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UNIÃO ESTÁVEL, DIVÓRCIO, INVENTÁRIO E USUCAPIÃO

ATUAÇÃO DO ADVOGADO NO ÂMBITO EXTRAJUDICIAL: EMPODERAMENTO

UNIÃO ESTÁVEL, DIVÓRCIO, INVENTÁRIO E USUCAPIÃO. ATUAÇÃO DO ADVOGADO NO ÂMBITO EXTRAJUDICIAL: EMPODERAMENTO

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Neste breve ensaio buscamos evidenciar as vantagens da utilização dos meios extrajudiciais na resolução de problemas, salientando a importância da atuação do Advogado junto às serventias extrajudiciais.

  1. Âmbito Extrajudicial – Cartórios de Notas e RGI

Objetiva o presente artigo ressaltar a importância da atuação do Advogado nos procedimentos do âmbito extrajudicial, aqui entendidos especificamente aqueles realizados junto às Serventias Extrajudiciais com atribuições de Notas e RGI – sem com isso descartar a possível e existente atuação do mesmo junto ao Cartórios de RCPN e RCPJ, que apenas não será abordada no presente para fins de delimitação do tema.

Há mais de uma década a população passou a experimentar um novo contexto de soluções mais rápidas, condizentes com o comando constitucional egresso da EC 45/2004 que garante a todos a razoável duração do processo, bem como a celeridade[1]. O Judiciário, não de hoje, passa por uma verdadeira crise onde – em que pese o louvável e reconhecido esforço dos seus operadores – não se observam respostas rápidas na tramitação dos processos. Neste panorama, nos primeiros dias de janeiro de 2007 foi promulgada a Lei nº. 11.441 tornando possível a realização em Cartórios Extrajudiciais da Separação, do Divórcio e do Inventário consensuais, sem qualquer intervenção ou homologação judicial. A regulamentação veio logo depois, em abril daquele ano, pelo CNJ através da Resolução 35/2007, colmatando lacunas de regulamentação de algumas Consolidações Normativas dos Tribunais ainda não adaptados.

Num breve resumo é preciso esclarecer que os cartórios executam suas atribuições com estrita observação aos preceitos legais, especialmente os princípios e regras emanados do Direito Notarial e Registral, principalmente aqueles egressos da Lei de Registros Públicos (Lei Federal nº. 6.015/73), além das normas da Lei dos Notários e Registradores (Lei Federal nº. 8.935/94, que por sua vez regulamenta o art. 236 da CRFB/88), do Código Civil, dos atos normativos do CNJ, além dos atos normativos do Tribunal de Justiça e da Corregedoria Geral da Justiça que por Lei[2] e expressa definição na Constituição[3] fiscalizam as atividades extrajudiciais.

É preciso gizar também que no âmbito extrajudicial não há juiz presidindo os atos “processuais” como ocorre na seara judicial. Tecnicamente, na verdade, não há nem mesmo processo mas sim procedimento. Os atos retratados neste artigo (União Estável, Divórcio, Inventário e Usucapião) tem em comum justamente o fato de não terem partes mas sim interessados (não pode existir conflito). Nos atos resolvidos no âmbito extrajudicial não terá lugar a litigiosidade pois, justamente o que buscou o fenômeno da desjudicialização foi retirar do Judiciário todos aqueles atos onde inexistia litígio e, por isso, poderiam ser resolvidos pelos Cartórios conferindo ao Judiciário a melhor utilização dos seus recursos nas demandas onde realmente são necessários e na resolução de conflitos. Considerando também a inexistência de um Juiz para a resolução dos casos é preciso, especialmente por isso, prestigiar aqui o trabalho do Advogado que em conjunto com o Oficial do Cartório serão responsáveis pela realização do direito, que tem o mesmo valor e importância que aquele oriundo da via judicial: a solução alcançada no extrajudicial em nada perde para aquela alcançada por sentença judicial. Na verdade, ouso dizer que a solução alcançada no extrajudicial justamente por ter sido construída também pelos interessados, em acordo, incensada a consensualidade, tem uma conotação ainda mais nobre que aquela imposta pelo Estado Juiz: aqui prestigiou-se a legítima vontade das partes. Essa é também uma das metas da moderna concepção de direito e justiça, retratada expressamente em diversas passagens do novo CPC (Lei Federal 13.105/2015): o incentivo à composição, à medição, conciliação e a mudança de cultura. Por todo esse cenário é que se deve mais do que nunca reforçar o empoderamento, a importância e responsabilidade do Advogado na construção e realização do direito dos seus constituintes em conjunto com a atuação imparcial e adstrita aos princípios registrais do Oficial do Cartório Extrajudicial, responsável por conferir aos atos formados publicidade, autenticidade, segurança e eficácia nos exatos moldes do art. 1º da Lei nº. 8.935/94.

O advogado que voltar sua advocacia para a atuação no âmbito extrajudicial encontrará com certeza um ambiente diferente do Judicial a que está habituado: pouquíssimas serventias extrajudiciais hoje em dia ainda possuem acervo não informatizado. Há inclusive por parte dos Tribunais e do CNJ diversos atos normativos voltados para a modernização daquelas poucas unidades que ainda não possuem pelo menos planos com metas para a digitalização de todo seu acervo (os Cartórios possuem acervos eternos. Não é possível o descarte das informações registradas, em que pese seja possível a conversão do acervo papel para meios eletrônicos cf. atos regulamentares). Os Cartórios Extrajudiciais, especialmente aqueles geridos por novos concursados, já mudaram o conceito de entidades burocráticas que só atrapalhavam a vida do cidadão (vide os louváveis “Ofícios da Cidadania”): hoje estão presentes nas redes sociais, na internet e até mesmo em aplicativos, facilitando muito a vida das pessoas e por isso mesmo revelando o quão importantes são para o desenvolvimento da sociedade. O profissional atuante no âmbito extrajudicial deve se especializar sempre e continuamente (como em qualquer outra área do Direito e do conhecimento...) e aqui deve estar sempre familiarizado não só com Leis Federais, Estaduais e Municipais mas principalmente com as normas locais dos Tribunais, assim como os atos oriundos do CNJ pois como visto são esses quem regulamentam e fiscalizam as atividades dos Cartórios Extrajudiciais.

  1. União Estável – da formalização do Contrato Escrito à Dissolução na forma do CPC/2015

A união estável – outrora denominada “União Livre” se caracteriza quando preenchidos os requisitos reclamados pela Lei Civil (art. 1.723 do CCB/2002, com leitura constitucionalizada ditada pelo STF por ocasião do julgamento das ADI 4277 e ADPF 132).

Não é necessária qualquer formalização documental para que se constitua União Estável pois esse não é um dos requisitos reclamados pelo art. 1.723 do CCB[4]. De toda forma, sabe-se que, via de regra, valerá na União Estável, no que couber, as disposições relativas ao regime da Comunhão Parcial de Bens. Para que o casal possa afastar o referido regime (e sim, pactuar o regime da comunhão universal de bens, participação final nos aquestos, separação de bens ou até mesmo criar um regime misto, personalizado, na forma do permissivo do Código Civil) será preciso entabular um contrato escrito, que por sua vez a Lei não exige seja feito por Escritura Pública – podendo ser feito por Instrumento Particular, inclusive.

É recomendável que o referido contrato – haja vista sua importância e os efeitos que dele poderão advir, especialmente de cunho patrimonial, além das diversas cláusulas que poderão ser incluídas no contrato, como modificação do sobrenome etc – seja preparado por Advogado, porém a Lei não fez tal exigência.

De se ressaltar, por importante – em que pese não ser permitida a aplicação de restrições por analogia – a doutrina e a jurisprudência entendem que devem ser aplicadas à União Estável também as restrições direcionadas ao Casamento, por exemplo, na questão da escolha do regime de bens, verbis:

STJ. AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.299.964/DF. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. NORMA VIGENTE À ÉPOCA DO INÍCIO DA UNIÃO ESTÁVEL. DECISÃO MANTIDA. 1. "É obrigatório o regime de separação legal de bens na união estável quando um dos companheiros, no início da relação, conta com mais de sessenta anos, à luz da redação originária do art. 1.641, II, do Código Civil, a fim de realizar a isonomia no sistema, evitando-se prestigiar a união estável no lugar do casamento" (REsp 1403419⁄MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 11⁄11⁄2014, DJe 14⁄11⁄2014). (GRIFEI).

Importa observar que o Provimento 37/2017 do CNJ ao regulamentar o registro da União Estável nos Cartórios do Registro Civil, quando não tratou do reconhecimento pela via judicial (tendo como base o título “Sentença Judicial”) tratou do reconhecimento pela via extrajudicial indicando expressamente o título base como uma “Escritura Pública” (e não um Contrato por Instrumento Particular).

A novidade do CPC/2015 (art. 733) foi a possibilidade da dissolução da União Estável em Cartório, por Escritura Pública, desde que preenchidos idênticos requisitos exigidos pela para o desate do Casamento pela via administrativa, quais sejam, inexistência de filhos menores ou incapazes, acordo entre o casal e assistência obrigatória de Advogado.

Da mesma forma que na Separação e Divórcio Consensuais inexiste regra de competência de foro ou territorialidade, podendo o casal escolher qualquer Tabelionato de Notas para viabilizar a extinção da União Estável.

De posse do título materializando o desate (que pode inclusive, à luz do regime de bens aplicável na espécie, conter partilha de bens) as averbações poderão ser realizadas tanto a margem de eventual Escritura de União Estável (no Tabelionato de Notas) quanto no RCPN, cf. regras do referido Provimento 37/2017 do CNJ.

No que tange a alteração do regime de bens na União Estável na vigência do relacionamento (tal como previsto expressamente pelo art. 734 do CPC/2015 e par. 2º do art. 1.639 do CCB/2002) inexiste previsão para sua aplicação no âmbito da União Estável, ordenando alguns julgados seja feita apenas com autorização judicial. O Conselho da Magistratura do TJRJ já se debruçou sobre a hipótese:

TJRJ. Processo 0045537-46.2016.8.19.0004. Conselho da Magistratura. Des(a). MARIA AUGUSTA VAZ MONTEIRO DE FIGUEIREDO - Julgamento: 21/06/2018 - Reexame Necessário. (...). Requerimento para lavratura de Escritura de Alteração de Regime de Bens, com a finalidade de alterar o regime de comunhão parcial de bens pactuado na Escritura Declaratória de União Estável, passando a vigorar o regime da separação absoluta de bens. Sentença orientou os requerentes a apresentar o pleito na esfera judicial. Inexistência de recurso. (...). Necessidade de se percorrer a via judicial. Aplicação do art. 1639, §2º, do CC/02 e do art. 734 do Novo Código de Processo Civil à União Estável. Segurança jurídica que se visa preservar. Sentença de que se mantém, em reexame necessário. (GRIFEI).

Particularmente pensamos que o procedimento de alteração do regime de bens poderia ser desjudicializado – tal como já ocorre com os atos objeto do presente ensaio – especialmente quanto a União Estável. Na verdade se na esfera extrajudicial é possível o mais (o Divórcio, com inventário e partilha de bens), com a devida previsão legal deveria ser permitido o menos (o inventário e partilha de bens com nova pactuação de regime, sem qualquer dissolução de casamento).

  1. Divórcio Extrajudicial

O Divórcio Extrajudicial é oriundo da Lei 11.441/2007 (juntamente com a Separação e o Inventário Extrajudicial) e a partir da promulgação da referida Lei se tornou possível o desfazimento do Casamento diretamente nos Tabelionatos de Notas desde que preenchidos os requisitos legais, quais sejam: inexistência de filhos menores ou incapazes do casal, inexistência de litígio entre o casal e assistência obrigatória de Advogado.

Inicialmente era exigível o prazo de 01 (um) ano da separação judicial ou comprovada separação de fato por mais de 02 (dois) anos para que fosse possível o Divórcio Extrajudicial porém a EC 66/2010 modificou tal regramento extinguindo tais prazos (anote-se que não extinguiu o instituto da Separação como alguns defendiam, já tendo inclusive o STJ se manifestado por sua permanência no ordenamento jurídico).

O desenlace pela via extrajudicial é rápido e descomplicado e pode ser feito em qualquer Cartório de Notas do Brasil, inexistindo qualquer regra de territorialidade ou foro, podendo até mesmo ser utilizada procuração por instrumento público. Na verdade a regulamentação do Divórcio Extrajudicial também se deu pela Resolução 35/2007 do CNJ e suas posteriores modificações que passaram a permitir, por exemplo, a realização do Divórcio com o Advogado cumulando função de Assistente e mandatário de uma das partes e, de outra forma, passando a exigir, por exemplo, que seja declarado no ato que o ex-cônjuge virago não ostenta estado gravídico, inexistindo nascituro.

É preciso anotar ainda – pois alguns, pasmem, desconhecem – ser possível inclusive no âmbito extrajudicial realizar as mesmas formas de partilha e divisão de patrimônio amealhado pelo casal por conta do matrimônio. Dessarte, em Cartório será possível dividir o patrimônio, recolhendo os impostos devidos quando for o caso, servindo o título para as devidas anotações nos mais diversos órgãos (Detran, Registro de Pessoas Jurídicas, Juntas Comerciais, Registro de Imóveis, Estabelecimentos Bancários etc). Da mesma forma que no Divórcio Judicial, em Cartório também é possível que o Divórcio seja alcançado sem que haja prévia partilha, situação em que os bens permanecerão em mancomunhão, podendo posteriormente ser resolvidos mediante Escritura Pública de Inventário e Partilha dos bens do ex-casal.

A estipulação de pensão alimentícia é plenamente possível no âmbito extrajudicial e a Escritura poderá ser utilizada como prova para os descontos devidos, tendo a mesma validade e serventia que teria o acordo se pela via judicial fosse entabulado. Futuros ajustes no acordo de pensão poderão também ser entabulados pela via extrajudicial através de Escritura Pública, com assistência obrigatória de Advogado cf. regra do art. 44.

Por fim, que recentes modificações na Consolidação Normativa, espelhando regramentos locais de outros Estados, passaram a permitir, por exemplo, o Divórcio Extrajudicial mesmo com filhos menores, desde que as questões relativas a guarda, visitação e alimentos estejam previamente resolvidos em processo judicial[5].

  1. Inventário Extrajudicial

Também oriundo da Lei 11.441/2007 o Inventário Extrajudicial representa um grande marco na desjudicialização; através dele a regularização de bens de pessoas falecidas passou a ser possível diretamente nos Cartórios de Notas com a realização da Escritura de Inventário e Partilha (ou Adjudicação, na hipótese de apenas um beneficiário), desde que preenchidos os seguintes requisitos legais: inexistência de Testamento, inexistência de interesse de menores ou incapazes, acordo entre os interessados e assistência obrigatória de Advogado.

Da mesma forma que o Divórcio Extrajudicial, a realização do Inventário pela via cartorária não exigirá qualquer competência de foro e regras de territorialidade: o Cartório a ser escolhido para a lavratura da Escritura de Inventário será o da escolha dos interessados.

Todo e qualquer bem pode ser resolvido na esfera extrajudicial, devendo ser recolhido o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis), observadas as regras estaduais, especialmente questões relativas a incidência de multas.

Importa ressaltar grande vantagem do Inventário Extrajudicial que diz respeito a possibilidade de desistência de processos judiciais trazendo para resolução em Cartório os referidos feitos (desde que é claro observados e preenchidos os requisitos legais), o que pode representar grande economia de tempo e dinheiro para as partes. Também importa recordar que a forma extrajudicial aplica-se também para casos de falecimentos ocorridos antes da vigência da Lei 11.441/2007. Ademais, é preciso não descurar do caráter facultativo do procedimento já que se tem notícia de que nos primórdios da promulgação da Lei, ainda que presente sua regulamentação através da Resolução 35/2007 do CNJ, diversos processos judiciais eram sentenciados com improcedência por alegada ausência de condições da ação:

TJRJ. Processo 0039608-37.2013.8.19.0004 – APELAÇÃO. Des(a). FERDINALDO DO NASCIMENTO - Julgamento: 30/01/2014 - DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL. (...). Sentença a quo que julgou extinto o feito na forma do art. 267, VI do CPC ao fundamento de falta de interesse processual, em razão do advento da Lei nº 11.441/2007, que possibilita a abertura de inventário extrajudicial pelos interessados. Apelo ofertado pela inventariante. Modificação do decisum. Error in procedendo. Realização de inventário extrajudicial que se mostra facultativo, mesmo em se tratando de herdeiros maiores e capazes. A norma inserta no artigo 982 do CPC, com nova redação que lhe foi dada pela lei 11.441/2007 faculta ao interessado ingressar pela via judicial ou extrajudicial no processo de inventário. Desta forma, descabe a extinção do feito por falta de interesse de agir, na medida em que a via extrajudicial é uma faculdade do interessado, e não uma obrigatoriedade, sob pena de vulneração do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição. Aplicação do disposto no art. 557, §1º-A, do CPC. Precedentes deste E. TJRJ. APELO PROVIDO. (GRIFEI).

Importante questão que precisa ser lembrada diz respeito ao Inventário envolvendo direitos oriundos de União Estável. No procedimento manejado pela via extrajudicial será possível, cf. regra dos arts. 18 e 19 da Resolução 35/2007 do CNJ resolver os direitos de herança do companheiro sobrevivente, bem como sua meação.

A sobrepartilha poderá ser feita em Cartório através de nova escritura, ainda que o Inventário originário tenha se dado pela via judicial (regra do art. 25).

Alterações recentes na Consolidação Normativa, acompanhando inovações em outros Estados, passaram a admitir inclusive Inventário Extrajudicial com Testamento válido, o que por certo representa grande avanço na utilização do procedimento.

Em suma, não se desconhece as diversas vantagens do procedimento em Cartório, muito mais célere e econômico, devendo ser ressaltado, inclusive, que na sua tramitação as partes poderão lançar mão de Renúncia à Herança, Cessão de Direitos Hereditários e de Meação etc – tudo viabilizado por meio de outras Escrituras Públicas. A Escritura Pública originada servirá para realização dos direitos entabulados, não sendo necessária qualquer homologação ou intervenção judicial.

Por fim que entre linhas a Resolução 35 do CNJ abre previsão para a realização de outros atos extrajudiciais relacionados aos Atos da Lei 11.441/2007, dentre eles: Escritura de Inventário Negativo, Escritura de Sobrepartilha de bens, Escritura de Ajuste de Retificação de Cláusulas de Obrigações Alimentares, Escritura de Retificação Unilateral de Nome, Escritura de Restabelecimento de Sociedade Conjugal, Escritura de Inventário e Partilha por Cessionário de Direitos Hereditários (e/ou Direitos de Meação), Inventário e Partilha das Verbas da Lei 6.858/80 (FGTS, PIS etc).

  1. Usucapião Extrajudicial

A mais nova das ferramentas do âmbito extrajudicial tem tamanha importância e serventia na sociedade onde se noticia que, pelo menos metade dos imóveis no País são irregulares[6] (em torno de 30 milhões de imóveis). Trata-se da Usucapião Extrajudicial, a ser realizada diretamente nas Serventias Extrajudiciais, com assistência obrigatória de Advogado.

A Usucapião Extrajudicial nasceu por conta da modificação na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) trazida pelo NCPC/2015. Originalmente ela exigia a anuência dos proprietários registrais, em clara diferenciação ao tratamento conferido na Usucapião realizada na esfera extrajudicial – o que feria de morte a efetividade do novel procedimento.

A modificação veio com a Lei 13.465/2017 que, dentre outras alterações, passou a permitir a realização da Usucapião Extrajudicial interpretando-se o silencio dos interessados como concordância (par. 2º do art. 216-A da LRP).

Da mesma forma que ocorre no Inventário Extrajudicial, o procedimento em Cartório – nitidamente facultativo – permite a resolução de casos já instaurados por Processo Judicial (que não raro demoram muito mais que o processo extrajudicial), sendo facultado às partes, cf. regra do par. 2C do art. 2º da Provimento CNJ 65/2017 requerer a suspensão ou desistência da via judicial em prol da adoção da via extrajudicial.

A regulamentação da Usucapião em Cartório prossegue com o Provimento 65/2017 do CNJ que tratou de diversas questões pormenorizadas na tramitação da Usucapião Extrajudicial, tornando plenamente possível a utilização da nova ferramenta.

Em linhas gerais o procedimento deve ser iniciado no Cartório de Notas com a realização da Ata Notarial para reconhecimento de posse para fins de Usucapião. Esta pode ser feita sem a assistência do Advogado porém de todo é recomendável sua participação (o que, salvo melhor juízo, já deve ser recomendado antes mesmo da Ata Notarial pois o Advogado Especialista pode evitar gastos e perda de tempo se identifica já nas primeiras consultas que o caso não poderá ser resolvido através de Usucapião).

Em que pese a Usucapião Extrajudicial tenha sido um projeto idealizado desde 2009 por Notários e Registradores[7] se tem notícia de diversas serventias extrajudiciais (pelo menos no Estado do Rio de Janeiro) que se recusam ou dificultam o procedimento, o que de plano se revela um tremendo desserviço, à própria classe cartorária, à classe advocatícia, aos entes públicos, e especialmente aos cidadãos.

A bem da verdade deve ser salientado que a atividade exercida por Notários e Registradores, em caráter privado, é Pública, originária do Estado, e por delegação conferida aos particulares, mediante concurso de provas e títulos cf. art. 236 da CRFB/88. Os oficiais não podem recusar a prestação do serviço se não estiverem embasados em motivo justificado em Lei e, em respeito ao basilar principio da legalidade, jamais devem se afastar da observação da Lei e seus consectários normativos, emanados dos órgãos competentes. Dessa forma, revela-se flagrante e abusiva a recusa à realização do procedimento sem qualquer base legal – que permita inclusive socorrer-se os interessados do procedimento de dúvida a que alude o art. 198 da LRP[8]. O TJSP por ocasião da Recurso Administrativo nº 0048142-07.2015.8.26.0100, julgado em 07/08/2017, já se manifestou sobre o caráter obrigatório das atividades cartoriais, inadmitindo a recusa ao dever legal da sua atuação, verbis:

“Pelo princípio da rogação ou demanda, uma vez manifestado pelas partes a intenção de efetivarem o ato notarial sob a responsabilidade legal do notário, passa este a ter o dever legal de atuação, somente podendo recusar-se em casos de impedimento legal, físico ou ético, dúvida quanto à identidade ou capacidade das partes, dentre outros. Não se mostra, ao notário, uma opção entre realizar ou não o ato notarial estando ausentes impedimentos legais, cabendo a ele a penas o exercício da qualificação do ato pretendido e a orientação das partes quanto a eventual eficácia ou ineficácia do ato. Mas recusar-se a fazê-lo, sem que haja impedimento legal absoluto, não lhe será lícito.

É doutrina clássica a de que a função notarial, por ser pública, não comporta discricionariedade quanto à sua prestação.

Isto corresponde ao direito de escolha do notário pelo cliente, assim como se molda pelo fato de o liame da confiança e o notário ser assimétrico, ou seja, basta que o cliente confie no notário.

Assim, a prestação notarial é de caráter obrigatório, e não a pode recusar o notário escolhido, ressalvadas as hipóteses legais de impedimento subjetivo, nulidade (incluindo o quadro dos delitos) e impossibilidade física. Neste sentido, por brevidade de causa: GOMÁ SALCEDO. Derecho notarial. 2ª ed., Barcelona: Bosch, 2011, p. 54.” (GRIFEI).

Isto posto, a Ata Notarial deve ser lavrada pelo Tabelionato de Notas responsável pela situação do imóvel e, item obrigatório que é, comporá o rol dos documentos que deverão ser juntados pelo Advogado para a tramitação no RGI responsável pelo registro do imóvel.

De se pontuar que a Usucapião Extrajudicial não representa um “novo direito”: na verdade ele representa uma nova via para se alcançar o mesmo bem da vida que alcançado seria na via judicial – só que muito mais rapidamente, com econômica de tempo e dinheiro.

A tramitação no Cartório de Imóveis, competente pelo registro do imóvel de acordo com a divisão estabelecida pelo Poder Judiciário local, de acordo com a classificação da melhor doutrina[9] envolverá fases que devem ser do cabal conhecimento e experimentação do Advogado, quais sejam: o Ingresso do título, a Autuação, a Análise formal dos documentos, a Busca no Registro de Imóveis, a Admissibilidade do pedido, a Notificação por falta de assinatura do titular registral e confinantes, a Intimação dos entes públicos, a Publicação de Edital, a Nota fundamentada e o Registro.

Não se desconhece que durante a tramitação poderão ocorrer incidentes como impugnação de quaisquer dos interessados: o Advogado deverá conhecer bem a regulamentação do procedimento bem como todo o funcionamento do complexo instituto da Usucapião, além das questões afetas ao Direito Imobiliário assim como o Direito Notarial e Registral.

Dada sua importância o TJSP já de manifestou sobre a questão da adoção da Usucapião Extrajudicial como regra em detrimento da via Judicial, senão vejamos:

TJSP. Processo 1016275-71.2018.8.26.0003. (...) O CPC de 2015 (art. 1.071) inseriu na Lei de Registros Públicos o art. 216-A, que trouxe para o sistema jurídico brasileiro a usucapião administrativa geral, aplicável para a aquisição de qualquer direito imobiliário usucapível. Essa modalidade extrajudicial passa a ser a regra, deixando a via judicial como medida excepcional. Basta verificar que o regramento da usucapião judicial no CPC/2015 é escasso, tratado como processo comum, e não mais de rito especial. A via administrativa, de outro lado, foi regulamentada em detalhes e minúcias, o que denota, certamente, a preferência da lei. Ponto muito importante é que, na esfera extrajudicial, o silêncio dos interessados, dentre eles, o proprietário, importará aceitação da usucapião (art. 216-A, § 2º, da Lei nº 6.015/73), não sendo necessária a anuência expressa do titular do domínio. Para além dessas considerações técnicas, a experiência mostra que os procedimentos que tramitam nas Serventias Extrajudiciais são notavelmente mais céleres e, ainda assim, alcançando precisamente os mesmos resultados encontrados por meio da via judicial e com a mesma segurança (v.g. inventários, partilhas, divórcios e separações extrajudiciais; retificações imobiliárias administrativas etc.). Tudo isto considerado, e na esteira do que determina o art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, bem como das balizas fixadas pelo atual Diploma de processo (nomeadamente arts. 3º, § 2º; 4º; 6º e 8º), diga a parte autora se tem interesse na realização da usucapião administrativa. (GRIFEI).

Como já se disse neste breve ensaio, nos atos extrajudiciais não há Juiz presidindo o procedimento, lhe dando impulso. Há sim o Oficial do Registro primando pela legalidade do procedimento, movido pela imparcialidade que a Lei lhe exige e, junto aos interessados, o Advogado, de assistência obrigatória exigida em Lei, que deve primar pela impecável assistência de seus constituintes, lhes orientando e buscando a melhor solução para o caso.

  1. Conclusão

O direito não se realiza apenas através da caneta do juiz, na sentença judicial: ele também se concretiza e se realiza no Cartório Extrajudicial com o carimbo e assinatura do Oficial de Registro, e em muitos atos com a assistência obrigatória do Advogado, na forma da Lei.

É preciso desmistificar que a solução para o direito das pessoas apenas pode ser viabilizada na esfera judicial. O judiciário está em crise e a promessa de prestação jurisdicional efetiva pelo Estado com celeridade deve ser entendida não só como aquela oriunda dos órgãos judiciais mas também e principalmente como aquela oriunda dos Cartórios Extrajudiciais por meio dos seus Delegatários, investidos mediante concurso público, cujas atividades são normatizadas e fiscalizadas pelo próprio Poder Judiciário, tudo na forma da Lei.

O Advogado, por sua vez, precisa entender do funcionamento do âmbito extrajudicial e suas vantagens para a advocacia que exerce. Se o jurisdicionado não pode esperar a solução dos seus problemas em longos e custosos processos o Advogado também não pode ver sua atividade injustamente desacreditada por conta justamente da demora na tramitação dos processos.

O Advogado tem um papel muito importante na atuação na esfera extrajudicial: diferentemente do Oficial – que deve primar pela imparcialidade, primando precipuamente pela observância dos princípios registrais – o causídico deve atuar na defesa do interesse do seu constituinte, embasado e conhecendo todas as soluções possíveis no âmbito extrajudicial. O Advogado não pode ser mero expectador, assistente: deve ter visão e participação ativas no procedimento que se constrói no interior das Serventias Extrajudiciais.

Na oportunidade é preciso pontuar que muito já se fez com a desjudicialização dos procedimentos aqui falados porém muito ainda podemos avançar. A Usucapião Extrajudicial até o presente momento trata apenas de bens imóveis (na seara judicial é plenamente possível a usucapião de bens móveis). Em Cartório, havendo a devida previsão legal, poderia ser possível também a Usucapião de Bens Móveis, assim como a Alteração do Regime de Bens no Casamento (como já tive oportunidade de discorrer em artigo anterior[10]), o Divórcio Impositivo (que brevemente existiu, por Ato do TJPE originariamente, porém foi suspenso pelo CNJ), a Adjudicação Compulsória Extrajudicial, dentre outros tantos procedimentos.

É preciso ter consciência do empoderamento que a desjudicialização confere ao Advogado e aos Oficiais das Serventias Extrajudiciais e todos juntos devem trabalhar para construir a cultura do alcance da justiça por esta outra via.

A importância da Mediação e da Consolidação como meios alternativos de realização da Justiça devem ser diariamente prestigiados por todos os operadores do Direito e pela Sociedade. Como já disse Rui Barbosa em célebre passagem “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada”.


[1] Art. 5º.....................................................

................................................................

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

[2] Art. 37. A fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos artes. 6º a 13, será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos.

        Parágrafo único. Quando, em autos ou papéis de que conhecer, o Juiz verificar a existência de crime de ação pública, remeterá ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

[3] Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

[4] Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

[5] Art. 310. As partes devem declarar ao Tabelião, no ato da lavratura da escritura, a inexistência de filhos comuns ou, havendo, que são absolutamente capazes, indicando seus nomes e as datas de nascimento e, ainda, que o cônjuge virago não se encontra em estado gravídico ou ao menos, que não tenha conhecimento sobre essa condição.

§ 1°. Havendo filhos menores ou nascituro, será permitida a lavratura da escritura, desde que devidamente comprovada a prévia resolução judicial de todas as questões referentes aos mesmos (guarda, visitação e alimentos), o que deverá ficar consignado no corpo da escritura.

[6] https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/07/28/interna-brasil,774183/imoveis-irregulares-no-brasil.shtml. Consulta em 30/07/2019.

[7] http://registrodeimoveis1zona.com.br/wp-content/uploads/2016/07/O-PROCEDIMENTO-DA-USUCAPI%C3%83O-EXT.pdf. Consulta em 30/07/2019.

[8] Art. 198 - Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimí-la, obedecendo-se ao seguinte (...).

[9] COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. Usucapião extrajudicial. 2. ed. rev. e atual. Salvador : Editora JusPodivm, 2019.

[10] https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=15846


Autor

  • Julio Martins

    Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

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