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Serendipidade, bricolagem, consiliência

métodos de trabalho e de investigação

Serendipidade, bricolagem, consiliência: métodos de trabalho e de investigação

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Serendipidade é o achado de algo inesperado, sem dúvida, mas que consta da ânsia de qualquer cientista. É a força do acaso, certamente, mas só perceptível pelo espírito preparado.

RESUMO: O texto traz uma narrativa de experiência pessoal em que a atividade de investigação do pesquisador será anteposta, relacionada, entrelaçada com a própria linha de pesquisa do Programa de Mestrado: construção do saber jurídico. Essa experiência de pesquisa que se iniciou em 2001, e que só agora encontrou uma outra fase de amadurecimento, aplicando-se com mais consciência o método que aqui se chama de serendipidade. Em essência, é um ensaio sobre metodologia da pesquisa científica e do árduo trabalho da investigação do mundo real/virtual, que se realiza no dia-a-dia. No entanto, é bom que se diga que esta proposta não reflete de modo algum a posição oficial da instituição e nem de sua coordenação — sendo de responsabilidade única do pesquisador. Em uma linha, serendipidade é a pesquisa ao acaso, mas não necessariamente do acaso.

PALAVRAS-CHAVE: Método; Direito; Serendipidade; Experiência; Produção do Saber Jurídico.


SUMÁRIO: 1) A Produção do Saber Jurídico; 2) A Serendipidade no Cotidiano; 3) Algumas Críticas ou Outras Razões do Bricolé; 4) A Rede de Conhecimento é Serendípica; 5) A Rede de Conhecimento é Consiliente?; 6) A Paciência Científica; 7) O Gato de Dois Rabos; 8) É Preciso Crescer Junto, Naturalmente; 9) Adendos; 9) Bibliografia.


A Produção do Saber Jurídico: quando o objeto procura o pesquisador

            Essa experiência pessoal levou em conta duas necessidades: a) adequação aos objetivos gerais da linha de pesquisa; b) desenvolvimento da própria linha de pesquisa e dos possíveis métodos de investigação empregados, uma vez que o objetivo geral é descrito em poucas linhas. O que se confirma na descrição a seguir:

            Linha de Pesquisa 1: Construção do saber jurídico.

            Esta linha tem por objetivo a investigação e a reflexão crítico-filosófica sobre o surgimento e o desenvolvimento do saber jus-filosófico, integrando as perspectivas epistemológicas, éticas, econômicas, políticas e culturais que informam esse saber. Sem desconsiderar os autores da antigüidade clássica e medievais, serão enfatizados o estudo e a reflexão sobre a construção do Direito moderno, nas suas diferentes vertentes teóricas, assim como sobre os aspectos fundamentais da constituição e da organização jurídico-política da sociedade e suas transformações (Folder Publicitário [01]).

            Neste sentido, procuramos [02] observar o mundo contemporâneo — suas transformações culturais, sociais, tecnológicas — como desafio à dogmática jurídica e aos paradigmas que lhes deram sustentação até o presente: a exemplo do contratualismo clássico, do Estado Jurídico e do assim chamado moderno constitucionalismo.

            Daí que o próprio objetivo do pesquisador foi relacionar a construção do saber jurídico no contexto da sociedade informática (Schaff, 1992), na sociedade em rede, na era da cibercultura (Lévy, 1996) e no enfrentamento do fim do Estado-Nação, além do surgimento obrigatório de novos Saberes/Direitos/Poderes. Em suma, neste quadro complexo em que se encontra o estágio avançado do Estado Capitalista Controlativo (Deleuze, 1992).

            Trata-se de ver/analisar a relação Estado/Direito e Sociedade/Capital como um processo sócio-metabólico (Mészáros, 2002). Portanto, não como uma investigação meramente descritiva e nem indutiva, no sentido de que a dogmática jurídica já está estabelecida, como Direito Posto.

            Trata-se de uma proposta de análise do novo, mas sob a necessária investigação da raiz, de sua radicalidade: uma hermenêutica sócio-metabólica. E mesmo que esse novo não seja tão novo assim, pois é um novo há muito anunciado como potência, virtualidade e virtú – força (Tao të King, 1995): pode-se dizer que "o real significado do vaso está no seu vazio".

            Neste sentido, ao invés de se bater/debater incessantemente pelo Direito Posto, trata-se de investigar um Direito Proposto, bem como não se trata aqui do Direito Imposto (pelo Estado), mas sim do Direito Interposto (pela sociedade). Antes de conclamar à segurança jurídica, à estabilidade, aos princípios da previsibilidade, objetividade, neutralidade, impessoalidade e outros, é preciso inventariar o que podem dizer/desvelar ao mundo jurídico, que se abre no século XXI, a incerteza e os princípios da fractalidade, da indeterminação, do caos e do ócio criativo ou do trabalho vivo, de que trata Negri (2001). Em sentido complementar, a globalização acirrou conflitos, contradições — e entropias (Prigogine, 2002).

            É preciso pensar o Direito como um trabalho de criação do engenho social, não apenas como coerção ou fato social suscetível à dominação ou ao emprego de forças estatais. É preciso pensar o Direito além da ordem dada, posta e estabelecida pelo status quo; portanto, é possível pensar o Direito como parte ativa (não só integrante) seja da sociedade moderna, seja pós-moderna ou, então, ultramoderna (Giddens, 2000).

            Neste campo, portanto, da produção do saber jurídico no século XXI, não basta revisitar criticamente a doutrina, a jurisprudência ou a dogmática jurídica que se acumulou por séculos de tradição no Direito e no Poder de Estado. Pode-se mesmo dizer que hoje há poderes para além do Estado, ou seja, para além do Direito Monista.

            É preciso ter os olhos abertos para isso, para entender que o Direito é um Saber/Poder que se tece/trama junto, como conjunto complexo (Morin, 2000), uma vez que emerge (como demanda social e não pela boca do Estado Monista) também de uma sociedade em rede (Castells, 1999). É preciso pensar o Direito como projeto social, como um jorro (projícere), como transporte de dentro para fora, como abertura e aprofundamento.

            Por isso, o método recomendado é o da serendipidade (Braben, 1996).

            Mas do que se trata e como se opera, na prática, a aplicação de tal método [03]?


A Serendipidade no Cotidiano

            Tentemos uma breve descrição.

            Pela experiência pessoal, a aplicação desse método nos leva do anarquismo, do caos aparente que advém da profusão de dados e de informações, direto à objetividade. Podemos trabalhar com quatro, seis ou até dez textos abertos e em produção contígua, pois a leitura de um mesmo texto pode trazer informações relevantes para compor dois ou mais textos diferentes, como capítulos ou artigos.

            Por isso, é importante ter material de anotação sempre à mão, do computador ao velho e clássico lápis e papel: o sentimento de instrumentalidade do trabalho é enorme. É como se utilizar de um caderno ou fichário de muitas partes para as anotações avulsas e dispersas do mundo real/virtual, para depois organizá-las num único feixe ou texto compartilhado.

            Enfim, vamos do anarquismo à objetividade, mas isto requer ler e estudar constantemente e não ter preguiça de escrever — com tamanha atenção e pesquisa, não é possível que o objeto não procure pelo leitor atento e preparado por leituras anteriores. Isto também leva o pesquisador a realizar revisões constantes do(s) trabalho(s) (provisoriedade), além de alimentar várias estilísticas (muitos estilos, quase um para cada texto [04]). São ensaios constantes, produzidos como breves textos que depois serão alinhavados, tecidos em torno de algo mais coeso. São vários métodos em um só.

            A objetividade aqui é pensada no final do trabalho, da pesquisa, na articulação lógica, coerente dos argumentos ofertados no texto, porém sem qualquer princípio de organização inicial – além dos próprios objetivos gerais de cada texto. Isto é, seria uma objetividade provisória, transitória, convidativa a uma nova leitura e revisão.

            A leitura de uma matéria de jornal, de um capítulo de livro, de um site quando se navega na Web, o aproveitamento de uma conversa informal (na forma de um argumento bem construído), de um folder como o que vimos, tudo, literalmente tudo, pode ser fonte de inspiração para o autor [05]. Basta apenas que selecionemos as informações e as cataloguemos (sem nos preocuparmos com a escrita definitiva [06]) em seus tantos arquivos abertos simultaneamente: como componentes orgânicos de um composto complexo.

            Como vimos, a referência encontrada — até mesmo uma nota de pé de página — pode não se encaixar abertamente, por exemplo, no capítulo três, mas vem como luva para completar/fechar o artigo alfa. Trata-se de leituras sempre objetivas, em que se lê como se estivessem em curso várias pesquisas, tantas quantas o leitor/pesquisador for capaz de organizar em sua própria mente.

            Com o uso do computador (até mesmo limitadamente como máquina de escrever) equivale a ter vários arquivos abertos simultaneamente, preenchidos concomitantemente, como se construíssemos todos os capítulos de uma dissertação ou de uma tese ao mesmo tempo. A leitura que se faz objetivamente visando a um determinado capítulo pode muito bem oferecer elementos ou subsídios para os demais capítulos. Assim, o trabalho é concluído como um todo, todos os capítulos são fechados quase que simultaneamente e não sucessivamente, hierarquicamente, um após outro, como na metodologia tradicional.

            Desse modo, no bom sentido, tudo é apanhado, pois o objeto de pesquisa vem até o leitor — o objeto procura a mente aberta e receptiva, a fim de contar novos segredos. Agora, isso exige paixão pela pesquisa, um quase vício, em que tudo pode ser apropriado construtivamente, uma vez que nos põe em contato constante com o mundo que nos rodeia, não nos apartando da realidade e da sua factualidade.

            Assim, é possível pensar a racionalidade e a objetividade a partir da factualidade, mas esse ato de pesquisar exige o hábito de ler/estudar constantemente, porque os segredos do objeto só se revelam para a mente capaz de perceber quando dados novos são oferecidos pelo mundo real/virtual, mesmo que indiretamente e não tão positivamente.

            É preciso estudar muito para compreender e se apropriar do cavalo encilhado que passa a nossa frente — só uma mente mais atenta, aguçada e apaixonada pelo objeto da pesquisa é capaz de se ligar tão umbilicalmente a ele. Por isso, têm-se idéias, ilações quando se relaxa no banho morno, na espera do aeroporto ou na rodoviária, entre uma aula e outra [07], ou na conversa com os interlocutores escolhidos pela amizade e pela afinidade eletiva, na troca descompromissada e gentil de e-mails.

            A respeito de uma outra questão semelhante, vejamos o seguinte e-mail:

            Parece-me que essas idéias causam desconfortos ainda maiores: antes o cansaço físico, do que o ‘mental’, pois parece que enquanto não ‘validamos’ nosso pensamento (diante dessas novas idéias que vão aparecendo), temos a tendência de continuar ‘teorizando-as’. Enfim, cria-se um ciclo infindável pois, apesar do cansaço físico, tenho quase que instintivamente, a vontade de continuar ‘pensando’ sobre o assunto e quando acho uma ‘resposta’ (ou questão pertinente), vejo-me logo remetido para outra pergunta... enfim um eterno ‘desconforto’ que, na busca da cura, cria outro ‘desconforto’ e assim sucessivamente!. Navegando, de maneira completamente tranqüila na ‘Internet’, já me peguei ‘pensando’ várias vezes assim: — Hum... acho que vou por isso na dissertação. (Uau...dá para acreditar?). Ou seja, apesar de o trabalho estar oficialmente terminado... meu sub-consciente continua a ‘pesquisar’ e ‘tratar/processar’ as informações que leio e quanto mais tento parar de ‘processar/tratar’ mais ele trabalha [08].

            O objeto se apossa do pesquisador, as transformações do mundo real/virtual são a fonte das inquietações, mas é preciso não sucumbir às armadilhas da bricolagem vulgar (recortar-colar). Entretanto, mesmo como bricolagem, ensina Lévi-Strauss que a imaginação e a criatividade levam o autor para além da cópia e da repetição:

            Aliás, subsiste entre nós uma forma de atividade que, no plano técnico, permite conceber perfeitamente aquilo que, no plano da especulação, pôde ser uma ciência que preferimos antes chamar de ‘primeira’ que de primitiva: é aquela comumente designada pelo termo bricolage [...] O bricoleur está apto a executar um grande número de tarefas diversificadas porém, ao contrário do engenheiro, não subordina nenhuma delas à obtenção de matérias-primas e de utensílios concebidos e procurados na medida de seu projeto [...] Há mais, porém: a poesia do bricolage lhe advém, também e sobretudo, do fato de que não se limita a cumprir ou executar, ele não ‘fala’ apenas com as coisas, como já demonstramos, mas também através das coisas: narrando, através das escolhas que faz entre possíveis limitados, o caráter e a vida de seu autor. Sem jamais completar seu projeto, o bricoleur sempre coloca nele alguma coisa de si (1989, pp. 32, 33, 36, 37).

            Essa pesquisa, portanto, não se faz em debates agudos, mas diante e em relação a trocas abertas, insuspeitas, naturais, de pesquisadores aptos e abertos a isso; como se diz, aqui não se produz conhecimento batibocando com o objeto e as verdades estabelecidas.

            Para quem já pôs o método em andamento, experimentando-o, percebe-se que, em pouco tempo, o objeto será dono de si mesmo, dirigindo a pesquisa, endereçando o leitor/pesquisador por entre seus múltiplos esconderijos — daí que quanto mais livre a vontade e a consciência melhor para captar novas impressões do mundo real/virtual.

            Para pesquisar a contemporaneidade, mais do que razão ou vocação (Weber, 1993), é preciso paixão e devoção: trata-se simplesmente de que não se consegue dormir se não se anotar uma idéia que não sai da cabeça.

            É preciso, então, ter amor pela ciência, uma quase-compulsão — para o professor-doutor, trata-se da sensação constante de que não se cansa da iniciação científica, uma após a outra, ou várias ao mesmo tempo, sempre se reinicia ou se dá andamento a alguma investigação, porque não se cansa nunca da experimentação. Sob esse ângulo, a bricolagem também relaciona arte e ciência.

            Com isto, a grande vantagem do método é que o objeto nunca envelhece, literalmente nunca acaba o trabalho — há sempre um fim ou desfecho provisório, e pode logo ali poderá/deverá ser reaberto pelo mesmo sujeito ou por outro.


Algumas críticas ou outras razões do bricolé

            Porém, pode-se alegar, como parte de uma crítica mais severa, que o método nada mais é do que um tiroteio generalizado ou que podemos morrer afogados na areia movediça da incerteza total, diante das aporias, das dúvidas sem fim ou, então, porque estamos presos ao cipoal que nos apanha todos os dias — o que é correto.

            Contudo, também é certo afirmar que esse tiroteio entre método/realidade/objeto (sem que seja batibocando [09]) pode nos dar/trazer bons alvos e/ou lutas que valham a pena ser lutadas. No fundo, na raiz da coisa, o resultado mais profundo, objetivo e claro da pesquisa, só dependendo do tirocínio do autor/leitor e dos seus próprios significados.

            Outra falha ou nuance negativa do método é que, serve muito bem aos desorganizados, porque lhes permite compilar dados para depois pensar, digerir e redigir, com calma e sem o receio de ficar sem material para estudo e análise, mas, por outro lado, em nada estimula a organização.

            Aquele que é desorganizado e intuitivo sairá fortalecido da experiência, porém os mais ordeiros e sistemáticos poderão encontrar/desenvolver outras dificuldades indesejáveis ou até desaprender. Definitivamente, a única autodisciplina que o método estimula vem da pesquisa e da leitura diária, em que se destaca o senso de oportunidade intuitivamente apurado. Esse método da intuição, também revela a boa e a velha desconfiança, sobretudo dos caminhos fáceis e das respostas prontamente respondidas.

            Por essa razão, é um método que ajuda a aguçar a mente, colocando-nos em alerta, à espera do inusitado. É um método claro-escuro, ou seja, nem claro, nem escuro, mas certamente livre das amarras do poder estabelecido (do status quo acadêmico), do famigerado discurso de autoridade (Chauí, 1990). Não é, portanto, tão direto quanto o método claro-escuro ou método do meio-dia de que nos falava Ortega Y Gasset (1991).

            De outra forma, seria interessante que alguém, com esse perfil tradicional ou dogmático, viesse a aplicar o método e depois relatasse se seu ganho na pesquisa foi maior ou se houve comprometimento com o modo como agia anteriormente. Aqui, o acaso (ou a possibilidade) é mais constante do que se imagina, pois serendipidade é encontrar tudo o que os olhos estejam treinados para captar e possam apreender. Este fator ainda o revela como um método de estudos e de formação de cultura geral.

            Não é, portanto, um método rigoroso, mas é sim uma maneira prazerosa de se manter contato com o mundo real/virtual. A informação diária e o estímulo constante à crítica constituem o cerne dessa proposição. É um trabalho em que prevalece muito mais a descoberta do que a consistência planejada: o próprio método foi por nós descoberto por acaso, porque a pesquisa não era sobre metodologia.

            Também podemos dizer que se desenvolve um senso de informalidade — o que não pode ser implicado como sinônimo de superficialidade. E assim encontramos com a serendipidade um verdadeiro substrato ético/técnico, pois profundidade e/ou complexidade não são reflexos da incompreensão ou da falta de clareza.

            Aliás, pelo fato de ler/escrever praticamente todos os dias, o leitor/pesquisador procurará ser claro e objetivo consigo mesmo, uma vez que sempre tem vários trabalhos em andamento. A concisão, portanto, conspira a seu favor, levando-o a ser mais ágil e produtivo, mas quem mais ganha com tudo isso é o leitor final que terá um texto mais limpo e simplificado para assimilar.

            Este refinamento de estilo é algo que ocorre naturalmente, uma vez que resulta da prática de ler/estudar de cada um que se aplica desse modo — vemos ainda que o método auxilia a nos tornarmos mais aplicados. Com exceção de breves partes dos dois próximos itens, o texto foi formulado e revisto em uma semana, devido ao uso do próprio método: um caso de auto-aplicação.

            Como exemplo dessa auto-aplicação (atualização), em rápida pesquisa no Google, foram encontradas 213 referências para serendipidade — incluindo o seu uso na medicina e na anestesiologia: http://www.scielo.br/pdf/rba/v55n2/en_v55n2a10.pdf. Já para consiliência foram encontradas 115 possibilidades e para bricolagem eram 1570 sites disponíveis, destacando-se a idéia de que "são atividades realizadas para o próprio benefício, evitando-se o emprego de especialistas". Para este último termo, há até um grupo de discussões: [email protected] [10].

            Desse modo, tornamo-nos escravos da leitura e da pesquisa.


A Rede de Conhecimento é Serendípica [11]

            Sob essa perspectiva, o caminho de busca por novas formas de comunicação pode então ser designado de serendípico, e não elíptico. Serendipidade é o encontro de algo não procurado:

            O termo serendipidade não é derivado de alguma raiz antiga como a maioria das palavras. Foi criado em 1754, por Horace Walpole, o filho literato do primeiro-ministro britânico sir Robert Walpole, que serviu ao país durante longo tempo. A palavra foi inspirada em um livro persa de contos de fada, Three princes of Serendip, cujos heróis estavam ‘sempre fazendo descobertas acidentais de coisas pelas quais não estavam procurando’. Serendip era o nome popular da época para a ilha que hoje conhecemos como Sri Lanka. Walpole sugeriu que a palavra serendipidade fosse usada para designar a faculdade de fazer descobertas felizes acidentalmente, onde quer que elas acontecessem (Braben, 1996, p. 149).

            É o achado de algo inesperado, sem dúvida, mas que consta da ânsia (alma) de qualquer cientista. É a força do acaso, certamente, mas só perceptível pelo espírito preparado:

            Pasteur, que fez avanços em química, microbiologia e medicina, reconheceu isso e o expressou sucintamente: ‘No campo da observação, o acaso favorece apenas a mente preparada’. Mas, recentemente, o prêmio Nobel, Paul Flory, na ocasião do recebimento da medalha Priestley, a mais alta honra dada pela Sociedade Americana de Química, disse [...] Invenções significativas não são meros acidentes. A visão errônea [ de que elas o são] é amplamente aceita, de tal forma que a comunidade científica e técnica, infelizmente, tem feito pouco para dispersá-la. A casualidade geralmente tem a sua parte, não se pode negar, mas uma invenção é muito mais do que prega a crença popular de ser algo que surge subitamente do nada. Profundidade e amplitude de conhecimento são pré-requisitos virtuais. A menos que a mente esteja totalmente repleta de antemão, a fagulha proverbial do gênio, se ela se manifestar, provavelmente não encontrará nada para incendiar (Roberts, 1993, p.12).

            O objeto só é identificável e apreensível, portanto, pelo espírito dotado de projeto — etimologicamente, o que é capaz de jorrar de dentro e é fecundo. No começo do século, para usar um jargão da época, também o orador da democracia ou o advogado-político testava as defesas políticas depois de muito treinar a lógica do aprender a apreender:

            Se descuidar de trabalhar, de escrever para formar o estilo, de enriquecer a memória, de renovar e aumentar constantemente seu cabedal pela observação, pela reflexão, pela conversação e sobretudo pela leitura, logo estará condenado às repetições enfadonhas, à banalidade, e dentro de pouco tempo à esterilidade intelectual [...] Na improvisação, a fonte só brotará se, previamente, o orador soube acumular uma riqueza oculta de vocabulário, de imagens, de idéias, de conhecimentos apropriados, onde ele apenas terá de servir-se a mancheias quando chegar o momento. Na realidade, a improvisação não é mais que o resultado de um longo trabalho de acumulação [...] De fato, ele os inventa, mas somente no sentido etimológico do termo; ou seja, encontra-os ou os reencontra onde os havia depositado, às vezes muito tempo antes — por suas leituras, estudos, observações —, nos recônditos menos ou mais inconscientes de sua memória [...] Produz-se uma superatividade mental; uma espécie de lucidez interior, uma maior velocidade de pensamento comanda a escolha e a ordem lógica dos argumentos; a fala tanto se afirma como se amplifica, encontra entonações mais cativantes e mais exatas [...] As idéias arrebatam para a luta outras idéias, as imagens vêm emprestar-lhes mais vida, força e cor: o mecanismo intelectual da improvisação está em movimento (Robert, 1997, pp. 26-27).

            Em síntese, é a recompensa que alimenta: "Albert Einstein, ao escrever sobre a motivação dos grandes cientistas, disse que seus esforços contínuos não são inspirados por um plano ou objetivo estabelecido. ‘A inspiração vem de uma fome da alma" (Braben, 1996, p. 40).

            Daí que se pode falar de uma alma (aura?) enriquecida pela memória coletiva, ou simplesmente de uma inteligência coletiva. Não à toa, a rede de conhecimento ainda provoca arrepios na alma da humanidade. Com esse conjunto de meios/métodos é passível de haver conciliação com o mundo real/virtual, e trabalhar em conjunto é ser consiliente.


A Rede de Conhecimento é Consiliente?

            Sim, se pelo termo consiliente [12] entendermos um sentido aproximativo de saltando junto [13], um salto qualitativamente coletivo como requer a rede. De certa maneira, ou de forma mais natural: "Os saltos criativos necessários para revelar alguma faceta nova do comportamento da natureza podem ser de tirar o fôlego e, certamente, conhecemos pouquíssimo a respeito da maneira como treinar nossas mentes para saltar de forma ordenada, por assim dizer" (Braben, 1996, p. 88).

            Não deixa de ser a busca pela inteligência coletiva ou projeto de inteligência coletiva, de que fala Lévy. Mas seu conteúdo depende do que tivermos feito antes, ou seja, o improviso e a criação genial e germinal da rede dependem de nosso próprio estoque individual de ações e de interações:

            Não se trata de milenarismo. Contento-me em apontar uma alternativa. Ou superamos um novo limite, uma nova etapa da hominização, inventando algum atributo do humano tão essencial quanto a linguagem, mas em escala superior, ou continuamos a nos ‘comunicar’ por meio da mídia e a pensar em instituições separadas umas das outras, que organizam, além disso, o sufocamento e a divisão das inteligências. No segundo caso, só teríamos de enfrentar os problemas da subsistência e do poder. Mas, se nos engajássemos na via da inteligência coletiva, progressivamente inventaríamos as técnicas, os sistemas de signos, as formas de organização social e de regulação que nos permitiriam pensar em conjunto, concentrar nossas forças intelectuais e espirituais, multiplicar nossas imaginações e experiências, negociar em tempo real e em todas as escalas as soluções práticas aos complexos problemas que estão diante de nós (Lévy, 1998, pp. 16-17).

            Cremos, assim, que nessa passagem se encontra a súmula da superação democrática e dialética da ciência, da tecnologia, da arte e da política, proposta na idéia da rede e que nos absorve enquanto indivíduos dotados de ação, emoção e capazes de formular projetos individuais e coletivos. Mas engana-se redondamente quem pensa que o trabalho não é árduo e que consome as melhores energias do pesquisador.


A Paciência Científica

            A finalização na aplicação do método da serendipidade exige que tenhamos muita paciência. Na fase final de sua elaboração, o trabalho deve ficar em repouso, imerso, para que depois o autor processe uma leitura fina, muito severa, abrasiva, ácida mesmo, justamente para que os demais leitores/críticos não encontrem ali munição para alimentar considerações realmente destrutivas.

            Esta imersão também é necessária à maturação, essa maturidade necessária à condensação da substância do texto. É preciso finalizar com um tipo de lipoaspiração do excesso de bagagem ou de juízo de valor que pouco agrega nutrientes à demonstração e à discussão do tema. Deve-se, por exemplo, subtrair o excesso de adjetivos, buscando-se no verbo a demonstração da maleabilidade e do movimento do objeto – por isso as metáforas (como vias de transporte dos sentidos) são sempre bem-vindas: como é o caso do próximo item.

            A espera pode provocar certa ansiedade, mas essa fase é fundamental. Porém nem tempo demais, a fim de que tudo pareça estranho ou envelhecido demais, nem tempo de menos, quando ainda não se é capaz de ver os próprios erros. Ao mesmo tempo em que se relaxa da imersão no tema, esse distanciamento retira-nos dessa bitola que foi ver o objeto por tanto tempo. O distanciamento do texto retira a bitola que nos leva a buscar em tudo o que se fez ou leu um nexo causal com o(s) tema(s) abordado(s).

            Esta ansiedade de vermos o trabalho pronto, de vermos esgotados os argumentos de sua construção, pode agora ser recompensada com a abertura de nova frente de trabalho (como processo contínuo de investigação) ou aproveitar um pouco do descanso dos justos. De qualquer modo, é importante que a pesquisa descanse, longe dos olhos, porque só assim, longe dos olhos dos pais, é que a pesquisa irá crescer em maturidade – é como vivenciar relativamente o sentimento de orfandade.

            De modo simples, esse conjunto de ação e de repouso que descrevemos, talvez se aproxime do que Bachelard denomina de paciência científica (a não-pressa em inquirir e debater com o tema), procurando-se na dúvida constante o caminho seguro para o crescimento do espírito científico.

            Com o tempo, aprende-se a ruminar sem que os outros percebam — e ruminar essa verdade em construção é sempre um processo inquietante e prazeroso, como verdadeiro prato que não esfria. Desse modo, sempre teremos uma pesquisa quente e convidativa: aqui, comer não é gula, nem pecado, e nem há prato requentado.

            Como não se retira uma idéia original (produtiva e criativa) a fórceps, a pesquisa é feita em paz (não há angústia, só ansiedade), com o sujeito de bem com o objeto. Por isso, a idéia da força é substancialmente substituída pela força das idéias (parafraseando Florestan Fernandes): não vigora o argumento da força, mas sim a força argumentativa. Isto, é óbvio, é como saborear a força da verdade, e também é o que inebria ainda mais quem já se sente tão possuído por esse estranho e irresistível desejo do objeto.

            Entretanto, mesmo sendo um trabalho que estimula um desejo que nos arrebata, ao mesmo tempo, é lento e no melhor estilo pinga-gotas. Portanto, é esse trabalho de conta-gotas que deverá minar muito mais rapidamente as ditas verdades estabelecidas, até mesmo porque, quando ruir, será uma queda estrondosa. O que também evita o dissabor de que outra verdade retumbante seja apreciada em seu lugar — simplesmente porque o trabalho de formiguinha deveria evitar as tais verdades retumbantes, extasiantes, absolutas, os tais métodos totalizantes, assim como as verdades políticas totalitárias.

            Esta é uma maneira de se fazer pesquisa limpa, bonita, fácil de ser acessada, sempre com muitos links, e sem que seja superficial. Porque, mais uma vez, podemos dizer que a beleza da ciência não precisa estar submersa na carranca do pesquisador ou, o que é pior, na inacessibilidade do texto em si: todos já ouviram dizer que fulano sabe muito, mas para si mesmo, pois não consegue transmitir seus pensamentos. Ora, esta confusão tanto está na fala, quanto no texto impresso.

            A serendipidade, portanto, ajuda a prevenir-se de idéias nebulosas e ainda oferece códigos de acesso irrestrito aos leitores. Com a serendipidade, realmente, a chave de acesso está em cada um dos leitores/autores e, se juntarmos a experiência com a bricolagem, veremos claramente que ler é atuar sobre o mundo real/virtual. Ler é justamente abrir os códigos de ferro, democratizar e distribuir as chaves de acesso, desmistificar o posto e o comando do establishment (como donos do conhecimento estabelecido).

            A combinação entre serendipidade, bricolagem e consiliência funciona como um método em que se estimula a revelação e o inusitado, portanto, em que se aproveita com satisfação o dia e a vida de pesquisador (Carpe diem). Mas o método da revelação só é possível se o pesquisador tem liberdade – o próximo item deverá ser analisado sob a ótica da liberdade de pesquisa e de expressão.

            No próximo item veremos uma análise metafórica que ilustra a ação livre da serendipidade, como um exemplo de ação livre de pesquisa — como um ensaio teórico.


O Gato de Dois Rabos

            Estudar e entender um dos casos mais típicos de esquizofrenia cívico-jurídica nos dias de hoje exigiria analisar a sociedade de consumo, o consumismo de massas, ou a Sociedade do Espetáculo, como a definia Guy Debord (1997).

            Uma olhada rápida pelo dia-a-dia do consumo nos revela coisas interessantes, como é o caso do gato de dois rabos: vamos usar essa metáfora para comparar/opor o consumidor ao consumista. Na verdade, ambos (consumidor e consumista) formam um belo par dessa pós ou ultramodernidade que também nos choca ou extasia em determinadas situações ou diante de certas análises.

            Pode-se dizer que o consumidor-consumista aglutina as duas faces da mesma moeda, porém, como veremos, com valores desiguais para as duas, isto é, literalmente, trata-se de uma moeda com dois valores diferentes estampados em cada cara-metade. Isto já levaria a pensar que não existiria muita Justiça na definição dada por uma moeda com dois valores. Também é óbvio que o consumista vale muito mais do que o consumidor, simplesmente porque este tem uma consciência mais barata e fácil de se achar ou de se comprar.

            Como dizíamos, poderíamos falar de um gato de duas cabeças, mas isto lembraria a engenharia genética e os bichos estranhos que se podem gerar com a ciência/sem-consciência. Assim, o gato de dois rabos é mais apropriado para nossa análise jurídico-econômica.

            Nosso gato de dois rabos, realmente, será emblemático, figurando como uma metáfora mais ilustrativa do cidadão consumidor-consumista: esse que talvez seja o último sinônimo para o cidadão burguês, assim como já foram o eleitor e o contribuinte no passado do século XX.

            O gato tem dois rabos porque o cidadão-consumidor tem cada dia mais consciência das metas e das tarefas exemplares que deve externar, peticionado contra o fabricante e/ou sistema financeiro que teima em lhe aplicar o 171 capitalista [14]. Nesse mundo globalizado pelo consumo desenfreado, o povo está ficando craque em Direito do Consumidor porque conhece de cor e salteado o discurso da livre concorrência do mercado, com suas regras de prazo, qualidade e preço.

            Mas esse mesmo sujeito, que também deveria ter consciência social e ambiental, é nulo ou chulo quando se trata do consumo da vida. O cidadão-consumista, ao contrário do seu antípoda (cidadão-consumidor), é um zero à esquerda quando se trata de definir e decidir acerca da limitação dos níveis de consumo — os níveis que levaram a Terra ao ponto de exaustão ambiental em que nos encontramos. Nosso conhecimento social sobre Direito Ambiental é absolutamente insignificante.

            Da mesma forma como há uma saturação social (consome-se e vive-se em guetos, como condomínios e shoppings), há uma liquidação das reservas naturais e isso ameaça a sobrevida de todos. Mas, como indicado, aí neste ponto o cidadão-consumidor revela-se portador de uma consciência limitada, agindo apenas como cidadão-consumista do planeta. Essa sua consciência embotada de cidadão-consumista é mais óbvio do que lógico, exige cada vez mais a ampliação dos níveis (já insuportáveis) de consumo.

            A dita consciência do cidadão-consumidor não passa, portanto, de vontade incontida de consumir mais, para refestelar-se cada vez mais nesta festa elitista. O cidadão-consumidor teria consciência de um direito que se dizia difuso/coletivo, mas que no fundo, acabamos de verificar, acabou por se definir como direito egocêntrico porque sequer somos capazes de relacionar o tal Direito do Consumidor com o Direito Ambiental. Não há consciência ambiental e, portanto, menos ainda um direito à vida global: simplesmente porque o consumidor-individualista não permite.

            A consciência jurídica do cidadão-consumidor-egocêntrico está hipostasiada no rótulo e na data de validade que acompanha cada gênero e coisa. Afinal, o Direito Ambiental refere-se ao presente-futuro e o Direito do Consumidor é efêmero como o próprio consumo. O consumo e a satisfação das vontades fabricadas são descartados tão logo nos vemos livres da embalagem e do lixo que lhe acompanha no pós-consumo. Aliás, o lixo de cada um é tomado como encargo social, mas no sentido de que o melhor cidadão-consumidor é aquele que mais consome.

            Ironicamente, quanto mais elevada a consciência do cidadão-consumidor — especialmente quando em prol de níveis maiores de consumo e de melhor qualidade —, mais grave e aguda se mostra a imersão na ilusão provocada pelo consumismo. Infelizmente, a consciência do consumidor — no tocante a que pode consumir mais e melhor — é o que mais arruína a vida global no Planeta, pois acelera a depreciação ambiental.

            Consumimos no atacado, o que a Terra repõe no varejo. Seguindo esse ritmo, críticos do ciberespaço estão cada vez mais plugados e por sua vez consomem ainda mais apetrechos espaciais, nesta que é a compulsão pelo consumo do virtual. No mundo real/virtual, consome-se literalmente toda a vida, e daí vem a compulsão em adiar a morte, retardar a velhice – porque o tempo também é consumido: time is money.

            Tudo é consumido, as pessoas no sex shopping são apenas objetos eróticos de consumo, da mesma forma que os objetos exóticos [15]. O operador da bolsa de valores vê o mundo real/virtual ao sabor dos caprichos dos investidores: meio mundo pode quebrar desde que a bolha de consumo se mantenha. Assim, para se manter no mundo real/virtual do consumo, entre ricos e pobres, ninguém se salva — por exemplo, muitos desesperados vendem o próprio rim para alguns poucos receptadores de almas. Do mesmo modo, é muito fácil perceber que nunca houve tanta obesidade e crime famélico, como agora.

            Para inverter a relação espaço/tempo do consumo, é óbvio, deveríamos diminuir os níveis de consumo (por volta das medições dos anos 60-70 [16]), mas isto equivale a interferir no valor de uso agregado às coisas e desse modo também haveria reação no valor de troca. Em suma, esta rota de alteração do consumo, altera profundamente o eixo capitalista.

            Uma sociedade plural exigiria, realmente, rever o capitalismo, mas sem o doce engano das ideologias pré-capitalistas (encantamento do mundo) ou anti-industriais (ao melhor estilo unabomber [17]). Podemos rever o fluxo e a velocidade de produção/transmissão tecnológica, na sociedade de consumo, mas não relegar a industrialização e a urbanização, ou a civilização nos moldes ocidentais.

            Podemos pensar um valor de uso comum, mas não regenerar nossa dependência tecno-científica. Afinal, do Homo habilis ao Homo sapiens, o homem-tecnológico é o relato do que fizemos de nós mesmos, é no que nos tornamos: seres artificiais que moldam o mundo a seu modo. Nessa corrida contra o natural (para sobreviver em meio hostil ou porque não suporta ser inacabado), o homem do neolítico afirmou nossos principais extensores técnicos e sociais. Aliás, como se vê muito bem no filme 2001 – Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick - 1968). De lá para cá, do monolito às primeiras ferramentas toscas, iniciamos e não paramos mais nossa era de glaciação de consumo da natureza.

            Com isso ainda vemos quão abrangente é o potencial de dano trazido pelo cidadão-consumidor aos dias atuais. A sua satisfação é equivalente à depreciação do mundo real/virtual, a ilusão de sua satisfação ao consumir é a sombra do espetáculo que destrói o planeta: "O consumidor real torna-se consumidor de ilusões. A mercadoria é essa ilusão efetivamente real, e o espetáculo é sua manifestação geral" (Debord, 1997, p. 33). Mas que triste espetáculo...

            Então, vemos que os detritos do cidadão-consumista são o escárnio do cidadão-consumidor. A ironia de tudo mostra que os dois rabos do gato estão fazendo cócegas agora mesmo, pois a satisfação termina no exato instante do consumo e assim só nos resta lançarmo-nos em busca de mais felicidade, ou melhor, de mais consumo. Por esta razão, também podemos dizer que o livre arbítrio está obsediado pela mercadoria, pois tal qual a posse e a propriedade, a mercadoria e seu valor de uso estão entranhados. A ansiedade leva às compras e esta retorna tão logo se compre...

            O cinismo da coisa toda, no entanto, é imaginar que a satisfação almejada individualmente termine nas sacolas de compras e que isto seja um belo exemplar do direito individual homogêneo: a ser vangloriado, defendido heroicamente. Isto é, reduzir os níveis de consumo (como propõe por tabela o Protocolo de Kyoto) acabaria gerando insatisfação na classe média pensante e votante, e isto contraria o sagrado direito à felicidade, como vemos expresso na Carta Americana de 1787. Sob esse aspecto, de fato, são antípodas a felicidade dos EUA e a fraternidade francesa de 1789.

            O cínico-realista, enfim, diria que assinar o Protocolo da Redução Global da Produção e do Consumo (Kyoto) equivaleria a reduzir a satisfação do consumista/egoísta — logo, diante da Constituição de 1787, o Protocolo de Kyoto é inconstitucional, e por isso o mundo não deve reconhecê-lo. Pensando bem, talvez o gato tenha mais do que dois rabos...

            Vejamos outros possíveis rabos desse gatuno que nos espreita: como no filme Mad Max (direção de George Miller – 1979), os detritos passarão a ser artigos de luxo e, portanto, de sobrevivência. Mas, como em Blade Runner (Ridley Scott - 1982), iremos nascer envelhecidos ou com a validade quase expirando. O que permite que vejamos o consumo como um direito individual homogêneo, mas de consciência heterogênea. Afinal, como em Gattaca (Andrew Niccol - 1997), as mercadorias são quase clones ou replicantes que valem mais do que nós mesmos.

            Nos vários casos analisados sob a égide do consumismo, vimos que a serendipidade se apresenta como um método de autocrítica. Ponha-se o leitor em meu lugar e imagine como foi produzir este item, como se fosse um anti-manifesto, ou seja, um manifesto contra si mesmo. E ainda que a serendipidade seja um manifesto contra o método autocrático do establishment, é difícil admitir que todos nós fazemos parte desse pensamento maquínico-consumista.

            Por fim, ainda quanto ao método da serendipidade, com todas as limitações vemos que ver/pesquisar é externar uma vontade livremente.


É Preciso Crescer Junto, Naturalmente

            Desse modo, como nós também vimos, é urgente entender o desenvolvimento tecnológico como um processo sócio-metabólico — até mesmo porque já ocorre(ra)m muitas interferências decisivas na constituição jurídica e na escritura política tradicional. Por um lado, há o caso clássico de que se opera o adensamento de uma grave crise institucional do Estado-Nação, em termos de representação, de legitimidade e de soberania. É preciso buscar uma base mais estrutural entre Estado e Sociedade.

            Por outros meandros, é preciso não sucumbir ao individualismo, ao niilismo, aos relativismos exacerbados — e é por isso que a pesquisa, a educação, o trabalho e a consciência política e jurídica de cada um interessa a todos.

            Com o objetivo de se analisar esse quadro global de transformações, a bricolagem, a serendipidade e a consiliência, como três métodos combinados com criatividade, além da vocação e da paixão pela ciência, formam um conjunto promissor e uma ótima maneira de se conciliar com o mundo real/virtual. Não fica devendo nada em termos de consciência acerca do objeto investigado ou das imprecisões do mundo real/virtual [18].

            Pode-se ver em profundidade e ao mesmo tempo ampliando o raio de ação da lateralidade da visão, pois ainda que a investigação possa ser oblíqua (com objeto definido, mas não definitivo ou engessado), só se perde no ambiente raso aquele ingênuo e despreparado. Isto se deve ao fato de que é muito bem possível aplicar-se o método de ler a contrapelo, vasculhando os escaninhos do poder e do establishment, como queria Benjamin (1987).

            O mais interessante ou estimulante, todavia, é que o autor/leitor não se vê limitado à leitura tipo quadro-a-quadro, sucessiva, hierárquica, como homem médio [19], mediano ou medíocre. Vemo-nos compungidos a ampliar a visão para o movimento do quadro-em-quadro, em movimento, inclusive com muitos quadros (sociais, políticos, pessoais) que não estão enquadrados. Ou, então, de modo similar, quando re-enquadramos a relação Estado/Sociedade a partir de visões pluridimensionais, multifocais e não mais pelo olhar bifocal [20] (Débray, 1994).

            Neste sentido, esse movimento não deixa de constituir um belo meio de se tecer uma consciência ampla, elevada ao cubo, em que o social, o psíquico, o ambiental — o mais verdadeiramente humano — estejam reunidos, como conjunto complexo articulado em rede (Guattari, 1991).

            A serendipidade, portanto, é um modo especial de ver o mundo, pois se busca trazer o mundo para perto da vida — fazendo com que a vida global seja parte do nosso mundo. Isso, aliás, é o que torna a tarefa da pesquisa uma construção viva, porque assim imprimimos nossas impressões, mas também nossas imprecisões [21].

            Por fim, podemos dizer que, em razão de tantas buscas e tentativas, a indicação bibliográfica sempre será variada e extensa. Por isso, a conclusão é um convite para que se verifique a bibliografia consultada e assim se estimulem novas pesquisas. A conclusão é um convite para novas e boas leituras — sempre vale a pena.


Adendos

            Neste último item, os comentários do autor sempre virão em notas de pé de página, assim como os interlocutores serão apresentados em breve currículo. Depois, seguirão seus comentários, que virão cercados por aspas e em tipo de letra diferente, para que seja assegurado de fato o destaque.


Comentários Realizados por Profissionais de Áreas Diversas

            1. Mucheroni, Marcos Luiz. Bacharel em Ciência da Computação pela UFSCar/SP, onde lecionou 10 anos, publicou inúmeros artigos nacionais e internacionais, é Doutor em Engenharia Elétrica (Poli-USP) e professor de Paradigmas de Linguagens (graduação e pós-graduação), na Faculdade de Informática da Fundação de Ensino "Eurípides Soares da Rocha" e Teoria do Caos e Cibercultura (mestrado em Ciência da Informação) na UNESP de Marilia.

            "Eu te encorajo por estes novos caminhos, está mais perto de uma mística do que imagina, quando usa Tao T.King e diz, "o verdadeiro significado do jarro está no seu vazio" é algo muito profundo e que eu concordo. Penso que é um confronto com o "poder argumentatório" do direito clássico, li certa vez que só há uma forma de enfrentar o oportunismo: calar-se e deixar que ele morra pela própria boca, já vi isto acontecer com muita gente e recentemente com aquela "esquerda" que não tem princípios e não luta por nada, a não ser o "contra".. . "não sei o quê". Mas prepare-se para ser chamado de pós-moderno, que é o xingamento atual para quem não quer entrar no mérito do que é debatido [22]".

            "Não conhecia o termo, mas creio que é este o caminho de se buscar alternativas à "autoridade de quem fala", e que é o verdadeiro sentido do direito positivo. No fundo, o juiz decide quando as normas não dão conta, ou seja, na maioria das vezes, porque o direito retilíneo só trata do homem retilíneo, ou seja não existe tal homem".

            "Parabéns, conte comigo, creio que o caminho da "serendipidade" é o único caminho de verdadeiros pesquisadores e gente honesta, que não tem pré-conceito dos estudos e coisas a discutir. Posso citar uns 10 casos na história da computação de "serendipidade", mas para citar um muito importante, o projeto ARPA (do pentágono americano) só foi desenvolvido porque o projeto Sputinik dos russos os pegou de surpresa, e a "moral de superioridade tecnológica" ficou abalada. Um psicólogo JCR Licklider, que trabalhava no projeto, convenceu os "militares americanos" de que a rede poderia aumentar a capacidade tecnológica (‘inteligência coletiva’) e, então, abriram para 4 universidades (Utah, California, Massachusets e Cambridge: aí para se popularizar foi um passo)".

            "Uma última coisa: o Braben, se for o David Braben ele é conhecido na computação por criar joguinhos de computador: fez o primeiro joguinho 3D bom, chamado the Acorn Archimedes e é o dono de uma empresa, a company Frontier Developments. Deixei os links para dar uma olhada".

            2. Gilberto Giacóia. Autor de referência nacional no Direito Penal, é coordenador do Mestrado em Direito na Faculdade de Direito do Norte Pioneiro, Jacarezinho-PR. Professor pós-doutor em Direito, é Procurador da Justiça no Estado do Paraná.

            Aplicando a clareza do método, em concisão assim se referiu aos ideais presentes no trabalho:

            "Trata-se de uma produção divertida (agradável mesmo de ler e refletir), moderna e bastante criativa. Uma extraordinária experiência didática, para não dizer mais de vida [23] e de ideal, e que pode ser recomendada aos alunos ou mesmo ser adotada pelos profissionais do Direito".

            3. Eduardo Akira Azuma. Bacharel em Direito, advogado e mestrando na área de Direito e Internet.

            "Acho que a pesquisa flui muitas vezes por laços improváveis e que, muitas vezes, é frutífera justamente por ser conduzida não a toque de caixa (como a preocupação quantitativa de dissertações de mestrado e doutorado de um determinado programa), mas sim de uma forma um tanto libertária, livre de pressões em torno de grupos de pesquisa, ou, como no cenário que vem à nossa mente de Isaac Newton levando uma maçã na cabeça em baixo da sombra de uma árvore".

            "E como reforço destas idéias expostas, o surgimento da Internet nos fornece várias lições, afinal, o próprio Castells reconhece que a história do surgimento da Net é fruto de uma mistura um tanto estranha entre Big Science (a ciência que envolve grandes quantias de dinheiro), pesquisas militares e a Cultura da Liberdade. A atmosfera em torno dos grupos de pesquisa era totalmente relaxada do ponto de vista da segurança, e a Arpanet era utilizada constantemente para conversa entre os estudantes (se pensarmos que hoje, em 2005, existem faculdades que restringem o uso de computadores dos seus laboratórios somente ao site da própria faculdade...)".

            "Outro ponto que achei interessante do texto é a ‘Serendipidade no cotidiano’. Além do esforço diário nos estudos para perceber que o cavalo encilhado está passando (ou seja, é preciso estudar muito para reconhecer que o cavalo está encilhado), penso que isto é também um exercício de Inteligência Coletiva, posto que estaríamos abertos para reconhecer que o conhecimento não está somente nos bancos das escolas, mas pode ser impulsionado por uma simples conversa com uma criança".

            "Como reconhece Robert Oppenheimer: ‘existem meninos que ainda brincam na calçada que poderiam resolver alguns dos meus mais espinhosos problemas de física; eles têm modos de percepção que eu perdi há quarenta anos".

            "Vou pensar mais no assunto (este texto foi elaborado no banho...rs.)".


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NOTAS

            01 http://www.fundanet.br/mestrado_direito/default.asp, em 28/10/2001. A descrição do objetivo geral, no entanto, segue o padrão estabelecido, ou seja, ser direto, conciso, objetivo – a linha de pesquisa foi formulada e desenvolvida por Osvaldo Giacóia Jr., prof. Livre Docente da UNICAMP.

            02 O trabalho foi escrito na primeira pessoa do plural porque entendemos que muitos dos autores consultados estão presentes ao longo do texto, bem como os inúmeros atores com que mantivemos diálogo nesses últimos anos – desse modo descrevemos nossa intenção na dissertação de Mestrado em Direito, defendida em Jacarezinho-PR, em 2005, mas que agora também se aplica.

            03 A preocupação com a serendipidade começou no período 2000/2001, antevéspera de nossa defesa de doutorado, quando chegamos à descrição do método involuntariamente, mas que só agora pode ser melhor refletida, contando com a ajuda do trabalho resultante nos cinco anos seguintes — o que também destaca a importância do amadurecimento em termos de pesquisa científica.

            04 Diz-se que este estilo tem esta exata característica, isto é, não se tem estilo definido.

            05 Um antigo professor de metodologia dizia que até santinho de propaganda ou de protesto político poderia ser fonte de pesquisa em Ciências Sociais. (Alguém mais exageradamente ainda diria que até mesmo bula de remédio seria fonte primária). Ironicamente, esse mesmo personagem não conseguiu concluir sua tese de doutorado e assim acabou desligado da Universidade.

            06 Uma característica fantástica da informática permite ao leitor/pesquisador manejar inúmeras escritas simultaneamente, porque, além de cortar/colar, permite reescrever tudo com extrema agilidade e facilidade.

            07 É a ocorrência típica das questões e das perguntas inusitadas que nos levam a pensar em novas fórmulas e armações do conteúdo pensado e exposto. Também fica evidenciado como professores aprendem com seus melhores alunos.

            08 Daniel Casella, advogado e Mestre em Direito e Internet, em mensagem pessoal logo após sua defesa.

            09 A expressão é do professor Eduardo Figueiredo.

            10 As pesquisas foram todas realizadas em 1º/11/2005.

            11 Este e o próximo item são partes recuperadas e revistas de um capítulo da tese de doutorado defendida na USP, em 2001, sob o título A rede dos cidadãos: a política na Internet.

            12 Deriva de um termo estruturado por William Whewell (consiliência), em 1840, no livro A Filosofia das Ciências Indutivas.

            13 Leite, 1998.

            14 Essa gatunagem que vai da simples propaganda enganosa ao complexo fetiche da mercadoria: como se as coisas tivessem vontade própria a ponto de chegarem sozinhas e já prontas às prateleiras, como se praticamente não existisse a produção e a distribuição.

15 Tendo-se em mente que, muitas vezes, o luxo apenas disfarça o óbvio.

            16 Mantendo-se nosso plus tecnológico.

            17 Utilizando-se da lógica simples, o personagem Unabomber pensava que o mundo real/virtual era mantido por cientistas, e que acertando os cientistas arruinaria o capitalismo. O que ele não pensava, entre muitas outras coisas, é que o sistema é que produz esses cientistas e, portanto, na falta de um, poderia reproduzir centenas, milhares de novos cientistas.

            18 Outra grande vantagem do método é evitar o formalismo das regras (como da ABNT) ou ortodoxias metodológicas variadas.

            19 Ou homem retilíneo, na expressão de Marcos Mucheroni, como se vê no primeiro anexo, ao final do texto.

            20 Aqui, bifocal ou binocular no pior estilo do maniqueísmo tipo certo-errado, amigo-inimigo, nessa eterna oposição antagônica entre o bem e o mal, ou real X virtual.

            21 Isto não significa erro premeditado, mas apenas que não se esconde o sol com a peneira, ou seja, não se alimenta a idéia rudimentar de que a seriedade e a objetividade da pesquisa afastam os pré-conceitos ao autor.

            22 O único reparo que faço nesse comentário de Mucheroni é que: a serendipidade também nos permite analisar o atual estágio do Estado Capitalista – apenas as pupilas estarão mais dilatadas. Assim, ainda que considerado como pós-moderno, o método nos permite discutir a qualidade da luta de classes nesse Estado Capitalista Controlativo.

            23 Quanto a ser um tipo de método de trabalho sobre a vida, lembramos ainda que há um sentido mais usual e corriqueiro para bricolagem: seria a simples recuperação e a reutilização de materiais, com destinação de fins diferentes daqueles previstos originariamente — ou até mesmo a reciclagem. Teríamos como exemplos o improviso ou a criatividade popular revertendo o valor de uso original do objeto, como: usar uma porta como se fosse o tampo de uma mesa ou, então, o próprio tampo da mesa que é serrado em partes menores, transformando-se em duas ou três tiras de madeira, para serem aplicados como simulação de duas ou três estantes de parede. Neste sentido, a bricolagem é um método de ação e de transformação.


Autor

  • Vinício Carrilho Martinez

    Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Serendipidade, bricolagem, consiliência: métodos de trabalho e de investigação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 890, 10 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7692. Acesso em: 26 abr. 2024.