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A mediação judicial nas relações familiares: uma análise do instituto como meio alternativo à prisão civil do devedor de alimentos

A mediação judicial nas relações familiares: uma análise do instituto como meio alternativo à prisão civil do devedor de alimentos

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Um breve estudo acerca da mediação judicial aplicada às relações familiares, mais especificamente, sua utilização como meio alternativo à prisão civil do devedor de alimentos.

Resumo: O presente artigo científico tem como objeto a mediação judicial aplicada às relações familiares, mais especificamente, sua utilização como meio alternativo à prisão civil do devedor de alimentos. A mediação, além de se mostrar como um mecanismo rápido e efetivo à solução dos conflitos familiares, procura além da resolução, pacificar as partes, de modo que é plausível considerar sua utilização como alternativa à prisão civil do devedor de alimentos, se não em todos os casos, mas ao menos em algumas situações específicas, notadamente, naquelas em que a coerção pessoal se mostra como medida desproporcional ao caso ou até mesmo, inaplicável. O método utilizado na elaboração deste trabalho de curso foi o indutivo e o método de procedimento foi o monográfico. O levantamento de dados foi através da técnica da pesquisa bibliográfica.

Palavras-Chave: Conflitos. Prisão Civil. Mediação.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Considerações acerca da definição e finalidade da mediação. 2.1 A importância da mediação para solução dos conflitos familiares. 3 (In)aplicabilidade da mediação judicial aos processos em fase de cumprimento de sentença e de execução de título executivo extrajudicial. 4 A (im)possibilidade de utilização da mediação judicial como meio alternativo à prisão civil do devedor de alimentos. 5 Considerações finais. 6 Referências.

1    INTRODUÇÃO

O objeto do presente Artigo Científico é a mediação judicial nas relações familiares, com enfoque na possibilidade de sua utilização como meio alternativo à prisão civil do devedor de alimentos.

O objetivo geral deste trabalho é verificar se é possível a utilização da mediação judicial como meio alternativo à prisão civil do devedor de alimentos.

 Os objetivos específicos são: a) analisar os principais aspectos da definição e finalidade do Instituto da mediação e sua importância nas relações familiares; b) abordar acerca da aplicação da mediação judicial aos processos em fase de cumprimento de sentença e nos processos de execução de título executivo extrajudicial; e c) avaliar a (im)possibilidade de utilização da mediação judicial como meio alternativo à prisão civil do devedor de alimentos.

Na delimitação do tema levanta-se o seguinte problema: é possível a utilização da mediação judicial como mecanismo alternativo à prisão civil do devedor de alimentos?

 Para equacionamento do problema levanta-se a seguinte hipótese: supõe-se que é possível a utilização da mediação judicial como mecanismo alternativo à prisão civil do devedor de alimentos.

O presente trabalho possui relevância jurídica na medida em que trata da mediação como meio alternativo à segregação da liberdade do devedor, tema instigante que pode gerar grandes debates. Além disso, possui relevância social, uma vez que coerção pessoal do devedor de alimentos, é uma medida extremamente gravosa, considerada exceção ao direito à liberdade garantido constitucionalmente. A relevância acadêmica também se faz presente, uma vez que a questão possibilita amplo debate, principalmente, acerca da interpretação das leis e decisões judiciais relacionadas ao estudo, bem como acerca do impacto da mediação aplicada como meio alternativo à prisão civil do devedor de alimentos.

A prisão civil é considerada uma medida extremada de cobrança do crédito alimentar, porquanto retira a liberdade do devedor e, ainda, quando aplicada, pode causar grandes abalos na relação afetiva dos envolvidos.

 Por tais razões, a busca pela utilização de meios alternativos à prisão civil vem ganhando espaço nas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, já que, muitas delas, além de se mostrarem menos agressivos que a coerção pessoal do devedor, em determinadas situações, são mais efetivas que a medida que segrega a liberdade e causam menos impacto na relação das partes envolvidas.

Nesse viés, e tendo em vista que a atual legislação processual civil possui diversos dispositivos incentivadores à resolução consensual dos conflitos, se faz interessante analisar essa questão sob a perspectiva da possibilidade de utilização do Instituto da mediação como alternativa à prisão civil do devedor de alimentos.

2    CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DEFINIÇÃO E FINALIDADE DA MEDIAÇÃO

A mediação, na definição dada por Tucci (2017, p. 175), pode ser dita como “[...] mecanismo de solução de conflitos no qual uma terceira pessoa, neutra e imparcial, fomenta o diálogo entre as partes, para que elas próprias construam, com autonomia e solidariedade, a melhor solução para o problema.”

Nesse mesmo sentido, Luchiari (2012, p. 14) conceitua o Instituto em comento como:

[...] um meio de solução de conflitos, no qual um terceiro facilitador, num ambiente sigiloso, auxilia as partes em conflito no restabelecimento do diálogo, investigando seus reais interesses, através de técnicas próprias, e fazendo com que se criem opções, até́ a escolha da melhor, chegando as próprias partes à solução do problema, o que redunda no seu comprometimento com esta última.

Tem-se, desse modo, que a mediação pode ser entendida como um mecanismo onde, por meio de um terceiro facilitador, há a estimulação do reestabelecimento do diálogo entre as partes em conflito, para que elas por si sós cheguem à resolução da contenda.

Infere-se que a mediação é regulada pela Lei 13.140/2015. Acerca da sua definição, especificamente, pertinente destacar a conceituação dada pela referida legislação, no parágrafo único de seu artigo 1°, in verbis: “Art. 1° [...] parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.” (BRASIL, 2015).

Comumente, recomenda-se a aplicação da mediação a conflitos com maior complexidade, em que estejam envolvidas diversas questões controvertidas entre partes envolvidas. (TUCCI, 2017). Nesse sentido, é indicada para os casos onde exista alguma relação já predeterminada, conforme esclarece Donizetti (2016, p. 148): “[...] o mediador atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes.”

Justamente um exemplo em que, normalmente, se verifica esse vínculo, é nos conflitos familiares.

Importante ressaltar, que a mediação sempre será realizada com ajuda de terceiros, os denominados mediadores, para Scavone (2016, p. 273) a função do mediador é: “[...] neutralizar a emoção das partes, facilitando a solução da controvérsia sem interferir na substância da decisão dos envolvidos.”

Insta registar, que a mediação pode ocorrer de forma judicial ou extrajudicial sendo que, em se tratando de mediação extrajudicial, o mediador pode ser qualquer pessoa, desde que, basicamente, seja capaz e que tenha a confiabilidade das partes, conforme artigo 9º da Lei 13.140/2015: “Art. 9º Poderá funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se.” (BRASIL, 2015).

Por outro lado, em se tratando de mediação judicial, existe a previsão de outros requisitos para exercício de tal função, além da capacidade exigida no âmbito da mediação extrajudicial, conforme se retira do disposto no artigo 11 da Lei 13.140/2015:

Art. 11. Poderá atuar como mediador judicial a pessoa capaz, graduada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e que tenha obtido capacitação em escola ou instituição de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM ou pelos tribunais, observados os requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça. (BRASIL, 2015).

Importante acrescentar para a funcionalidade de mediador, “[...] exige-se profissional habilitado que tenha a capacidade de encaminhar a solução do pano de fundo do conflito, muitas vezes de caráter emocional.” (SCAVONE, 2016).

Isso se justifica, tendo em vista que o mediador não visa tão somente a realização de acordo entre as partes, mas sim, e sobretudo, restaurar a comunicação prejudicada pelo conflito existente entre as partes, possibilitando que melhorem sua relação e assim consigam de forma autônoma resolver seus impasses. (LUCHIARI, 2012).

Portanto, por meio da mediação, há grandes possibilidades das partes não só saírem das sessões de mediação com seus problemas resolvidos, como também sem inimizades, além, claro, da sensação de benefício recíproco, porquanto as duas partes resolvem a questão controvertida nos seus termos, e não esperam por um terceiro que, normalmente, decide favorável a apenas uma das partes do conflito, como ocorre por intermédio do Estado, na figura do juiz.

2.1    A IMPORTÂNCIA DA MEDIAÇÃO PARA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS FAMILIARES

Como visto nos parágrafos anteriores, a mediação, por não possuir como único objetivo a solução do conflito em si, mas antes, o reestabelecimento do diálogo entre as partes conflitantes é, sem dúvida, um caminho recomendável à solução dos impasses familiares.

Na mediação, conforme Barbosa (2015, p. 116 e 117): “os mediandos tornam-se capazes de tomar a vida nas próprias mãos, fazendo escolhas criativas e adultas para conduzir as relações afetivas, afirmando o princípio do livre desenvolvimento da personalidade e o princípio da afetividade.”

Ou seja, além da mediação oportunizar que as partes cheguem à uma solução da maneira que lhes melhor atender seus anseios, já que são elas próprias que vão decidir qual será o fim do litígio, indiretamente, isso acaba também, por contribuir com seu engrandecimento pessoal.

Nesse viés comenta Almeida (2012, p. 569), destacando entre outras coisas, que mediação facilita que as partes identifiquem quais as reais razões de seus conflitos:

[...] a solução encontrada pelas partes é a que melhor atende aos seus interesses, pois, envolvidas num processo (mediação) em que reconhecem a existência do conflito e a necessidade de resolvê-lo, as pessoas têm maior possibilidade de fazer a distinção entre o que se refere ao aspecto econômico, material, e o que diz respeito ao lado emocional, afetivo e singular.

Não obstante à essas circunstâncias vantajosas, há certa dificuldade de aceitação das partes em resolver seus conflitos por meio da mediação, porquanto, “a atitude de se responsabilizar pelas escolhas passadas não é fácil de ser alcançada, sendo comum a rejeição dos protagonistas, num primeiro momento.” (BARBOSA, 2015).

 Nessas situações, se destaca o papel do mediador que, como já mencionado nesse estudo, não tem como função indicar soluções, mas tem, por outro lado, como objetivo auxiliar as partes a que elas próprias consigam desenvolver uma solução para seu problema.

Além dessa dificuldade natural das pessoas em aceitar e admitir seus atos, o que pode ser ilidida pelo mediador, deve-se considerar também, que geralmente as partes em conflitos familiares vêm de longo desgaste, o que acaba por dificultar ainda mais o diálogo.

Todavia, destaca Almeida (2012, p. 568) a importância da atuação das partes no sentido de chegarem por seus próprios esforços à solução:

[...] os conflitos familiares envolvem inúmeras questões subjetivas e, assim, postula-se que as partes não podem e não devem ficar alheias à sua solução, simplesmente esperando que um terceiro diga o que é certo e o que é errado. É preciso que lhes seja oferecida a oportunidade a fim de que busquem autorregulamentar a solução do conflito criado por elas mesmas, ou melhor, autoconstituam-se.

Justamente, a mediação familiar, possui como objetivo: “[...] acolher pessoas em sofrimento, reconhecendo-lhes a incapacidade momentânea de tomar decisões possíveis e adequadas, posto que seus recursos pessoais encontram-se à míngua, em decorrência do desgaste de conflito relacional intrafamiliar.” (BARBOSA, 2015).

É destacável ainda que “a mediação familiar tem natureza interdisciplinar, o que lhe atribui conhecimento do iter do conflito familiar, valorando-o positivamente, como oportunidade de extrair o fortalecimento dos vínculos afetivos.” (BARBOSA, 2015).

Ou seja, a mediação possibilita, não só que os mediandos cessem o seu conflito, mas que também, saiam da sessão de mediação com os seus laços de afetividade ainda mais fortalecidos, pois se busca tratar a fundo a causa do conflito.

Inclusive, para Almeida (2012, p. 570): “A verdadeira justiça com paz social só é alcançada quando todas as questões que envolvem o litígio são discutidas e tratadas de forma completa e satisfatória pelas próprias partes.”

Em relação aos conflitos relacionados à pensão alimentícia que, justamente é o débito pode dar ensejo à prisão civil como se abordará mais a frente, a mediação é recomendável, já que, tais casos trazem, “[...] de forma oculta, situações afetivas complexas que a jurisdição estatal, a arbitragem (jurisdição privada) e a conciliação não são passíveis de resolver.” (SCAVONE JUNIOR, 2016).

Diante dessas circunstâncias, resta evidente que a mediação possui grande importância no âmbito dos conflitos familiares, principalmente, tendo em vista o seu caráter pacificador que visa o reestabelecimento do diálogo entre os conflitantes.

3       (IN)APLICABILIDADE DA MEDIAÇÃO JUDICIAL AOS PROCESSOS EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA E DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL

Como visto no primeiro título deste estudo, a mediação é um importante mecanismo de solução de conflitos e que, no âmbito das relações familiares ganha especial importância, notadamente, pelas diversas vantagens proporcionadas com seu uso.

Infere-se que no Código de Processo Civil vigente, entre os artigos 165 a 175, está disciplinado acerca da criação, organização e composição de centros judiciários de soluções de conflitos, estabelece também referidos dispositivos, acerca das funções dos conciliadores e mediadores judiciais, questões estas que não possuem correspondência com dispositivos do Código de Processo Civil de 1973, tendo-se que o atual Código de Processo Civil, inovou significativamente nesta questão.

Acerca do aprimoramento no tratamento dos referidos institutos, assinala Donizetti (2016, p. 146): “Antes, viam-se as formas de conciliação e mediação como válvulas de escape do procedimento. A finalidade era apenas exaurir a excessiva carga de processos. Agora, o CPC/2015 busca tais meios como incentivo às partes, e não apenas ao juiz.”

Assim, “procurando infundir a cultura da pacificação entre os protagonistas do processo, o CPC, em inúmeros preceitos, sugere a autocomposição.” (TUCCI, 2017). De modo semelhante, menciona também Almeida (2016, p. 284): “O NCPC, de maneira inovadora e pragmática – reconhecendo e enfrentando a atual situação do Judiciário brasileiro –, vem estimular o uso de mecanismos alternativos (ou adequados) de solução de conflitos.”

Tais afirmações se confirmam da análise dos dispositivos do Código de Processo Civil vigente que determina, por exemplo, que em se tratando de processo de conhecimento que siga o procedimento comum, este deve ser iniciado com uma audiência de conciliação e mediação. Ainda que, em caso de restar referida audiência inexitosa, ou seja, que não se chegue a uma solução amigável no referido momento, pode o próprio magistrado, cumprido seu papel de gerenciador do processo, a todo o momento possibilitar às partes, novas tentativas de transação. (VEZZONI, 2016).

Esse papel do magistrado está, inclusive, expresso no Código de Processo Civil, no artigo 139, inciso V, que “[...] ratifica esse dever do juiz, ao impor-lhe a promoção, a qualquer tempo, da autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais.” (CABRAL e CRAMER, 2016).

Importante ressaltar, que o dever de estimular a solução de forma consensual dos conflitos também está expresso no artigo 3°, parágrafo 3°, do Código de Processo Civil, sendo tal dever inerente aos advogados, defensores públicos, juízes e aos membros do Ministério Público. Tal disposição, também pode ser aplicada ao âmbito extrajudicial. (CABRAL e CRAMER, 2016).

Pois bem, muito embora haja esse dever e seja consenso doutrinário da aplicabilidade da mediação como meio efetivo de resolução de conflitos, registra Pinto (2017, p. 67) que, no entanto, “[...] raros são os magistrados e promotores que estendem essa possibilidade aos processos de execução.”

Todavia, tendo em vista a importância que o Código de Processo Civil deu à utilização de meios alternativos à solução de conflitos, pode-se dizer que o entendimento de não aplicar os mecanismos autocomposição às execuções, notadamente, a mediação, contraria a ideia da atual legislação processual civil.

4       A (IM)POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA MEDIAÇÃO JUDICIAL COMO MEIO ALTERNATIVO À PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS

Antes de tratar, especificamente, acerca da utilização da mediação como mecanismo alternativo à prisão civil, é pertinente fazer breves apontamentos acerca dos principais pontos da atual sistemática da coerção pessoal no Código de Processo Civil.

 Pois bem, o credor de alimentos, munido do título judicial, seja ele uma sentença ou uma decisão interlocutória, conforme artigo 528, parágrafo 8°, do Código de Processo Civil, possui dois caminhos para promover a sua cobrança. Pode escolher seguir as determinações gerais do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa, disposto no Livro I da parte especial, Título II, Capítulo III, do Código de Processo Civil, hipótese esta, em que não é possível requerer a prisão civil do devedor, ou seja, em não havendo pagamento voluntário do débito, restará ao credor apenas a possibilidade de penhora de bens do devedor. E a outra opção é seguir o procedimento especial de cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos, previsto no mesmo Livro e Título do procedimento que visa a expropriação de bens do devedor, mas no capítulo IV do Código de Processo Civil. (THEODORO JÚNIOR, 2017).

Importante destacar que não há uma ordem a ser seguida entre os procedimentos, isto é, “o credor não é obrigado a recorrer antes à execução de bens do patrimônio do devedor para, somente depois de frustrada essa modalidade de cobrança, requerer a sua prisão.”  (GONÇALVES, 2017).

No entanto, há quem defenda que a segregação do devedor de alimentos, deveria ser a última medida utilizada, “[...] em razão de uma lógica, razoável e adequada ordem de preferência quanto à cobrança desse débito, que deve incidir sobre o patrimônio, e não sobre o corpo do devedor.” (PINTO, 2017).

Em optando o credor pelo rito especial, conforme artigo 528, caput, do Código de Processo Civil, o devedor da obrigação alimentar, intimado, possui três dias para adimplir o débito, provar que já o fez ou justificar impedimento em fazê-lo:

Art. 528.  No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação (alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. (BRASIL, 2015).

Em caso de não ser aceita a justificativa eventualmente apresentada e não havendo o adimplemento, determina o Código de Processo Civil que a próxima medida é a decretação da prisão civil do devedor: “Art. 528. [...] § 3o Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1o, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.” (BRASIL, 2015).

Insta destacar que todo o procedimento até aqui tratado, é previsto de forma expressa para os títulos executivos judiciais que reconheçam a obrigação de prestar alimentos (decisão interlocutória ou sentença). No entanto, pertinente consignar que, de acordo com o Código de Processo Civil, é possível a aplicação de algumas dessas regras, como prisão civil, também para a execução de título executivo extrajudicial que contenha a obrigação alimentar, “[...] como escritura pública ou documento particular, no qual um dos contratantes assumiu a obrigação de prestar alimentos em favor de companheiro ou de filho havido fora do casamento, apenas para exemplificar.” (MONTENEGRO FILHO, 2016).

Com essa breve explanação acerca do procedimento adotado na busca do crédito alimentar pela via da coerção pessoal, nota-se que inexiste em tal rito, a obrigatoriedade da realização de audiência de conciliação ou mediação como se tem em se tratando de processo de conhecimento que siga o procedimento comum.

Porém, como visto no decorrer deste estudo a mediação é considerado um mecanismo muito eficiente de solução de conflitos familiares e que, em que pese não esteja previsto de forma expressa, pode ser aplicada aos processos em fase de cumprimento de sentença e aos processos de execução, notadamente, pelo fato de haver no Código de Processo Civil, uma série de dispositivos que demonstram o incentivo à resolução dos conflitos por meio do referido Instituto.

Por tais razões e tendo em vista que a prisão civil é uma medida excepcional, a mediação pode se mostrar como uma opção viável, porquanto oportuniza às partes a chance de solucionar a contenda sem desgastar ainda mais a sua relação, como ocorre com a coerção pessoal, que tende a trazer ainda mais conflitos quando aplicada. Neste sentido, assinala Barbosa (2015, p. 133):

A execução da medida de restrição de liberdade causa uma revolta sem precedentes. Ademais, dá ensejo a outras medidas litigiosas, em contrapartida, tais como revisional de alimentos, modificação de guarda – não pela convivência com a criança, mas como meio indireto de se exonerar da obrigação alimentar – e tantas outras que a criatividade da parte violentada possa inventar, com certa dose de vingança.

No entanto, como já mencionado, apesar de possível e possuir inúmeros benefícios, há certa resistência por parte dos juízes e envolvidos no processo em aplicar os meios alternativos de solução de conflitos às execuções de alimentos.

Especificamente em relação a casos em que se busca a prisão civil, esse costume de não aplicar os meios alternativos de resolução de conflitos – conciliação e mediação - pode ser dito como uma forma de cerceamento de defesa, e que acaba por manter uma situação medieval ainda existente. Tem-se que com isso, se está colocando “[...] a coação prisional à frente do debate, da negociação, da conciliação entre as partes.” (PINTO, 2017).

De fato, da análise das decisões dos tribunais, se percebe que não é comum a designação de audiência às execuções de alimentos. Para exemplificar, possível citar o Habeas Corpus n. 70080557887, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, julgado em 28/02/2019, pela Oitava Câmara Cível do referido Tribunal, e que teve como relator, o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos.

No caso, a parte devedora se insurgia por meio do Habeas Corpus preventivo, após nos autos do cumprimento de sentença de alimentos em que estava sendo demandada, o magistrado ter indeferido o requerimento de designação de audiência de mediação, mantendo o decreto prisional. Entre outras questões relacionadas ao débito em si, alegou o impetrante que agiu errado o juízo a quo ao negar o pedido de designação de audiência, notadamente, porque fez isso sem ouvir a parte contrária, e também porque tal possibilidade é estimulada pelo atual Código de Processo Civil, no entanto, o juízo ad quem não acolheu suas alegações, na realidade, sequer enfrentou a argumentação do impetrante acerca do pedido de designação de audiência, limitando-se à sua manifestação na viabilidade da prisão civil no caso, afastando a possibilidade de realizar mediação judicial em tal momento especifico.

A ementa do referido julgado dispõe:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL. PEDIDO DE DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE MEDIAÇÃO. INDEFERIMENTO. De acordo com o art. 528, § 7º, do CPC, o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo. No caso, nenhum pagamento foi efetuado pelo executado, nem foi apresentada justificativa de impossibilidade de fazê-lo. O débito remonta ao ano de 2016 e a prisão civil, há muito, foi decretada, sem que o oficial de justiça lograsse êxito em localizar o executado. Daí porque, a essas alturas, mostra-se descabido o pedido do devedor de designação de audiência de mediação, na tentativa de compor a lide, ainda mais que nenhuma proposta de parcelamento veio aos autos. Manutenção do decreto prisional. SEGURANÇA DENEGADA. UNÂNIME. (Habeas Corpus nº 70080557887, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 28/02/2019).

Em contrapartida, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, no Agravo de Instrumento n. 4009243-61.2017.8.24.0000, julgado em 26/09/2017, pela Sexta Câmara de Direito Civil, cujo o relator foi o Desembargador André Luiz Dacol, entendeu pela viabilidade de designação de audiência de mediação e o indeferimento da prisão civil no caso analisado.

Na situação, a parte credora de alimentos interpôs o agravo de instrumento contra decisão da julgadora de primeiro grau que, da detida análise dos autos, entendeu que não era cabível a prisão civil do devedor e por isso designou audiência de mediação. O juízo de segundo grau entendeu que a magistrada agiu corretamente, consignando no acórdão que:

[...] malgrado haja o inadimplemento do devedor agravado, não estão presentes os demais requisitos, de modo que, a meu sentir, agiu corretamente a magistrada de primeiro grau, Dra. Mônica Elias de Lucca, ao determinar a realização de audiência de mediação, indeferindo a prisão civil do agravado. Isso porque, a atitude do agravante, ao pleitear a prisão de seu pai em razão do inadimplemento da pensão alimentícia, o qual, consoante já mencionado, ocorre há dez anos, parece estruturada no intuito meramente punitivo. As alegações acerca do abandono afetivo não podem justificar o deferimento da drástica medida de prisão civil. Ora, caso o agravante se considere vítima de abandono afetivo, deve ajuizar ação própria para eventual reparação pelo abalo anímico. Rememoro, por oportuno, que a prisão civil não é pena; antes, é meio de coerção. Seu intuito não é, por isso, punir o devedor inadimplente, mas fazê-lo se defrontar com possível restrição de sua liberdade que o faça abandonar a inércia e efetuar o pagamento do débito. (Agravo de Instrumento n. 4009243-61.2017.8.24.0000, Sexta Câmara de Direito Civil, Tribunal de Justiça de SC, Relator: André Luiz Dacol, julgado em 26-09-2017).

Retira-se do excerto acima transcrito que, no caso, a mediação foi aplicável como primeira medida, enquanto pela estrita regra processual, seria o caso de decretação da prisão civil do devedor. No entanto, tem-se que isso apenas ocorreu porque não se observava no caso, o preenchimento dos requisitos permissivos à prisão civil.

Diante do apresentado, vê-se que apesar do estímulo do Código de Processo Civil à solução dos conflitos de modo consensual, a mediação, especificamente, no âmbito das execuções de alimentos, ainda é pouco aplicada, o que, confrontado com o fato de haver grandes benefícios na resolução dos conflitos por meio do Instituto em comento, não parece ser justificável.

5    CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo objetivou discutir a mediação judicial aplicável às relações familiares, mais especificamente, como meio alternativo à prisão civil do devedor de alimentos.

Averiguou-se que a mediação é conceituada como sendo um mecanismo apto à resolução de conflitos, tendo como característica importante, o fato de não apenas objetivar que as partes realizem um acordo judicial, mas que, também, reestabeleçam o diálogo perdido em virtude da situação conflituosa, e assim possam sair mais fortalecidos do conflito. Especificamente no âmbito dos conflitos familiares, notou-se que a doutrina realmente entende como relevante a utilização da mediação, porquanto ela é um meio que possibilita que as próprias partes com seus esforços, fazendo concessões, com o auxílio de um terceiro mediador preparado, possam chegar em uma solução satisfatória.

Inferiu-se durante o estudo que, apesar de não constar expressamente no procedimento, é possível a aplicação da mediação aos processos em fase de cumprimento de sentença e de execução de título executivo extrajudicial, mormente porque o Código de Processo Civil possui uma série de dispositivos que incentivam à solução dos conflitos por meio de medidas alternativas, como com o referido Instituto.

Da análise da jurisprudência, foi possível notar uma certa relutância na aplicação pelos Tribunais da mediação em detrimento da prisão civil, somente se vem aplicando, em casos que o pedido de prisão civil do devedor não parece preencher os requisitos necessários para tanto.

Diante desses pontos destacados, resta comprovada a hipótese levantada neste estudo, qual seja, que é possível a utilização da mediação como mecanismo alternativo à prisão civil do devedor de alimentos, já que, é incontroverso que possui inúmeros benefícios e, apesar não possuir um dispositivo na legislação processual civil autorizando essa situação de forma expressa, por outros artigos tem-se isso como possível, ressalva-se que, porém, o tema ainda é pouco discutido, mas já há precedentes que a substituição pode ser feita em casos que a prisão civil não aparenta ser a medida mais razoável.

O assunto não se exaure com este estudo, notadamente, porque os temas relacionados ao instituto dos alimentos, como a prisão civil, são constantemente discutidos na doutrina e nos tribunais, assim como, o Instituto da mediação.

6    REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 02 fev. 2019.

BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm Acesso em: 01 jun. 2019.

CABRAL, Antonio Passo, CRAMER, Ronaldo (orgs.). Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2016.

DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil comentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2016.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

LUCHIARI, Valeria Ferioli Lagrasta. Mediação judicial. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

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