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Comitê contra a tortura das Nações Unidas examinou a Argentina (Tradução)

Comitê contra a tortura das Nações Unidas examinou a Argentina (Tradução)

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Tradução do artigo “Comité contra la Tortura de las Naciones Unidas examinó al Argentina” de autoria de Walleska Pareja Díaz. Link do texto original: https://www.pensamientopenal.com.ar/system/files/2017/06/doctrina45384.pdf

Comitê contra a tortura das Nações Unidas examinou a Argentina

¹ Walleska Pareja Díaz

² tradução por Matheus Maciel 

Em 18 de abril deste ano, iniciou a 60ª sessão do Comitê contra a Tortura das Nações Unidas em Genebra – Suíça. Este órgão, constituído por dez peritos independentes, verifica e monitora o cumprimento da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, ratificada pelo Estado Argentino em 1986.

 Nesta ocasião, a Argentina foi revisada em 26 e 27 de abril. Compartilhou a sessão com o Afeganistão, Bahrein, Coréia do Sul, Líbano e Paquistão. O que resultou  particularmente especial foi que, desde 2004, o governo nacional não havia participado desse comitê. Naquela época, ele havia apresentado o quarto relatório do país.

Apresentação de relatórios sombra e reuniões com a sociedade civil

Várias organizações da sociedade civil enviaram relatórios alternativos e se apresentaramàs reuniões formais e informais com especialistas independentes. Associação Pensamento Penal (APP), Anistia Argentina, CELS, FEIM, OTRANS, StopigM, CARE, CORREPI, informaram sobre o descumprimento a vários artigos da

Convenção. Nesse sentido, a APP, com o apoio da Rede Internacional de Direitos Humanos³, apresentou um relatório alternativo baseado nos seguintes eixos:

  • Não cumprimento do Estado argentino na implementação do Mecanismo Nacional contra a tortura.
  • Violações dos direitos humanos no Sistema Penitenciário.
  • Atuação das forças de segurança no espaço público.
  • Regime Contravencional ambíguo que reprime e discrimina a grupos em situação de vulnerabilidade.

A APP reivindicou ao Estado argentino a adequação da legislação contravencional às exigências constitucionais e do direito internacional dos direitos humanos e, especificamente:

- A derrogação dos tipos contravencionais que sancionam condutasauto-referentes, sem prejuízo a terceiros, como é o caso do exercício da prostituição, o travestismo, o homossexualismo, a vadiagem e a mendicância.

- A derrogação dos tipos contravencionais que sancionam Estados que, no pior dos casos, constituem atos meramente preparatórios, como é o caso do saqueador e a mera tendência ou possessão de objetos.

- A reformulação dos tipos de contravencionais vagos ambíguos ou em branco.

- A implementação de métodos alternativos de resolução de conflitos que possibilitem a participação da vítima e evitem a privação efetiva da liberdade dos contravnetores.

- Destinar locais adequados para o cumprimento das penas privativas da liberdade dos contraventores.

- Revogar as normas que permitem a conversão de multas não pagas em prisão.

- Introduzir as reformas legislativas que permitam separar a função jurisdicional daencarregada pela perseguição contravencional

- Introduzir as reformas legislativas que garantam a defesa no julgamento contravencional desde o primeiro momento em que um indivíduo é indicado pelo possível cometimento de uma falta.

- Introduzir as reformas legislativas que atribuem o julgamento das contravenções ao Poder Judiciário.

- Reformar as leis orgânicas policiais para impedir a detenção indiscriminada de pessoas em averiguação de identidade (Informe Alternativo, 2017).

Exame do Estado

As e os peritos independentes do Comitê apontaram vários desafios em relação à real vigência dos direitos consagrados na Convenção contra a Tortura durante o exame oral da Argentina. Por exemplo, a especialista americana Felice Gaer, Vice-presidenta do Comitê, referiu-se ao atraso do Estado em apresentar-se ao exame oral: "Estamos esperando há 13 ou 14 anos". Gaer também apontou que houve um atraso claro na apresentação dos relatórios do país 5º e 6º, apesar da mudança de governo.

 Os relatores designados para a Argentina também tomaram a palavra. O especialista mexicano Claude Hellerreferiu-se a várias debilidades Estatais, incluindo o funcionamento da Procuradoria Penitenciária; a falta de implementação de reformas legislativas aprovadas e a ausência de sistemas de dados desagregados. Por suavez, o especialista chinês Kening Zhang, expressou sua preocupação com a falta de implementação de abortos seguros e atenção médica às mulheres como uma forma de tortura; a violência sexual perpetrada por pessoal penitenciário; a quantidade de feminicidios que ficaram impunes; a falta de medidas especializadas relacionadas a prisioneiras transexuais e mulheres grávidas. Além disso, referiu que, desde 2011, apenas uma mutilação genital não consentida foi considerada como tortura.

Observações finais

As observações finais que contêm recomendações vinculantes para a Argentina estabelecem uma série de medidas a serem levadas em consideração. Das mais relevantes se podem limitar:

 - O Comitê concorda com as recomendações do SPT (CAT / OP / ARG / R.1, parágrafos 58-59, 62 e 64) e urgeao Estado-parte a realizar uma auditoria a nível federal e provincial com o  fim de ajustar as condições de reclusão, tanto em centros penitenciários como nos postos policiais, às Regras Mínimas para o Tratamento de Presos (Regras Mandela ), e a desenvolver um plano de prevenção de incêndios em todos os centros de detenção. Da mesma forma, o Estado deve:

a) Intensificar seus esforços para aliviar a superpopulação nos centros de detenção, principalmente mediante o recurso a medidas alternativas às penas de prisão;b) Pôr fim ao uso de unidades policiais como locais de alojamento permanente para os detidos e garantir o cumprimento da referida proibição;c) Desenvolver uma metodologia adequada para definir a capacidade penitenciária a nivel federal e provincial, de acordo com os padrões internacionais aplicáveis de habitabilidade; e d) Continuar os esforços para desenvolver um registro nacionalúnico de pessoas sujeitas a uma medida preventiva ou punitiva de privação de liberdade, que inclua informação por jurisdição, sexo, idade e situação processual, e garantir o acesso dos advogados e familiares dos detidos a informações regularmente atualizadas.

- O Comitê urge o Estado-parte a avançar com o estabelecimento do Comitê Nacional para a Prevenção da Tortura e assegurar que seus membros sejam eleitos em um processo transparente e inclusivo, de acordo com os critérios de independência, equilíbrio de gênero, representatividade da população, idoneidade e reconhecida capacidade em diversas áreas multidisciplinares, incluindo em questões legais e de atenção à saúde (parágrafo 26).

 - O Estado parte deve: a) Emitir instruções claras às forças de segurança federais e provinciais para que respeitem a proibição da discriminação nas detenções e a dignidade da pessoa detida nas inspeções corporais, nos casos em que esta seja estritamente necessária e se não houver alternativa; b) assegurar que se investigue todos os casos de detenções arbitrárias, violência e maus-tratos de pessoas devido à sua origem estrangeira, orientação sexual e identidade de gênero, a fim de processar e punir aos autores de tais atos e suspender os agentes envolvidos neles;  e c) assegurar que se adotem políticas e programas específicos de integração e proteção das pessoas em detenção com base em sua orientação sexual e identidade de gênero, a nivel federal e provincial, bem como o pleno respeito à Lei 26.743 sobre identidade de gênero (parágrafo 36).

- Intensificar seus esforços para combater todas as formas de violência de gênero, incluídas nos centros de privação de liberdade, assegurando que todas as denúncias sejam totalmente investigadas, que os supostos autores sejam processados e que lhes sejam impostas penalidades apropriadas para ser condenados, e também assegurar que as vítimas obtenham uma reparação integral pelo dano (parágrafo 40).

 - O Comitê reitera a recomendação feita pelo Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher em relação às mulheres detidas (CEDAW / C / ARG / CO / 7, parágrafo 45) e recomenda ao Estado Parte que desenvolva e melhore os programas de acesso à saúde das mulheres em detenção a nível federal e provincial (regras 48 e 51 das Regras de Bangkok).

Tal e como a especialista Gaer apontou, a vontade política é importante. A Argentina levou 13 anos para retornar ao Comitê CAT, porém, atualmente, não se qualifica como um estado exemplar no cumprimento da Convenção.A tortura,os feminicídios,os assassinatos de "gatilho fácil", etc. continuam a ocorrer neste país e é necessária, além da vontade política, uma política estatal que não esqueça que seus compromissos internacionais incluem o respeito irrestrito aos Direitos Humanos.

¹ Advogada de Direitos Humanos.

² Matheus Maciel é Advogado, Especialista em Direito Processual Civil e Assessor Especial da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas.

³Réseau International dês Droits Humains (RIDH) 1: organização não governamental com sede em Genebra que contribui para o fortalecimento das capacidades dos atores vinculados à promoção e proteção dos direitos humanos, fornecendo informações, análises e apoio técnico nos processos em que participam. Realiza trabalhos de intermediação em processos de advocacia e diálogo que visam a realização dos Direitos Humanos em um contexto específico.


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