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O bullying e seus sintomas dentro e fora da tecnologia

O bullying e seus sintomas dentro e fora da tecnologia

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Esse artigo tem como objetivo trazer algumas reflexões sobre um tipo de violência muito frequente nas escolas: - “o bullying” -, um dos temas que mais intrigam pesquisadores no campo da educação.

Introdução

A adoção universal da terminologia bullying foi decorrente da dificuldade de traduzi-lo para diversas línguas. No ensinamento de Torres (2011), a terminologia deriva do verbo inglês bully, designação de pessoas cruel, agressiva. No compêndio, “Bulying é uma violência que pode começar de maneira não intencional e que resulta na vitimização de um jovem que sofre maus tratos sistemáticos por um agressor e reforçadores dessa agressão” (WENT; CAMPOS; LISBOA, 2010, p.2).

Essa violência comum nas escolas, intriga pesquisadores desde meados do século XIX (SMITH; PEPLER; RIGBY, 2004), porém afirmam os pesquisadores Antunes e Zuin (2008), que esses estudos tomam forma e textura apenas na década de 1970, na Noruega, onde Dan Olweus, professor da universidade de Belgen, percebe o aumento do suicídio entre crianças e adolescentes (WENDT; CAMPOS; LISBOA, 2010).

Desenvolvimento

O bullying é muito frequente nas escolas. Tem costumeiramente como vitimas muitos alunos que, no enfoque dos pesquisadores Ferreira e Neves (2017) possuem pouco respeito por si mesmos. Afirmam ainda os mesmos autores que a plateia é “fundamental para a continuação das ironias constantes” (p.57).

Neste raciocínio, os mesmos investigadores salientam que podem existir dois tipos de bullying; o direto e o indireto. O bullying direto teria sua prática mais relacionada aos meninos, caracterizado-se, em sua maior parte, por agressões físicas. Já o indireto, seria comumente praticado por meninas, caracterizando-se pelo isolamento, pelas difamações, dentre outras formas.

Já Santos (2018), no que se refere as intimidações, afirma que, “o agredido sente-se desprotegido, ameaçado, com baixa autoestima, podendo leva-lo a depressão profunda e em alguns casos cometer suicídio”. Ainda segundo Santos, existe também a violência sexual, intimidando a vítima com insinuações, assédios e tentativas de abusar, modalidade sofrida mais frequente pelas meninas.

Neste mesmo sentido:

[...] o estímulo à competitividade e ao individualismo, principalmente em decorrência da pressão exercida pela família e a escola quando à obtenção de resultados, especialmente nos vestibulares; a banalização da violência e a certeza da impunidade; o desrespeito e a desvalorização do ser humano, evidenciados em diversos contextos, principalmente a mídia; a educação familiar permissiva e a ausência de limites e, sobretudo, a deficiência ou ausência de modelos educativos baseados em valores humanos, orientados para a convivência pacífica, solidariedade, cooperação, tolerância e respeito às diferenças que despertam os sentimentos de empatia, afetividade e compaixão (FANTE; PEDRA, 2008, p.51).

Outra informação que deve ser considerada é que, só no ano de 2007, o porcentual de bullying aumentou consideravelmente no Brasil, chegando ao patamar de 45%. Pode-se dizer também que pesquisas realizadas em escolas americanas mostram que muitos alunos se ausentam dos bancos escolares pelo menos uma vez ao mês, por medo de sofrerem bullying. Estas crianças deixam de ir ao banheiro sozinhos, pelo medo da violência causada pelo bullying (FANTE; PEDRA, 2008).

Também é relevante dizer que vítimas de bullying apresentam sinais característicos em suas atividades do dia a dia:

Existem sinais característicos emitidos pela vítima de bullyung: os principais e mais corriqueiros seriam a diminuição do rendimento escolar, a falta de motivação para frequentar a escola, o medo de ir à aula ou ainda, (FERREIRA; NEVES, 2017, p.58) lesões do corpo, danificação de roupas ou material escoar, depressão, ansiedade, isolamento social, desatenção, pedidos de dinheiro à família e até tentativa de suicídio (FURTADO, 2009, p.73).

Além disso, podem-se identificar os sintomas emitidos pelo agredido, tanto na agressão física como verbal, como demostram Mello e Cramashi:

O estresse envolve sintomas físicos, psicológicos e comportamentais. Dentre os sintomas psicológicos, destacam-se a fadiga, o esgotamento, a frustração, a tensão, o nervosismo, a irritabilidade, o pânico, o pesadelo e a vontade de chorar. Dentre os sintomas físicos, destacam- se: cefaleia constante, problemas gastrintestinais, náuseas, vertigem, taquicardia, hipertensão, zumbido nos ouvidos, afonia e dores musculares. Dentre os efeitos comportamentais, destacam-se: ansiedade, pânico, angústia, insônia, dificuldades interpessoais, inabilidade para relaxar, tédio e depressão (2010, p.117).

Os mesmos autores afirmam ainda que os dois tipos de agressões (física e verbal) tem sintomas diferentes, como “terror noturno, choro excessivo, birra e insegurança”, podendo ter o agredido ainda “diarreia, tiques, dores de cabeça, enurese noturna, gagueira, bruxismo e distúrbios de apetite”. Segundo os pesquisadores, esse estresse infantil  pode  acarretar também doenças como “asma, doença dermatológicas, cefaléia, úlceras e obesidade” (MELLO; CARAMASHI, 2010). No mais, segundo afirma Shariff (2016), existe também a desconfiança do aluno para com o professor.

Shariff faz referência também em suas colocações acadêmicas sobre uma pesquisa realizada na Inglaterra com 250 presos que praticaram ou sofreram bullying. Estes detentos afirmaram que, ao invés de seus professores fazerem cessar essas praticas, eles “não deram atenção”. Relatam também que “os professores muitas vezes atormentavam os alunos verbalmente, eram insensíveis com as incapacidades e demonstravam até mesmo claro preconceito racial e crueldade absoluta” (SHARIFF, 2016, p.238). Diz por derradeiro o pesquisador que em outra pesquisa, - agora realizada com alunos no Reino Unido -, registrou-se que “em algumas escolas, o bullying por meio de xingamentos era inclusive instigado pelos professores”. Então todas estas circunstâncias podem fazer com que o aluno se sinta desprotegido, sem ter para onde ir.

Citando uma nova pesquisa sobre o tema, a mesma contatou que muitas vítimas não denunciam “o bullying tradicional ou o bullying virtual por acharem que os adultos não acreditarão na sua denúncia ou que o incidente será banalizado pelos adultos”. Foi averiguado também que “menos de 25% nunca denunciaram o bullying porque também não têm muita confiança que os adultos possam resolver o problema e têm medo que os adultos piorem a situação” (SHARIFF, 2016, p.239). Isso pode ser compreendido pelo fato de que os professores “não foram formados para lidar com essa nova demanda e não foram informados sobre as novas obrigações” (FERREIRA; NEVES, 2017, p.60).

Pode-se dizer também que a maior incidência de bullying ocorre nas extremidades, ou em estruturas que tem condições sociais vantajosas, ou em estruturas familiares inexistentes (ANTUNES; ZUIN, 2008; FERREIRA, 2012). Dobson e Delval (2006), - neste mesmo sentido -, explicitam que o aluno possuidor de uma condição vantajosa, procura popularidade e não suporta nenhuma espécie de desrespeito:

Aquele aluno que possui em abundância no seio familiar, procura receber a mesma paga no ambiente escolar, e, em busca de popularidade, não aceitando nunca um ‘não’ como resposta, toma como refém de seus atos o primeiro indivíduo que considera desajustado.

Isso ocorre também com alunos de família sem estrutura nuclear quando passa a descontar sua dor em outros alunos. Ou seja, este aluno que “não possui família e que nada possui, cansado de suas infindáveis mazelas, haverá de encontrar alguém para abocar seus sofrimentos, e acaba por descarregar suas negatividades naquele que elege como inofensivo”. (FERREIRA; NEVES, 2017, p.60)

Assim, essas agressões podem levar a barbáries dentro das escolas, como ocorreu em Taiúva em 2003:

Em uma tarde do dia 27de janeiro de 2003, Edimar, um estudante da Escola Estadual Coronel Benedito da cidade de Taiúva, interior de São Paulo, atirou 15 vezes no pátio da escola, atingiu seis colegas e dois funcionários e se matou (HENRIQUE, 2011, p.01).

Segundo registro jornalísticos da época, Edimar teria aberto fogo contra 50 estudantes. Das pessoas atingidas só Edimar perdeu a vida, cometendo o seu próprio suicídio. Diziam as fontes:

Amigos e vítimas falaram que Edimar era calmo, retraído. Por ser gordo, era ‘zoado’ pelos colegas e isso pode ter sido o motivo que o levou a cometer a atrocidade com o revolver calibre 38, raspado, que ninguém sabe como ele comprou (HENRIQUE, 2011, p.01).

Neste mesmo contexto, outro caso chama a atenção. No dia 7 de abril de 2011 na cidade de Realengo no estado do Rio de Janeiro, um estudante de nome Wellinton Menezes de Oliveira deixou registrado em um vídeo que o motivo de ele ter deixado 12 alunos mortos e 12 feridos foi em decorrência de bullying. (FERREIRA; NEVES, 2017).

Na gravação, ele afirma que todos ‘que matei’ estariam vivos se as autoridades combatessem os constrangimentos e agressões que alunos sofrem nas escolas. No vídeo, Wllington diz ainda que ‘escolas, colégios e faculdades são lugares de ensino aprendizado e respeito (BOTTARI, 2011; FREITAS; FERREIRA; NEVES, 2016).

Pode-se dizer também que tentativas de suicídio é estágio agudo do bullying e demonstra que a vítima já estava sendo agredida fisicamente ou verbalmente há muito tempo (FERREIRA; NEVES, 2017).

Assim a partir da criação de plataforma na internet, de entretenimento, como o Twitter, Facebook, Ask.fm, Whatsapp, o bullying toma um rumo mais tecnológico, como afirma Serna (2018).

Certamente, nos últimos anos tem aumentado o cyberbullying devido ao uso mais intensivo de ferramentas de comunicação na Internet, principalmente as redes sociais (Twitter, Facebook, Ask.fm, Whatsapp, etc.). Atualmente quase 100% dos escolares com mais de 10 ou 11 anos utiliza de maneira habitual algum tipo de ferramenta tecnológica.

É preocupante o número de casos entre adolescentes, na Espanha, e em toda a América Latina.

Na Espanha, por exemplo, quase um terço dos maiores de 17 anos afirma ter sofrido cyberbullying, e um 19% e reconhece ter insultado outros na rede. Na América Latina segundo dados da UNESCO, mais de 50% dos alunos do ensino fundamental foi vítima de assédio escola, um perigo potencializado na rede. (SERNA, 2018, s.p.).

Segundo a autora, isso se dá pela falha na comunicação dos meios que “só informam quando a polícia apreende algum assediador virtual ou quando alguma das vítimas se suicida” (SERNA, 2018, s.p.). Essas agressões ocorrem por causa do relativo anonimato da internet é atraente para os valentões porque melhora a intimidade e faz o rastreamento da atividade mais difícil. Alguns agressores também achar que é mais fácil ser mais cruel, porque não há contato pessoal.

Considerações Finais

Tudo isso faz com que vitimas sofram. Para que este sofrimento diminua, ou talvez até mesmo se extingua, é necessário encarar estas agressões com seriedade, tanto nas escolas quanto em qualquer outro ambiente, como trabalho, dentro da própria casa, enfim, é preciso que se preparem os docentes, para que não ocorra o que se relatou neste trabalho.

Também é necessário mais estudos sobre o tema, para se saber sobre casos concretos, com observância às diferentes perspectivas, como a concepção do agredido, da escola, da família e até mesmo dos agressores.

Deve-se defender por conseguinte uma educação voltada para a humanidade, mostrando as subjetividades de autores e vítimas das agressões, suas motivações e motivos, dores e angústias e formas de amenização desta violência. Isso certamente será uma experiência de longo tempo, que somente a longo prazo dará resultados.

Referencias:

ANTUNES, D.C.; ZUIN, A. Á. S. Do bullying ao preconceito os desafios da barbárie à educação. Psicol. Sol. Vol. 20, n. 1, I-IV, MMVIII.

BOTTARI, E. Assasino deixa vídeo em que diz que bullying motivou o massacre de realengo. Disponível em.. https://oglobo.globo.com/rio/assassino-deixa-video-em-que-diz-que-bullying- motivou-massacre-de-realengo-2795782, acesso em 20 out. 2018.

DELVAL, J. Manifesto por uma Escola Cidadã. Campinas SP: Papirus, 2006.

DOBSON, J. Educando crianças geniosas. São Paulo: Mundo Cristão, 2006.

FANTE, C; PEDRA, J. A. Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto Alegre: Artmed, 2008.

FERREIRA, E. B.;  NEVES, F. F.. O Problema do Bullying no Brasil. Nucleus, v.14, n.1, abr.2017.

FERREIRA, E. B. Bullying: um mal social. Disponível em: http://jcdigital.com.br/flip/Edicoes/15517%3D08-10-2012/024.PDF. Acesso em 19 out. 2018.

FREITAS, S. de A. C. de; FERREIRA, E. B.; NEVES, F. F. A influência das mídias nas leis, emendas, projetos e demais medidas na área educacional: o reflexo da tragédia de Realengo, disponível em: http://www.gestaouniversitaria.com.br/system/scientific_articles/files/000/000/014/original/M assacre_de_Realendo_Completo.pdf?1408509051. Acesso em 19 out. 2018.

FURTADO, N. R. Limites: entre o prazer de dizer sim e o dever de dizer não. Porto Alegre: Artmed, 2009.

HENRIQUE, B. Ele me traiu, diz mãe de autor de ataque em Taiúva, em 2003. Disponível em: https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,ele-me-traiu-diz-mae-de-autor-de-ataque- em-taiuva-em-2003-imp-,704265. Acesso em: 03 jun. 2014.

MELLO, L. C. de; CARAMASHI, S. Estresse e bullying em crianças em condição de sobrepeso e obesidade. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.

SHARIFF, S.. Manual Essencial de Segurança Cibernética em Português. Nam H Nguyen, 2018.

SHARIFF, S.. Ciberbullying: Questões e soluções para a escola, a sala de aula e a família. São Paulo: Artmed, 2016.

SANTOS, S. A. M.. Identificando e combatendo Bullying nas escolas e no ambiente virtual. Riu de Janeiro: Bonecker, 2018.

SERNA, J. M. . Cyberbullying. Babelcube inc, 2018.

SILVA, A. B. B. Bullying: mentes perigosas nas escolas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.

SMITH, P. K; PEPLER, D.; RIGBY, K. Bullying In School: How Successful Can Interventions Be. Cambridge University Press, 2004.

              WENDT, G. W.; CAMPOS, D. M,; LISBOA, C. S de M. Agressão entre pares e vitimização no contexto escolar: bullying, cyberbullying e os desafios para a educação contemporânea. Cad. Psicopedag. Vol. 8, no.14, São Paulo, 2010.

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