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A aplicação do princípio do contraditório no cumprimento de sentenças e na execução de títulos extrajudiciais

A aplicação do princípio do contraditório no cumprimento de sentenças e na execução de títulos extrajudiciais

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Em que pese ser um dos mais importantes e basilares princípios do direito processual, já houve discussão sobre sua aplicação na fase de execução lato sensu, sendo hoje pacificado sua aplicação mitigada pelas limitações inerentes a essa fase processual.

1. Introdução

O princípio do contraditório, previsto expressamente no art. 5°, inciso LV, da Constituição Federal e no artigo 7º do Código de Processo Civil (CPC), abrange todos os processos realizados nas esferas administrativa e judicial. Para demonstrar sua importância, Sarlet, Marinoni e Mitidiero1 destacam que “o próprio conceito de processo no Estado Constitucional está construído sobre” a base do direito fundamental ao contraditório.

A doutrina mais moderna entende que contraditório é mais do que apenas o “binômio conhecimento-reação”, significando também “participar do processo e influir nos seus rumos”, ou seja, é direito de influência2.

Na fase de conhecimento dos processos judiciais, é inconteste que o princípio do contraditório aplica-se integralmente, inclusive impondo ao juiz o dever de zelar pelo efetivo contraditório, como prevê o já citado artigo 7º do CPC.

No presente trabalho, discutem-se quais são os limites de aplicação desse princípio na fase executória no Processo Civil, em sentido lato, que compreende tanto o cumprimento de sentença quanto a execução de títulos extrajudiciais.

A existência de tal possibilidade, que outrora foi objeto de divergências na doutrina processualista civil, é atualmente ponto pacífico para os juristas, tanto os brasileiros, quanto os estrangeiros como italianos e alemães3.

2. O princípio do contraditório no Processo Civil

O princípio do contraditório, tratado no artigo 5°, inciso LV, da Constituição Federal de 1998, é proveniente do princípio do devido processo legal e garante aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, abrangendo, ainda, os processos realizados na esfera negocial.

A Lei n° 9.307/1996, que dispõe sobre a arbitragem no Brasil, também traz em seu artigo 21, § 2°, a exigência de observância da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento e do contraditório no procedimento estabelecido pelas partes na câmara arbitral.

O princípio objetiva-se primariamente em dar conhecimento àqueles que têm pretensão no processo sobre a existência da ação e dos atos processuais, dando-lhes a oportunidade de reagir a atos que não lhe sejam favoráveis e influir no processo, ou seja, além de ser ouvida e comunicada sobre a ação, à parte deve ser oportunizado, através dos seus fatos, argumentos e provas levados a juízo, influenciar na decisão do litígio4.

Didier5 define, no primeiro volume de seu Curso de Direito Processual Civil, o princípio do contraditório como sendo um “reflexo do princípio democrático na estruturação do processo”, por garantir a participação e influência dos interessados no conteúdo da decisão.

Partindo da ideia de que, para o contraditório ser exercido, é necessário ter conhecimento sobre os atos ocorridos no processo, o Código de Processo Civil (CPC) prevê em seu décimo artigo vedação expressa a decisões surpresas, ou seja, veda ao juiz, que agindo por livre motivação sobre questões não suscitadas pelas partes, não dê às partes a oportunidade de se manifestarem sobre sua decisão.

Estende-se essa concepção a todos os juízos e também as matérias em que o juiz deva decidir de ofício, podendo acarretar na nulidade da decisão caso venha a ser descumprido.

O artigo 9° do Código de Processo Civil, caput, diz que: “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”. Mas há situações que fogem à regra geral e o contraditório é postergado, ou seja, é exercido mais tardiamente durante o processo, pois o juiz verifica que há a possibilidade de risco que possa prejudicar o provimento jurisdicional ou risco de prejuízo irreparável.

É o caso da tutela provisória de urgência, das hipóteses tutela da evidência (art. 311, I e II, do CPC) e da ação monitória (art. 701 do CPC) que configuram as exceções que se encontram no parágrafo único do artigo 9° do Código de Processo Civil. O juiz concede a medida ao autor sem prejuízo do exercício do contraditório diferido ao réu.

No processo penal, para obedecer a regra constitucionalmente prevista do contraditório e da ampla defesa, exige-se a defesa técnica e suficiente do réu, mesmo que seja revel. Caso o juiz identifique que isso não está ocorrendo, pode realizar a anulação dos atos e pedir a substituição do advogado6.

Na esfera do processo civil não há essa possibilidade, porém deve o juiz assegurar a igualdade de tratamento às partes (art. 139, I, do CPC). O exercício do princípio do contraditório durante o processo é feito basilarmente pela bilateralidade da audiência, onde é garantida a “paridade de armas” (equilíbrio processual) e discussão dentro do feito.

3. O contraditório na execução

Historicamente, alguns autores entendiam que o princípio do contraditório não seria aplicável a fase executiva, uma vez que o objetivo dessa fase seria a satisfação do credor com base em título executivo, prescindindo de maiores discussões quanto ao direito.

Isso seria ainda mais fortemente defendido no caso dos títulos executivos judiciais, pois são frutos de um processo de conhecimento, em que o agora executado teve à disposição todos os meios e as possibilidades para defender-se e evitar sua condenação. Então, uma vez aplicado à exaustão o princípio do contraditório na fase de conhecimento, não haveria porque garantir um efetivo e amplo contraditório ao executado na fase seguinte, que se constituiria tão-somente de “atos de imediata agressão ao patrimônio do devedor”7.

Essa era a posição defendida, por exemplo, por Salvatore Satta. O jurista italiano afirmava que contraditório seria derivado da combinação entre ação e exceção, isto é, entre ação e defesa, sendo que a presença desta última implicaria na “absoluta liberdade do réu diante do pedido do autor, o que não tem lugar ou se torna relevante, com a existência de um título executivo”8.

Dessa forma, a execução se desenvolveria inaudita altera parte e o executado seria mero sujeito passivo, sem poder se defender amplamente ante um título já constituído9. Assim, na visão desses doutrinadores, não seria aplicável o princípio do contraditório na execução.

Todavia, tal entendimento já foi plenamente superado e, atualmente, é pacífico que o princípio do contraditório aplica-se a fase executória do processo, tanto no cumprimento de sentença, em que há título executivo judicial, quanto na execução de título extrajudicial.

Aliás, uma das definições modernas mais aceitas do que é “processo” leva em consideração justamente a presença do contraditório. Nas palavras de Fredie Didier, “o processo é um procedimento estruturado em contraditório”10.

Como exposto na seção 2 do presente texto, o princípio do contraditório é um dos mais importantes para o Direito Processual Civil, tendo, inclusive, previsão constitucional no Brasil e em diversos países, como na Itália11. Didier aponta, com base na doutrina do processualista italiano Giovanni Verde, que se trata de “direito inviolável, a ser observado em todo o estágio do procedimento como condição de paridade entre as partes”12. Dito de outra forma, isto significa que um procedimento em que não haja efetiva oportunidade para contraditório não pode ser considerado um procedimento jurisdicional válido.

Soma-se a isso o fato de que a própria Constituição Federal brasileira garante que "a privação patrimonial do executado deve respeitar a ampla defesa", como bem enfatiza Sérgio Seiji Shimura13, o que implica na obrigação de que o princípio do contraditório seja observado também no decorrer da fase executória de qualquer processo.

Impende destacar que se exige a oportunidade de exercitar o contraditório, e não sua efetiva manifestação, pois, dentre outros motivos, a parte pode optar por não exercer seu direito ao contraditório. Exemplo clássico dessa atitude na fase de conhecimento é a ausência de contestação da petição inicial, configurando revelia.

Outro ponto refere-se ao fato de que o contraditório pode ser diferido, como ocorre nos casos em que são deferidos, inaudita altera parte, efeito suspensivo a recurso, tutela de urgência e tutela de evidência.

No CPC de 2015, há a previsão de dois tipos de defesas típicas ao executado: embargos à execução, art. 914 do CPC, no curso do processo de execução de títulos extrajudiciais, e impugnação ao cumprimento de sentença, art. 525 do CPC, no curso da fase executória de títulos judiciais.

Além disso, o executado pode apresentar objeção de executividade, também chamada de exceção de pré-executividade, no próprio processo, ou apresentar ação autônoma de impugnação ao débito constante no título, configurando uma defesa heterotópica. Como lembra Santos14, embora os "embargos à execução de título extrajudicial e as ações autônomas de impugnação sejam consideradas uma nova demanda, não se pode negar que, ao menos indiretamente, se trata de uma forma de defesa do executado".

Há que se pontuar, entretanto, que nem sempre essas formas de defesa na execução possibilitam a mesma amplitude de fundamentação e de alegações que uma contestação. Por exemplo, a impugnação ao cumprimento de sentença possui fundamentação vinculada, restrita às hipóteses expressamente previstas no CPC, quais sejam:

                       Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.

                            § 1º Na impugnação, o executado poderá alegar:

                            I – falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à revelia;

                            II – ilegitimidade de parte;

                            III – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;

                            IV – penhora incorreta ou avaliação errônea;

                            V – excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;

                            VI – incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;

                        VII – qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença.

Nesse contexto, em que pese não se poder afastar a aplicação do princípio do contraditório no curso dos processos executivos, não há como negar que, de fato, a fase executória não permite ao executado a mesma amplitude de defesa que a fase de conhecimento. Assim, o princípio do contraditório aplica-se à fase executiva, embora sofra limitações devido às características inerentes dessa fase processual, dentre as quais se destaca a finalidade satisfativa da execução.

Outro exemplo dessas limitações é apontado por Didier et. al.15. Trata-se do caráter eventual do direito de defesa do executado, que é chamado a juízo para cumprir com a obrigação determinada por sentença ou prevista no título executivo extrajudicial, em vez de ser chamado para se defender das alegações da outra parte. Cabe ao executado, assim, utilizar-se dos instrumentos processuais à sua disposição para exercer efetivamente seu direito ao contraditório. É a aplicação de técnica monitória, invertendo o ônus de provocar o contraditório16.

De toda forma, deve-se ressaltar que um dos princípios basilares da execução é a menor gravosidade ao executado, o que não pode ser concretizado efetivamente sem que haja contraditório17.

Deste modo, por todo o exposto, constata-se que, mesmo na fase executória do processo civil, há o dever do juiz e o direito das partes de haver um efetivo contraditório, ainda que não seja tão amplo quanto o observado na fase de conhecimento.

4. Conclusão

O presente trabalho discorreu sobre o princípio do contraditório e sua aplicação na fase executória do Processo Civil. Ressalta-se que esse princípio é um dos mais importantes e basilares do direito processual, servindo, inclusive, para fundamentar a própria definição de processo. Elevado à categoria de direito fundamental previsto expressamente na Constituição Federal de 1988, o princípio do contraditório incide sobre todos os processos, sejam eles administrativos ou judiciais.

Passadas as controvérsias que já existiram na doutrina, o entendimento pacificado atualmente é no sentido de que o princípio do contraditório aplica-se à execução, embora com algumas limitações que são inerentes a essa fase.

Por exemplo, tendo em vista a finalidade satisfativa da execução, o executado é chamado à juízo para cumprir a obrigação e não para se defender. Esse contraditório eventual é característico dessa fase processual. Outro exemplo é a fundamentação vinculada exigida na interposição de impugnação ao cumprimento de sentença.

Não obstante, a possibilidade de efetivo contraditório, que incluiu o direito à influência na concepção mais moderna da doutrina, é indispensável para a fase executiva, garantindo a legitimidade do próprio processo de execução.

5. Referências

1. SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. Versão digital. Seção 5.6.

2. SARLET et al. op.cit. Seção 5.6.

3. SARLET et al. op.cit. Seção 5.6.

4. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil - volume único. 9ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. p. 175-177.

5. DIDIER Jr, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. vl. 1. p. 91.

6. PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2017. Versão digital, seções 3.3.1.3 e 3.3.1.4.

7. SANTOS, Welder Queiroz dos. Direito processual civil: princípio do contraditório e vedação de decisão surpresa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. Versão digital. Seção 4.3.1.

8. SANTOS. Op Cit. Seção 4.3.1.

9. SANTOS. Op Cit. Seção 4.3.1.

10. DIDIER Jr. Op. Cit. vl. 1 p. 91.

11. DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução. 7ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. vl. 5. p. 77.

12. DIDIER Jr. et al. Op. Cit. Vl. 5. p. 77.

13. SANTOS. Op. Cit. Seção 4.3.1.

14. SANTOS. Op. Cit. Seção 4.3.1.

15. DIDIER Jr. et al. Op. Cit. Vl. 5. p. 78.

16. DIDIER Jr. et al. Op. Cit. Vl. 5. p. 78.

17. SANTOS. Op. Cit. Seção 4.3.1.



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