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A anencefalia e o crime de aborto

atipicidade por ausência de lesividade

A anencefalia e o crime de aborto: atipicidade por ausência de lesividade

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O abortamento do feto anencéfalo não é crime, sendo caso de atipicidade da conduta pela ausência de lesividade ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal "aborto".

Sumário: 1. Introdução; 1.1. Números da Matéria; 2. Anecefalia; 3. Aborto; 4. Dignidade da Pessoa Humana; 4.1. Evolução da Concepção Atual da Dignidade; 4.2. Tentativa de Conceituação e Caracteres; 5. Direito à Vida; 6. Princípio da Lesividade; 7. Princípio da Proporcionalidade; 8. Crime de Aborto; 9. Conclusões; 10. Obras Consultadas.


1. Introdução

O abortamento tem-se mostrado como um dos temas que mais suscitam discussão e polêmica em nossa sociedade, encontrando desde os que defendem a descriminalização completa da conduta até os que lutam pela sua proibição absoluta e incondicional. O tema ressurge de tempos em tempos, ao sabor de fatos marcantes da ocasião.

A interrupção da gravidez, mais especificamente quando se trata de feto portador da anencefalia, retorna ao cenário nacional de discussões graças à divulgação na mídia de uma Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54/DF) ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal (STF) pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde. Apresenta-se o seguinte questionamento: deve-se permitir o prosseguimento de gestação de feto sem qualquer viabilidade de vida?

A referida ADPF é de grande importância, já que dificilmente chegam aos tribunais superiores pedidos de autorização para abortamento, embora o abortamento exista de fato, ainda que clandestinamente. Por outro lado, ainda que tais pedidos de autorizações sejam submetidos ao Judiciário, a lentidão do maquinário jurisdicional ou mesmo o forte ranço religioso que marca a formação de muitos profissionais do direito impede a apreciação em tempo oportuno da questão.

O nosso objetivo com o presente texto consiste em analisar especificamente o abortamento em casos de anencefalia, primando por uma abordagem puramente jurídico-científica, concernente primordialmente à temática ética e penal. Não se ambiciona aqui solucionar indiscutivelmente o problema, posto a complexidade das paixões envolvidas e as evidentes limitações do autor. Busca-se, entretanto, dar contornos mais objetivos e práticos à matéria.

1.1. Números da Matéria

O tema tem despertado grande interesse e polêmica atualmente, sendo citados conjuntamente os termos "anencefalia"e"aborto", em cerca de 9.140 sites da Rede Mundial [01].

Segundo pesquisa encomendada ao IBOPE, 76% da população brasileira é favorável ao aborto no caso de problemas congênitos incompatíveis com a vida, como é o caso da anencefalia. Por outro lado, relativamente às hipóteses legalmente permitidas, 79% da população é favorável ao aborto no caso de risco de morte para a mulher, enquanto que, 62% apóiam com o aborto em caso de gravidez resultante de estupro (ÉPOCA, 2005, pág 65).

Marcos Valentin Frigério, Ivan Salzo, Silvia Pimentel e Thomaz Rafael Gollop realizaram um trabalho intitulado Aspectos Bioéticos e Jurídicos do Abortamento Seletivo no Brasil. Durante este trabalho, os autores estudaram 263 pedidos de alvarás para interrupção da gravidez em casos de anomalias incompatíveis com a vida.

Nestes 263 casos estudados, o Ministério Público opinou pelo deferimento do alvará em 201 (76,43%) casos e pelo indeferimento em 62 (23,57%). Em contrapartida, o juiz decidiu pelo deferimento em 250 (95,06%) casos e pelo indeferimento em apenas 13 (4,94%).

Os embasamentos jurídicos das decisões e pareceres pelo deferimento e pelo indeferimento dos pedidos foram variados, como se pode observar nas tabelas abaixo:

Tabela I: Embasamento jurídico da sentença judicial e do parecer da promotoria favorável a pedido de aborto seletivo.

Embasamento jurídico no deferimento

Juízes

MP

Inexibilidade de conduta diversa

1

2

Artigo 5º. da Constituição

3

4

Preservar a higidez psíquica da gestante

63

41

Inexibilidade de conduta diversa + Preservar a higidez psíquica da gestante

1

2

Inexibilidade de conduta diversa + Artigo 5º da Constituição + Preservar a higidez psíquica da gestante

7

5

Preservar a higidez psíquica da gestante e autoriza o aborto pelo art. 128

17

5

No Artigo 5º. da Constituição + art. 3º, Código de Processo Penal e princípios gerais do direito nos princípios de jurisdição voluntária e art. 1104 e seguintes do Código Penal

78

32

Estado de Necessidade + Aplicando-se anologia "in bonam parte" usando art. 124 CP c/c o Art. 128,I e II + Artigo 5º. da Constituição

1

4

Autoriza o aborto nos termos do art. 128,I e II do CP

39

24

Aplicando-se anologia ïn bonam parte" usando art. 124 CP c/c o Art. 128,I e II

13

29

No Artigo 5º. da Constituição + art. 3º, Código de Processo Penal e princípios gerais do direito nos princípios de jurisdição voluntária

6

5

Não há crime em realizar o aborto pois o feto não tem mais vida a ser tutelada

6

3

Não encontra amparo no direito normativo

3

2

Sem acesso a informação / julgado na 2ª. Instância

12

43

TOTAL

250

201

Tabela II: A argumentação dos juízes e promotores contra a autorização do aborto seletivo.

Embasamento jurídico no indeferimento

Juízes

MP

Não se opões desde que haja risco de vida materno

0

1

Não configura estado de necessidade

4

5

Não encontra amparo no direito normativo

9

53

Invioabilidade do direito a vida

0

3

TOTAL

13

62

Assim, fácil perceber que a grande maioria da população, bem como dos profissionais da área jurídica, são favoráveis à interrupção da gravidez no caso de anomalias absolutamente incompatíveis com a vida, como é o caso da anencefalia. Entretanto, ainda existe certa dúvida quanto à fundamentação jurídica adequada para sustentar as decisões judiciais neste sentido.


2. Anencefalia

A discussão sobre o aborto do feto anencéfalo tem que passar, necessariamente, por uma melhor compreensão do que vem a ser a anencefalia. Sobre o tema, de um ponto de vista médico, os Doutores Carlos Gherardi e Isabel Kurlat escreveram o esclarecedor texto Anencefalia e Interrupción del Embarazo - Análisis médico y bioético de los fallos judiciales a propósito de un caso reciente. As conclusões deste trabalho são reproduzidas a seguir, de forma resumida e em tradução livre.

A anencefalia é uma alteração na formação cerebral resultante de falha no início do desenvolvimento embrionário do mecanismo de fechamento do tubo neural e que se caracteriza pela falta dos ossos cranianos (frontal, occipital e parietal), hemisférios e do córtex cerebral. O tronco cerebral e a medula espinhal estão conservados, embora, em muitos casos, a anencefalia se acompanhe de defeitos no fechamento da coluna vertebral. Aproximadamente 75% dos fetos afetados morrem dentro do útero, enquanto que, dos 25% que chegam a nascer, a imensa maioria morre dentro de 24 horas e o resto dentro da primeira semana.

Na anencefalia, a inexistência das estruturas cerebrais (hemisférios e córtex) provoca a ausência de todas as funções superiores do sistema nervoso central. Estas funções têm a ver com a existência da consciência e implicam na cognição, percepção, comunicação, afetividade e emotividade, ou seja, aquelas características que são a expressão da identidade humana. Há apenas uma efêmera preservação de funções vegetativas que controlam parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e as dependentes da medula espinhal. Esta situação neurológica corresponde aos critérios de morte neocortical (high brain criterion), enquanto que, a abolição completa da função encefálica define a morte cerebral ou encefálica (whole brain criterion).

A viabilidade para a vida extra-uterina depende do suporte tecnológico disponível (oxigênio, assistência respiratória mecânica, assistência vasomotora, nutrição, hidratação). Há 20 anos, um feto era considerado viável quando completava 28 semanas, enquanto que hoje, bastam 24 semanas ou menos. Faz 10 anos que um neonato de 1 kg estava em um peso limite, mas hoje sobrevivem fetos com 600 gramas. A viabilidade não é, pois, um conceito absoluto, mas variável em cada continente, cada país, cada cidade e cada grupo sociocultural. Entretanto, em todos os casos, a viabilidade resulta concebível em relação a fetos intrinsecamente sãos ou potencialmente sãos. O feto anencefálo, ao contrário, é intrinsecamente inviável. Dentro e um quadro de morte neocortical, carece de toda lógica aplicar o conceito de viabilidade em relação ao tempo de gestação. O feto será inviável qualquer que seja a data do parto.


3. Aborto

Para o Dicionário Aurélio, aborto é a "interrupção dolosa da gravidez, com expulsão do feto ou sem ela" (FERREIRA, 1999). Não há grande debate sobre a definição do que vem a ser aborto, mas a classificação do tema suscita muitas paixões e intermináveis controvérsias. A lição de Débora Diniz [02], na qual nos baseamos, parece a mais objetiva e sistemática.

Basicamente, pode-se reduzir as situações de aborto a quatro grandes grupos:

a) Interrupção eugenésica da gestação (IEG): são os casos de abortos ocorridos em nome da eugenia, isto é, situações em que se interrompe a gestação por valores racistas, sexistas, étnicos, etc. Comumente, apontam-se os atos praticados pela medicina nazista como exemplo de aborto eugenésico, quando as mulheres foram obrigadas a abortar por serem judias, ciganas ou negras. Regra geral, o aborto eugenésico se processa contra a vontade da gestante, sendo esta obrigada a abortar;

b) Interrupção terapêutica da gestação (ITG): são os casos de abortos ocorridos em homenagem à saúde materna, isto é, em situações onde a interrupção da gravidez visa salvar a vida da gestante. Hoje em dia, com o avanço científico e tecnológico na medicina, os casos de aborto terapêutico são cada vez em menor número, sendo raras as situações terapêuticas que exijam tal procedimento;

c) Interrupção seletiva da gestação (ISG): são os casos de abortos ocorridos em virtude de anomalias fetais, isto é, situações em que se interrompe a gestação pela constatação de lesões fetais. Em geral, os casos que motivam as solicitações de aborto seletivo são de patologias incompatíveis com a vida extra-uterina, sendo exemplo clássico o da anencefalia;

d) Interrupção voluntária da gestação (IVG): são os casos de abortos ocorridos em nome da autonomia reprodutiva da gestante ou do casal, ou seja, onde a gestação é interrompida porque a mulher ou o casal não deseja a gravidez, seja por ser ela fruto de um estupro ou de uma relação consensual. Geralmente, a legislação que admite esta modalidade de aborto impõe limite cronológico à prática.

Com exceção do aborto eugenésico, todas as outras formas de aborto, por princípio, levam em consideração a vontade da gestante ou do casal. O termo eugenia, entretanto, mais por uma estratégia de argumentação que por real correspondência, tem sido utilizado para descrever a corrente que defende a liberação do aborto de fetos anencéfalos.

O término "seletivo" da gravidez (ISG), como explicado, ocorre no caso daquele feto que, devido a uma má formação fetal, faz com que a gestante ou o casal não deseje o prosseguimento da gestação. É certo que, neste caso há uma seleção (como na eugenia), entretanto, ela foi feita com a concordância da gestante e em razão da impossibilidade da vida extra-uterina ou da qualidade de vida do feto depois do nascimento.

Entretanto, mesmo dentro da definição de aborto seletivo (ISG), há necessidade de se distinguir e tratar de forma diferente os casos em que o feto vai se tornar uma criança portadora de deficiência dos casos nos quais o feto não possui qualquer viabilidade para vida extra-uterina. O nascimento de uma pessoa portadora de deficiência é merecedor de proteção legal plena, posto que se trata aqui de viabilidade plena para a vida, mesmo que possa haver alguma limitação. A questão que se debate é com relação às anomalias plenamente incompatíveis com a vida, onde a gestação é conduzida com a certeza absoluta da não sobrevivência.

Por fim, embora seja tema de capítulo posterior, é de se destacar que, no Brasil, o aborto apenas é permitido expressamente no caso de risco de vida para mãe (ITG) e no caso de gravidez resultante de estupro (IVG).


4. Dignidade da Pessoa Humana

Embora muitos doutrinadores considerem o direito à vida antecedente necessário de todos os demais direitos fundamentais, esta análise é de natureza puramente cronológica. O direito à vida, de nosso ponto de vista, é conseqüência lógica da dignidade da pessoa humana.

Neste mesmo sentido, a Constituição Federal considerou a dignidade da pessoa humana fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III), sendo o princípio-valor fundamental segundo o qual devem ser interpretados todos os demais diretos.

Assim, antes mesmo de se falar em direito à vida, necessário compreender a dignidade da pessoa humana e seus caracteres principais.

4.1. Evolução da Concepção Atual da Dignidade

A construção da atual concepção do pensamento ocidental sobre a dignidade da pessoa humana deve seus primórdios à filosofia grega. A Grécia Antiga rompeu com a tradição de se dar explicações mitológicas às forças da natureza e criou um racionalismo baseado na observação para explicar os fenômenos naturais, enumerando uma série de leis e princípios necessários e universais. Além disso, os pensadores gregos estabeleceram que o homem é detentor da plena capacidade de compreender a natureza e seus fenômenos.

Rabenhorst (RABENHORST, 2001, pág 15) lembra a contribuição grega:

(...) uma das primeiras reflexões acerca do lugar do homem no mundo aparece na tragédia Antígona, de Sófocles (442 a.C.). Nela encontramos a idéia de que o homem é uma exceção dentro do conjunto da natureza: Muitos prodígios há; porém nenhum maior do que o homem (Antígona, v 332-335). O grande trágico grego vê, pois, no homem, uma clara superioridade com relação às outras espécies. Tal superioridade advém não apenas da quantidade de coisas que este ser é capaz de realizar, mas principalmente da qualidade de suas habilidades: ele sabe ensinar a si próprio, sabe cultivar a terra, domesticar animais, atravessar o mar...

Os gregos antigos acreditavam que os homens se distinguiam dos demais animais pelo uso da razão, ou seja, pela capacidade de compreender o mundo e de utilizar a lógica. A palavra grega logos, aliás, significava, entre outras coisas, o uso da razão e da linguagem. E era justamente na razão, na lógica, onde residia, para os gregos, a dignidade.

Importante ressaltar, entretanto, que a dignidade, para os gregos, não se manifestava da mesma forma para todos os indivíduos. Em Atenas, por exemplo, apenas os atenienses do sexo masculino, filhos de atenienses e no perfeito gozo de suas liberdades, possuíam cidadania e tinham assegurado o pleno exercício da palavra e a isonomia. Mulheres, escravos e estrangeiros eram considerados inferiores e não participavam da vida pública.

A dignidade (dignitas), pois, tinha relação com a posição social ocupada pelo indivíduo, sendo possível se falar em sua quantificação e modulação, sendo reconhecidos alguns homens como mais dignos que outros.

O pensamento estóico – como é conhecida a produção filosófica de Stoa (Pórtico) – apareceu no período da subjugação dos gregos pelos romanos e defendia que todos os homens são livres e iguais, já que neles se manifesta uma idêntica capacidade de pensar (logikós). Desta identidade concluíram os estóicos que todos os homens são membros de uma mesma comunidade (oikeiôsis) fraternal, sendo esta uma lei natural superior às leis artificiais do homem. Neste sentido, os estóicos repudiavam veementemente a escravidão como instituição social. Para eles, a única forma legítima de desigualdade entre os homens seria de natureza moral, havendo homens mais sábios ou virtuosos (sophoi) que outros, insensatos e escravos das paixões (phauloi).

Assim, na antiguidade, coexistiam as noções de dignidade moral (acepção estóica) e dignidade sociopolítica (no sentido de posição social e política ocupada pelo indivíduo).

Com o advento da doutrina cristã, passou-se a difundir a idéia de que o homem foi concebido à imagem e semelhança de Deus. Neste aspecto, todos os homens são iguais, portadores de um valor próprio que lhes é intrínseco. Além disso, o cristianismo passa a propor uma salvação pessoal baseada na escolha de cada um, na liberdade, no livre-arbítrio. A concepção cristã deslocou o foco da filosofia da sociedade como um todo para o indivíduo. A visão da dignidade perdeu a dimensão quantitativa que possuía no mundo antigo, deixando de ser uma honraria ou distinção decorrente da situação social do indivíduo, para adquirir uma dimensão qualitativa, no sentido de que nenhum indivíduo possuiria maior ou menor dignidade, mas todos manifestariam uma idêntica estrutura espiritual. Neste sentido, cada homem, não importando sua origem ou condição social, seria intrinsecamente valioso e indistintamente digno de respeito.

Ressalte-se que esta bela doutrina nem sempre foi efetivada na prática, negando a Igreja Católica, por vezes, a humanidade de índios e negros, por exemplo. Do mesmo modo, a Igreja Católica também legitimou todo o sistema de estratificação social do feudalismo, sistema este que evidentemente distinguia os homens.

Tomás de Aquino, que chegou a se referir expressamente à dignitas humana, procurou conjugar a doutrina cristã e a acepção estóica da dignidade clássica. Para o pensador, quando Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, dotou-o de razão, qualidade peculiar que lhe permite construir sua vida de forma livre e independente. Esta capacidade de autodeterminação inerente à natureza humana, para Tomás de Aquino, é o fundamento da dignidade da pessoa humana.

No âmbito do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, a concepção da dignidade da pessoa humana passou por um processo de racionalização e laicização, mantendo-se, todavia, a noção de que todos os homens são iguais em dignidade e liberdade.

Segundo Locke, cada indivíduo é circundado por um perímetro de não-interferência intransponível ao controle social. Esta área de não-interferência é disposta pelos indivíduos como um direito natural e é transferida ao Estado por meio de um pacto social. Não existiria, portanto, qualquer diferença natural entre os indivíduos, contudo, para assegurar esta igualdade em uma sociedade civil, os homens fazem uso de um pacto que formaliza os direitos que eles naturalmente possuem e os tornam efetivos por meio da coerção.

Para Immanuel Kant, a natureza racional do ser humano lhe confere autonomia da vontade, ou seja, a faculdade de determinar a si mesmo e agir (ou não) em conformidade com as normas. Esta característica, apenas encontrada no homem, constitui-se fundamento da dignidade da pessoa humana. Com base nesta premissa, Kant (KANT, 1980, pág. 140) sustenta:

(...) o Homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim... Portanto, o valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas ações é sempre condicional. Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio (e é um objeto de respeito).

A acepção de dignidade da pessoa humana elaborada por Kant prevalece na doutrina jurídica mais expressiva – nacional e estrangeira, muito embora sofra alguma crítica por seu exagerado antropocentrismo.

Existe uma significativa diferença entre a visão cristã e a concepção kantiana da dignidade humana. Ambas atribuem uma dignidade intrínseca ao homem em função da posição que este ocupa no mundo, entretanto, enquanto que, para a perspectiva cristã, a dignidade se justifica pela representação divina do homem, para Kant, a dignidade se alicerça na própria autonomia do sujeito, ou seja, na capacidade humana de se submeter às leis oriundas de sua potência legisladora e de formular um projeto de vida de forma consciente e deliberada.

Sartre rejeita a idéia de natureza humana intrínseca. Para ele, o homem primeiro existe, para depois ter sua essência, pelo que, o seu futuro está inteiramente por construir e sob sua responsabilidade. O homem, então, nada mais é que o que ele faz de sua própria vida, só existindo na medida em que se realiza. Assim, para Sartre, a dignidade da pessoa humana não é inata, ao contrário, reside justamente no fato de sua existência estar toda por construir. Ao contrário das coisas, que já possuem uma existência predeterminada, o homem tem plena liberdade para fazer-se. Aí reside a sua dignidade.

Cumpre destacar ainda a noção desenvolvida por Hegel, sustentando que a dignidade consiste em uma qualidade a ser conquistada. A dignidade de Hegel é centrada na idéia de eticidade, de tal sorte que o homem não nasce digno, mas torna-se digno a partir do momento que assume sua condição de cidadão.

Para Hannah Arendt, por fim, a dignidade da pessoa humana representa um conjunto de direitos inerentes ao homem que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado. A autora, ao analisar o fenômeno totalitário, percebeu que, neste tipo de estado, criam-se as condições para que se considerem os homens supérfluos, subtraindo sua condição humana. Para evitar a formação deste tipo de estado e a conseqüente coisificação do homem, sugere a autora o pleno exercício da liberdade e da palavra, de forma a possibilitar o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas. A constitucionalização do valor-fonte da dignidade da pessoa humana sob a forma de princípio em diversas Constituições mundiais decorre diretamente do pensamento de Hannah Arendt.

4.2. Tentativa de Conceituação e Caracteres

Segundo afirma Ingo Wolfgang Sarlet, é questionável a viabilidade de se alcançar um conceito satisfatório do que significa a dignidade da pessoa humana. Esta dificuldade decorre, conforme exaustiva e correntemente destacado na doutrina, do fato de que se trata aqui de conceito de contornos vagos e imprecisos, caracterizado por sua ambigüidade e porosidade, bem como por sua natureza polissêmica (SARLET, 2004, pág. 39). Trata-se, pois, de conceito jurídico indeterminado, ou seja, no dizer de karl English, "um conceito cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos" (ENGLISH, 1983, pág 208).

Cabe ressaltar que não é só o conceito de "dignidade da pessoa humana" que apresenta certa indeterminação. A própria significação dos termos "humano" e "pessoa" apresentam alguma fluidez. Para o Dicionário Aurélio, estes termos significam o seguinte:

Humano (do lat. humanu) Adj. 1. Pertencente ou relativo ao homem; natureza humana; gênero humano. 2. Bondoso, humanitário.

Pessoa (do lat. persona) s.f. 1. Homem ou mulher. 2. V personagem. 3.V. individualidade. 4. (...). 5. Filos. Cada ser humano considerado na sua individualidade física ou espiritual, portador de qualidades que se atribuem exclusivamente à espécie humana, quais sejam, a racionalidade, a consciência de si, a capacidade de agir conforma fins determinados e o discernimento de valores. 6. Jur. Ser ao qual se atribui direitos e obrigações.

Assim, importante deixar claro que, ao falarmos de dignidade da pessoa humana, estamos nos referindo tão somente aos integrantes da raça humana. Não há que se falar, pois, de dignidade da pessoa humana de animais ou plantas, por exemplo. Por mais óbvia que pareça esta afirmação, ela é importante para dar um ponto de partida seguro à nossa tentativa de conceituação.

A palavra "pessoa", por outro lado,deriva do latim persona, e surgiu no cenário grego como máscara dos atores e, aos poucos, passou a significar o conjunto de traços acusadores de certo tipo de indivíduo. Foi com esse significado que a palavra se introduziu na linguagem filosófica, pelo estoicismo popular, para designar os papéis representados pelo homem na vida social. Segundo Locke, pessoa "é um ser inteligente e pensante que possui razão e reflexão, podendo observar-se (ou seja, considerar a própria coisa pensante que ele é) em diversos tempos e lugares; e isso ele faz somente por meio da consciência, que é inseparável do pensar e essencial a ele" (PEREIRA, págs. 153, 154 e 155). Pessoa humana, pois, é cada integrante da raça humana, caracterizada essa, entre outras coisas, pela racionalidade, pela consciência de si mesmo, pela capacidade de agir conforme fins determinados e pela capacidade de atribuir valores.

A razão, como se pode observar, é elemento essencial da definição de pessoa. Entretanto, vale salientar que esta razão deve ser considerada em abstrato, como sendo a capacidade que cada ser humano tem de ser racional, ainda que, no caso concreto, esta potencialidade não se realize. É o caso dos insanos, dos comatosos, entre outros.

No uso da sua singular racionalidade, o direito é, sem dúvida, uma das maiores realizações do homem. Através de uma complexa valoração, o ser humano estabeleceu normas de convivência social, positivou as mais importantes e criou um sistema organizado para exigir o seu cumprimento. O homem criou as leis e possui a força necessária para fazê-las cumprir. Neste sentido – e em outros mais – o ser humano é um animal singular.

Conscientizando-se de sua singularidade, o homem passou a acreditar ser merecedor de uma proteção especial e devedor de uma conduta irrepreensível. A este conjunto de direitos e deveres fundamentais, destinados a preservar o homem como algo especial, deu-se o nome de dignidade da pessoa humana. Assim, não há que se falar em dignidade inata, já que não se trata de dado ôntico, que existe na natureza. Trata-se de uma convenção social. A dignidade da pessoa humana é um conceito criado pelo homem e que depende de uma fé, de uma crença de que o ser humano é superior aos demais animais e merecedor desta distinção. O homem possui dignidade porque ele diz que a tem e possui a força para fazer valer o que foi dito.

Neste sentido, Rabenhorst (RABENHORST, 2001, pág 46):

(...) assumamos que a dignidade humana não é uma propriedade observável e que, como tal, não pode ser provada ou negada sobre bases meramente fáticas. Isto significa que ela seria apenas uma ideologia criada pela visão de mundo ocidental? Não necessariamente. Ela pode significar, também, que a idéia de que todos os homens são indistintamente dignos repousa em um conjunto de crenças morais que não podem ser plenamente justificadas. Essas crenças, escreve o filósofo canadense Charles Taylor, se agregam em torno do sentido de que a vida humana deve ser respeitada e de que as proibições que isso nos impõe contam-se entre as mais ponderáveis e sérias de nossa vida.

Embora exista – em um determinado momento e lugar – a crença de que o homem é portador de uma certa dignidade, isto não quer dizer que esta fé seja reconhecida pela legislação respectiva e, por sua vez, mesmo que seja ela reconhecida, isto não quer dizer que todo o conteúdo da dignidade da pessoa humano seja efetivado a todos. A crença, a positivação e a efetivação de seu conteúdo são etapas do desenvolvimento da dignidade da pessoa humana.

O conteúdo da dignidade da pessoa humana, por sua vez, segundo Ingo Wolfgang Sarlet implica em "um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos" (SARLET, 2004, pág. 60).

A dignidade da pessoa humana, justamente por se tratar de uma crença social, jamais poderá ser conceituada de maneira fixista, o que não se harmonizaria com o pluralismo e a diversidade de valores que se manifestam nas diversas sociedades contemporâneas e ao longo do tempo. Trata-se, pois, especialmente em relação ao seu conteúdo, de um conceito em permanente processo de construção e desenvolvimento.

Com relação ao momento do surgimento e do desaparecimento do titular da dignidade da pessoa humana, existem sérias controvérsias. Entretanto, partindo do pressuposto que a racionalidade e a consciência de si mesmo, bem como a capacidade de agir conforme fins determinados e atribuir valores são características definidoras da humanidade, poderíamos conceber que a pessoa humana surge com o nascimento – já que o feto é um ser humano ainda em construção – e desaparece com a morte, seja ela propriamente dita ou cerebral. O feto e o cadáver não são capazes de razão, de autoconsciência ou autodeterminação. O feto pode vir a ser uma pessoa e o cadáver foi uma pessoa. Nem um nem o outro é pessoa.

Vale ressaltar, por outro lado, que o feto e o cadáver possuem dignidade. Mas trata-se de uma dignidade relativa, em homenagem ao que o feto pode vir a ser e ao que o cadáver foi. Assim, parte da proteção dada ao ser humano é estendida ao feto e ao cadáver, entretanto, este fato nunca pode suplantar o dever do Estado de proteger o ser humano e sua dignidade.

No Brasil, a dignidade da pessoa humana constitui fundamento do Estado democrático de Direito, previsto no artigo 1.º, inciso III da Constituição Federal. O constituinte de 1988, assim a posicionando, alçou a dignidade da pessoa humana à condição de princípio e valor fundamental.


5. Direito à Vida

A palavra vida (do latimvita) é conceituada no Dicionário Aurélio da seguinte forma:

Conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o metabolismo, o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução, e outras; existência; o estado ou condição dos organismos que se mantêm nessa atividade desde o nascimento até a morte; o espaço de tempo que decorre desde o nascimento até a morte.

(grifo nosso)

No mesmo sentido, para o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a vida, entre outras acepções é "o período de um ser vivo compreendido entre o nascimento e a morte".

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela XXI sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, reza que "O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei, ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida". (Parte III, art. 6).

O Art. 5º, caput da Constituição Federal de 1988, assegura a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, o direito à vida. Diz a carta Magna:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Segundo a Constituição Federal, para ser brasileiro é necessário que se tenha nascido com vida. Além deste pré-requisito, o art. 12 CF estabelece que:

São brasileiros: I - natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira; II - naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

(grifo nosso)

O estrangeiro, por outro lado, é todo aquele que não é nacional. É a pessoa humana nascida com nacionalidade [03] diversa. Assim, seja brasileiro ou estrangeiro, só possui direito à vida quem com ela já nasceu.

Neste sentido, Pontes de Miranda assevera que "o direito à vidaé inato; quem nasce com vida, tem direito a ela" (MIRANDA, 1971, págs 14/29).

O direito à vida, pois, já que inerente à pessoa humana, surge com o nascimento e finda com a morte. Trata-se de dado ôntico, de direito baseado na realidade. Antes surge a vida da pessoa humana, depois, seu direito à vida. Correndo o risco da redundância, é de se concluir que só tem direito à vida a pessoa humana que já nasceu e que, portanto, já vive.

Observe-se que não se está defendendo que o feto não é um ser vivo ou que seja ele uma coisa. O feto não é vida humana, mas ser que possui potencialidade para a vida humana. O feto também não é uma coisa, mas ainda não é uma pessoa, posto que seu potencial ainda não se realizou. Assim, o termo inicial da aquisição do direito à vida é o nascimento, quando surge a pessoa humana.

Assim, não há que se falar em direto à vida do nascituro, posto que ainda não se trata de pessoa humana, não ocorreu o fato que fará surgir seu direito à vida, ou seja: o nascimento. O Estado, entretanto, tem interesse que o feto nasça, realizando seu potencial e passando a ser titular do direito à vida e da dignidade da pessoa humana.


6. Princípio da Lesividade

Dentre os princípios constitucionais não formalizados que informam e orientam a atuação do Direito Penal, destaca-se o da lesividade (ou ofensividade ou danosidade), segundo o qual, só interessa ao Estado fazer uso do jus puniendi quando houver lesão efetiva a bens jurídicos penalmente relevantes. Ao Direito Penal somente interessa a conduta que implique dano relevante aos bens jurídicos essenciais à coexistência social pacífica. Assim, em função do princípio da lesividade, é vedada a incriminação de condutas que não excedam o âmbito do próprio autor (BATISTA, 2001, pág. 92), tão-somente por serem imorais ou pecaminosas.

Desta forma, somente pode ser objeto de punição jurídica o comportamento que lesione direitos de outras pessoas. Não está o Direito Penal legitimado a impor padrões de conduta às pessoas apenas porque é mais conveniente, ou adequado. O objeto de proteção do Direito Penal é o bem jurídico relevante. O que se aspira é evitar ou punir a conduta que implique dano relevante a este bem jurídico.

Em resumo: se o bem jurídico protegido pela norma incriminadora não for atingido pela conduta do agente, não há crime.


7. Princípio da Proporcionalidade

A origem e a evolução da teoria da proporcionalidade encontram-se intrinsecamente ligados à evolução dos direitos e garantias individuais da pessoa humana, quando surgiram na Inglaterra as teorias jusnaturalistas que pregavam ter o homem direitos inerentes e anteriores ao aparecimento do Estado. Estes direitos deveriam ser respeitados por todos, inclusive pelo soberano. Pode-se afirmar que é durante a passagem do Estado Absolutista – em que o governante tem poderes ilimitados – para o Estado de Direito, que, pela primeira vez, emprega-se o princípio da proporcionalidade, visando a limitar o poder de atuação do monarca face aos súditos (CANOTILHO, 1998, pág. 260).

Coube à Alemanha a formulação atual da teoria da proporcionalidade (Verhaltnismassigkeitsprinzip) em âmbito constitucional. Embora os direitos fundamentais já houvessem sido postos em relevo pela Constituição de Weimar, foi após o fim da Segunda Guerra Mundial que os tribunais começaram a proferir sentenças nas quais afirmavam não ter o legislador poder ilimitado para a formulação de leis tendentes a restringir direitos fundamentais (STEINMETZ, 2001, pág. 140). A promulgação da Lei Fundamental de Bonn representa, assim, marco inaugural do princípio da proporcionalidade em âmbito constitucional, ao colocar o respeito aos direitos fundamentais como núcleo central de toda a ordem jurídica.

O princípio da proporcionalidade terminou por ser dividido em três subprincípios, quais foram, a adequação (a), a necessidade (b) e a proporcionalidade em sentido estrito (c).

O primeiro (a) traduz uma exigência de compatibilidade entre o fim pretendido pela norma e os meios por ela enunciados para sua consecução. Trata-se do exame de uma relação de causalidade, onde uma lei somente deve ser afastada por inidônea quando absolutamente incapaz de produzir o resultado perseguido.

A necessidade (b) diz respeito ao fato de ser a medida restritiva de direitos indispensável à preservação do próprio direito por ela restringido ou a outro em igual ou superior patamar de importância, isto é, na procura do meio menos nocivo capaz de produzir o fim propugnado pela norma em questão. Traduz-se este subprincípio em quatro vertentes: exigibilidade material (a restrição é indispensável), espacial (o âmbito de atuação deve ser limitado), temporal (a medida coativa do poder público não deve ser perpétua) e pessoal (restringir o conjunto de pessoas que deverão ter seus interesses sacrificados).

Por último, o sub-princípio da proporcionalidade em sentido estrito (c) diz respeito a um sistema de valoração, na medida em que ao se garantir um direito muitas vezes é preciso restringir outro, situação juridicamente aceitável somente após um estudo teleológico, no qual se conclua que o direito juridicamente protegido por determinada norma apresenta conteúdo valorativamente superior ao restringido.


8. Crime de Aborto

Não se trata, aqui, de se fazer um profundo estudo sobre crime de aborto. Para os limites deste trabalho, entretanto, faz-se necessário que sejam feitas algumas considerações sobre o tema, principalmente sobre o sujeito passivo e a objetividade jurídica do delito.

Aborto, como já especificado, é a interrupção do processo da gravidez, com a morte do feto. O Código Penal pune o abortamento, podendo ser apontadas seis condutas específicas: a) aborto provocado pela própria gestante ou auto-aborto (art. 124, 1ª parte); b) consentimento da gestante a que outrem lhe provoque o abortamento (art. 124, 2ª parte); c) aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (art. 125); d) aborto provocado por terceiro com o consentimento ou consensual (art. 126); e) aborto qualificado (art. 127); e f) aborto legal (art. 128), que não é crime.

Existe grande controvérsia acerca de qual seria a objetividade jurídica e quem seria o sujeito passivo do crime de aborto. Para Damásio de Jesus, a objetividade jurídica do aborto é a vida da pessoa humana e o sujeito passivo é o feto. Entretanto, salienta o autor que, no caso do aborto provocado sem o consentimento da gestante, haveria dupla objetividade jurídica, protegendo o Direito Penal também a incolumidade física e psíquica da gestante. Conseqüentemente, haveriam dois sujeitos passivos: o feto e a gestante (JESUS, 2001, pág 414). Discordando dessa opinião, Mirabete afirma que o "Sujeito passivo é o Estado, interessado no nascimento, e não o feto, ou seja, o produto da concepção, que não é titular de bens jurídicos, embora a lei civil resguarde os direitos do nascituro" (MIRABETE, 1999, pág 685).

Os autores que compartilham da posição defendida por Damásio de Jesus baseiam-se na posição do tipo legal no Código Penal, no fato dele se encontrar dentro do capítulo dos crimes contra a vida. Assim, se o Código Penal protege a vida do feto, ele é detentor de bens jurídicos e pode, concluem estes autores, ser sujeito passivo de delito.

Esta opinião, embora respeitável, carece de uma visão sistemática da legislação brasileira e parte de falsas premissas. Em primeiro lugar, como já exaustivamente demonstrado, a Constituição Federal garante o direito à vida do brasileiro a partir do nascimento, e não da concepção. Aliás, os direitos e garantias fundamentais são previstos apenas pra os brasileiros e estrangeiros, sendo que a nacionalidade se adquire apenas com o nascimento, enquanto que, ao feto não houve previsão de qualquer bem jurídico. Em segundo lugar, a propalada proteção aos direitos do nascituro ocorre exclusivamente no âmbito do Direito Civil e apenas no que se refere às questões patrimoniais [04]. Mesmo assim, esta proteção é condicionada ao nascimento com vida. Em terceiro lugar, o feto não pode ser chamado de pessoa humana, como o faz Damásio de Jesus, já que, para ser chamado de pessoa, faz-se necessário o nascimento com vida. Patente, pois, que nossa legislação não tem o feto como sujeito de direitos, não podendo ele ser sujeito passivo de ato criminoso.

O feto, como já explicado, não possui dignidade da pessoa humana, entretanto, possui uma dignidade relativa, já que, potencialmente, tornar-se-á uma pessoa com o nascimento. É neste sentido que o Estado possui interesse em proteger o feto, sendo aquele o verdadeiro sujeito passivo do crime de aborto. A gestante, por sua vez, quando o aborto é realizado sem seu consentimento, também seria considerada como sujeito passivo do delito, já que possui interesse tanto no nascimento de seu filho como na manutenção de sua integridade física.

Com relação à objetividade jurídica, é necessário esclarecer que a vida protegida pelo Código Penal também é a da pessoa humana. Não há crime de homicídio, por exemplo, em se tirar a vida de uma planta ou um animal. Da mesma forma, já que um feto não é uma pessoa, não é possível punir a interrupção de uma gravidez pelo art. 121 do CP (homicídio). O tipo aborto foi criado para proteger a potencialidade que possui o nascituro de ser uma pessoa. A razão de ser da criminalização do aborto é, então, proteger a dignidade relativa do feto, para que ela se torne, com o nascimento, plena dignidade da pessoa humana. Ou, como diria Rogério Greco, a objetividade jurídica do crime de aborto "é a vida humana em desenvolvimento" (GRECO, 2005, pág. 275). Acrescente-se, entretanto, ser necessária uma mínima possibilidade da realização do potencial que possui o feto de se tornar uma pessoa humana.

Vale lembrar também que, em duas hipóteses diferentes, o legislador declara lícito o aborto, excluindo a antijuridicidade nos casos de: a) aborto necessário e b) aborto sentimental. O aborto necessário, também conhecido por terapêutico, é o aborto praticado quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. O aborto sentimental, também denominado ético ou humanitário, é permitido no caso de gravidez resultante de estupro.

Para os que entendem que a objetividade jurídica do aborto é a vida, ambos os casos de aborto legal são inconstitucionais: o aborto necessário, porque o legislador sobrepõe a vida da mãe à do feto – apesar de serem bens jurídicos idênticos –, e o aborto sentimental, porque o Código Penal sacrifica direito fundamental – a vida – em homenagem à higidez mental da gestante.


9. Conclusões

De posse de todas estas considerações, é possível formular uma teoria laica sobre o abortamento do feto anencéfalo.

Inicialmente, convém traçar um paralelo sobre a posição jurídica dos dois extremos da vida humana: o feto (aqui considerado genericamente do ovo até antes do nascimento) e o cadáver. O feto e o cadáver não possuem dignidade da pessoa humana (já que pessoas humanas não são), entretanto, possuem uma dignidade relativa. O feto pelo que ele pode vir a ser e o cadáver pelo que foi.

O Estado não criminalizou o aborto em homenagem ao direito à vida, mas para proteger a dignidade relativa do feto, ou seja, a sua potencialidade de adquirir direito à vida e se tornar uma pessoa humana com o nascimento. Em sentido inverso, a vilipendiação de cadáver [05] também é crime, mas em proteção à sua dignidade a posteriori.

Entretanto, quando o direito à vida (aborto terapêutico) ou à dignidade (aborto sentimental) da gestante está em risco, o abortamento é permitido. A vilipendiação de cadáver, por sua vez, desde que para fins científicos ou educacionais, é admitido. Pela aplicação do princípio da proporcionalidade, pela ponderação dos bens jurídicos em conflito, é fácil perceber o acerto da legislação. É que o pode ser (o feto) ou o que foi (o cadáver) jamais pode prevalecer sobre o que é (a pessoa humana). A gestante e o estudioso da medicina possuem direito à vida e dignidade da pessoa humana em suas formas plenas. O feto e o cadáver não.

Utilizando essas conclusões como ponto de partida, desta feita partindo para o objetivo deste trabalho, resta avaliar a situação legal do abortamento voluntário quando se tratar de feto portador da anomalia genética denominada anencefalia.

O feto anencéfalo pode ser considerado portador de morte neocortical (high brain criterion), já que não possui a parte da estrutura cerebral responsável pela existência da consciência e que implicam na cognição, na percepção, na comunicação, na afetividade. Estas, como se sabe, são as características definidoras da pessoa humana. Muito embora em alguns poucos casos a vida extra-uterina seja possível – por um curto período e dependendo do suporte tecnológico disponível – jamais o feto anencéfalo se tornará uma pessoa humana [06]. Se não existe viabilidade de vida humana, não há que se falar em dignidade sequer relativa.

Por outro lado, se o crime de aborto tem por objetividade jurídica proteger a dignidade relativa do feto, a potencialidade de vida humana, e o portador da anencefalia não possui esta dignidade, esta potencialidade, é de se concluir que, no caso do abortamento do feto anencéfalo, não existe lesão ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal. Não havendo lesividade, não há que se falar em crime: é fato atípico.

Mesmo em se considerando o feto anencéfalo portador de algum tipo de dignidade relativa, é de se ponderar que a continuação de uma gravidez inviável não pode ser imposta à gestante, portadora esta de uma dignidade plena, em homenagem a um feto sem qualquer possibilidade de se tornar uma pessoa humana. Para se chegar a esta conclusão, através da aplicação do princípio da proporcionalidade, é de se considerar a ausência de consciência do feto anencéfalo – ou seja, o fato de não haver possibilidade de sofrimento no abortamento – e a extrema dor psicológica da gestante confrontada com um diagnóstico de anencefalia.

Assim, proibir o abortamento no caso de anencefalia por motivos puramente religiosos é inadmissível em um Estado laico. Com a permissão, cada um pode agir de acordo com suas crenças. Com a proibição, a fé de alguns é imposta a todos, constituindo tratamento desumano e inadmissível tortura psicológica.

Neste sentido foi o belo voto do Ministro Carlos Ayres Brito, proferido nos autos da supracitada ADPF 54/DF:

(...) Quero dizer: o crime deixa de existir se o deliberado desfazimento da gestação não é impeditivo da transformação de algo em alguém. Se o produto da concepção não se traduzir em um ser a meio caminho do humano, mas, isto sim, em um ser que de alguma forma parou a meio ciclo do humano. Incontornavelmente empacado ou "sem qualquer possibilidade de sobrevida" (ainda uma vez, locução tomada de empréstimo à mesmíssima resolução do CFM), por lhe faltar as características todas da espécie. Uma crisálida que jamais, em tempo algum, chegará ao estádio de borboleta. O que já importa proclamar que se a gravidez "é destinada ao nada" -- a figuração é do ministro Sepúlveda Pertence -, sua voluntária interrupção é penalmente atípica. Já não corresponde ao fatotipo legal, pois a conduta abortiva sobre a qual desaba a censura legal pressupõe o intuito de frustrar um destino em perspectiva ou uma vida humana in fieri. Donde a imperiosidade de um conclusivo raciocínio: se a criminalização do aborto se dá como política legislativa de proteção à vida de um ser humano em potencial, faltando essa potencialidade vital aquela vedação penal já não tem como permanecer. Equivale a dizer: o desfazimento da gravidez anencáfala só é aborto em linguagem simplesmente coloquial, assim usada como representação mental de um fato situado no mundo do ser. Não é aborto, contudo, em linguagem depuradamente jurídica, por não corresponder a um fato alojado no mundo do dever-ser em que o Direito consiste. (...)

(grifo nosso)

Concluindo, não restam dúvidas de que o abortamento do feto anencéfalo não é crime, sendo caso de atipicidade da conduta pela ausência de lesividade ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal aborto.


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Notas

  1. Número de ocorrências em busca realizada no www.google.com.br, em 27/03/2005, dos termos "anencefalia" e "aborto". Convém destacar, entretanto, que o referido site, muito embora considerada a melhor ferramenta de busca à disposição na Internet, alcança uma pequena parte da Rede Mundial, sendo estimado que existem cerca de cinqüenta vezes mais páginas do que ele seja capaz de encontrar (VEJA, 2004, pág. 69).

  2. Debora Diniz é antropóloga, ganhadora do prêmio Manuel Velasco Suarez de Bioética (OPS/OMS) e diretora da Feminist Approaches to Bioethics Network.

  3. "A nacionalidade primária,ou original, está vinculada ao nascimento do indivíduo sendo, portanto, involuntária. Este tipo de nacionalidade está baseado em dois tipos jurídicos: ius solis que consiste no direito de adquirir a nacionalidade através do simples nascimento em território pátrio e o ius sanguinis, que consiste no vínculo sangüíneo com a pátria, ou,ainda, o critério misto". (VALÉRIO, Marco Aurélio Gumieri. O direito de nacionalidade no ordenamento jurídico brasileiro e comparado . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2866>. Acesso em: 31 dez. 2004).

  4. "Art. 2º CC - A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".

  5. Art. 212 do Código Penal.

  6. Vale ressaltar que esta situação é bem diferente da do feto portador de alguma má formação congênita que implicará em uma possível deficiência. Em primeiro lugar, porque o deficiente possui a parte do cérebro responsável pela consciência, sendo que ele apenas não consegue acessar esta habilidade de forma plena. Em segundo lugar, porque o feto anencéfalo não pode viver fora do útero sem ajuda mecânica, situação totalmente diversa da do deficiente.


Autor

  • Manuel Sabino Pontes

    Manuel Sabino Pontes

    Defensor Público no Rio Grande do Norte, lotado em Natal/RN, Especialista em Direito Constitucional e Financeiro pela Universidade Federal da Paraíba, Especialista em Direito Processual Penal pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PONTES, Manuel Sabino. A anencefalia e o crime de aborto: atipicidade por ausência de lesividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 861, 9 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7538. Acesso em: 29 mar. 2024.