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Créditos fiscais.

Excesso e acumulação

Créditos fiscais. Excesso e acumulação

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            No sistema de TVA (IVA, IVV, IPI etc.) no caso específico do ICMS, uma eventual excedência de créditos sobre débitos fiscais pode ser aquela de apuração coletiva, englobada e periódica resultante em um saldo fiscal credor relativo. Ou pode ser a de ocorrência isolada e prejuízo real, com débito fiscal menor que o crédito fiscal, com a apuração unitária, caso por caso, e o saldo tributário credor real e absoluto.

            Ou pode ainda ser outra, de natureza semelhante, em que o motivo é um falso prejuízo gerador de um saldo tributário credor, relativo e falsificado. Enfim, pode ser até a dos saldos credores artificiais e criados pela interferência formal dos diferimentos, dos favores fiscais, da imunidade, da isenção, da redução de bases de cálculo, da adoção de alíquotas diferenciais etc.

            Exceto na ocorrência de saldos fiscais credores relativos, oriundos da periódica apuração coletiva, a acumulação de créditos fiscais indica falhas graves: a apropriação sem suporte legal em casos de prejuízos reais ou falsos, e/ou a elaboração defeituosa da legislação.


ANULAÇÃO DIRETA versus ESTORNO

            O saldo tributário credor, pode ter motivo em uma eventual e isolada excedência, quando um crédito fiscal se revela (de fato) maior que seu correspondente débito fiscal, em transações seriadas e restritas, relativas a um mesmo item de coisa. Ele surge se numa série de transações comerciais com o mesmo item, ocorre uma venda com prejuízo real. Este elemento unitário, conclusivo diferencial matemático absoluto, proveniente de crédito fiscal maior que o corresponde débito fiscal, é incompatível com o sistema de TVA e sujeito à apropriação adequada pela utilização do "buttoir".

            O saldo fiscal credor difere, pois é coletivo periódico, diferencial relativo ao somatório de todas as vendas e ingressos efetuado no mesmo período, e não se sujeita a classificações ou minuciosas restrições. Ele é resultado transitório, lógico, mas não conclusivo, que revela a tendência evolutiva para a exatidão durante um maior curso de tempo, sob a interferência de outros fatores. Quando circunstancialmente num mês o somatório dos débitos é menor do que o dos créditos fiscais, ele surge, mesmo que todas as transações tenham se realizado com margem positiva de lucro.

            Na composição do saldo fiscal credor (válido integrante do sistema) ocorrem além de perfeitos pares de créditos e débitos fiscais, créditos fiscais ainda sem interligação (com os débitos ainda virtuais e pendentes de vendas) relativos a mercadorias estocadas. O saldo tributário credor só ocorre quando haja débitos sujeitos a retificação, mas sempre com pares isolados e interligados em relação biunívoca.

            Num zeramento de estoques os últimos débitos fiscais indicam que o eventual "saldo fiscal credor" remanescente, corresponde ao somatório de sobras unitárias, ou de créditos fiscais excedentes. O saldo (falso ou impróprio) pode indicar a necessidade de enfoque fiscal específico. O estoque remanescente, após o encerramento da empresa recebe tributação. Deve gerar débitos fiscais mesmo que não mais restem créditos fiscais. Conclusivamente neste caso o saldo credor é tributário. Com o encerramento das atividades a empresa deixando de existir transfere a propriedade do estoque e perfaz um fato gerador de imposto.

            Aquela aparente inadequação do saldo fiscal credor rotineiro é solucionável de modo natural com o passar do tempo, quando sorvida em algum período seqüente, imediato ou não, pela localização de lucros e débitos fiscais em volume suficiente. Mas, o crédito fiscal excessivo apurado em transações isoladas e relativos a uma mesma unidade de coisa tributável, deve ser formalmente solucionado de imediato. A solução envolve o cuidado com o dispositivo constitucional que determina a apropriação do montante dos dados, para manter uma adequada observância ao princípio da não cumulatividade.

            Um bloqueio direto do excesso, ou uma direta exclusão de crédito afrontam a LCN. Fora da borda do mercado consumidor podem afetar o fluxo de dados em injusta colisão com o princípio da não cumulatividade. O total do crédito fiscal excedente, apropriado sem cuidados no fluxo rotineiro, reduz incorretamente a carga de arrecadação no ponto determinado. Mas a direta anulação do excesso pode, na seqüência de transações, produzir outros reflexos negativos.

            Pode gerar uma lacuna quando voltar o faturamento ao estágio igual ou maior, gerando lucro, igualando ou superando o nível relativo ao excesso de crédito. A defasagem deixaria débitos fiscais sem contrabalanço, sem justa contraposição, o que acarretaria infringência ao princípio da não cumulatividade com um aumento da carga tributária. A solução adequada para o caso seria aquela de um aparente estorno indireto, com aplicação da regra do "buttoir". Dela resultaria uma função niveladora da base para o cálculo do débito fiscal em faixa superior ao do faturamento real, permitindo a justa anulação do excesso constatado, numa justa solução universal. [01]

            Persiste o fosso entre a situação real e a ideal, revelante quanto ao espírito da regra e a literal redação do texto que a legaliza, da dificuldade criada pelo viciado diferencial interalíquotas. Isto, no passado, recebeu condenações judiciais que foram tangenciadas pela substituição por bases de cálculo reduzidas proporcionalmente, premeditadas para produzir o mesmo efeito condenável.

            E esta racionalização do erro, persistente manutenção de objetivos incorretos, chegou ao absurdo de ter sido planejada e divulgada em um protocolo de intenções elaborado por secretários de Fazendas, na década dos setenta. A disposição legal continente da regra do "buttoir" em nível estadual e em âmbito nacional basicamente tem tido um texto enxuto, polido e harmonioso.

            "Em qualquer hipótese, o valor tributável não poderá ser inferior ao custo da mercadoria ou da prestação do serviço". Mas pode ocorrer uma transação interestadual com alíquota reduzida seguida de venda interna com prejuízo, sujeita à normal alíquota integral. Se tomado o exato preço de custo, mínimo valor para base de cálculo niveladora, não haveria a perfeição do resultado visado e sim injusta obrigação tributária mais excessiva que o crédito fiscal.

            A regra do "buttoir" é correta, justa, harmoniosa e matematicamente perfeita e errada é a persistência da legislação que mantêm as alíquotas diferenciais. Numa variação em torno deste mesmo tema pode-se imaginar uma venda com lucro nulo numa transação efetuada por uma cooperativa de consumo (com o mesmo cadastramento fiscal próprio para os contribuintes), distribuidora de produtos que tenha adquirido em transações interestaduais.

            Suas aquisições interestaduais ficam sujeitas à aplicação das alíquotas reduzidas. Neste caso, para se contrapor com exatidão aos créditos fiscais, uma base de cálculo justa para os débitos fiscais deveria ser matematicamente menor que o preço de custo. Mas em vez de adaptar a boa regra ao erro, sendo perfeito o esquema geral de estorno, e ainda harmonioso com as regras do Direito Comercial, resta a necessidade de se admitir a falha dos legisladores quanto ao estabelecimento de alíquotas diferenciais. [02]


OUTRAS SOLUÇÕES – SALDOS CREDORES, FISCAIS E TRIBUTÁRIOS

            Algumas excepcionais ocorrências relativas à acumulação de créditos fiscais têm sido enquadradas por disposições normativas veiculadas pelos decretos regulamentares sob o título DA TRANSFERÊNCIA DE CRÉDITOS. Ou ainda outros títulos equivalentes e ainda veiculantes de "economísticos e técnicos" requisitos arrebanhantes de dados para direcionamento e tangenciamento no sentido de soluções burocráticas. O aparente tecnicismo utilizado para elaboração de nebulosos requisitos é normalmente sofismático.

            As disposições veiculadas geralmente só em nível de decretos estaduais, e mesmo algum possível e eventual suporte em leis estaduais, são conflitantes com a LCN quanto à dedução fluente dos créditos fiscais, livre de condicionamentos flutuantes.

            Esta dedução é perfactível, justa e somente pelos contribuintes, sem protelações, demoras e condicionamentos artificiais, no âmbito interno de suas empresas, dentro dos parâmetros do esquema de lançamento por homologação de pagamento. Para melhor visualização do problema, a acumulação pode ser enfocada em grupos:

            - o da ocorrência natural e rotineira em função de política comercial de estocagem;

            - o da ocorrência natural em função de prejuízos reais;

            - o da formal em função de falsos prejuízos (omissão total ou subfaturamento);

            - e por fim o da artificial ocorrência, forçada por disposições legais impróprias e interferentes.

            Uma inadequada e circunstancial acumulação pode surgir por estrangulamento no fluxo de débitos fiscais. A ocorrência pode vir em paralelo àquela de créditos fiscais, normal na apuração coletiva e periódica típica do sistema de TVA indireta (a única viável). Pode ocorrer, numa premeditada estocagem para atendimento de virtuais aumentos de demanda de mercadorias, o aparecimento de saldos fiscais credores, motivados por excesso de compras em relação ao total de vendas normais no mesmo período.

            Este evento natural tem a necessária e espontânea solução, no próprio sistema de tributação indireta, quando com a circunstancial alternância de fluxos, ocorre contrabalanço equilibrador entre volume de vendas e de compras.

            A gradação do recolhimento do imposto aproxima-se balanceadamente do ideal, quando o faturamento em contínuo processo de acumulação atinge o nível absorvente de todos os gastos também acumulados, inclusive os relativos à imobilização do ativo. Com o esgotamento dos estoques e a existência de lucro, vem o exatamento com anulação da diferença negativa entre débitos e créditos fiscais como se fossem ajustados par a par.

            Neste ponto ocorre a equivalência entre o virtual e inviável sistema de incidência direta sobre os valores agregados (EVA), e o viável e funcional, embora sinuoso, sistema de incidência indireta. Entre o método, paradigma absoluto, e o esquema praticável relativo.

            Após o esgotamento dos estoques, numa temporária ou numa final paralisação de atividades de uma empresa, os eventuais prejuízos podem motivar "saldos fiscais credores". Sob enfoque fiscal eles devem ser reclassificados sob o título de saldos tributários credores e/ou nivelados pela via da aplicação da regra do "buttoir". [03]

            De acordo com a LCN devem ser abatidos todos os créditos fiscais. Mas na prática, torna-se inadmissível a absorção rotineira e convencional de saldos fiscais credores quando do total esgotamento de estoques com circunstancial ausência de lucro. É necessário sempre buscar a harmonia entre o sistema de incidência indireta (débitos fiscais menos créditos fiscais indicando um saldo credor fiscal ou uma obrigação tributária), o sistema ideal de incidência direta sobre o EVA, e a LCN. E a harmonização surge com a regra do "buttoir".

            Mas, se houver a constatação de que os saldos credores de caixa ocorrentes sejam falsos, ou sejam provenientes de uma total omissão de contabilização de venda ou de um comprovado subfaturamento, tornam-se aplicáveis exclusivamente as medidas fiscais de combate de sonegação na vez da utilização da regra do "buttoir".

            A acumulação de créditos originada pela diferenciação de alíquotas interestaduais, quando após aquisição interna com alíquotas maiores surge uma transação externa, com outras alíquotas, menores, deveria ter solução racional com a uniformização. Os problemas da desuniformidade, produzidos por erros de setores de planejamento da legislação e sedimentados pela inércia geral, continuam sendo de solução difícil, e somente para estes casos a transferência de créditos parece tolerável. Merece intenso enfoque a idéia de que qualquer transação sem lucro, nunca obtenha vantagens extraordinárias com o crédito fiscal excedente e relacionado com o prejuízo.

            Isso redundaria num favorecimento ilícito com recuperação injusta, com transferência de prejuízo e refluxo nos cofres públicos de uma carga tributária já recolhida. Os recolhimentos neste caso são aqueles efetivados pelos fornecedores da mercadoria em etapas anteriores. O prejuízo da Fazenda Pública com a ocasional ocorrência de falta de lucro comercial deve sempre ficar ajustadamente limitado à obtenção de menor carga tributária, de menor arrecadação, sem nenhuma devolução ou financiamento da incompetência alheia.

            Por linear e lógica extensão de entendimento, se um empreendimento não gera lucros com a suficiência necessária para manter harmonia com as regras do campo tributário, deve se conformar com a aparente limitação natural e proporcional de seus direitos virtuais no mesmo campo. Deve respeitar as leis transcendentais que como verso e reverso atrelam o poder à necessidade, a obrigação ao direito. Já os casos de acúmulo por incorreta interferência do Poder Público pela via de isenções, diferimentos etc. deveriam sofrer racionalização de procedimentos sob enfoque particularizado para recondução do sistema aos objetivos naturais.

            QS N 79 – PERFIL DOS SALDOS CREDORES

            ABSOLUTOS

            RELATIVOS

            MÉTODO DE APURAÇÃO DA INCIDÊNCIA DA TVA

            UNITÁRIA

            COLETIVA

            PREJUÍZOS

            FAVORES FISCAIS

            REAIS

            FALSOS

            SUBFATURAMENTO

            IMUNIDADE, ISENÇÃO, REDUÇÕES etc.

            SALDO TRIBUTÁRIO CREDOR (ANTIOBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA)

            SALDO FISCAL CREDOR

            

            REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES

            (CONTIDAS NO E-BOOK DO MESMO AUTOR "UMA SÍNTESE FISCAL - DO IVC AO IVA")

            SIGLAS

            EVA

            Econômico valor agregado

            IVV

            Imposto sobre Vendas a Varejo

            FTE

            Fiscal de Tributos Estaduais

            LCN

            Lei Constitucional Nacional

            ICMS

            Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

            IVC

            Imposto sobre Vendas e Consignações

            IPI

            Imposto sobre Produtos Industrializados

            RICMS

            Regulamento(s) do ICMS

            IVA

            Imposto sobre Valor Agregado

            TVA

            Tributação sobre Valor Agregado

            GLOSSÁRIO - VERBETES

            ACUMULAÇÃO DE CARGA, ALÍQUOTA, ALÍQUOTA DIFERENCIAL, BASE DE CÁLCULO, CARGA TRIBUTÁRIA, CRÉDITO FISCAL, CRÉDITO TRIBUTÁRIO, CUMULAÇÃO DA CARGA, DADO, DÉBITO FISCAL, DIFERIMENTO, DIREITO, DIREITO COMERCIAL, EMPRESA, EMPREENDIMENTO, ESQUEMA, ESTORNO, FISCAL, HOMOLOGAÇÃO DE PAGAMENTO ANTECIPADO, IMPOSTO, IMUNIDADE, INCIDÊNCIA, INGRESSO, ISENÇÃO, LANÇAMENTO, LEGISLAÇÃO, LEI, LUCRO, MERCADO, MERCADORIA, MÉTODO, OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA, PAGAMENTO, PODER PÚBLICO, PREÇO, PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA DAS CARGAS, REGRA DO "BUTTOIR", SALDO FISCAL CREDOR, SALDO TRIBUTÁRIO CREDOR, SERVIÇO, SISTEMA, SONEGAÇÃO FISCAL, SONEGAÇÃO TRIBUTÁRIA, PODER PÚBLICO, TEMPO, TÍTULO, VALOR, VALOR AGREGADO, VENDA.

            QUADROS SINÓPTICOS

            QS N 59 – CUSTO, FATURAMENTO, LUCRO E PREJUIZO – GRÁFICO DO PONTO DE EQUILÍBRIO

            QS N 64 - NÃO CUMULATIVIDADE – ESQUEMA ANALÍTICO ESTRUTURAL DA TVA

            QS NE 04 – SISTEMÁTICA DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA SOBRE VALORES AGREGADOS


Notas

            01 A regra do "buttoir" captada em 1971 na França, berço do sistema de TVA, por Maurílio de Assis Vieira Filho (FTE - SEF/MG), e inserta no regulamento RICMS-MG, pode ser enunciada:

            "Num sistema de TVA não cumulativa e incidência indireta, os débitos fiscais devem ser suficientemente adaptados para possibilitar integral apropriação de créditos fiscais. Então a base de cálculo do débito fiscal terá como teto mínimo o valor de custo relativo à transação anterior e o crédito fiscal continuará inalterável em fluxo normal. Não havendo possibilidade de débitos fiscais os créditos fiscais relativos não podem ser apropriados".

            A regra foi absorvida pelos RICMS nacionais em nível estadual com a seguinte redação: "Em qualquer hipótese, o valor tributável não poderá ser inferior ao custo da mercadoria ou da prestação do serviço".

            02 O objetivo da diferenciação de alíquotas é o diferimento parcial de receita para os estados consumidores, Mas o objetivo de garantia de receita tributária deve ser atingido apenas com as bases de cálculo naturais do imposto, os valores agregados ocorrentes normalmente em cada etapa do fluxo de transações.

            03 No sistema coletivo, os créditos fiscais geram saldos fluentes ao longo do tempo com tendência contínua para a convergência exata com os resultados dos somatórios de virtuais incidências indiretas e unitárias, e/ou das incidências diretas. Este fenômeno provoca a classificação do imposto no grupo da TVA ou do IVA, indireto como os de outras nações. A convergência se exata com o esgotamento dos estoques e do fluxo de débitos/créditos fiscais físicos. Se o esquema engloba créditos fiscais financeiros amplos, a perfeição da convergência fica condicionada a que o acúmulo de faturamento ultrapasse os custos do ativo imobilizado.


Autor

  • Flávio Diamante

    bacharel em Ciências Contábeis, fiscal de Tributos Estaduais em Minas Gerais, chefe de Departamento de Tributos e de Consultas Tributárias, presidente de órgão julgador em primeira instância administrativa, aposentado pela SEF/MG, professor de legislação aplicada e administração tributária em cursos abertos

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAMANTE, Flávio. Créditos fiscais. Excesso e acumulação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 929, 18 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7848. Acesso em: 29 mar. 2024.