vastos territórios, (ARRIGHI, 1996), assim, restando evidenciado a influência e poder exercido pelo império britânico sobre os Estados em favor próprio.

No que tange às questões de política interna relativas ao tráfico de ecravos, se observa que, mesmo o poder executivo tendo uma visão liberal e sendo a favor da abolição e da supressão do tráfico, a elite política que se centrava em produtores que dependiam da mão-de-obra escrava acabavam tomando o controle da direção das medidas políticas a serem tomadas por parte do Brasil. Durante a Regência a preponderância dos interesses escravocratas fez-se patente diante da resistência do Estado em aplicar a legislação antitráfico.

Além disso, o período regencial foi marcado pelo reforço dos mecanismos coercitivos disponíveis aos escravocratas. Em princípio, ao longo de toda a história colonial até praticamente o fim do Império, porque o monopólio do uso legítimo da violência física, marca distintiva do poder estatal contemporâneo (WEBER, 2007, p. 56), era inexistente, sendo tal poder dividido com os senhores, executores da coerção física como condição intrínseca ao processo produtivo. Somado a isso, em agosto de 1831, o senhoriato brasileiro aprova a lei que instituía a Guarda Nacional, permitindo aos terratenentes exercerem o poder punitivo do Estado ao serem constituídos como parte da Guarda Nacional – onde recebiam o título de coronéis – assim, havendo uma hipertrofia do poder privado frente ao poder estatal.

Quanto ao Direito Internacional, o princípio de universalidade – que legitima e reconhece a todos os Estados a possibilidade de perseguir e interceptar nos espaços internacionais, como o alto mar, independente da nacionalidade, aqueles suspeitos da realização de atos contra a humanidade, - que existe nos tempos atuais somente pode ser consolidada após a supressão levada a cabo pelo governo britânico.


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Notas

[1] Sr. Peel, quem levou consigo 50.000 libras esterlinas e trezentos trabalhadores à colônia Swan River, na Austrália. Seu plano consistia em que seus trabalhadores realizassem suas tarefas para ele, igual faziam no velho mundo. Chegados à Austrália, sem embargo, onde a terra abundava - abundava demasiadamente - os homens preferiram trabalhar por conta própria como pequenos proprietários, no lugar de fazê-lo por um salário sobre às ordens do capitalista.

[2] [...] era como arrebatar-lhe o sentido de sua existência [...] era escravizar não somente seus músculos senão também seu espírito coletivo.

[3] servos por contrato.

[4] foi o sentimento de humanidade por seus compatriotas e pelos homens de mesma cor o que ditou a preferência do colono pelo escravo negro. Não há registros deste sentimento de humanidade nos registros da época, pelo menos no que se refere às colônias de plantação e de produção comercial.

[5] Debate em Menção à Abolição do Comércio de Escravos, na Casa dos Comuns, na Segunda-Feira, 02 de abril de 1792, Relatado em Detalhes.

[6] National Archives _ H.C. 81.

[7] É portanto promulgada pela sua Excelentíssima Majestade, o Rei, Por e com o Conselho e Consentimento dos Lords Espirituais e Terrenos, e Comuns, constituídos nesse presente Parlamento, e pala Autoridade do mesmo,  Que do e depois do Primeiro Dia de Maio Um mil oitocentos e sete, o Comércio de Escravos Africanos, e todas as formas de acordos e negócios de Compra, Venda, Escambo, ou Transferência de Escravos ou de Pessoas com a intenção de ser vendida, transferida, usada, ou negociadas como Escravas, praticados os levados a cabo desde qualquer Parte da Costa ou Países da África, serão, e o mesmo está completamente abolido, proibido, e declarado ser ilícito; então, aquele infrator será penalizado e pagará por cada infração a soma de 1000 libras de dinheiro lícito da Grã-Bretanha para cada infração e para cada escravo comprado, vendito, escambado, ou transferido, ou escriturado ou de acordo com o exposto.

[8] National Archives_ H.C_ 127.

[9] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 GB-5A-2.

[10] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 GB-7-2.

[11] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 GB-7-5.

[12] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 AU-2.

[13] Levando em consideração que o comércio conhecido pelo nome de “Comércio de Escravos” tem sido considerado, pelos justos e esclarecidos homens de todas as idades como repugnante aos princípios de humanidade e da moralidade universal; das circunstâncias particulares de que esse comércio surgiu, e a dificuldade de impedir seu progresso de forma abrupta, que se prolonga em abominavelmente; em todos os países civilizados existe chamamentos acalorados por sua supressão; desde que as características e detalhes do tráfico foram conhecidas, e o mal de todo humano que o pratica, muitos governos europeus tem virtualmente decidido pará-lo, e  sucessivamente todas as potências que possuem colônias em diferente partes do mundo têm reconhecido, tanto por Atos legislativos ou Tratados, ou outros vínculos formais, a obrigação e necessidade de aboli-lo. E os plenipotenciários reunidos nesse Congresso não podem dar grande crédito maior às suas missões do que cumprir suas obrigações, e manifestar os princípios que animam suas augustas Soberanias, então levando a cabo esse compromisso, e proclamando em nome de suas soberanias, seus desejos de finalizar um flagelo que a muito tempo desola África, degrada a Europa, e aflige a humanidade.

[14] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 GB-9-4.

[15] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 GB-9-6.

[16] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 GB-9-9.

[17] Arquivo Histórico do Itamaraty – Tratados – GB – 1800/1900 – A23.

[18] Arquivo Nacional _ Administração _ Leis_ Império_ 1800.

[19] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 GB-9-4.

[20] Archivo Nacional Español. M_Exteriores_H. Legado 4580.

[21]As informações constantes no nesse gráfico são do projeto Trans-Atlantic Slave Trade Database, patrocinado pela Emory University e com o apoio do governo americano, através do National Endowment, Hutchins Center for African and African American Research, e da Universidade de Harvard.

[22] Um Ato para emendar um Ato, intitulado um Ato para continuação da execução da convenção entre Sua Majestade e o Imperador do Brasil, para a Regulação e Abolição final do Comércio de Escravos Africanos.

[23] National Archives_ H.C_ 22.

[24] Considerando que uma Convenção foi concluída entre Sua antiga Majestade Rei George IV e o Imperador do Brasil, para a Regulação e Abolição final do Comércio de Escravos Africanos, e assinada no Rio de Janeiro no 23º dia de novembro de 1826: e considerando que dita Convenção aceita entre as Altas Partes Contratantes para adotar, com o Sentido e Tempo nesse lugar, todos os Artigos e Previsões dos Tratados concluídos entre Sua antiga Majestade e o Rei de Portugal nesse Assunto no 22º dia de janeiro de 1815 e no 28º dia de janeiro de 1815, e no 28º dia de julho de 1817, e todos os explanatórios Artigos que foram adicionados a ele, [...] E considerando que no 20º dia  de março de 1845 foi notificado pelo Governo Imperial Brasileiro o Governo de Sua Majestade de que as Comissões Mistas anglo-brasileiras estabelecidas no Rio de Janeiro e em Serra Leoa cessariam no 15º dia do dito mês de março; mas que o Governo Imperial concordaria que ditas Comissões Mistas poderiam continuar por mais Seis Meses, para o único Propósito de adjudicar os Casos pendentes, e aqueles que poderiam ter ocorrido antes do 15º dia de março [...]

[25] National Archives_ H.C_ 22.

[26] E considerando que pela dita Convenção do 23º dia de novembro de 1826 [...] a continuação do Comércio de Escravos Africanos sobre nenhum Pretexto e nenhuma Maneira qualquer, e que a continuação desse Comércio depois do Período por qualquer pessoa, Sujeita a Sua Majestade Imperial, deverá ser julgado e tratado como Pirataria. [...] o Ato do Oitavo Ano do Reino de Sua antiga Majestade o Rei George IV que proibe a Alta Corte do Almirantado e as Cortes do Vice-Almirantado de exercer Jurisdição sobre embarcações capturadas em virtude da dita Convenção será repelida, e maiores Provisões serão feitas para a Execução da Mesma; fica promulgada, que como dito ,Atos que proibam a Alta Corte do Almirantado ou qualquer Corte do Vice Almirantado in qualquer Parte dos domínios de Sua Majestade de adjudicar qualquer reividicação, Ação, ou qualquer termo que surja de fora da Convenção, [...] será repelida.

[27] E fica promulgado, Que qualquer Navio ou Embarcação que for detido sobre qualquer Ordem ou Autoridade conforme mencionado, será condenado pela Alta Corte do Almirantado ou por qualquer Corte do Vice Almirantado de Sua Majestade. poderá ser levado ao Serviço de Sua Majestade, como Pagamento de certa Soma ao Almirante ou aos comissários [...] então será inteiramente demolido, e a carcaça será publicamente vendida em partes separadas

[28]  Archivo Nacional Español. M_Exteriores_H. Legado 8533.

[29]National Archives_ H.C_ 112.

[30]National Archives_ H.C_766.

[31] A supressão do tráfico de escravos foi o trabalho conjunto da marinha e do escritório de assuntos exteriores, um levando a cabo os acordos negociados pelo outro.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMARGO, Wainesten. Direito e escravidão: aspectos jurídico-políticos das relações anglo-brasileiras na supressão do tráfico de escravos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5875, 2 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75291. Acesso em: 29 mar. 2024.