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Por uma tutela inibitória face às vítimas ou potenciais vítimas do assédio moral

Por uma tutela inibitória face às vítimas ou potenciais vítimas do assédio moral

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As sociedades nacional e internacional vêm direcionado suas atenções ao tema do assédio moral, fenômeno oriundo da atual organização do trabalho que, na ânsia de obter resultados cada vez intensos - em quantidade e qualidade - com menor custo e tempo, sacrifica o trabalhador, tornando-o vulnerável a toda sorte de distúrbios mentais e psíquicos.

Nesse contexto, impõe-se aos trabalhadores uma jornada intensa e prolongada, a qual é desempenhada em ambiente de competitividade acentuada e mediante exigência de eficácia técnica e avaliação constante do desempenho, sem qualquer reconhecimento, o que lhes enseja medos, incertezas, angústias e tristezas. E esse estado de coisas acaba sendo fomentado diante da submissão forçada dos trabalhadores, em razão da escassa oferta de empregos e da crise econômica, conjuntura que impera em nossa sociedade.

Tais sentimentos ofendem evidentemente a dignidade, assim como a saúde física e mental do trabalhador. Verônica Lopes da Silva NASCIMENTO, autora da monografia intitulada "Base legal para ação de vigilância em saúde do trabalhador na questão assédio moral", apresentada no âmbito do Curso de Especialização em Direito Sanitário para Profissionais de Saúde, à Fundação Osvaldo Cruz, em dezembro de 2003, diz que:

O assédio moral é revelado por atos e comportamentos agressivos, realizados, freqüentemente, por um superior hierárquico, contra uma ou mais pessoas, visando desqualificá-las e desmoralizá-las profissionalmente, desestabilizá-las emocional e moralmente, tornando o ambiente de trabalho hostil, forçando-a a desistir do emprego.

Esse comportamento evidentemente causa danos à identidade e à dignidade, assim como à saúde física e mental dos trabalhadores, afeta a saúde individual e coletiva, comprometendo, por sua vez, a almejada produtividade e qualidade. Tais riscos se inserem nas relações interpessoais, constituindo fatores psicossociais, sendo por isso um ‘risco invisível’, porém objetivo na medida em que desorganiza as emoções, desencadeia ou agrava doenças pré-existentes ameaçando não somente o emprego, mas a vida dos trabalhadores.

Para Lydia Guevara RAMIRES, Secretária da Diretoria Nacional da Sociedade Cubana de Direito do Trabalho e Seguridade Social, conhecida como a jurista pioneira a tratar do tema, as causas do assédio remontam efetivamente "às deficiências na organização do trabalho, à informação interna e à gestão, assim como os problemas de organização prolongados e não resolvidos, que são um entrave para os grupos de trabalho e podem desembocar em uma busca de bodes expiatórios." [01]

O assédio moral constitui-se, portanto, num problema de saúde pública e justiça social, que ofende essencialmente a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF/88), assim como compromete os valores sociais do trabalho, igualmente princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, da CF/88).

A dignidade da pessoa humana é o princípio que norteia todo o ordenamento jurídico pátrio. Esse princípio tem condão, como afirma Rizzato NUNES [02], em sua obra a respeito, de influenciar na interpretação e na aplicação de todas as normas jurídicas, eis que ocupa hierarquia máxima em temos da hermenêutica jurídica e situa-se no ápice do sistema jurídico, irradiando sua luz por todo o ordenamento jurídico.

Por atingir a dignidade da pessoa humana, o assédio moral é um mal que deve ser intensamente enfrentado pelo Estado, pela sociedade, pelas organizações não-governamentais, pelas instituições em geral, não se podendo contentar com a alternativa de sua compensação pecuniária, especialmente por que sendo a dignidade humana um direito absoluto não comporta esse gênero de tutela jurídica.

E as discussões hoje vigentes sobre o tema do assédio moral, a que se fez referência no início da presente explanação, têm em vista unicamente a reparação dos danos ocasionados pelo mesmo. Essa finalidade torna todo o esforço empreendido pela doutrina estéril, vez que investigar meios e alternativas para reparar os danos ocasionados pelo assédio moral não tem o condão de realizar o primado constitucional de promover a dignidade da pessoa humana. Uma iniciativa comprometida com a concretização dos valores constitucionais deve partir para a efetivação da dignidade humana, e não apenas para a criação de mecanismos tendentes a reparar a ofensa a dito valor.

Desvia-se a questão da reparação do dano moral para uma posição secundária, haja visto a necessidade em se pôr fim à idéia de que os direitos de cunho não patrimonial ensejam, uma vez violados, compensação pecuniária.

Essa questão foi bem desenvolvida por Sérgio Cruz ARENHART, autor da obra "A tutela inibitória da vida privada" [03], onde afirma que a recomposição pecuniária "é pouco mais que inútil" em matéria de direitos desprovidos de caráter patrimonial. [04] Em outra passagem, referido autor assenta que:

O trato dado aos direitos patrimoniais, quer obrigacionais, quer reais, pode assemelhar-se e agrupar-se em uma mesma categoria, o mesmo não ocorrendo com a tutela dada aos direitos da personalidade e outros direitos absolutos, tais como o direito ao meio ambiente. (...)

Quanto aos direitos da personalidade, contudo, o mesmo não se dá. A tutela de que tal espécie de direitos carece não se harmoniza, de forma alguma, com os instrumentos dados pelo nosso sistema processual. Tanto quanto a proteção do meio ambiente, necessitam de uma tutela especial, que se afasta completamente daquela reparatória (que é impossível, como já vimos, em sede de direitos da personalidade) outorgada aos direitos patrimoniais. [05] (sem grifo no original)

Partindo-se da crítica à doutrina que se debruça exclusivamente sobre a reparação pecuniária dos danos ocasionados pelo dano moral, propõe-se a releitura e a execução dos mecanismos sociais e jurídicos existentes em nosso ordenamento que permitam obstar a ocorrência e/ou a intensificação do assédio moral, de modo a efetivar o primado constitucional da dignidade da pessoa humana.

A priori, pode-se falar numa intensificação da vigilância pelo Ministério Público do Trabalho, bem como pelo Ministério da Saúde, na realização dos exames médicos de rotina, na persecução das condutas que configuram o assédio moral, na utilização da faculdade de rescisão indireta do contrato de trabalho, como algumas alternativas para obstar o assédio moral ou o seu progresso.

Diante do exposto, faz-se mister priorizar a utilização dos mecanismos que permitam evitar o assédio moral ou, ao menos, livrar a vítima de seus efeitos.


Notas

01 "Reflexões sobre o assédio moral no trabalho", que apresentou em sua Conferência proferida no IV Encuentro Interamericano de Derecho Laboral Y Seguridade Social, realizado em Cuba, de 24 a 28 de março/02.

02 NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2004.

03 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. Vol. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

04 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada, p. 60.

05 ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada, p. 60-61.


Autor

  • Adriana Estigara

    Adriana Estigara

    Doutora pela PUC/SP Mestre em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Advogada e Consultora na área do Direito Tributário, e Direito do Terceiro Setor, integrante do Lewis & Associados. Professora junto à Universidade Positivo nas graduação e na pós graduação junto às disciplinas de Direito Tributário.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTIGARA, Adriana. Por uma tutela inibitória face às vítimas ou potenciais vítimas do assédio moral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 913, 2 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7766. Acesso em: 29 mar. 2024.