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A possibilidade da aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial

A possibilidade da aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial

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Examina-se a possibilidade de o Delegado de Polícia proceder à aplicação do princípio da insignificância na fase administrativa do processo penal.

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como escopo principal, pela ótica dos princípios orientadores do direito, analisar a possibilidade de o Delegado de Polícia aplicar o princípio da insignificância em sede administrativa. Para tanto, o princípio da insignificância é analisado pelo prisma jurídico constitucional, penal e histórico, buscando-se, assim, alinhavar suas nuances com sua importância na efetivação da justiça, no sentido de auxiliar os operadores do Direito na interpretação da norma jurídica.

De início, a pesquisa parte de um estudo sobre o que são princípios, mais adiante é realizada uma abordagem histórica do princípio da insignificância, desde sua origem, evolução, analisando minuciosamente cada detalhe para sua aplicação, o afastamento da tipicidade material tornando o delito insignificante e consequentemente fato atípico.

Na mesma linha de raciocínio, os repertórios jurisprudenciais sobre o assunto também são abordados, com ênfase nos entendimentos do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

Por fim, o objetivo central do trabalho é então enfrentado: a aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial, abordando as atribuições inerentes ao Delegado de Polícia no âmbito constitucional e infraconstitucional, bem como a possibilidade de o Delegado de Polícia aplicar o princípio da insignificância na fase administrativa, revestido do poder discricionário que possui no desempenho de funções.

Os métodos utilizados na elaboração deste trabalho foram o dedutivo e o indutivo, sendo realizadas pesquisas em doutrinas, jurisprudências, legislação, sites e artigos.


2 PRINCÍPIOS

A palavra princípio, em seu sentido literal, significa momento do início, começo, origem ou existência, conforme prevê o dicionário português Aurélio:

s.m. Começo, origem, fonte. / Física. Lei de caráter geral que rege um conjunto de fenômenos verificados pela exatidão de suas conseqüências: princípio da equivalência. / &151; S.m.pl. Regra da conduta, maneira de ver. / Regras fundamentais admitidas como base de uma ciência, de uma arte etc.(AURÉLIO, 2013)

No que tange ao significado ao qual o direito empresta ao termo princípio, valeremos dos ensinamentos, das melhores doutrinas jurídicas, já consagradas por inúmeras obras e reconhecimento acadêmico jurídico.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Melo:

O direito é um conjunto de normas – princípios e regras – dotadas de coercibildade, que disciplina a vida social. Enquanto uno, o direito se divide em dois grandes ramos: o direito público e o direito privado. Este último se ocupa dos interesses privados, regulando relações entre particulares. É conduzindo pela autonomia da vontade, haja vista que nele vigora o princípio fundamental de que as partes elejam as finalidades que desejam alcançar, propondo-se (ou não) a isto conforme desejem e servem-se para tanto dos meios que elejam a seu livre-arbítrio, contando que tais finalidades ou meios não sejam proibidos pelo direito. (BANDEIRA DE MELO, 2004, p. 26).

Os princípios são verdadeiras normas jurídicas, portanto, devem ser levados em consideração para a solução de problemas jurídicos concretos. Esta é a vontade dos operadores do mundo jurídico.

Existem em nosso ordenamento jurídico pátrio duas espécies de normas: regras e princípios. As regras encontram-se na legislação ordinária, enquanto os princípios têm por base a Constituição Federal. Os princípios são, tanto quanto as regras, parte integrante do ordenamento jurídico e por isso aplicado dia-a-dia pelo nosso judiciário, na busca de efetivar a justiça.

Pelo exposto, conclui-se que os princípios jurídicos são normas de hierarquia superior a das regras, porque determinam o sentido e alcance destas, que não poderão contrariá-los, sob pena de se colocar em risco todo um sistema jurídico. Por isso, deve haver coerência entre os princípios e as regras, visando um ordenamento legítimo.

O Direito Penal tem sua base nos preceitos constitucionais, por meio dos princípios e ditames que a Constituição impõe ao legislador, visando assegurar os direitos e garantias fundamentais das pessoas, orientando o Estado no exercício da aplicação da lei penal.

É notável a importância dos princípios em nosso ordenamento jurídico e, a violação destes, acarretará danos irreversíveis e de difícil reparação. Conforme preceitua a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. (MELLO, 1194, p. 451 apud CAPEZ, 2009, p. 8).

Os princípios poderão estar explícitos ou implícitos na Constituição Federal, os explícitos são os que estão escritos, expressos em lei, os implícitos, ainda que não expressos, figuram subentendidos no ordenamento jurídico.


3 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Considerando que o princípio da insignificância possui o condão de excluir ou de afastar a tipicidade penal, sendo certo que sua aplicação resulta na própria absolvição do réu, faz-se necessário abordar os critérios racionais para sua aplicação. 

3.1 Origem e evolução histórica do Princípio da Insignificância

A origem do princípio da insignificância Penal é um tanto controversa, alguns autores dentre os quais se destaca Diomar Ackel Filho, sustentaram que o princípio da insignificância nasceu no direito romano e que estava contido no brocardo mínima non curat praetor, de minimis non curar praetor ou de minimis praetor non curat, ou seja, o pretor não cuida das causas mínimas, dos delitos bagatelares.

Em suas palavras:

No tocante à origem, não se pode negar que o princípio já vigorava, no Direito Romano, onde o pretor não cuidava de modo geral, de causas e delitos de bagatela, consoante à máxima contida no brocardo mínima non curat praetor (ACKEL FILHO, 1988, p. 73)

No entanto, existe uma corrente doutrinária que discorda ser o princípio da insignificância de origem romana, afirmando que o direito romano foi notadamente desenvolvido sob a ótica do Direito Privado e não do Direito Público. Existe naquele brocardo menos do que um princípio.

Nesse sentido concluiu Maurício A. Ribeiro Lopes:

É um princípio sistêmico decorrente da própria natureza fragmentária do Direito Penal. Para dar coesão ao sistema penal é que se o fez. Sendo, pois, princípio específico do Direito Penal, não consigo relacioná-lo com a (paradoxalmente) máxima minimis non curat praetor, que serve como referência, mas não como via de reconhecimento do princípio. (LOPES, 1997)

A corrente doutrinária de Maurício A. R. Lopes, defende que o princípio da insignificância teve a sua origem e evolução vinculada ao princípio da legalidade.

No que pese o respeitável posicionamento de Ribeiro Lopes é quase pacífico na doutrina que o princípio da insignificância origina-se do brocardo mínima non curat praetor da época da Roma Antiga.

O princípio da insignificância passou a ter aplicação significativa na Europa, após a segunda guerra mundial, onde as conseqüências do conflito: escassez de alimentos, desemprego e miséria, provocaram um surto de pequenos delitos, como furto de alimentos e subtração de objetos de pequeno valor dentre outros delitos de mínima relevância, que receberam a denominação bagatelledelikte, ou seja, “criminalidade de bagatela”, expressão muito usada em nossa doutrina.

O princípio da insignificância foi reformulado por Claus Roxin em 1964, com a finalidade de aplicar o princípio em tela como causa de exclusão da tipicidade material.

De acordo com Fernando Capez:

O Princípio da Insignificância é originário do Direito Romano, e de cunho civilista, tal princípio funda-se no conhecido brocardo de minimis non curat praetor. Em 1964 acabou sendo introduzido no sistema penal por Claus Roxin, tendo em vista sua utilidade na realização dos objetivos sociais traçados pela moderna política criminal. (CAPEZ, 2009, p. 11)

Assim, temos registros da presença do princípio da insignificância desde os tempos antigos, porém, os créditos de seu desenvolvimento e fortalecimento se devem a Claus Roxim, que com suas obras permitiu a interpretação do princípio e sua efetiva aplicação. 

3.2 Análise do Princípio da Insignificância

O princípio da insignificância é um instrumento de interpretação restritiva do tipo penal. Para que o fato seja materialmente típico exige-se relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. “O chamado princípio da insignificância (Geringfugirkeitsprinzip), na esteira da lição de Roxin, é justamente o que permite, na maioria dos tipos penais, excluir desde logo danos de pouca importância.” (GOMES, 2013, p. 52).

 Deste modo, o direito penal não deve preocupar-se com bagatelas, não se podendo admitir tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico. (CAPEZ, 2009).

Princípio da Insignificância (crime de bagatela). Descrição do Verbete:

O princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. (STF, Glossário Jurídico, 2013).

O princípio da insignificância revela que o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para proteção do bem jurídico penal, serve para ponderar e efetivar a interpretação da conduta típica, na proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a intervenção estatal.

Conforme Francisco de Assis Toledo (2011, p.134), o princípio da insignificância se vincula a “gradação qualitativa e quantitativa do injusto que permite o fato ser insignificante excluído da tipicidade penal”.

Conclui-se que o principio da insignificância é o que permite condutas formalmente típicas, mas que não apresentam nenhuma relevância material, terem afastada a tipicidade penal, se tornando condutas atípicas pelo afastamento da tipicidade material, tendo em vista que o bem jurídico não chegou a ser lesado.

O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal apontam alguns requisitos para a possibilidade de aplicação do referido princípio. Vejamos:

Para ambos os tribunais, um fato considerado insignificante, tem que preencher os requisitos:

a)      Mínima ofensividade da conduta do agente;

b)      Nenhuma periculosidade social da ação;

c)      Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;

d)     Inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Já com relação à Relevância do bem jurídico, para o Superior Tribunal Federal, temos:

a)      Significado do bem para o ofendido. (HC 95. 226 – MS)

E para o Supremo Tribunal Federal:

a)      Analisa a realidade econômica do país;

b)      Importância do bem lesado para a vítima

Para ambos não se admite a aplicação do princípio nos delitos contra a administração pública (por ofender a moralidade administrativa, que jamais pode ser tida como lesada de forma insignificante). Ex. descaminho

Ambos os Tribunais Superiores vedam a aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra a fé pública. Ex. moeda falsa.

3.3 Tipicidade e Princípio da Insignificância

A doutrina majoritária entende que crime é composto por três elementos (teoria tripartido): fato típico, antijurídico e culpável.

São elementos do fato típico: a conduta (dolosa ou culposa), o nexo (relação de causalidade), o resultado jurídico e a tipicidade. Para teoria finalista, a conduta é o comportamento humano dirigido a determinada finalidade. A relação de causalidade é elo (nexo) entre a conduta e o resultado. O resultado no sentido natural, é a alteração do mundo exterior provocada pelo agente, é considerado, no sentido normativo, como a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico. O art. 13, caput, do Código Penal prevê que não há crime sem resultado.

A tipicidade é a adequação da conduta do agente a uma previsão típica (norma penal que prevê o fato e lhe descreve como crime).  Ex: art. 155 do Código Penal: “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”, portanto, o indivíduo X subtraiu o aparelho telefônico do indivíduo Y, praticou o fato típico previsto no artigo em tela, uma conduta que encontra previsão legal como tipo penal. Se a conduta humana praticada (fato concreto), se amolda àquela prevista na lei penal, o fato será típico, por estar presente o elemento tipicidade.

Ressalte-se que existe a tipicidade formal e material, a primeira é a conduta humana praticada prevista em lei e a segunda analisa o grau de lesividade ou ameaça de lesão que a conduta praticada gerou ao bem jurídico tutelado pelo Direito Penal.

Portanto, entendemos que para ser considerado fato criminoso, a conduta tem que ter os dois elementos da tipicidade: a “tipicidade formal” e a “tipicidade material”, restando ausente uma delas, não há que se falar em conduta criminosa, sendo fato atípico. Concluindo a conduta passível de reprimendas/sanções penais, tem que ser prevista em lei (tipicidade formal) e tem que atingir um grau de lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado, a tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico (tipicidade material). Nesse sentido, é que não basta apenas que a conduta esteja descrita formalmente na lei, o comportamento humano tem que ter causado lesão aos bens jurídicos, moral ou patrimonial tutelado. Com isso, fica claro e evidente que as condutas humanas que não tenham grau de lesão relevante, ou que sejam ínfimas e insignificantes, não merecem apreciação do Estado.

Assim, o princípio da insignificância existe para atuar como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, revelando a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal.

O Estado deve apenas punir os fatos praticados considerados graves, visto que com o desenvolvimento da sociedade brasileira, é impossível o Estado preocupar-se com delitos insignificantes, restando à análise para a valoração da conduta de acordo com os instrumentos de interpretação, buscando sempre a efetivação das normas penais. O Estado não pode sobrecarregar de fatos com pouca relevância jurídica, sob pena de crimes graves que causaram lesões relevantes, ficarem impunes. O princípio da insignificância é um forte aliado ao Estado no sentido desafogar o judiciário, delegacias, defensorias públicas, sistemas prisionais e outros órgãos envolvidos, minimizando custos e tempos para os servidores se ocuparem dos processos/procedimentos que realmente merecem passar pelo crivo do direito penal, dando uma resposta rápida e eficaz a sociedade, que atualmente convive em clima de impunidade. 


4 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA APLICADO PERANTE A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

A doutrina revela que “na jurisprudência da nossa Corte Suprema reconheceu-se em primeiro lugar o princípio da insignificância levando em conta exclusivamente o critério do desvalor do resultado. Isso ocorreu em 06/12/1988, envolvendo um caso de lesão corporal culposa provocado por acidente de trânsito.” (GOMES, 2013).

Apresento a ementa do referido julgado:

ACIDENTE DE TRÂNSITO. LESÃO CORPORAL. INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICANCIA. CRIME NÃO CONFIGURADO. SE A LESÃO CORPORAL (PEQUENA EQUIMOSE) DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO E DE ABSOLUTA INSIGNIFICANCIA, COMO RESULTA DOS ELEMENTOS DOS AUTOS - E OUTRA PROVA NÃO SERIA POSSIVEL FAZER-SE TEMPOS DEPOIS - HÁ DE IMPEDIR-SE QUE SE INSTAURE AÇÃO PENAL QUE A NADA CHEGARIA, INUTILMENTE SOBRECARREGANDO-SE AS VARAS CRIMINAIS, GERALMENTE TÃO ONERADAS (STF, Habeas Corpus, Rel. Ministro Aldir Passarinho. Data de pub. 28/04/1989)

Após analisar a ementa, foi possível constatar, que no caso em tela, o Supremo Tribunal Federal, reconheceu por unanimidade o princípio da insignificância e consequentemente arquivamento da ação penal, fundamentando que não houve a configuração do crime, uma vez que a lesão corporal (pequena equimose), decorrente de acidente de trânsito é de absoluta insignificância, não sendo passível de apreciação do poder judiciário, não merecendo sanção penal.

Com esse histórico julgamento, os tribunais passaram a reconhecer o princípio da insignificância, sendo que ao aplicarem este, afastam a tipicidade material do delito, tornando-o indiferente penal, tendo como consequência lógica a inexistência de crime e arquivamento da ação por ser considerada fato atípico. 

Contudo, existem divergências na aplicação do princípio da insignificância, chegando às vezes este ser confundido com o princípio da irrelevância penal do fato, como num outro julgado do Supremo Tribunal Federal.Vejamos:

HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL. DELITO DE TRÂNSITO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ANÁLISE DE CADA CASO. Somente a análise individualizada, atenta às circunstâncias que envolveram o fato, pode autorizar a tese da insignificância. A natureza do ocorrido, bem como a vida pregressa do paciente, não permitem acolher a tese da singeleza. Habeas corpus indeferido. (STF, Habeas Corpus, Rel. Ministro Francisco Rezek. Data de Publicação 07/06/1996)

Percebe-se que o Ministro Francisco Rezek, confundiu o princípio da insignificância com o princípio da irrelevância penal do fato. Apesar do desvalor do fato, o princípio em tela não foi aplicado pelas circunstâncias pessoais do paciente, requisitos estes subjetivos analisados no princípio da irrelevância penal do fato, como já demonstrado, o princípio da insignificância é um instrumento de interpretação restritiva penal com critérios objetivos, quais sejam, o desvalor do resultado, o desvalor da ação ou ambos. 

O Superior Tribunal de Justiça aplicou o princípio da insignificância pelo então presidente da casa, Ministro Nilson Naves, para conceder uma liminar em habeas corpus em favor de C. da S., condenado a pena de dois anos de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de 10 dias-multa pelo furto de um boné, avaliado em R$10,00 (dez reais).

A defesa alegou tratar-se de crime de bagatela, ante o ínfimo valor do bem subtraído, afirmando que não houve qualquer repercussão no patrimônio subtraído da vítima, que teve a res furtiva restituída, sendo a conduta do réu insignificante para o Direito Penal, não se justificando o reconhecimento do delito nem da imposição de pena.

O STJ suspendeu o cumprimento do mandado de prisão expedido pelo juízo da Comarca de Nova Andradina/MS, até o julgamento da ação pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

O doutrinador Luis Flávio Gomes esclarece que atualmente existem duas correntes jurisprudenciais:

A jurisprudência dominante reconhece o princípio da insignificância através de critérios objetivos, analisando apenas o desvalor do resultado ou desvalor da ação, sendo estes capazes de aferir o grau da lesão ou ameaça de lesão grave, verificando que seja ínfima a conduta do agente ou penalmente irrelevante para a produção do resultado, aplicaria o princípio da insignificância, afastando a tipicidade material do crime.

A linha jurisprudencial mais correta (a última) reconhece o princípio da insignificância levando em conta (unicamente) o desvalor do resultado ou o desvalor da ação, é dizer, é suficiente (para atipicidade) que o nível da lesão (ao bem jurídico) ou do perigo concreto verificado seja ínfimo ou ainda que a conduta do agente não tenha tido relevância “penal” (séria) para a produção do resultado. Cuidando, ao contrário, de ataque intolerável ou de conduta relevante o fato é típico (e, portanto, punível). (GOMES, 2013, p. 40/41).

A outra corrente jurisprudencial entende que para aplicação do princípio da insignificância, os critérios, desvalor do resultado, desvalor da ação e desvalor da culpabilidade, têm que serem cumulativos

Há uma outra corrente jurisprudencial (cada vez mais recorrente) que, para o reconhecimento da infração bagatelar, acentua, ademais, a imprescindibilidade de outras exigências: o fato é penalmente irrelevante  quando são insignificantes (cumulativamente) não só o desvalor do resultado, senão o desvalor da ação bem como o desvalor da culpabilidade do agente (isto é: quando todas as circunstâncias judiciais – culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos do crime, conseqüências, circunstâncias etc – sejam favoráveis). (GOMES, 2013, p. 41)

Como já demonstrado, para aplicação do princípio da insignificância tem que ser apreciado apenas o desvalor do resultado e o desvalor da ação (critérios objetivos), a corrente jurisprudencial que entende serem cumulativos os critérios acima mencionados, acrescentando o desvalor da culpabilidade do agente, equivocadamente adentram aos critérios subjetivos típicos da reprovação da conduta humana, confundido o princípio da insignificância com o princípio da irrelevância do fato penal.

Ante o exposto, constata-se haver divergências em relação aos critérios para aplicação do princípio da insignificância, mas o raciocínio da corrente dominante é mais correto, visto que analisa critérios objetivos, ao passo que a outra corrente analisa critérios objetivos e subjetivos, devendo ser analisados quando da aplicação do princípio da irrelevância do fato penal, já que para aplicação do princípio da insignificância, basta o delito ser de lesividade ínfima em relação ao bem jurídico tutelado, seja, moral, patrimonial ou pessoal. 


5 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA APLICADO PELA AUTORIDADE POLICIAL

O fundamento maior da presente pesquisa, gravita, sob a possibilidade de a autoridade Policial proceder à aplicação do princípio da insignificância na fase administrativa. Desta forma, o presente capítulo busca abordar a competência do Delegado de Polícia no âmbito constitucional, bem como a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância por este. 

5.1 A competência do delegado de polícia no âmbito constitucional e de leis infraconstitucionais.

A Polícia Judiciária é um órgão de segurança pública do Estado,  no Brasil as atribuições desta são de competência da Polícia Civil, regulamentada pelas constituições Estaduais e da Polícia Federal, a primeira no âmbito estadual e a segunda no âmbito federal.

Cabe aos órgãos constituídos das policias federal e civil conduzir as investigações necessárias, colhendo provas pré-constituídas e formar o inquérito, que servirá de base de sustentação a uma futura ação penal. O nome polícia judiciária tem sentida na medida em que não se cuida de uma atividade policial ostensiva (típica da Polícia Militar para a garantia da segurança nas ruas), mas investigatória, cuja função se volta a colher provas para o órgão acusatório e, na essência, para que o Judiciário avalie no futuro. (NUCCI, 2010, p. 145)

A fundamentação legal esta em tese capitulado no art. 144, § 1º e º4 da Constituição Federativa.

Art. 144º da CRFB/88 – A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – policiais militares e corpos de bombeiros militares.

III – a dignidade da pessoa humana.

Art. 144º, § 1º da CRFB/88 – A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiaria da União.

Art. 144, § 4º da CRFB/88 – Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (BRASIL 1988)

Na lei infraconstitucional, a competência do Delegado de Polícia é inserida no artigo 4º do Código de Processo Penal.

Art. 4º do Código de Processo Penal - A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. (BRASIL 1941)

As Polícias Civis e a Polícia Federal são responsáveis pelo procedimento administrativo (inquérito policial), a principal função do inquérito policial é apontar indícios de autoria e provas da materialidade delitiva de crime e contravenções penais, para devida instrução do processo criminal. As coletas de provas objetivas serão realizadas pela seção de perícia técnica, na pessoa dos peritos, médicos legistas e profissionais competentes para desenvolver o encargo legal. Cumpre esclarecer que poderão servir neste ato servidores “Ad Hoc”, nomeados para o ato, desde que obedecidos os requisitos legais previsto na legislação. As provas subjetivas serão realizadas pelos escrivães de polícia, a este cabe cumprir as diligências ordenadas pelo Delegado, (ex: realizar oitivas de todos os envolvidos no fato), após serem cumpridas todas as diligências no sentido de buscar a verdade material dos fatos, este devolverá o inquérito policial para que a autoridade policial faça um minucioso relatório dos fatos e encaminhe ao Poder Judiciário.

O inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria. (NUCCI, 2010).

O Delegado de Polícia é a autoridade responsável para presidir o inquérito policial, este poderá requerer ao Poder Judiciário, sempre que se fizerem necessários, diligências que se fizerem indispensáveis para elucidação do crime (ex: mandados de busca e apreensão, interceptações telefônicas, etc), sempre objetivando apontar a autoria e provar a materialidade delitiva do crime.

Cabe ressaltar que as Polícias Civis e Polícia Federal são órgãos independentes, não sendo subordinados do Poder Judiciário ou de qualquer outro órgão, no entanto, o Ministério Público é o órgão responsável pelo controle externo da atividade policial, portanto isso não configura relação de hierarquia entre Delegado de Polícia e Promotor de Justiça. As Polícias Civis e Federal possuem em sua estrutura as Corregedorias, que tem competência de fiscalizar o trabalho exercido pelos policiais, exercendo o Poder Disciplinar Administrativo.

Na lição do Professor Guilherme de Souza Nucci, extrai-se:

A presidência do inquérito policial cabe à autoridade policial, embora as diligências realizadas possam ser acompanhadas pelo representante do Ministério Público, que detém o controle externo da polícia. (NUCCI, 2010, p. 146)

O Delegado de Polícia é autônomo e independente, responsável pela instauração de inquérito policial, seja por Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) ou por Portaria, além das diligências preliminares, Termo de Circunstanciado de Ocorrência (TCO) nos crimes de menor potencial ofensivo, cujo pena máxima não seja superior a dois anos, e procedimentos administrativos (ex: Detran, Instituto de Identificação).

Ressalte-se que a Autoridade Policial exerce poder discricionário, no momento em que lhe é noticiado ou apresentado um fato em tese tipificado no ordenamento jurídico penal, devendo este decidir por qual procedimento deverá ser realizado, através da conduta praticada pelo indivíduo, desta feita, buscando celeridade nos procedimentos e processos judiciais, aplicam-se os princípios orientadores do direito.

5.2 A possibilidade da aplicação do princípio da insignificância pela Autoridade Policial.

O Delegado de Polícia será a autoridade competente instituída pelo Estado, dotado de poderes da administração pública, que terá o difícil dever de analisar casos concretos e decidir pela prisão em flagrante do indivíduo, restringido o segundo bem maior do indivíduo, a liberdade, ou pela instauração de inquérito policial, sempre que haver indícios de autoria e prova da materialidade, para devida apuração da infração penal, para tanto, a autoridade policial exerce o poder discricionário.

Poder discricionário é o que o Direito concede à Administração, de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com liberdade de escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo. (MEIRELLES, 2006).

Portanto, o Delegado de Polícia, diante de uma (notitia criminis) ou um conduzido em flagrante delito, ao fazer uma averiguação dos fatos, constatar que o fato noticiado preenche os requisitos autorizadores do princípio da insignificância, desde já, poderá aplicar o referido princípio, tendo em vista o poder discricionário, que permite a Autoridade Policial julgar o caso concreto de acordo com a sua conveniência e oportunidade, dentro dos limites legais.

Considerando que deve haver um controle judicial dos atos praticados pelo Delegado de Polícia, este ao aplicar o princípio da insignificância seja em um inquérito policial, ou numa prisão em flagrante delito, deverá fazer um relatório circunstanciado dos fatos a exemplo do que é realizado no termo circunstanciado de ocorrência (TCO) e encaminhar ao Poder Judiciário no prazo máximo de 24 horas, bem como deverá ser enviada uma cópia do relatório para o Ministério Público.

O princípio da insignificância aplicado pelo Delegado de Polícia não trás prejuízo para a sociedade em momento algum, visto que o Magistrado ou Promotor de Justiça, entendendo contrária a aplicação do citado princípio, poderão requerer ao Delegado de Polícia a instauração do procedimento cabível.

Ainda é de bom alvitre, reiterar que o princípio da insignificância visa à economia processual, fato evidente e claro de ser percebido, uma vez que aplicado o princípio em tela, não será necessário os serviços dos policias e servidores da justiça a um crime que será aplicado o princípio da insignificância ao final pelo Poder Judiciário, sendo desconsiderado todo o trabalho realizado no procedimento.

Vejamos alguns casos verídicos acontecidos em nosso País, em que era perfeitamente a aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial:

Começamos pelo caso famoso dos furtos das melancias, que repercutiu em nosso País, após a decisão proferida pelo Juiz de Direito Rafael Gonçalves de Paula, nos autos nº. 124/03 – 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO:

Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão. Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional). Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário. Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia. Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo? Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade. Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir. Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo. (TJTO, Autos nº. 124/03, Rel. Juiz Rafael Gonçalves de Paula. Data da pub. 05/09/2003)

No caso em tela, verifica-se um furto insignificante, em que existe um desvalor da conduta, bem como um desvalor da ação, não existindo prejuízo algum ao patrimônio da vítima. Por este fato ser irrelevante para o Direito Penal, foi realizado o auto de prisão em flagrante delito pelo Delegado de Polícia, onde houve toda uma mobilização do aparato policial para lavratura do procedimento (APFD), existiu uma denúncia feita pelo membro do Ministério Público, que opinou pela manutenção dos indiciados na prisão, sendo toda essa fase desnecessária caso o Delegado de Polícia aplicasse o princípio da insignificância na fase administrativa. Ainda vale lembrar que os indiciados foram levados para prisão, onde estarão sob a responsabilidade do Estado, gerando mais gastos para este.

Analisemos esta decisão do Superior Tribunal de Justiça: 

HABEAS CORPUS . IMPETRAÇAO ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇAO AO RECURSO ESPECIAL CABÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO AO SISTEMA RECURSAL PREVISTO NA CARTA MAGNA. NAO CONHECIMENTO. 1. Com o intuito de homenagear o sistema criado pelo Poder Constituinte Originário para a impugnação das decisões judiciais, necessária a racionalização da utilização do habeas corpus , o qual não deve ser admitido para contestar decisão contra a qual exista previsão de recurso específico no ordenamento jurídico. 2. Tendo em vista que a impetração aponta como ato coator acórdão proferido por ocasião do julgamento de apelação criminal, contra a qual seria cabível a interposição do recurso especial, depara-se com flagrante utilização inadequada da via eleita, circunstância que impede o seu conhecimento. 3. O constrangimento apontado na inicial será analisado, a fim de que se verifique a existência de flagrante ilegalidade que justifique a atuação de ofício por este Superior Tribunal de Justiça.

TENTATIVA DE FURTO. BEM DE VALOR ÍNFIMO. IRRELEVÂNCIA. ACUSADO REINCIDENTE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇAO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

2. Hipótese de tentativa furto, no qual não se observa a irrelevância do fato, tendo em vista a reincidência do paciente, situação que demonstra a sua efetiva periculosidade social.

3. O comportamento versado nos autos se amolda tanto à tipicidade formal e subjetiva, quanto à tipicidade material, que consiste na relevância jurídico-penal da ação, visto que restou destacado que o furto em questão não representa fato isolado na vida do paciente, impondo-se, portanto, a incidência da norma penal de modo a coibir a reiteração criminosa.

TENTATIVA DE SUBTRAÇAO DE ALIMENTO PERECÍVEL. INEXISTÊNCIA DE ACRÉSCIMO NO PATRIMÔNIO DO ACUSADO. CIRCUNSTÂNCIAS. FOME E DESEMPREGO. FURTO FAMÉLICO. MANIFESTO ESTADO DE NECESSIDADE. EXCLUSAO DA ILICITUDE. TRANCAMENTO DA AÇAO PENAL. CONCESSAO DA ORDEM DE OFÍCIO.

1. Conquanto não se possa considerar a conduta perpetrada pelo paciente penalmente insignificante, o certo é que tentou subtrair uma unidade de gênero alimentício perecível para saciar a sua fome, não havendo dúvidas de que a res furtiva não ensejou qualquer acréscimo ao seu patrimônio.

2. A tentativa de furto de uma peça de costela pelo paciente, aliada às circunstâncias da prisão em flagrante, oportunidade na qual confessou o seu desvio de comportamento invocando a necessidade provocada pela falta de recursos materiais, caracteriza a sua atuação em manifesto estado de necessidade, afastando a ilicitude do fato que lhe foi imputado.

3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para trancar a ação penal instaurada contra o paciente, expedindo-se alvará de soltura em seu favor, salvo se por outro motivo estiver preso. (STJ, Habeas Corpus, Rel. Ministro Jorge Mussi. Data da pub. 06/08/2013)

Versam os fatos sobre o crime de furto famélico tentando, visto que o réu tentou furtar uma peça de costela recheada, avaliada em R$17,50 (dezessete reais e cinqüenta centavos), do Supermercado San Michael.

Analisando o caso em tela é passível que se trata de crime irrelevante/insignificante para o Direito Penal, haja vista, que o réu tentou furtar algo para saciar a sua fome, caracterizando o estado de necessidade, e em momento algum o bem furtado traria acréscimo ao seu patrimônio, bem como também não podemos falar em lesividade ao patrimônio da vítima, sendo esta um grande Supermercado.

Portanto, houve a prisão em flagrante deste réu, sendo necessário os serviços dos órgãos de segurança pública, desde a condução realizada pela Polícia Militar até a finalização do Auto de Prisão em Flagrante Delito (APFD) realizado pela Polícia Civil, que encaminhou o autuado para uma Penitenciária. Após essa fase, sendo concluído com o relatório final o APFD, este foi encaminhado ao Poder Judiciário, onde inicia-se o processo criminal, sendo despendido tempo e serviço por parte dos servidores do Ministério Público e do Poder Judiciário, com a sentença absolvendo o réu, mas ainda houve uma apelação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, fazendo com esse caso de irrelevância chegasse até o Superior Tribunal de Justiça.

Portanto, percebe-se que houve um gasto estatal maior do que o da “res furtiva” uma peça de carne avaliada em R$17,50 (dezessete reais e cinqüenta centavos), isto, sem contar o prejuízo incalculável, no sentido de que os órgãos envolvidos gastaram tempo de serviço com um processo sem relevância para o Direito Penal, impedindo que os servidores trabalhassem em processos que realmente interessam para pretensão punitiva do Estado, estes, às vezes chegam a prescrever, devido à exacerbação de procedimentos e processos nos órgãos estatais.


6 CONCLUSÃO 

A pesquisa efetivada no presente trabalho apontou no sentido que o princípio da insignificância apesar de não estar explícito em nosso ordenamento jurídico, mostrou-se relevante para o Direito Penal, sendo aplicado frequentemente pelos nossos tribunais e aceito pela doutrina majoritária. Constatou-se que após análise no caso concreto, atentando-se a todas as circunstâncias que envolveram o fato é que se pode verificar a aplicação do referido princípio, como excludente de ilicitude do fato, uma vez que afasta a tipicidade material do delito.

O princípio da insignificância é aplicado nos crime de bagatela próprio, ou seja, aqueles que nascem insignificantes para o Direito Penal, não merecendo apreciação do Estado, bem como não sendo passíveis de punição, uma vez que há o desvalor da conduta e o desvalor do resultado. Ficou evidenciado que o princípio da insignificância é um integrado aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, vez que resguarda a dignidade da pessoa humana e a proporcionalidade da pena aos casos de mínima relevância, impedindo que se cometam injustiças e utilize o direito penal como instrumento de vingança ou de demonstração do poder estatal.

A autoridade policial exerce um poder discricionário ao ser lhe facultado ratificar ou não uma prisão em flagrante, claro que qualquer posição adotada deverá ser fundamentada nos limites legais, bem como ao receber uma notícia crime decidir sobre a instauração do inquérito policial ou desde já não havendo indícios de autoria ou prova da materialidade arquivar.

Desta forma, forçoso concluir que é perfeitamente possível a aplicação do princípio da insignificância pelo Delegado de Polícia, devendo este ao deparar-se com um crime de bagatela próprio, aplicar o princípio em tela, visto que não há tipicidade material, é um indiferente penal. A autoridade policial nestes casos deixará de ratificar a prisão em flagrante ou mesmo de instaurar inquérito policial, devendo fazer um relatório circunstanciado dos fatos e encaminhar o referido relatório ao Juiz e Promotor de Justiça competente para ciência e homologação do feito.

Ressaltando-se que o Ministério Público é o responsável pelo controle externo da atividade policial, portanto, o Poder Judiciário e Ministério Público poderão discordar da aplicação do princípio da insignificância aplicado em determinado caso, e requerer ao Delegado de Polícia a instauração do inquérito policial, isso é até mesmo uma forma de não concentrar poderes decisórios na mão apenas da autoridade policial.

Destarte, a aplicação do princípio da insignificância na fase administrativa justificaria o princípio da economia processual e da celeridade, não podendo o aparelho estatal ocupar-se de processos que tenham como objeto a apuração de delitos insignificantes, uma vez que estes são atípicos. 


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Autor

  • Alexson Sousa

    Bacharel em Direito (2014) pela Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC). Especialista em Direito Público (2015) pela Faculdade de Educação de Bom Despacho (FACEB). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (2018) pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Policial Militar (2016-2018). Policial Civil (2018).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Alexson. A possibilidade da aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5975, 10 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77437. Acesso em: 26 abr. 2024.