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Controle jurisdicional do processo de cassação de mandato parlamentar por falta de decoro

Controle jurisdicional do processo de cassação de mandato parlamentar por falta de decoro

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Não importa se a matéria é de forma ou de fundo, se a questão é ou não política, se há ou não ameaça ou violação a direito, mas se o exame de tais indagações foi reservado pela Constituição Federal ao Poder Legislativo ou ao Judiciário.

I) INTRODUÇÃO

            Em tempos em que o povo brasileiro aguarda, com uma mistura de esperança e desconfiança, a apuração de fatos, da maior gravidade, atribuídos a congressistas, bem como a sua eventual punição, ressurge, no meio acadêmico e no foro, a discussão a respeito dos limites, ou mesmo da própria possibilidade, de controle jurisdicional do processo de cassação de mandato parlamentar por falta de decoro, questão que não é nova, mas nem por isso ainda deixa de suscitar controvérsias.

            A partir da leitura de obras já escritas sobre o tema [01], pode-se encontrar, na doutrina e na jurisprudência (especialmente do Supremo Tribunal Federal), basicamente quatro posições:

            - não é possível o controle jurisdicional, por se tratar de questão política ou matéria interna corporis, "sobre a qual não foi discriminada a competência, quer da Justiça Comum, quer da Justiça Eleitoral" [02]. É a posição de FRANCISCO CAMPOS [03] e corresponde, a nosso ver, no plano processual, ao reconhecimento da ausência de jurisdição do órgão do Poder Judiciário;

            - o controle jurisdicional limita-se a verificar a existência de vício formal, tal como, por exemplo, se foi observado o quorum exigido para a decretação da perda do mandato ou se a votação foi sigilosa. É o entendimento majoritário do Supremo Tribunal Federal [04], segundo o qual, com exceção dos aspectos formais, as demais questões de fato e de direito (v.g., a existência e qualificação da conduta tida como indecorosa) não podem ser examinadas pelo órgão jurisdicional (haveria uma restrição à cognição, para utilizar terminologia mais correta [05]) para o fim de julgar o mérito da causa (i.e., se houve ou não ameaça ou lesão a direito), resultando na extinção do processo por impossibilidade jurídica da demanda. Na doutrina, acolhe tal entendimento PAULO BROSSARD [06];

            - o controle jurisdicional abrange, além do aspecto formal, o aspecto material, se houver evidente abuso ou desvio de poder (v.g., ausência de motivo). Tal entendimento é encontrado em alguns acórdãos mais antigos [07] do STF, bem como em alguns votos mais recentes [08] e em autores como HELY LOPES MEIRELLES [09] e MIGUEL REALE [10], divergindo do anterior apenas por alargar um pouco as questões de fato ou de direito que podem ser objeto da cognição do órgão jurisdicional;

            - o controle jurisdicional é amplo, permitindo o exame de todos os aspectos do processo de cassação, desde que se alegue a existência de ameaça ou lesão a direito subjetivo. Esse parece ser o entendimento do Ministro Celso de Mello [11], acompanhado, no campo doutrinário, por LÚCIA VALLE FIGUEIREDO [12].

            Embora tendamos a concordar, em regra, com a primeira posição, consideramos que a questão não tem sido colocada nos seus devidos termos, pois, conforme se demonstrará a seguir, não importa se a matéria é de forma ou de fundo, se a questão é ou não política, se há ou não ameaça ou violação a direito, mas se o exame de tais indagações foi reservado pela Constituição Federal ao Poder Legislativo ou ao Judiciário.


II) CONTROLE DISCIPLINAR DA CONDUTA DE DEPUTADOS E SENADORES PELO PODER LEGISLATIVO (ARTIGO 55, II, C/C §§ 1º E 2º, DA CF)

            O controle disciplinar da conduta de Deputados e Senadores ingressou no direito brasileiro, de forma explícita, com a Constituição de 1946 (artigo 48, § 1º) [13], tendo sido mantido, com algumas alterações, pelas CF/67 (artigo 35, II c/c § 1º) [14], e atualmente, encontra-se disciplinado pelo artigo 55 da Constituição Federal de 1988:

            "Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

            I - omissis;

            II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

            III – omissis;

            IV - omissis;

            V - omissis;

            VI - omissis.

            § 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.

            § 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

            § 3º - omissis;

            § 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º" (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 6, de 1994).

            A matéria encontra-se disciplinada, ainda, pelos Regimentos Internos da Câmara (artigo 240) e do Senado (artigos 22 a 25) e por normas internas complementares, como o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados (Resolução nº 25/2001) e o Regulamento do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados.

            No direito constitucional norte-americano, no qual tem origem imediata o preceito do artigo 55 da CF, asseveram os estudiosos do assunto [15] que o poder disciplinar das Casas, inerente aos órgãos legislativos [16], é um mecanismo voltado não tanto para simplesmente punir um membro do Congresso, mas em última análise uma medida para proteger a integridade da Câmara e do Senado, seus procedimentos e sua reputação.

            No direito brasileiro, não foi outra a finalidade da adoção do instituto, como nos dá notícia o Ministro Célio Borja no julgamento do Mandado de Segurança nº 21.360-DF:

            "Quando, em 1946, pela mão de um antigo Presidente do Supremo Tribunal Federal e um dos seus mais ilustres Ministros, a Consttuição colocou esse poder censório nas mãos do Senado e da Câmara, Sr. Presidente, foi para fazer prevalecer a regra ética sobre quaisquer outras considerações, e para fazer preservar o conceito da Câmara e do Senado" [17].

            Deveras, "qualquer ato de ofensa ao decoro parlamentar culmina por atingir, injustamente, a própria respeitabilidade institucional do Poder Legislativo, residindo, nesse ponto, a legitimidade ético-jurídica do procedimento constitucional de cassação do mandato parlamentar, em ordem a excluir, da comunhão dos legisladores, aquele - qualquer que seja - que se haja mostrado indigno do desempenho da magna função de representar o Povo, de formular a legislação da República e de controlar as instâncias governamentais do poder" [18].

            "No universo da honra, a conduta desonrada não se esgota no indivíduo que a cometeu mas compromete todo o coletivo a que ele pertence. Se um membro partilha da honra de seu grupo, e com este se identifica predominantemente, a sua desonra se reflete sobre a honra de todos" [19].

            O poder disciplinar das Casas do Congresso, portanto, atende ao interesse público, como demonstrou STORY:

            "Tampouco esse poder deve ser visto de forma desfavorável. É uma prerrogativa, não dos membros de cada uma das Casas, mas, como todas as prerrogativas do Congresso, uma prerrogativa do povo, instituída em seu benefício" (tradução livre) [20].


III) SEPARAÇÃO DE PODERES (ARTIGO 2º DA CF), INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL (ARTIGO 5º, XXXV, DA CF) E JURISDIÇÃO DO PODER LEGISLATIVO

            O exame da possibilidade do controle jurisdicional do processo disciplinar previsto no artigo 55 da CF obriga-nos a indagar, antes de mais nada (v.g., se a questão tem natureza política ou se há violação ou ameaça a direito subjetivo), se o Poder Judiciário tem jurisdição sobre o tema.

            E, para responder a tal indagação, deve-se descartar, desde logo, a busca de qualquer resposta nos artigos 2º (princípio da separação dos poderes) e 5º, inciso XXXV (princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional), da Constituição Federal. Senão, vejamos.

            O princípio consagrado no artigo 2º da Constituição Federal (= separação de poderes) cede diante da regra constante do artigo 55 do texto constitucional (= atribuição ao Legislativo de competência para julgar), em relação ao qual é uma exceção (juntamente com a competência atribuída ao Senado de julgar o impeachment do Presidente da República e outras autoridades).

            Com efeito, tendo a Constituição Federal atribuído a um Poder (no caso o Legislativo) uma função típica de outro (no caso o Judiciário), não tem cabimento invocar-se a doutrina separação de poderes para conferir ao Judiciário, sem previsão expressa, o poder de revisão das decisões proferidas pela Câmara e pelo Senado no exercício da atribuição que lhe foi conferida pelo Poder Constituinte.

            Pelo contrário, a independência entre os Poderes, corolário do artigo 2º da CF, impõe, como ressaltado por SAMPAIO DÓRIA, "não poder nenhum órgão anular ou alterar as deliberações dos outros, em matéria de sua competência privativa" [21].

            Se o Poder Judiciário pudesse rever as decisões proferidas pelo Congresso em processo de cassação de mandato parlamentar (ou impeachment) sob a alegação de que se trata do exercício atípico de função que lhe é típica, o Poder Executivo poderia, com o mesmo argumento, imiscuir-se na administração do Legislativo e do Judiciário, instaurando-se ou a dependência, ou a desarmonia entre os Poderes [22]:

            "Mas, para que o poder contenha o poder, as funções típicas e atípicas atribuídas a cada órgão hão de atuar, antes de tudo, como "fator de independência institucional de todos eles", porque, se assim não fosse, um Poder, a pretexto de exercer sua função típica, interferiria nos negócios internos dos demais. Se, por exemplo, o Executivo, alegando ser-lhe própria a função administrativa, pretendesse administrar o Legislativo, não haveria autonomia institucional deste" [23].

            Também é inútil invocar o artigo 5º, inciso XXXV, da CF, eis que a inafastabilidade do controle jurisdicional, como leciona CARLOS AYRES BRITTO, é uma "garantia contra a função legiferante do Estado, agindo assim no exercício da função legislativa usual como da função reformadora" [24]. Realmente, a proibição vale para a lei ("a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"), não para a própria Constituição Federal. Assim, se é a própria Constituição que atribui o julgamento de determinada matéria ao Legislativo, e não ao Poder Judiciário, não é no artigo 5º, inciso XXXV, que se há de encontrar um mecanismo para desfazer o que foi feito pelo Poder Constituinte [25].

            É o que demonstrou, a propósito do impeachment, o Ministro PAULO BROSSARD, em seu voto no Mandado de Segurança nº 20.941-DF:

            "Dir-se-á que esse entendimento conflita com o princípio segundo o qual nenhuma lesão de direito pode ser excluída de apreciação judicial. Esse conflito, porém, não ocorre no caso concreto, pois, a mesma Constituição que enuncia essa regra de ouro, reserva privativamente a uma e outra Casa do Congresso o conhecimento de determinados assuntos, excluindo-os da competência de qualquer outra autoridade. Assim, no que tange ao processo de responsabilidade do primeiro ao último ato, ele se desenvolve no âmbito do Poder Legislativo, Câmara e Senado, e em nenhum momento percorre as instâncias judiciárias. Como foi acentuado, é uma exceção, mas exceção constitucionalmente aberta, ao monopólio jurisdicional do Poder Judiciário. A lei não poderia dispor assim. A Constituição poderia. Foi o que fez" [26] (grifos do autor).

            Realmente, outra não pode ser a interpretação do texto constitucional.

            Ao julgar os seus membros, em caso de ofensa ao decoro parlamentar, e os membros de outros Poderes, como o Presidente e o Vice-Presidente da República, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República e o Advogado Geral da União, em caso de infração político-administrativa, a Câmara e o Senado (apenas o Senado em se tratando de impeachment) exercem jurisdição, que lhes foi conferida pela Constituição.

            É a lição da doutrina, nacional [27] e estrangeira [28], bem como da jurisprudência de nossos Tribunais [29].

            Nesse passo, é oportuno ressaltar que mostra-se absolutamente inaceitável e despropositado denominar de jurisdição "anômala" [30], o poder disciplinar atribuído à Câmara e ao Senado. Anômalo em relação ao quê? Ao modelo de separação de poderes defendido por Montesquieu em O Espírito das Leis, segundo o qual caberia ao Legislativo legislar apenas? Ora, o exame das atribuições de cada um dos Poderes da República deve ser feito à luz da Constituição Federal, lei suprema do país, e não das doutrinas de Aristóteles, Locke ou Montesquieu.

            Como qualificar de "anômalo" um modelo que foi instituído pela atual Constituição e, antes dela, pelas anteriores, desde a CF/46, sob a inspiração do modelo norte-americano? Será "anômalo", por exemplo, o contencioso administrativo francês [31], em razão do qual, por determinação da Constituição daquele país, as controvérsias envolvendo a Administração Pública não são julgadas pelo Poder Judiciário, mas por outro órgão estatal, sem que haja possibilidade de revisão judicial?

            A Constituição, como bem lembra o eminente CARLOS AYRES BRITTO, não conhece tabus materiais, pois "ela pode conformar toda e qualquer matéria" [32].

            Logo, não se pode falar, juridicamente, em anomalia, ainda que, política ou ideologicamente, discorde-se da solução adotada pelo texto magno, sob qualquer fundamento.

            Ora, se assim é, fica afastada, automaticamente, a possibilidade do exercício de igual atribuição pelo Poder Judiciário. Uma jurisdição exclui a outra [33].

            Consoante afirmou o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao abordar o tema da imunidade civil e penal dos congressistas (artigo 53, "caput", da CF com a redação da EC nº 35/2001), o artigo 55, II, da CF envolve uma "reserva de competência que o legislador constitucional quis assegurar ao Poder Legislativo no controle deontológico dos atos típicos de seus membros" [34].

            E não é diferente a solução apontada pelo direito comparado.

            Em caso [35] envolvendo o impeachment de juiz federal, decidiu a Suprema Corte dos Estados Unidos, invocando o precedente estabelecido em Baker v. Carr, 369 U.S. 186 (1962), que uma controvérsia não se sujeita à apreciação do Poder Judiciário (nonjusticiable) quando for possível demonstrar, com base no texto da Constituição, que o assunto foi atribuído a um dos outros Poderes da União.

            Ora, não se nega, como afirmou o Chief Justice Burguer, da Suprema Corte dos Estados Unidos, no caso United States v. Brewster, 408 U.S. 501 (1972), que "o processo disciplinar de um membro do Congresso não é imune a riscos de abuso, posto que não se encontra sujeito às garantias de um processo criminal" e que "um membro acusado fica à mercê de uma discricionariedade praticamente ilimitada de um corpo que funciona simultaneamente como acusador, promotor, juiz e júri e para cuja decisão não foi estabelecido o direito de revisão" [36] (tradução livre).

            Ocorre que este foi o tipo de procedimento estabelecido pela Constituição Federal, ao determinar que o julgamento seja feito pelo Poder Legislativo (e não pelo Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos), mediante voto secreto (que atentaria, se não fosse exigência do próprio texto constitucional, contra o princípio da publicidade), por julgadores a que não se aplicam as causas de suspeição e impedimento dos magistrados [37] e que sequer se encontram obrigados a fundamentar a sua decisão [38] (a votação é "sim ou "não").

            À semelhança do que ocorre com o impeachment [39], a cassação de mandato por falta de decoro tem natureza política "porque a sanção é imposta por um órgão político, consistindo, além do mais, numa desinvestidura forçada de cargo igualmente político" [40].

            E a própria Constituição, para evitar eventuais abusos, estabeleceu, como medida de salvaguarda, um quorum qualificado [41] (maioria absoluta) para que seja decretada a perda do cargo.

            Assim, o reconhecimento de competência ao Poder Judiciário para rever a decisão proferida por qualquer das casas do Congresso, afrontaria não apenas a regra expressa do artigo 55, II, da CF, como o próprio princípio da separação dos poderes, tal como plasmado na Constituição.

            Se, com bons fundamentos, defendeu-se que o judicial review de decisão proferida no processo de impeachment é inconsistente com o sistema de freios e contrapesos (checks and balances) adotado por Constituições como a norte-americana e a brasileira, pois tornaria inócua a ameaça de remoção do cargo dos integrantes do Poder Judiciário [42], com maior razão não se pode admitir, como regra o controle jurisdicional da cassação de mandato parlamentar por falta de decoro, por se tratar de questão eminentemente interna corporis, que o texto constitucional reservou ao próprio Poder Legislativo.

            Com efeito, o Poder Legislativo, pela Constituição, não é apenas o juiz da conduta de seus membros, como juiz da conduta do Presidente e do Vice-Presidente da República, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, do Procurador Geral da República e do Advogado-Geral da União [43].


IV) LIMITES AO CONTROLE JURISDICIONAL DAS DECISÕES PROFERIDAS EM PROCESSO DE CASSAÇÃO DE MANDATO PARLAMENTAR POR FALTA DE DECORO

            Por maior que seja o poder disciplinar concedido às casas do Congresso, não é ele ilimitado, eis que deve conformar-se com o texto da Constituição Federal.

            Nesse sentido, decidiu a Suprema Corte dos Estados Unidos, no julgamento do caso Powell v. McCormack, 395 U.S. 486 (1969), que embora a Câmara dos Deputados (House of Representatives), a teor de expressa disposição constitucional (Art. I, 5), pudesse decidir se um deputado eleito preenchia os requisitos estabelecidos pela Constituição para tomar posse (Art. I, 2), não poderia fazê-lo com base em fundamento não previsto no texto constitucional.

            O poder disciplinar de cada uma das Casas do Congresso, portanto, encontra limites no texto da Constituição Federal (e somente nele), ao qual, como os demais poderes, encontra-se submetido o Poder Legislativo.

            Não basta, pois, ao parlamentar, já punido ou ameaçado de punição (o que pressupõe, na linha de precedente do STF, que já tenha sido instaurado o procedimento disciplinar perante o órgão competente da Câmara ou do Senado [44]), alegar que foi injustiçado, que há ameaça ou já houve lesão a direito subjetivo de que é titular.

            Além de tal alegação, indispensável para que reste configurado o interesse de agir (sob o aspecto da necessidade da tutela jurisdicional), condição da ação sem a qual é inviável o exame do mérito e, conseqüentemente, da concessão do remédio pleiteado, deverá o congressista argüir a existência de violação do texto da Constituição Federal, na parte em que disciplina o processo de perda do mandato. Vale dizer, a alegação deve ser qualificada.

            Sem que haja alegação de violação de alguma das provisões do artigo 55, inciso II e §§ 1º e 2º da Constituição Federal, que disciplinam o processo de cassação de mandato parlamentar [45], o Poder Judiciário não tem jurisdição sobre o caso (a causa de pedir delimita a jurisdição). O processo deve ser extinto, sem exame de mérito, na forma do artigo 267, VI, do CPC. É o que ocorre quando se diz, por exemplo, em decisão monocrática ou colegiada, que "não se conhece" de mandado de segurança.

            Tendo em vista que a controvérsia deve ter natureza constitucional [46], de nada adianta, pois, alegar-se que foram desrespeitadas normas legais e regimentais. No primeiro caso, porque em assuntos internos das casas do Congresso, o regimento faz as vezes de lei, tal como ocorre com os regimentos internos dos Tribunais [47] (os quais, no que diz respeito à organização interna dos órgãos do Poder Judiciário, prevalecem sobre a legislação processual), o que ipso facto afasta a possibilidade de violação a preceito de lei [48]. No segundo, porque a interpretação de normas regimentais, consoante pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal [49], é matéria que escapa ao conhecimento do Poder Judiciário [50].

            Assim, como bem demonstrou o Ministro Carlos Ayres Britto é a própria Constituição Federal que "oferece os indicadores daquilo que seja intra-muros dos Parlamento e daquilo que não seja", isto é, o que é passível de controle pelo Poder Judiciário (especialmente do Supremo Tribunal Federal) e o que, bem ou mal, deve ser solucionado apenas pelo Legislativo:

            "Tudo o que significar direta violação das autoridades do Parlamento a dispositivo constitucional é matéria externa corporis, suscetível de controle por este Supremo Tribunal Federal. Somente o que sobejar dos próprios enunciados da Constituição para se conter nas apertadas fronteiras da legiferação corporativa do Parlamento é que se define pela marca do intra-muros (repise-se), escapando, então, aos misteres controladores que são próprios desta Excelsa Corte de Justiça" [51].

            Demonstrado que o controle jurisdicional do processo de cassação de mandato parlamentar impõe, para que seja examinada a existência ou não de lesão ou ameaça a direito, a alegação de afronta ao texto constitucional, chega-se a conclusão de que o mérito da causa somente [52]será apreciado caso a petição inicial argua que: a) o processo disciplinar não foi instaurado mediante provocação da Mesa da Câmara ou do Senado ou de partido com representação no Congresso Nacional (v.g., por provocação de um ou mais congressistas ou de cidadão); b) a votação não foi secreta; c) não foi atingido o quorum necessário (maioria absoluta); d) não foi assegurada ampla defesa.

            As hipóteses [53] elencadas nos itens a) a c) dispensam maiores explicações. A alegação de violação ao princípio da ampla defesa, contudo, demanda algumas considerações adicionais.

            No direito norte-americano, em que, como o nosso, a Constituição, de forma ampla, outorgou às casas do Congresso competência para disciplinar os seus procedimentos internos, entre os quais o de expulsão de seus membros por conduta incompatível com a dignidade do cargo, tal atribuição encontra limites apenas no próprio texto constitucional, como afirmou a Suprema Corte no caso U.S. v. Ballin, 144 U.S. 1 (1892).

            Entre nós, posição semelhante foi manifestada pelo Ministro Carlos Ayres Britto no MS nº 25.594-DF, ao afirmar que o exame da alegação de violação das garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa no processo de cassação deve ser feita "à luz de dispositivos constantes do próprio acervo normativo da Constituição" [54].

            Aplicando tal entendimento ao tema ora examinado, isto significa que os regimentos internos da Câmara e do Senado devem estabelecer um procedimento que permita ao acusado exercer, minimamente [55], o direito de defesa que lhe foi assegurado pela Constituição Federal (de forma genérica no artigo 5º, LV e de forma específica no artigo 55, § 2º, "in fine"), sob pena de ser reconhecida, em caráter incidental, a inconstitucionalidade da norma regimental [56], e determinada a anulação do processo.

            Caso, todavia, o rito estabelecido seja compatível como o conteúdo mínimo do direito de defesa, ainda que simplificado [57], isto é, que não tenha tantas formalidades quanto um procedimento jurisdicional (criminal ou civil) [58], não há que se falar em violação do princípio da ampla defesa [59]:

            "Quando as normas legais ou regimentais forem de tal forma restritivas à defesa, que não assegurem a sua amplitude, podem até ser declaradas inconstitucionais. Mas se, dentro dos limites da razoabilidade, asseguram uma defesa ampla, não há dúvida de que a lei ou o regimento devem ser cumpridos" [60].

            Não há que se falar em cerceamento de defesa, igualmente, em caso de alegação de descumprimento do regimento interno, eis que tal exame, como já visto, é vedado ao Poder Judiciário.

            Também não cabe ao Poder Judiciário manifestar-se a respeito de decisões relativas à condução do processo (mormente se proferidas com base em interpretação de dispositivos do regimento interno), tais como, por exemplo, o indeferimento de prova reputada protelatória [61] ou a manutenção de prova acoimada de ilícita. E a razão é evidente. Se tais decisões dizem respeito à instrução do processo, somente podem ser tomadas pelo juiz da causa, que como já demonstrado é uma das Casas do Congresso e não o Poder Judiciário.

            Apontadas as matérias que podem ser apreciadas pelo Poder Judiciário, escapam à revisão judicial as demais, em especial (além das que já foram mencionadas): a) a existência ou não do ato (= conduta) imputado ao parlamentar [62]; b) a sua qualificação como ofensivo ao decoro parlamentar; c) a proporcionalidade da sanção aplicada [63].

            Com efeito, ao apreciar tais questões (e aquelas referentes à condução do processo), o órgão legislativo manobra dentro da área de discricionariedade que lhe foi conferida pelo texto constitucional, razão pela qual descabe a sua apreciação pelo Poder Judiciário:

            "Em substância: exercendo atribuições políticas, e tomando resoluções políticas, move-se o poder legislativo num vasto domínio, que tem como limites um círculo de extenso diâmetro, que é a Constituição Federal. Enquanto não transpõe essa periferia, o Congresso elabora medidas e normas, que escapam à competência do poder judiciário. Desde que ultrapassa a circunferência, os seus atos estão sujeitos ao julgamento do poder judiciário, que, declarando-os inaplicáveis por ofensivos a direitos, lhes tira toda a eficácia jurídica" [64].

            Deveras, o julgamento por falta de decoro "transcende os limites da pura legalidade", "pois depende de mil e uma circunstâncias extra-legais" [65] e, além disso, não há como demonstrar objetivamente qual o(s) erro(s) eventualmente existente(s) na decisão, pois ela não se encontra fundamentada, de tal forma que, nas hipóteses acima, a sua revisão pelo Poder Judiciário resultaria, simplesmente, na substituição do subjetivismo da maioria qualificada de uma das Casas do Congresso pelo subjetivismo da maioria simples de um Tribunal [66].

            Via de conseqüência, apenas a Câmara dos Deputados e o Senado sobre elas poderão se manifestar, como bem ressaltou o Ministro Paulo Brossard em seu voto no Mandado de Segurança nº 21.360-DF: "Segundo a Constituição, a perda do mandato por falta de ‘decoro parlamentar’ ‘será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal’, e por ninguém mais, por mais alta que seja sua autoridade e mais eminentes suas atribuições" [67].

            Contra tal entendimento, costuma-se objetar que não estabelecer limitação à atuação do Parlamento é dar margem ao arbítrio [68], especialmente no tocante à qualificação de determinada conduta como indecorosa (um parlamentar poderia ser cassado por qualquer motivo, ainda que não tivesse feito nada que atentasse contra a honra da instituição).

            Ora, em primeiro lugar, se não existem limites é porque a própria Constituição Federal não os instituiu, remetendo a definição dos casos de falta de decoro parlamentar aos regimentos internos [69]. Logo, o que se pretende é criticar a justiça do modelo adotado pela Constituição, o que é juridicamente inaceitável. Por outro lado, não se há de confundir a ausência de limites com a ausência de controle, que pode ou não ser jurisdicional [70]. Em segundo lugar, se os membros do Congresso podem errar, também o podem os Ministros do Supremo Tribunal Federal, de modo que reduzir o número de julgadores não contribui para tornar mais legítima a decisão, mormente diante da ausência de preceito constitucional expresso autorizando a revisão judicial. Por fim, se decidir por último (o que é uma exigência da segurança jurídica) pode ser considerado, por definição e a priori, ser arbitrário, todos os órgãos jurisdicionais que julgam alguma causa em última ou única instância também o são [71]. Em temas como cassação de mandato e impeachment a opção que se colocou ao Poder Constituinte não era entre um julgamento parcial e um julgamento justo, mas entre a absoluta irresponsabilidade política e o risco de parcialidade no julgamento [72], tendo a Constituição preferido a segunda.

            Por outro lado, não se deve procurar soluções para problemas constitucionais com base em argumentos ad terrorem, a partir de casos hipotéticos que até hoje não ocorreram e que talvez (para não dizer provavelmente) jamais ocorrerão. À semelhança do que salientam, a respeito do impeachment, autores norte-americanos, a falta de decoro, embora não se limite a tanto [73], tende a se identificar com a prática de ilícitos penais e, quanto a estes, parece não haver dúvidas que é cabível a cassação de mandato, caso a maioria da Câmara ou do Senado julgue que é inaceitável a permanência de um criminoso ou contraventor no seu meio.

            Outrossim, não havendo limitação no texto constitucional, o ato atentatório ao decoro parlamentar poderá ter sido praticado no exercício do mandato ou fora dele, tanto na vida privada do parlamentar como no exercício de outro cargo, como de Ministro de Estado [74], Secretário Estadual ou Municipal ou chefe de missão diplomática temporária (artigo 56, I, da CF).

            Assim é nos Estados Unidos, em caso de impeachment [75] ou de expulsão de congressista [76] e assim deve ser no Brasil:

            "É imprescindível à honra e ao decoro parlamentar que em todas as circunstâncias da vida cotidiana o sujeito tenha uma conduta digna: nas suas obrigações como pai, marido, filho, empresário ou trabalhador, contribuinte e, por fim, representante político. Não é possível postular meia honra – em apenas uma esfera social – pois a honra rejeita a fragmentação do sujeito. Afinal, trata-se sempre da mesma pessoa" [77].

            Como bem ponderou o Ministro Nelson Hungria, "o procedimento que pode ser reputado incompatível com o decoro parlamentar não é só aquele que o acusado tenha tido no seio da corporação legislativa a que pertence, senão também fora dele, mas com evidente ricochete sobre a dignidade da corporação" [78].

            O que importa é que o fato seja capaz de abalar a confiança do povo no parlamentar e no próprio Congresso.

            Não se exige, ainda, a contemporaneidade entre o ato e o mandato parlamentar, como tem decidido o Supremo Tribunal Federal, sendo cabível a punição disciplinar ainda que o ato tenha ocorrido em outra legislatura [79] ou antes mesmo de o acusado ter adquirido o status de parlamentar.

            A falta de decoro, a imoralidade, não prescrevem (ainda que o fato também seja tipificado como crime e, como tal, possa prescrever), embora, a critério dos membros da Câmara ou do Senado, possam ser relevadas, considerados a gravidade da ofensa (uma briga na juventude não tem o mesmo peso que a prática de tortura, por exemplo) e o tempo decorrido.

            Via de conseqüência, entendemos que uma nova eleição do congressista (após o prazo da inelegibilidade) cujo mandato foi cassado não impede que a Câmara ou o Senado volte a aplicar, uma vez mais, a medida disciplinar.

            Veja-se, nesse sentido, a lição do preclaro PINTO FERREIRA:

            "A desqualificação do parlamentar não impede que ele venha a candidatar-se novamente. Eventualmente pode reeleger-se. Mas sobra, ainda, à Câmara, o exercício do seu poder para cassar novamente o mandato do dito membro" [80] (grifou-se).

            Idêntica, ainda, deve ser a solução caso o congressista tenha renunciado para escapar à punição e seja novamente eleito, em eleição imediatamente subseqüente ou posterior.

            Sem razão, neste particular, o entendimento de que "os fatos ou atos imputados devem ser de ocorrência posterior à eleição", pois os "anteriores à eleição são de se presumirem [81] conhecidos do eleitorado, que é o juiz máximo da conduta de seus homens públicos" [82].

            Com efeito, nos Estados Unidos, em que, como no Brasil, a Constituição não limita neste aspecto o poder disciplinar da Câmara e do Senado, diz-se que na prática o Congresso não cassa um mandato com base em fatos passados se os eleitores deles tinham conhecimento e assim mesmo escolheram aquele indivíduo para ser o seu representante. Trata-se, porém, de uma orientação política do Congresso, e não de falta de autoridade, pois tanto a Câmara quanto o Senado aplicaram outras penalidades (p.e., censura) aos seus membros por má conduta anterior, ainda que ela fosse de conhecimento dos eleitores [83].

            Como bem lembrou o Ministro Celso de Mello, "o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorrputíveis" [84]. Não se trata, contudo, de um direito individual e disponível, do qual possa abrir mão parcela dos eleitores (para escolher criminosos como seus representantes), mas de um direito difuso e indisponível, pertencente a toda coletividade. Os eleitos não são mandatários de seus eleitores, no sentido que o termo tem no direito civil, mas representantes do povo, como um todo, embora tenham recebido os votos de apenas parte dele.

            Logo, nem o Poder Judiciário, nem uma parcela reduzida do povo (em alguns Estados, bastam poucos milhares de votos para eleger um deputado), podem impor a qualquer das Casas do Congresso Nacional a convivência com indivíduos de conduta moral duvidosa.


V) CONCLUSÃO

            Pelo exposto, entendemos, à luz do texto da Constituição Federal e dos mecanismos por ela adotados para garantir a harmonia e independência dos Poderes da República, bem como da experiência do direito comparado, que o Poder Judiciário somente tem jurisdição para apreciar decisão proferida por qualquer das casas do Congresso Nacional, no exercício da atribuição que lhes foi expressamente outorgada pela Constituição (artigo 55), em caso de alegação de violação a um dos requisitos formais constantes do texto constitucional, sendo-lhe vedado, portanto, o exame de outras questões, de natureza interna corporis, como a existência ou não do ato imputado ao parlamentar, a sua qualificação como ofensivo ao decoro parlamentar e a proporcionalidade entre o ato e a sanção aplicada.

            Vale dizer, embora se reconheça que ao Poder Judiciário, e ao Supremo Tribunal Federal em especial, cabe o "gravíssimo encargo de fazer prevalecer a autoridade da Constituição" [85], tal encargo restringe-se ao que foi disciplinado pelo próprio texto constitucional, não alcançando o que foi objeto de delegação a outro Poder, sendo vedado ao STF, a pretexto de defender a Constituição, transformar-se em juiz de uma causa para a qual o texto constitucional escolheu outro julgador.


NOTAS

            01 Cf. QUEIROZ FILHO, Gilvan Correia de. O Controle Judicial de Atos do Poder Legislativo. Brasília: Brasília Jurídica, 2001; SILVA FILHO, Derly Barreto e. Controle dos Atos Parlamentares pelo Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 2003.

            02 "PERDA DE MANDATO ELETIVO. QUESTÃO RESERVADA A COMPETÊNCIA INTERNA DOS CORPOS LEGISLATIVOS DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DOS MUNICÍPIOS, SOBRE A QUAL NÃO FOI DISCRIMINADA A COMPETÊNCIA QUER DA JUSTIÇA COMUM, QUER DA JUSTIÇA ELEITORAL" (STF – 2ª Turma – Recurso Extraordinário nº 32.756-BA – Rel. Min. Ribeiro da Costa – j. 18.12.56 – m.v. – RTJ 3/74).

            03 Cf. SILVA FILHO, Derly Barreto e. Controle dos Atos Parlamentares pelo Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 87-89.

            04 Cf. STF –Tribunal Pleno – Recurso em Mandado de Segurança nº 2.343-GO – Rel. Min. Abner de Vasconcelos – j. 09.08.54 – v.u.; STF – Tribunal Pleno – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 10.141-CE – Rel. Min. Ribeiro da Costa – j. 06.05.64 – v.u.; STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 21.861-DF – Rel. Min. Néri da Silveira – j. 29.09.94 – m.v.; STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 23.388-DF – Rel. Min. Néri da Silveira – j. 25.11.99 – v.u.; STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 23.529-DF – Rel. Min. Octavio Galotti – j. 27.09.00 – m.v.;

            05 Cf. WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. São Paulo: CPJ/CEBEPEJ, 1999. p. 111.

            06 Cf. BROSSARD, Paulo. O Impeachment. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 181.

            07 Cf. STF – Tribunal Pleno – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 2.319-SP – Rel. Min. Nelson Hungria – j. 04.01.54 – v.u.; STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 8.893-SC – Rel. Min. Ribeiro da Costa – j. 09.08.61 – v.u.;

            08 Cf. Voto vencido do Ministro Marco Aurélio no MS nº 23.529-DF.

            09 Cf. Direito Administrativo Brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 639.

            10 Cf. "Decoro parlamentar e cassação de mandato eletivo". Revista de Direito Público, n. 10, out./dez., 1969. p. 92.

            11 Cf. Cf. STF – Mandado de Segurança nº 24.458-DF – Rel. Min. Celso de Mello – j. 18.02.03.

            12 Cf. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 193.

            13 "Perderá, igualmente, o mandato o Deputado ou Senador cujo procedimento seja reputado, pelo voto de dois terços dos membros de sua Câmara, incompatível com o decoro parlamentar".

            14 "Nos casos dos itens I e II, a perda do mandato será declarada, em votação secreta, por dois terços da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, mediante provocação de qualquer de seus membros, da respectiva Mesa, ou de Partido Político".

            15 Cf. MASKELL, Jack. Expulsion, Censure, Reprimand, and Fine: Legislative Discipline in the House of Representatives. Washington, DC: Library of Congress, Congressional Research Service. 2002. p. i.

            16 Cf. RAWLE, William. A View of the Constitution of the United States. 2. ed. Philadephia: Philip H. Nicklin, 1829. p. 47.

            17 Cf. STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 21.360-DF – Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio – j. 12.03.92 – m.v. – JSTF 180/125.

            18 Cf. STF – Mandado de Segurança nº 24.458-DF – Rel. Min. Celso de Mello – j. 18.02.03.

            19 Cf. TEIXEIRA, Carla Costa. A Honra da Política – Decoro Parlamentar e Cassação de Mandato no Congresso Nacional (1949-1994). Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1998. p. 44.

            20 "Nor is this power to be viewed in an unfavourable light. It is a privilege, not of the members of either house; but, like all other privileges of congress, mainly intended as a privilege of the people, and for their benefit" (STORY, Joseph. Commentaries on the Constitution. v. 2. Boston: Hilliard, Gray and Company, 1883. p. 307).

            21 Cf. Direito Constitucional. 5. ed. v. I. t. I. São Paulo: Max Limonad, [s.d.]. p. 285.

            22 Após negar a possibilidade de controle jurisdicional do impeachment, afirmou CHARLES L. BLACK que o único resultado da tentativa judicial de rever uma decisão do Congresso seria uma terrível crise constitucional (Impeachment: A Handbook. New Haven: Yale University Press, 1998. p. 61).

            23 Cf. Derly Barreto e. Controle dos Atos Parlamentares pelo Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 35.

            24 Cf. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 112.

            25 "O conteúdo e o alcance do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, também conhecido por princípio da proteção judiciária, dependem fundamentalmente da organização político-constitucional do Estado, vale dizer, do seu direito positivo" (WATANABE, Kazuo. Controle Jurisdicional e Mandado de Segurança contra Atos Judiciais. São Paulo: RT, 1980. p. 7).

            26 Cf. STF – Tribunal Pleno – MS nº 20.941-DF – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – j. 09.02.90. – m.v.

            27 Cf. BARBALHO, João. Constituição Federal Brasileira, 1891 (Comentada). Brasília: Senado Federal, 2002. p. 97-100; BROSSARD, Paulo. O Impeachment. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 138-143; DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. I. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 324; GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em sua Unidade II. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 42; MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 457 (citando voto do Ministro Paulo Brossard no MS nº 21.689-DF); SEABRA FAGUNDES, M. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 140.

            28 Hamilton refere-se ao Senado como "tribunal para o julgamento de impeachments", ressaltando o seu caráter judicial (Hamilton et alii. Os Artigos Federalistas 1787-1788. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 416), opinião que é seguida por BRYCE (The American Commonwealth. v. I. Indianapolis: Liberty Fund, 1995. p. 100) e STORY (Commentaries on the Constitution. v. 2. Boston: Hilliard, Gray and Company, 1883. p. 227). Idêntico é o entendimento de William Rawle, segundo o qual no julgamento do impeachment o Senado é um tribunal superior (high court) e de sua decisão, que tem natureza judicial ("the decision... is a judicial one"), não cabe recurso (appeal). O mesmo autor ainda menciona a jurisdição de cada um dos órgãos legislativos (jurisdiction of the legislative body), isto é, da Câmara e do Senado, sobre seus membros (A View of the Constitution of the United States. 2. ed. Philadephia: Philip H. Nicklin, 1829. p. 46).

            29 Na Questão de Ordem na Petição nº 1.365-DF decidiu o Supremo Tribunal Federal que a renúncia do Presidente Collor não fez cessar a "jurisdição do Senado Federal", para prosseguir no julgamento do processo de impeachment. Segundo o Ministro Carlos Velloso, ao julgar o comportamento do parlamentar o Congresso age como um "autêntico tribunal", embora seja órgão que não integra o Poder Judiciário (STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 21.360-DF – Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio – j. 12.03.92 – m.v. – JSTF 180/125). No RMS nº 12.388-SP afirmou o Ministro Francisco Falcão que "a cassação de mandato eletivo é situação em que os integrantes do Poder Legislativo exercem a função jurisdicional" (STJ – 1ª Turma – Recurso Ordinário em MS nº 12.388-SP – Rel. Min. Francisco Falcão – j. 18.12.01 – v.u.).

            30 Cf. STF – Tribunal Pleno – Petição (QO) nº 1365-DF – Rel. Min. Néri da Silveira – j. 03.12.97 – v.u.

            31 É o sistema de jurisdição dupla: "O sistema de jurisdição dupla, de origem francesa, caracteriza-se pela existência paralela de duas ordens de jurisdição: a jurisdição ordinária comum e a jurisdição administrativa, destinada a julgar litígios que envolvem a Administração Pública. A jurisdição administrativa ou contencioso administrativo forma um conjunto escalonado de juízes ou tribunais administrativos, encabeçados por um órgão supremo, de regra denominado Conselho de Estado, independente do tribunal supremo da jurisdição ordinária e cujas decisões representam a última instância" (MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 3. ed. São Paulo: RT, 1999. p. 432).

            32 Cf. Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 105.

            33 "Se é certo que só o Judiciário julga crimes e a seus autores aplica a pena criminal, é igualmente certo que só a Câmara julga a ocorrência de falta de decoro parlamentar e aplica ao faltoso a sanção adequada, que nada tem com a sanção penal" (Voto do Ministro Sepúlveda Pertence no MS nº 21.443-DF).

            34 Cf. TJRJ – 17ª Câmara Cível – Apelação Cível nº 2005.001.03324 – Rel. Des. Edson Vasconcelos – j. 22.06.05 – v.u.

            35 Nixon v. United States, 506 U.S. 224 (1993).

            36 "The process of disciplining a Member in the Congress is not without countervailing risks of abuse since it is not surrounded with the panoply of protective shields that are present in a criminal case. An accused Member is judged by no specifically articulated standards 13 and is at the mercy of an almost unbridled discretion of the charging body that functions at once as accuser, prosecutor, judge, and jury from whose decision there is no established right of review".

            37 Admitindo-se que fosse possível realizar algum julgamento com a exclusão dos parlamentares partidários e adversários do acusado, o número de julgadores seria tão pequeno que comprometeria e legitimidade do resultado .Em boa hora, portanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu serem aplicáveis ao processo de impeachment apenas as hipóteses de impedimento e suspeição previstas na Lei nº 1.079/50 (STF – Tribunal Pleno – MS nº 21.623-DF – Rel. Min. Carlos Velloso – j. 17.12.92 – m.v. – RTJ 167/414), entendimento que é igualmente aplicável ao processo de cassação de mandato.

            38 Mais do que uma decisão sem "fundamentação expressa", como entendeu o Ministro Néri da Silveira no MS nº 21.861-DF, trata-se de decisão sem fundamentação alguma, como vislumbrou o Ministro Moreira Alves no MS nº 21.360-DF ("... será um julgamento judiciário sem motivação") e reconheceu o Ministro Carlos Velloso no MS nº 21.861-DF ("... não se exige dos parlamentares, que julgam o seu par, decisão fundamentada"), o que, a nosso ver, impede a substituição da decisão da maioria dos membros da Câmara ou do Senado, absolutória ou condenatória, por uma decisão judicial, eis que não há como demonstrar, objetivamente, quais foram os erros da decisão "recorrida".

            39A identidade de natureza entre a cassação de mandato e o impeachment foi bem ressaltada por PONTES DE MIRANDA, em seus comentários ao artigo 35 da CF/67: "Dois terços da câmara a que pertence o congressista podem cassar (é bem o termo) o cargo do deputado ou senador cujo procedimento seja, a juízo desses dois terços, incompatível com o decoro parlamentar, ou atentatório das instituições vigentes. É o impeachment. Ato político, não sujeito a controle judicial, salvo se não tivesse havido o quanto de votos acordes na destituição do deputado ou senador ..." (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969. t. III. São Paulo: RT, 1970. p. 39). Por tal razão, aplicam-se ao processo de cassação muitas das considerações formuladas pela doutrina e pela jurisprudência, nacionais e estrangeiras, a respeito do impeachment.

            40 Cf. BRITTO, Carlos Ayres. "O ‘impeachment’ na Constituição de 1988. Revista de Direito Civil,Imobiliário, Agrário e Empresarial, Revista dos Tribunais, n. 58, out./dez., 1991, p. 139.

            41 Anteriormente, o quorum era de dois terços. De qualquer forma, exigindo-se a maioria absoluta dos votos é virtualmente impossível (ou pelo menos altamente improvável) que ocorra a cassação do mandato sem que haja o voto concordante de membros de diversos partidos, de diversas correntes ideológicas, o que afasta o risco de utilização do instituto como instrumento de vingança política.

            42 Conforme aduziu o Chief Justice Rehnquist em Nixon v. United States, invocando a lição de Hamilton nos Artigos Federalistas (Capítulo LXXIX).

            43 "O Parlamento recebeu, dos cidadãos, não só o poder de representação política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes dos demais Poderes" (STF – Mandado de Segurança nº 24.458-DF – Rel. Min. Celso de Mello – j. 18.02.03).

            44 Como demonstrou, de forma irrespondível, o ilustre Ministro Carlos Ayres Britto no Mandado de Segurança nº 25.594-DF: "Se já existe processo que vise ou possa levar à perda do mandato, é porque já existe pelo menos um parlamentar formalmente posto na condição de acusado. Ao contrário, se ainda não se deu a abertura desse tipo de processo, é porque também ainda não existe sequer um parlamentar formalmente posto na condição de acusado" (STF – MS nº 25.594-DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – j. 17.10.2005).

            45 "A perda do mandato de Deputados e Senadores é tema de explícita previsão constitucional. Quero dizer: a Constituição Republicana chamou para si a regulação da matéria. E o fez para arrolar as hipóteses de perda de mandato, os conteúdos a conduta incompatível com o decoro parlamentar, as instâncias responsáveis pelo respectivo processo e as garantias outorgadas aos processados (artigo 55 da CF)" (STF – MS nº 25.594-DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – j. 17.10.2005).

            46 "Sempre que se discute se é constitucional ou não, o ato do poder executivo, ou do poder judiciário, ou do poder legislativo, a questão judicial está formulada, o elemento político foi excedido, e caiu-se no terreno da questão jurídica" (PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1, de 1969. t III. São Paulo: RT,1970. p. 644). Entendemos, porém, que a questão não deixa de ser política; torna-se política e constitucional.

            47 "Em relação à economia interna dos tribunais a lei é o seu regimento. O regimento interno dos tribunais é lei material. Na taxinomia das normas jurídicas o regimento interno dos tribunais se equipara à lei" (STF – Tribunal Pleno – ADI(MC) nº 1105-DF – Rel. Min. Paulo Brossard – j. 03.08.94 – m.v.).

            48 Vale dizer, encontrando-se a matéria relativa à cassação de mandato parlamentar disciplinada pelo regimento interno, como determina a Constituição (artigo 55, § 1º), não é cabível a edição de lei a esse respeito, nem, muito menos, a aplicação analógica de leis que estabelecem "juízos e procedimentos concebidos para o modo típico de atuar do Poder Judiciário" (STF – MS nº 25.594-DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – j. 17.10.2005), que não foram impostos pelo próprio texto constitucional.

            49 Cf. STF – Tribunal Pleno – MS nº 20.464-DF – Rel. Min. Soares Muñoz – j. 31.10.84 – v.u. – RTJ 112/598; STF – Tribunal Pleno – MS nº 20.471-DF – Rel. Min. Francisco Rezek – j. 19.12.84 – v.u. – RTJ 112/1023; STF – Tribunal Pleno – Agravo Regimental no MS nº 21.754-DF – Rel. Min. Francisco Rezek – j. 07.10.93 – m.v.; STF – Tribunal Pleno – MS nº 22.183-DF – Rel. Min. Marco Aurélio – j. 05.04.95 – m.v.; STF – Tribunal Pleno – MS nº 22.503-DF – Rel. p/ Acórdão Min. Maurício Corrêa – j. 08.05.96 – m.v. – RTJ 169/181; STF – Tribunal Pleno – MS nº 24.356-DF – Rel. Min. Carlos Velloso – j. 13.02.03 – m.v.

            50 Em nossa opinião, mais do que mera restrição, no plano horizontal, à cognição do órgão jurisdicional, trata-se de ausência de jurisdição sobre o assunto (no MS nº 24.356_DF alude o Ministro Sepúlveda Pertence ao "critério dos atos interna corporis como excludentes da jurisdição dos tribunais"), embora tanto em um como noutro caso o resultado prático seja idêntico (extinção do processo sem julgamento de mérito). Caso, todavia, se trate de conflito entre o regimento e a Constituição Federal ou entre o regimento e lei (o que ocorreu, por exemplo, quanto ao procedimento de impeachment), há questão constitucional a ser solucionada pelo Poder Judiciário (STF – Tribunal Pleno – MS nº 20.941-DF – Rel. p/ Acórdão Min. Sepúlveda Pertence – j. 09.02.90 – m.v. – RTJ 142/88; STF – Tribunal Pleno – MS (MC-QO) nº 21.564-DF – Rel. Min. Octavio Galotti – j. 10.09.92 – m.v.).

            51 Cf. STF – MS nº 25.594-DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – j. 17.10.2005.

            52 É evidente que também seria inconstitucional a aplicação de pena não prevista pela Constituição (v.g., prisão ou inelegibilidade perpétua) ou com base em fato que a própria acusação reconhecesse não configurar falta de decoro. Tais hipóteses, porém, são por demais aberrantes, e portanto não foram consideradas.

            53 Em todas as hipóteses cuida-se de aspectos formais. O controle jurisdicional, todavia, é possível não por se serem as questões de ordem formal, mas por ter sido a forma (e apenas a forma) disciplinada pela Constituição, o que é coisa bem diferente

            54 Cf. STF – MS nº 25.594-DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – j. 17.10.2005.

            55 Segundo PONTES DE MIRANDA, embora não exista um "conceito a priori de defesa", "existe algo mínimo, aquém do qual não mais existe defesa" (Comentários à Constituição de 1967 – Com a Emenda n. 1, de 1969. t. V. 2. ed. São Paulo:RT, 1971. p. 234). A ampla defesa, portanto, tem um conteúdo mínimo, como afirmou o Supremo Tribunal Federal (STF – 1ª T – RE nº 266.397-PR – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – j. 09.03.2004 – v.u.), em função do qual, em nossa opinião, o parlamentar acusado deve ter o direito de: a) ser citado pessoalmente (admitindo-se a citação por hora certa ou por edital quando houver suspeita de ocultação); b) apresentar a sua defesa em prazo razoável; c) produzir provas (cabendo ao órgão competente avaliar a sua pertinência e relevância); d) manifestar-se sobre as provas produzidas após a apresentação da sua defesa. "

            56 O regimento é lei em sentido material e, portanto, sujeita-se ao controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.

            57 Pois a amplitude de defesa deve ser entendida "em conformidade com a natureza do processo a que está submetido o interessado" (Voto do Ministro Octavio Gallotti no MS nº 21.360-DF).

            58 Ou mesmo um processo de impeachment, que também tem natureza política, como ressalta a doutrina norte-americana: "Membros do Congresso dos Estados Unidos não são removidos através de um processo de ‘impeachment’ perante o legislativo, como os ocupantes de cargos do Executivo e Judiciário, encontrando-se sujeitos a um processo legislativo mais simplificado de expulsão" ("Members of the Unites States Congress are not removed by way of an ‘impeachment’ procedure in the legislature, as are executive and judicial officers, but are subject to the more simplified legislative process of expulsion") (MASKELL, Jack. Expulsion, Censure, Reprimand, and Fine: Legislative Discipline in the House of Representatives. Washington, DC: Library of Congress, Congressional Research Service. 2002) (grifou-se).

            59 Por exemplo, decidiu o STF que o direito à ampla defesa "não encerra, necessariamente, a representação do parlamentar por profissional da advocacia, a ponto de impor, a qualquer das Casas do Legislativo, a admissão deste na Tribuna" (STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 21.360-DF – Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio – j. 12.03.92 – m.v. – JSTF 180/125).

            60 Cf. Voto do Ministro Sydney Sanches no MS nº 21.360-DF.

            61 No caso específico do indeferimento de prova, sequer é possível ao Poder Judiciário aquilatar se a prova que deixou (ou deixará) de ser produzida influiria (ou influirá) ou não no resultado do julgamento, eis que não se trata de processo técnico-jurídico, mas político-jurídico, a que os magistrados não se encontram afeitos. É nesse sentido que se deve compreender o voto proferido pelo Chief Justice de Grey, do King’s Bench, no julgamento do caso Brass Crosby (95 Eng. Rep. 1005, 1771), em que se discutia a revisão judicial de decisão proferida pelo Parlamento inglês no exercício do seu poder disciplinar: "...este Tribunal não pode conhecer de uma decisão da Câmara dos Comuns, porque não pode julgar pela mesma lei; pois a lei com base no qual os Comuns julgam as suas prerrogativas nos é desconhecida... a lei parlamentar é conhecida apenas pelos membros do Parlamento, pela experiência vivida na Câmara..." ("... this Court cannot take cognizance of a commitment by the House of Commons, because it cannot judge by the same law; for the law by which the Commons judge of their privileges is unknown to us… the law of Parliament is only known to Parliament-men, by experience in the House…").

            62 Se em um processo judicial, civil ou criminal, é necessária certeza para proferir condenação (entendendo-se por certeza um grau de probabilidade em que os elementos de convicção favoráveis à condenação preponderam sobre os desfavoráveis), isto não ocorre em um processo de cassação de mandato parlamentar (ou de impeachment). Aos parlamentares, tal como se dizia da mulher de César, não basta serem honestos, é preciso parecerem honestos, de modo que mesmo indícios e presunções podem autorizar a aplicação da pena de cassação.

            63 Cf. STJ – 1ª Turma – Recurso Ordinário em MS nº 12.388-SP – Rel. Min. Francisco Falcão – j. 18.12.01 – v.u. Em sentido contrário: STJ - 1ª Turma – Recurso Ordinário em MS nº 14.170-AP – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – j. 25.06.02 – m.v.

            64 Cf. LESSA, Pedro. Do Poder Judiciário. Brasília: Senado Federal, 2003. p. 65-66.

            65 Cf. Voto do Ministro Sepúlveda Pertence no MS nº 21.443-DF.

            66 Em caso de impeachment e de cassação de mandato, a legitimidade da decisão decorre, em grande parte (além da observância do procedimento estabelecido na CF e no regimento), do número de julgadores e do fato de serem os Deputados e Senadores eleitos pelo povo, o que torna temerário, a nosso ver, a substituição do entendimento de 41 ou mais Senadores ou 257 Deputados pelo de 6 Ministros do Supremo Tribunal Federal. Como Hamilton, acreditamos que a liberdade "para determinar a honra ou a infâmia das figuras mais respeitadas e destacadas da comunidade proíbe a entrega dessa missão a um pequeno número de pessoas" (Hamilton et alii. Os Artigos Federalistas 1787-1788. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 418).

            67 Cf. STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 21.360-DF – Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio – j. 12.03.92 – m.v. – JSTF 180/125.

            68 Cf. Voto do Ministro Nelson Hungria no ROMS nº 2.319-SP, voto vencido do Ministro Marco Aurélio no MS nº 23.529-DF,

            69 "O Magno Texto Federal não teve a intenção de exaurir a regulação de tudo quanto diga respeito a perda de mandato parlamentar. E tanto não exauriu, que dele mesmo se contém autorização para que regimento interno possa definir outras condutas incompatíveis com o decoro parlamentar (§ 1º do artigo 55)" (STF – MS nº 25.594-DF – Rel. Min. Carlos Ayres Britto – j. 17.10.2005).

            70 O único "recurso" cabível é o apelo à opinião pública. Assim, se o Poder Judiciário se tornasse a última instância de julgamento, entraria na "arena política" (é a chamada "judicialização da política"), expondo-se a toda sorte de ataques, que poderiam resultar no comprometimento da sua autoridade.

            71 É a lição de RUI BARBOSA, citado pelo Ministro Sepúlveda Pertence em seu voto no MS nº 21.443-DF: "Em todas as organizações políticas ou judiciais sempre há uma autoridade extrema para errar em último lugar. O Supremo Tribunal Federal, não sendo infalível, pode errar, mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, de decidir por último, de dizer alguma cousa que deva ser considerada como erro ou como verdade. Isto é humano".

            72 Cf. BROSSARD, Paulo. O Impeachment. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 174.

            73 "A sanção disciplinar imposta pela Câmara dos Deputados difere da natureza da condenação criminal; é processada em outra instância que a do Poder Judiciário, cabendo privativamente à Câmara dos Deputados" (STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 21.443-DF – Rel. Min. Octavio Gallotti – j. 22.04.92 – v.u.).

            74 Como decidiu o Supremo Tribunal Federal, por expressiva maioria (sete votos a três, vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Eros Grau e Nelson Jobim), ao indeferir pedido de liminar formulado no Mandado de Segurança nº 25.579-DF (acórdão ainda não publicado).

            75 Como ponderou o Deputado Kastenmeier no processo de impeachment do Juiz Federal Harry E. Claiborne, seria absurdo concluir que um juiz que tivesse praticado homicídio, lesão corporal grave, estupro ou espionagem em sua vida particular não pudesse ser removido do seu cargo (Constitutional Grounds for Presidential Impeachment: Modern Precedents. Washington: US Government Printing Office, 1998. p. 6).

            76 Em 1797 o Senador William Blount, por votação quase unânime, foi expulso por fato não relacionado ao exercício do mandato parlamentar (STORY, Joseph. Commentaries on the Constitution. v. 2. Boston: Hilliard, Gray and Company, 1883. p. 299-300).

            77 Cf. TEIXEIRA, Carla Costa. A Honra da Política – Decoro Parlamentar e Cassação de Mandato no Congresso Nacional (1949-1994). Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1998. p. 47.

            78 Cf. STF – Tribunal Pleno – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 2.319-SP – Rel. Min. Nelson Hungria – j. 04.01.54 – v.u.

            79 Cf. STF – Tribunal Pleno – Mandado de Segurança nº 23.388-DF – Rel. Min. Néri da Silveira – j. 25.11.99 – v.u.; STF – Mandado de Segurança nº 24.458-DF – Rel. Min. Celso de Mello – j. 18.02.03.

            80 Cf. Comentários à Constituição Brasileira. v. 3. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 28.

            81 Não se trata de presunção, muito menos prova de que, na opinião de seus eleitores, o parlamentar não praticou nenhuma ofensa ou já foi punido o suficiente, como pretendeu JAMES WILSON ("Legislative Department, Lectures on Law". In: Works. v. 1. 1791. p. 420) ao comentar dispositivo da Constituição do Estado da Pennsylvania. De qualquer forma, a Constituição da Pennsylvania vedava expressamente que o parlamentar fosse expulso mais de uma vez pela mesma causa ("not a second time for the same cause"), restrição que não consta nem da Constituição dos Estados Unidos, nem da Constituição Brasileira.

            82 Cf. Voto do Ministro Paulo Brossard no MS nº 21.360-DF.

            83 Cf. MASKELL, Jack. Status of a Member of the House Who Has Been Convicted of a Felony. Washington, DC: Library of Congress, Congressional Research Service. 2002. p. 5-6.

            84 Cf. STF – Mandado de Segurança nº 24.458-DF – Rel. Min. Celso de Mello – j. 18.02.03.

            85 Cf. STF – Mandado de Segurança nº 24.458-DF – Rel. Min. Celso de Mello – j. 18.02.03.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. Controle jurisdicional do processo de cassação de mandato parlamentar por falta de decoro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 864, 14 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7596. Acesso em: 28 mar. 2024.