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Considerações sobre a futura regulamentação da lei geral dos consórcios públicos

Considerações sobre a futura regulamentação da lei geral dos consórcios públicos

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Encontra-se em debate a questão da regulamentação, via decreto a ser publicado pela Presidência da República, da Lei n.º 11.107/05, que estabeleceu as regras gerais para a criação de consórcios públicos brasileiros.

Sumário:1. Considerações preliminares. 2. Da conceituação de consórcio público. 2.1.1. Do plano da contratualização. 2.1.2. Do plano da personalização. 3. Das transferências voluntárias. 4. Da constitucionalidade da Lei n.º 11.107/05. 4.1. Da Lei n.º 11.107/05 como lei nacional. 4.2. Da desnecessidade da Lei n.º 11.107/05 ser lei complementar. 4.3. Do equívoco hermenêutico. 5. Da personalidade jurídica de direito público suporte de contrato de consórcio público. 5.1. Da mudança de paradigma trazida pela EC n.º 19/98. 5.1.1. Do princípio da cooperação (inter)federativa. 5.1.2. Do estudo de caso do BRDE. 5.2. Da natureza jurídica de uma associação pública. 5.2.1. Do controle da autarquia interfederativa pelos entes criadores. 5.2.2. Do controle externo da associação pública. 6. Da impropriedade da tese da obrigatória utilização da personalidade jurídica de direito privado da espécie empresa pública para suportar contratos de consórcios públicos. 7. Da constitucionalidade da minuta do futuro decreto regulamentar da Lei n.º 11.107/05. Norma nacional. 8. Conclusões.


1.Considerações preliminares

Em franco debate no meio jurídico, encontra-se a questão da regulamentação, via decreto a ser publicado pela Presidência da República, da Lei n.º 11.107/05, que tratou de estabelecer as regras gerais para a criação de consórcios públicos brasileiros. Em razão da aludida lei possuir apenas oito meses de vida, é natural que ela suscite muitas divergências quanto a sua validade, alcance e interpretação de seus dispositivos. É até mesmo saudável, ao aprimoramento do ordenamento jurídico pátrio, que se estabeleçam discussões sobre vários aspectos ligados ao relevante tema da regulamentação da Lei n.º 11.107/05, nesses primeiros momentos de adaptação ao novo regramento.

Por exemplo, há quem entenda pela impossibilidade de um decreto federal poder disciplinar condutas de criação de consórcios aos demais entes federativos, tendo em conta a invasão da autonomia dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios. De outro lado, percebe-se corrente que defende a possibilidade, sim, de um decreto federal assumir, à similitude da norma que pretende regulamentar, a feição de norma nacional, portanto, de cogência obrigatória a todos os entes federativos, a exemplo do que ocorre com as normas de administração financeira editadas pela União e de indiscutível eficácia no âmbito de todas as espécies de entes federados brasileiros.

Assim, este ensaio tem por objeto tecer algumas considerações acerca das proposições existentes na minuta do futuro decreto federal que trará, em seu Anexo Único, o Regulamento da Lei Geral dos Consórcios Públicos, a fim de colaborar, de alguma forma, na discussão desse importante assunto. Vale destacar que o presente trabalho fundamentou-se, em parte, em estudos que realizamos, visando à elaboração de parecer endereçado à Associação dos Consórcios e Associações Intermunicipais de Saúde do Paraná – ACISPAR –, abordando a relevante questão da adaptação dos consórcios de saúde paranaenses preexistentes ao regramento da Lei n.º 11.107/05, bem como em minuta disponibilizada, no estado em que ela se encontrava em meados de novembro de 2005, pela própria Consultoria Jurídica da Subchefia de Assuntos Federativos da Presidência da República, encarregada do nobre mister de alinhavar as regras regulamentadoras do aludido diploma presidencial.


2.Da conceituação de consórcio público

O primeiro aspecto, que gostaríamos de comentar, diz respeito à conceituação de consórcio público descrita no inc. I do art. 2º da minuta do Regulamento da Lei de Consórcios Públicos [01]. Da forma como está redigido, as expressões "consórcio público", "associação pública" e "pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos" tornam-se equivalentes naquele contexto normativo, quando, na verdade, há sutil, mas fundamental diferença entre elas como demonstraremos nos tópicos seguintes.

2.1.Dos planos de abordagem da Lei n.º 11.107/05

É importante destacar que a Lei Geral dos Consórcios Públicos estabelece ao longo de todo seu corpo textual, a nosso sentir, dois planos distintos de abordagem normatizora, que denominaremos doravante, para fins didáticos, de plano da contratualização e plano da personalização.

2.1.1.Do plano da contratualização

O plano da contratualização disciplina regras relativas às pactuações que os entes consorciandos deverão obedecer para que os contratos de consórcio público sejam considerados válidos, determinando que os entes interessados constituam e realizem uma gestão associada de serviços públicos estabelecida segundo cláusulas contratuais objetivas fixadas naquele diploma legal.

É neste plano de abordagem que a norma refere a natureza contratual [02] do instituto do consórcio público, fato que o impede de ser sujeito de direitos e obrigações, implicando a necessidade de ser constituída uma personalidade jurídica que lhe dê o devido suporte no plano jurídico.

Nesse passo, é oportuno relembrar que a figura do consórcio que a Lei n.º 11.107/05 trouxe, com as devidas e necessárias adaptações ao direito administrativo, em verdade, já existia em nosso direito privado, desde 1976, tendo surgido com a Lei n.º 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), cujo artigo 278 [03] definiu tal instituto como possuindo natureza contratual, portanto, incapaz de adquirir direitos e obrigações pelo simples fato de não constituir personalidade jurídica.

Aliás, nesse passo, muito embora exista respeitável entendimento doutrinário em sentido diverso, como o esposado por Alice Gonzalez BORGES [04], cabe mencionar que a natureza contratual do consórcio emerge abundantemente do texto normativo da Lei n.º 11.107/05, no qual se percebe com intensidade o vigoroso propósito legislativo de considerá-lo como acordo de vontades firmado entre entes federativos. Claros exemplos disso encontram-se nos artigos 3º [05]; 4º, inc. XII [06], § 3º [07]; 5º [08], § 1º [09]; 12 [10] e 13, § 5º [11]; onde a norma reiteradamente expressa que o consórcio público é uma espécie contratual. Daí, como já se afirmou [12], emerge a necessidade de se lhe atribuir personalidade jurídica que lhe dê suporte à prática de atos e negócios jurídicos, o que é tratado no segundo plano normativo – por nós denominado de plano da personalização – da novel legislação.

Reforçando nosso entendimento pela natureza contratual dos consórcios públicos, vale citar a lição de FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO ao afirmar que "que os consórcios em geral e os consórcios públicos em particular têm natureza contratual, é dizer, exigem a criação de obrigações recíprocas entre as partes, que se obrigam a cumprir suas parcelas de obrigações com vistas a bem atingir o objetivo de interesse comum" [13].

2.1.2.Do plano da personalização

Encarregado de disciplinar as espécies de personalidade jurídica que darão suporte às atividades oriundas de um contrato de consórcio público, este segundo plano de abordagem da Lei Consorcial disciplina expressamente que um consórcio poderá optar por funcionar através da constituição de uma das seguintes espécies de pessoas jurídicas: a) através da criação de personalidade jurídica de direito público, denominada associação pública; ou b) através da criação de uma personalidade jurídica de direito privado; conforme dispõe o art. 6º da aludida lei [14].

Assim, neste plano, a Lei Geral dos Consórcios Públicos disciplinou as características e requisitos necessários à personalização do contrato de consórcio público de modo a possibilitar que o pacto firmado entre os consortes possa ser capaz de atuar validamente no plano da vida, praticando atos e negócios jurídicos válidos.

Portanto, quando falamos em consórcio público, estamos nos referindo a um contrato celebrado entre entes federativos visando a realizar uma determinada gestão associada de serviços públicos. Assim, parece-nos que seria mais adequado alterar a atual redação do inc. I do artigo 2º do aludido regulamento para garantir a sistematicidade da Lei 11.107/05, pena de confundirmos conceitos que, em verdade, são absolutamente distintos entre si, o que prejudicaria a compreensão, consolidação e utilização do regime jurídico que a Lei dos Consórcios pretende estabelecer no Brasil. Dito isso, tomamos a liberdade de formular a seguinte sugestão de reformulação do dispositivo regulamentar ora em exame:

"I – consórcio público: contrato celebrado entre entes federativos, cujo objeto é o atingimento de objetivo de interesse comum, sendo suportado por associação pública ou pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos constituída pelos entes consorciados;"


3.Das transferências voluntárias

Também julgamos relevante comentar a questão das transferências voluntárias, tratadas no art. 9º, inc. I da minuta do Regulamento da Lei de Consórcios Públicos [15]. Entendemos que o dispositivo mereça ser prudentemente reavaliado antes de sua publicação. É que um regulamento não pode ultrapassar os limites normativos fixados na lei a ser regulada, pois incide na elaboração de qualquer regulamento, com grande intensidade, o princípio da legalidade, ou seja, o que a lei a ser regulamentada não previu, não poderá o regulamento inovar, através de indevida interpretação ampliativa do texto legal a ser regulamentado.

Corroborando essa perspectiva, HELY LOPES MEIRELLES explica que, "como ato inferior à lei, o regulamento não pode contrariá-la ou ir além do que ela permite. No que o regulamento infringir ou extravasar da lei, é írrito e nulo, por caracterizar situação de ilegalidade" [16].

Assim, por exemplo, se a lei regulada mencionou restritivamente a possibilidade de os consórcios públicos poderem, verbis, "I – firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos do governo;" [17] para darem cumprimento aos seus objetivos, quer parecer que não há como incluir, sem se violar o texto legal regulado, as expressões "transferências voluntárias" e "...ou privadas, nacionais ou estrangeiras". Ao lado disso, de se considerar, ainda, que efetivamente o artigo 25 [18] da Lei Complementar n.º 101/00, Lei de Responsabilidade Fiscal, estabelece que a transferência voluntária somente poderá ser realizada entre entes federativos, o que exclui, não apenas os consórcios públicos de direito privado de realizarem ditas transferências, mas também os de direito público por não serem entes federativos na verdadeira acepção técnica da aludida expressão.


4.Da constitucionalidade da Lei n.º 11.107/05

Nesse aspecto, importa considerar que o debate acerca da Lei n.º 11.107/05 aponta existência de corrente que defende entendimento no sentido de que a Lei Consorcial deveria ser lei complementar em razão de a norma insculpida no Parágrafo Único do artigo 23 da Carta Constitucional disciplinar o que segue, verbis:

"Art. 23. (...)

Parágrafo único. Lei Complementar fixará normas para a cooperação entre a União, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional".

Para os defensores dessa tese, parece cristalino concluir que a elaboração de qualquer norma de cooperação entre os entes federativos deva respeitar a forma de lei complementar, e que, portanto, a Lei n.º 11.107/05, por ser lei ordinária padeceria de vício formal de constitucionalidade.

Todavia, não nos parece que esta conclusão seja tão cristalina assim, sob o aspecto da interpretação tópico-sistemática.

4.1.Da Lei n.º 11.107/05 como lei nacional

Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que a Lei n.º 11.107/05 é uma lei geral de aplicabilidade nacional, a exemplo de várias outras promulgadas pela União, como as Leis n.º 4.320/64 (finanças públicas), 8.666/93 (Licitações) e Lei Complementar n.º 101/00 (responsabilidade fiscal), entre tantas outras. É sabido que tal espécie de norma – lei nacional – é de atendimento obrigatório pelos demais entes federativos (Estados, Distrito Federal e Municípios), tendo em vista que nosso Estado, organizado sob a forma de Federação, estruturou-se de modo a atribuir à União a realização do governo nacional, descentralizando a administração entre as unidades federadas. Conforme ensina HELY LOPES MEIRELLES, "nesse tipo de Estado há uma centralização política dos assuntos nacionais e uma descentralização político-administrativa dos assuntos regionais e locais. No Brasil, essa descentralização político-administrativa da Federação desce até os Municípios" [19]. Portanto, frente à espécie de estrutura estatal adotada no Brasil, há necessidade de se padronizar determinadas regras gerais de interesse de todos os entes federados, ficando esta tarefa sob a tutela da União, através da promulgação das sobreditas leis gerais de aplicabilidade nacional.

Também vale mencionar a dicção de JOSÉ GERALDO ATALIBA NOGUEIRA que alude que "há leis federais (ou da União), estaduais (ou dos Estados) e municipais (ou dos Municípios) dirigidas às pessoas na qualidade de administrados da União, dos Estados e dos Municípios e emanadas dos legislativos dessas entidades políticas, respectivamente. E há leis nacionais, leis brasileiras, voltadas para todos os brasileiros, indistintamente, abstração feita da circunstância de serem eles súditos desta ou daquela pessoa política" [20], pontuando importante peculiaridade de nosso Congresso Nacional que, em nosso sistema, é concomitantemente órgão do Estado Federal brasileiro e da União, produzindo, conforme atue nesta ou naquela qualidade, lei nacional ou federal.

Por evidente que a regulamentação dos consórcios públicos, que carrega a importante tarefa de implementação de gestões associadas de serviços públicos entre os entes federativos consorciados, revela naturalmente, pela espécie de matéria que disciplina, um assunto de interesse nacional, requerendo a edição de norma que tenha o condão de uniformizar os procedimentos para a celebração dos ditos consórcios em todo território nacional. Assim, em razão destes fundamentos, entendemos que a Lei n.º 11.107/05 é lei nacional.

4.2.Da desnecessidade da Lei n.º 11.107/05 ser lei complementar

Em segundo lugar, pensamos que a segunda parte do Parágrafo Único do Art. 23 da CF, evidencia que a lei complementar, de que trata o aludido parágrafo único, será de utilização compulsória somente nas situações em que a cooperação interfederativa visar a atender expressamente ao "equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional". Fora dessas duas perspectivas, parece-nos não haver falar na necessidade da norma ser complementar.

Nesse passo, vale ressaltar que a Lei n.º 11.107/05 dispõe de normas gerais para a contratação de consórcios públicos, sem estabelecer qualquer restrição à celebração de tais instrumentos às circunstâncias qualificadoras enunciadas in fine do Parágrafo Único do art. 23 da CF. Para ratificar este entendimento, cabe evidenciar que o art. 1º da Lei Reguladora dos Consórcios explicita que a lei disporá sobre normas gerais para os entes federativos "contratarem consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum" [21]. Assim, teleologicamente a Lei Consorcial visa a instrumentalizar a viabilização de consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum que necessariamente não se confundem com os sobreditos "equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional" pautado no Texto Constitucional, mas ao revés, encerram conceito bem mais amplo do que as hipóteses qualificadoras exaustivas de lei complementar enunciadas naquele parágrafo único.

Com efeito, a Lei n.º 11.107/05 possibilita que seja criado, por exemplo, um consórcio intermunicipal no Rio Grande do Sul, visando à gestão associada de serviços públicos de tratamento de resíduos sólidos urbanos, sem que isso signifique atendimento de qualquer política de equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional preconizada no Parágrafo único do art. 23 da CF. Ao contrário, no exemplo acima, a Lei n.º 11.107/05 possibilitou a viabilização da implementação de política pública de âmbito regional apenas, tão-somente circunscrita à soma dos territórios das municipalidades gaúchas consorciadas. Desse modo, a nosso juízo, com a devida vênia aos que postulam posicionamento diverso, é inadequada a conclusão de que a Lei n.º 11.107/05 padeceria de vício formal de constitucionalidade por não ser lei complementar, pois a finalidade da sobredita norma não se amolda as hipóteses exaustivas elencadas na última parte do Parágrafo Único do artigo 23 da CF.

4.3.Do equívoco hermenêutico

Demais disso, quer parecer que o entendimento de que a Lei n.º 11.107/05 teria de ser lei complementar padece de falácia interpretativa, na medida em que toma uma parte do dispositivo interpretando para dar significado ao seu todo, quando deveria interpretar o texto constitucional, em toda a sua extensão, sem atribuição subjetiva de pesos diferenciados às diferentes partes de um mesmo dispositivo constitucional, na busca da extração de uma norma jurídica.

Assim, pensamos que o intérprete não poderá afirmar que a parte primeira do indigitado parágrafo único demonstra a generalidade de emprego da lei complementar em comento e que a parte segunda daquele parágrafo constituiria tão-somente uma direção a ser seguida pela sobredita norma para regular eventuais cooperações entre entes federados. É que, a nosso juízo, tal conclusão apresenta-se descabida por não ser produto da melhor interpretação possível sobre o assunto, eis que não coloca no mesmo patamar de importância as duas partes do referido parágrafo, denotando indevida e subjetiva ponderação de valores do intérprete às partes do texto constitucional examinado, o que não é admitido pela correta exegese, que deve ser produto da absoluta imparcialidade do operador jurídico na busca da melhor significação jurídica, pena de serem extraídas normas viciadas, pela intenção de resultado do hermeneuta, do dispositivo objeto da interpretação.

Aliás, nesse sentido, de exaltação da importância do papel do intérprete na construção do significado da norma, vale citar lição de HUMBERTO ÁVILA que refere que "a matéria bruta utilizada pelo intérprete – o texto normativo ou dispositivo – constitui uma mera possibilidade de Direito. A transformação dos textos normativos em normas jurídicas depende da construção de conteúdos de sentido pelo próprio intérprete" [22], pelo que é crucial que o operador jurídico parta de premissas verdadeiras do ponto de vista da exegese jurídica, a fim de alcançar resultados hermenêuticos válidos.

Assim, retornando à questão em exame, percebemos que tal equívoco interpretativo decorre do desenvolvimento de um raciocínio jurídico falso, pois fundado em premissa não-verdadeira (de considerar que a segunda parte do texto interpretando é menos importante que a primeira, constituindo apenas um parâmetro norteador à aplicação da primeira parte nos casos concretos [23]), redundando na equivocada conclusão de que a Norma Consorcial é inconstitucional.

Assim, considerada a utilização de saudável exegese, nos é permitido concluir que a edição de lei complementar não seja obrigatória para o estabelecimento de regras gerais para os consórcios públicos. Repisamos, por relevante, que a Lei n.º 11.107/05 tratou de estabelecer as regras gerais constitutivas de consócios para viabilizar "a realização de objetivos de interesse comum" [24] aos entes consorciados, que não se restringem às ações voltadas para o "equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar de âmbito nacional" [25].

Pensamos que somente assistiria razão à corrente que defende a inconstitucionalidade da Lei Geral dos Consórcios com base em tal argumento, se a Lei n.º 11.107/05 evidenciasse tratar-se de viabilização de gestão associada visando ao "equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional" [26], o que entretanto, não aconteceu, permitindo-nos concluir pela correção da utilização de lei ordinária para corporificar ditas regras gerais consorciais.

Ademais, importa considerar a realidade trazida pelo artigo 241 da Carta Política, a partir da Emenda Constitucional n.º 19/98, no sentido de disciplinar que o tema consórcios públicos seria disciplinado por lei e não por lei complementar. Portanto, também por essa perspectiva, resta evidente a impropriedade prática da argumentação, ora analisada, em favor da alegada inconstitucionalidade da Lei dos Consórcios.


5.Da personalidade jurídica de direito público suporte de contrato de consórcio público

No exame da possibilidade de o contrato de consórcio público poder ser suportado por personalidade jurídica, neste importante debate jurídico, há quem defenda que não era intenção do legislador constituinte derivado permitir a criação de nova espécie de personalidade jurídica de direito público – associação pública – pelo fato de que, se tivesse tal intenção, teria tratado expressamente do assunto no próprio Texto Constitucional.

Neste aspecto, gostaríamos de expressar nosso entendimento sobre a matéria, começando por lembrar que o papel precípuo de qualquer Carta Política não é disciplinar matérias jurídicas (porque tal tarefa cabe à legislação infraconstitucional), mas fundamentalmente estabelecer competências aos entes federativos e assegurar direitos e garantias fundamentais às pessoas que se encontrem dentro de um determinado território nacional. Na lição de CELSO RIBEIRO BASTOS, a Constituição em seu sentido substancial, "procura reunir as normas que dão essência ou substância ao Estado. É dizer, aquelas que lhe conferem estrutura, definem as competências dos seus órgãos superiores, traçam limites da ação do Estado, fazendo-o respeitar o mínimo de garantias fundamentais" [27].

Portanto, o assunto atinente à questão relativa à espécie de personalidade jurídica suporte de um contrato de consórcio público, evidentemente, não poderia nem deveria estar presente no Texto Constitucional, mas em texto infraconstitucional como de fato aconteceu.

5.1.Da mudança de paradigma trazida pela EC n.º 19/98

Outro aspecto que tem suscitado acalorado debate, quanto à correta personalidade jurídica a ser utilizada como suporte de um contrato de consórcio público, é a tese que postula a impossibilidade de criação de uma associação pública (autarquia interfederativa), com base nos argumentos expendidos no acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF), prolatado no REx n.º 120.932 [28], julgado à unanimidade em 24/03/1992, cuja ementa é transcrita abaixo, demonstrando que o STF negou ao BRDE a natureza jurídica de autarquia interestadual por absoluta ausência, no ordenamento que vigia à época, da previsão constitucional para a criação de tal entidade pluripessoal, verbis:

"RE 120932/RS - RIO GRANDE DO SUL RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE

Julgamento: 24/03/1992

Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA

Publicação: DJ 30-04-1992 PP-05725 EMENT VOL-01659-02 PP-00255 RTJ VOL-00141-01 PP-00273

Execução fiscal:. .. II. Autarquia interestadual de desenvolvimento: sua inviabilidade constitucional. 3. O dado diferencial da autarquia é a personalidade de direito público (Celso Antonio), de que a podem dotar não só a União, mas também as demais entidades políticas do Estado Federal, como técnicas de realização de sua função administrativa, em setor específico subtraído a administração direta. 4. Por isso mesmo, a validade da criação de uma autarquia pressupõe que a sua destinação institucional se compreenda toda na função administrativa da entidade matriz. 5. O objetivo de fomento do desenvolvimento de região composta pelos territórios de três Estados Federados ultrapassa o raio da esfera administrativa de qualquer um deles, isoladamente considerado; só uma norma da Constituição Federal poderia emprestar a manifestação conjunta, mediante convênio, de vontades estatais incompetentes um poder que, individualmente, a todos eles falece. 6. As sucessivas Constituições da Republica - além de não abrirem explicitamente às unidades federadas a criação de entidades publicas de administração interestadual, tem reservado a União, expressa e privativamente, as atividades de planejamento e promoção do desenvolvimento regional: análise da temática regional no constitucionalismo federal brasileiro." (grifamos)

Todavia, é fundamental perceber que esta decisão judicial é anterior à Emenda Constitucional n.º 19, de 04/06/1998, tendo sido prolatada, portanto, consoante a ordem jurídica anterior à alteração do artigo 241 da CF, que trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro o princípio do federalismo cooperativo ou da cooperação interfederativa, viabilizador da criação de autarquias interfederativas entre nós.

Portanto, entendemos que o referido acórdão mostra-se imprestável ao exame, sob a ótica da ordem jurídica vigente, da possibilidade de se criar uma associação pública, espécie do gênero autarquia.

5.1.1.Do princípio da cooperação (inter)federativa

Nesse aspecto, cabe referir que o artigo 241 da Carta Políticatraz em seu conteúdo normativo, um importante conceito que merece reflexão atenta. Trata-se do princípio da cooperação (inter)federativa [29], ou do federalismo cooperativo, que já tivemos a oportunidade de abordá-lo em outro estudo [30], quando concluímos que dito comando principiológico carrega a idéia da conjugação de esforços dos diferentes entes federativos, visando à implementação de determinada política pública, que individualmente, nenhum deles teria condições plenas de realizar com eficácia.

Assim, a partir da alteração constitucional operada pela Emenda Constitucional (EC) n.º 19 de, 04 de junho de 1998, o ordenamento jurídico brasileiro sofreu substancial evolução nas formas de se conceber a criação das entidades integrantes da administração indireta. É que até o advento da aludida emenda, a criação de entidades de direito público da administração indireta (fundação pública e autarquia) obedecia, em regra, à consagrada dogmática jurídica de que somente seria possível a criação de tais entidades de forma unipessoal, ou seja, uma autarquia, por exemplo, somente poderia ser criada por um ente federativo e integrar, via de conseqüência, uma só administração indireta.

5.1.2.Do estudo de caso do BRDE

Importa destacar que tal dogmática, como se pôde perceber no acórdão colacionado acima, trouxe grandes problemas ao Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), uma instituição financeira de fomento criada conjuntamente pelos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná em 15 de junho de 1961, sob a forma de autarquia interfederativa, pois a Constituição de 1946, vigente à época de sua criação, não previa o princípio da cooperação interfederativa, ora em exame, o que acabou trazendo sérios problemas de definição da personalidade jurídica do BRDE.

A fim de ilustrar o nível de dificuldade jurídica na conformação jurídica do aludido banco de fomento, em razão da falta de fundamentos constitucionais e legais embasadores da figura que se desejava criar – uma autarquia interfederativa –, ressaltamos que o problema somente pôde ser solucionado através da edição do Decreto n.º 51.617, de 05 de dezembro de 1962, de duvidosa constitucionalidade, levada a cabo pelo Presidente João Goulart, que autorizou o funcionamento do Banco de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) como autarquia interestadual de natureza econômica.

Portanto, o problema da existência formal do BRDE no plano jurídico, como autarquia interfederativa, foi literalmente resolvido por decreto presidencial, sem que existisse, no entanto, o necessário respaldo constitucional para tanto, evidenciando a enorme fragilidade dos fundamentos jurídicos utilizados em sua criação.

Em função dessa inconsistente classificação da natureza jurídica do BRDE, no decorrer da existência daquele aludido banco de fomento, surgiram outros problemas ligados à polêmica questão, haja vista que sua anômala situação de autarquia interestadual acabou ensejando algumas ações judiciais, tendo o Supremo Tribunal Federal (STF), por fim, se manifestado no sentido de negar-lhe a condição de autarquia interestadual, equiparando-a empresa pública, conforme ementa da Ação Cível Originária n.º 503-RS, julgada em 25/10/2001 [31], verbis:

"AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA N.º 503-RS EMENTA: Ação Cível Originária. Imunidade fiscal com base no disposto no artigo 150, VI, "a", e seu parágrafo 2º. Natureza jurídica do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul - BRDE. - Rejeição da preliminar de ilegitimidade ativa "ad causam" dos Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em conseqüência, fica prejudicada a alegação de incompetência residual desta Corte. Aliás, ainda quando os Estados-membros não tivessem legitimidade ativa "ad causam", haveria conflito federativo entre o Banco-autor, criado como autarquia interestadual por eles, e a União Federal que lhe nega essa natureza jurídica para efeito de negar-lhe a imunidade fiscal pretendida. No mérito, esta Corte já firmou o entendimento (assim, no RE 120932 e na ADI 175) de que o Banco-autor não tem a natureza jurídica de autarquia, mas é, sim, empresa com personalidade jurídica de direito privado. Conseqüentemente, não goza ele da imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, "a", e seu parágrafo 2º, da atual Constituição, não fazendo jus, portanto, à pretendida declaração de inexistência de relação jurídico-tributária resultante dessa imunidade. Ação que se julga improcedente."

5.2.Da natureza jurídica de uma associação pública

O singular fenômeno jurídico, experimentado pelo BRDE, de reclassificação judicial de personalidade jurídica, devidamente declarada em acórdão do STF, pode ser explicado pelo fato de que, da leitura que até então se fazia das normas constitucionais que tratam da criação das autarquias [32], não existia fundamento jurídico que pudesse admitir a criação de entidades que integrassem simultaneamente a administração indireta de mais de um ente federativo.

Contudo, ressalta-se, este paradigma da dogmática jurídica pátria alterou-se com a positivação do princípio da cooperação interfederativa em nível constitucional com o advento da alteração do artigo 241 da CF. Assim, a partir de 04/06/1998 (data da promulgação da EC n.º 19/98), tornou-se possível a criação de entidades pluripessoais da administração indireta.

Assim, tomando em conta este relevante aspecto, que até então, não houvera sido devidamente considerado em nossos apontamentos, urge rever nosso posicionamento externado em sentido contrário em que sustentávamos a impossibilidade jurídica de se considerar uma associação pública como espécie de autarquia [33]. Em razão disso, passamos a acompanhar o entendimento esposado por ALICE GONZALEZ BORGES [34] e de FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO [35], que defendem a idéia de ser plenamente, possível, sob a égide do atual art. 241 da CF, constituir autarquias pluripessoais, que integrem, simultaneamente a administração indireta dos entes consorciados.

Dessa forma, concluímos que a natureza jurídica de uma associação pública, pessoa jurídica de direito público interno, suporte de um contrato de consórcio público é de uma autarquia pluripessoal, como bem conceituou ALICE GONZALEZ BORGES [36]ou, na dicção de FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO [37], uma autarquia multifederada ou, ainda, uma autarquia interfederativa.

Ademais, curiosamente, é possível extrair-se do próprio voto utilizado para fundamentar a impossibilidade jurídica de o BRDE constituir-se em autarquia interestadual, respaldo jurídico embasador da criação de autarquias pluripessoais a partir da EC n.º 19/98. Observe-se, para isso, a conclusão "b" do voto do Relator, Ministro SEPÚLVIDA PERTENCE, fl. 30, parágrafo 68, no já aludido Recurso Extraordinário (REx) n.º 120.932 [38], julgado à unanimidade em 24/03/1992, em que o mesmo assevera que "na estrutura federal brasileira, à falta de entidades intermediárias entre a União e os Estados, a instituição de autarquias interestaduais por ato de vontade convergente de unidades federadas só se poderia legitimar por força de norma constitucional federal, que não existe" (grifamos), mas que passou a existir a partir da EC n.º 19/98, com a nova redação do art. 241, como minudentemente explicitado acima.

Com estas explicações, concluímos pelo absoluto anacronismo dos argumentos aduzidos no sentido de extrair da CF, partilhando dos fundamentos do acórdão do REx acima analisado, a impossibilidade de se criar uma autarquia interfederativa. É que, em assim procedendo, estaremos esquecendo por completo de analisar a questão sob o matiz do novo Texto Constitucional concebido a partir da alteração do artigo 241 procedida pela EC n.º 19/98, cujo escopo, cabe ressaltar, foi justamente mudar paradigmas de gestão em busca de resultados mais eficazes na administração pública. É inafastável concluir que a gestão associada de serviços públicos trazida pela nova dicção do artigo 241 faz parte dessa alteração paradigmática de se compreender a administração pública brasileira. Portanto, temos que as análises que se centram em repetir os antigos argumentos pré-EC n.º 19/98, padecem da necessária atualidade, pelo que não podem ser aceitos racional e validamente no exame hermenêutico da questão em tela. A nosso juízo, a correta apreciação da matéria deverá necessariamente contemplar a existência do princípio constitucional da cooperação interfederativa que, como já se afirmou, é autorizativo da criação de autarquias multifederadas.

5.2.1.Do controle da autarquia interfederativa pelos entes criadores

No que tange ao aspecto de controle da autarquia pelos entes criadores, vale destacar que ele se dará através das deliberações da Assembléia Geral, composta pelos Chefes dos Executivos consorciados. Este órgão deliberativo máximo do Consórcio Público é o principal liame existente entre os diversos Executivos consorciados e a Associação Pública, em termos políticos, apresentando-se como adequada e suficiente forma de controle pelos consorciados, que deliberarão através dela. Ademais, não é demais lembrar que não há falar em níveis excessivamente rígidos de controle sequer em autarquias convencionais porque, por natureza, estas entidades foram criadas para que pudessem realizar atividades estatais com maior grau de autonomia em relação ao ente federativo instituidor, a ponto de constituírem personalidade jurídica própria.

5.2.2.Do controle externo da associação pública

Quanto ao controle externo, a Lei Consorcial foi irrepreensível ao estipular as regras de controle externo, estabelecendo a unicidade de controle externo dos consórcios públicos, conforme analisamos em outro ensaio que, face à pertinência do tema, ousamos reprisar, verbis:

"Relativamente ao controle financeiro do consórcio público, fica expressamente consignado que "a execução das receitas e das despesas do consórcio deverá obedecer às normas de direito financeiro aplicáveis às entidades públicas" [39]. Esta norma é dirigida, a toda evidência, aos consórcios públicos constituídos sob a forma de pessoa jurídica de direito privado, pois aqueles criados sob a denominação de associação pública, por serem pessoas jurídicas de direito público, já estariam submetidos às aludidas regras de direito financeiro.

Em seguida, a Lei dos Consórcios Públicos adentra na importante questão do controle externo dos consórcios públicos, aprimorando a idéia trazida no projeto de lei, que apenas atribuía a responsabilidade das contas do consórcio ao seu representante legal, mas não determinava qual tribunal de contas ficaria com o encargo de fiscalização do consórcio, no caso de a gestão associada ser composta por mais de uma espécie de ente federativo.

Da forma como estava disciplinada esta situação no aludido projeto, surgia a peculiar possibilidade de um consórcio público ser fiscalizado simultaneamente por mais de um tribunal de contas, como referido no ensaio sobre o PL n.º 3.884/04 [40], significando violação ao princípio da economicidade.

Sanando esta insuficiência normativa, o legislador instituiu, através da Lei dos Consórcios, o que se poderia denominar de unicidade de controle externo dos consórcios públicos, ao disciplinar que "o consórcio público está sujeito à fiscalização contábil, operacional e patrimonial pelo Tribunal de Contas competente para apreciar as contas do Chefe do Poder Executivo representante legal do consórcio" [41].

Portanto, atendendo ao princípio da economicidade e, também, a uma desejável visão racional e sistêmica de controle externo, estabeleceu a norma em comento, com todo acerto, que as contas de um consórcio público, relativas a um determinado exercício, serão fiscalizadas por apenas um tribunal de contas, qual seja, aquele competente para apreciar as contas de seu representante legal no âmbito do ente consorciado.

Dessa forma, trazendo novamente o exemplo hipotético retratado no estudo do PL n.º 3.884/04, um consórcio formado pela União, Estado do Rio de Janeiro e Município do Rio de Janeiro será fiscalizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) quando o seu representante legal for o Presidente da República; pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE/RJ), quando o responsável for o Governador daquele Estado; e pelo Tribunal de Contas do Município do Rio de janeiro (TCM/RJ), quando o gestor for o Prefeito daquela cidade.

Essa ação coordenada dos tribunais de contas envolvidos na fiscalização de consórcio público reforça o entendimento já referido de que urge "a criação de um sistema de controle externo nacional" [42] em que haja compartilhamento de dados, ações fiscalizatórias conjuntas e, sobretudo, padronização processual pelas 34 cortes de contas brasileiras a fim de que o rodízio da atribuição do controle externo, que incidirá em alguns consórcios públicos a partir de agora, signifique efetiva fiscalização, controle e conseqüente aprimoramento contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial da entidade controlada. E isso somente se dará se os procedimentos de auditoria utilizados pelos órgãos fiscalizatórios envolvidos foram unívocos, utilizando a mesma metodologia e perseguindo metas idênticas de controle externo.

Sem o implemento dessa sistematização, pensa-se que o controle externo dos consórcios públicos, que alberguem entes federativos que estejam sujeitos à fiscalização de tribunais de contas diversos, será ineficaz, redundando em simulacros fiscalizatórios que em nada ou muito pouco contribuirão no combate à corrupção, à fraude e ao uso indevido do dinheiro público no âmbito dos consórcios públicos.

Por sua vez, a Norma Reguladora dos Consórcios Públicos também dedicou regra para o controle dos contratos de rateio, disciplinando que a fiscalização desses instrumentos ficará ao encargo dos controles externos respectivos [43]. Assim, retomando o exemplo hipotético, que considera um consórcio público estabelecido entre a União, Estado do Rio de Janeiro e Município do Rio de Janeiro, a fiscalização do contrato de rateio celebrado por cada um dos entes consorciados será realizada simultaneamente, nas respectivas esferas de competência, pelo TCU, TCE/RJ e TCM/RJ, por ocasião do exame das contas daqueles entes jurisdicionados.

No que tange aos agentes públicos incumbidos da gestão de consórcio, a Lei Federal n.º 11.107/05 estabelece que os mesmos não responderão pessoalmente pelas obrigações contraídas pelo consórcio. Dessa forma, não se poderá exigir a responsabilização civil ou administrativa de um representante legal de consórcio, se a obrigação contraída pela gestão associada defluiu de ato praticado em conformidade com a lei ou com o seu estatuto. Contudo, responderá o aludido agente público pelos atos praticados pelo consórcio que violarem normas legais ou estatutárias.

Este regramento impede, por exemplo, que eventuais divergências surgidas na relação consorcial possam resultar em demandas administrativas e judiciais, que visem à responsabilização de quem, dirigindo o consórcio dentro dos ditames normativos, contraiu obrigação que tenha conflitado com interesses de algum ente integrante, cujo voto tenha sido vencido na deliberação assemblear de determinada questão, pois o gestor consorcial, em tais circunstâncias, sempre poderá invocar em sua defesa o Parágrafo único do art. 10 da Lei Federal n.º 11.107/05 [44].

Trata-se de uma prerrogativa legal proporcionada ao representante de consórcio, visando a estabelecer as condições imprescindíveis de resguardo de seu patrimônio particular, a fim de que ele possa conduzir com destemor os negócios consorciais, pois de outra forma, seus bens pessoais estariam constantemente ameaçados pela irresignação dos demais componentes da assembléia geral ou, ainda, de terceiros, o que inviabilizaria a função diretiva de um consórcio público. Assim, as obrigações de um consórcio serão satisfeitas apenas com o patrimônio da entidade constituída para tal fim.

Ainda dentro do escopo fiscalizatório, o legislador, em consonância com as diretrizes da Lei de Responsabilidade Fiscal, estipulou a obrigação de o consórcio público fornecer as informações necessárias a fim de que os entes consorciados possam consolidar em suas respectivas contas "todas as despesas realizadas com os recursos entregues em virtude de contrato de rateio", conferindo a necessária transparência de gestão às ações consorciais." [45]

Portanto, temos que a Norma Consorcial, em termos de controle financeiro da Associação Pública, foi diligente, estabelecendo as imprescindíveis conexões com o sistema de controle externo atualmente utilizado no Brasil, nele incluídas as novas regras de transparência fiscal trazidas pela Lei Complementar n.º 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).


6.Da impropriedade da tese da obrigatória utilização da personalidade jurídica de direito privado da espécie empresa pública para suportar contratos de consórcios públicos

Este é outro nevrálgico ponto de debate entre os que se interessam em estudar o instituto do consórcio público, existindo posicionamento no sentido de entender que a reclassificação judicial ocorrida com o BRDE, nos acórdãos examinados neste ensaio, de autarquia interestadual para empresa pública, deverá servir de norte para a classificação da personalidade jurídica suporte dos consórcios públicos. Assim, segundo tal linha argumentativa, os consórcios públicos de direito público não poderiam ser suportados por associações públicas, e os de direito privado, tampouco por fundações ou associações civis, mas por empresas públicas por serem entidades da administração indireta que poderiam ser constituídas de forma pluripessoal, ou seja, vários entes federativos poderiam se unir e criar uma empresa pública sem que isso representasse qualquer violação ao ordenamento jurídico.

Mais uma vez, parece-nos surgir invencível elemento anacrônico a invalidar o raciocínio jurídico acima esboçado, pois fundado nos já mencionados acórdãos do Recurso Extraordinário nº 120.932 e Ação Cível Originária n.º 503-RS, julgados pelo STF, respectivamente, em 24/03/1992 e 25/10/2001, para defender a obrigatoriedade de utilização de personalidade jurídica de direito privado suporte, da espécie empresa pública, na criação de contratos de consórcios públicos. Neste aspecto, conveniente dois comentários.

O primeiro, para repisar que os conceitos jurídicos utilizados nos aludidos acórdãos do STF remontam à ordem jurídica de 1961, que era a vigente por ocasião da criação do BRDE, cuja observância se impõe ao perfeito deslinde das retromencionadas demandas judiciais.

Portanto, os fundamentos jurídicos embasadores das aludidas decisões judiciais são anteriores à EC n.º 19/98, que trouxe, como já afirmamos, mudança paradigmática fundamental no exame da matéria, através da positivação do princípio da cooperação interfederativa, viabilizador da instituição de autarquias interfederadas, personalidades jurídicas de direito público suportes dos contratos de consórcios públicos.

O segundo, para evidenciar que a escolha da espécie da personalidade jurídica de direito privado, empresa pública, não decorreu de necessária interpretação sistemática dos dispositivos, acerca da matéria, existentes na Constituição Federal, Lei Federal n.º 10.406/02 (Código Civil) e Lei n.º 11.107/05 como se demonstrará a seguir.

De se notar que, em seu artigo 6º, a Lei Geral de Consórcios estabelece que o consórcio público adquirirá personalidade jurídica de direito público, apenas no caso de constituir associação pública [46], a fim de possibilitar que a novel entidade criada seja integrante da administração indireta dos entes consorciados. Tanto é assim, que em seu § 1º, o dispositivo reforça esta idéia disciplinando expressamente tal condição [47].

Portanto, a nosso sentir, não há espaço para a empresa pública ser utilizada como suporte das atividades de contrato de consórcio público porque, apesar de tal entidade integrar a administração indireta, consoante dispõe o art. 4º do Decreto-Lei n.º 200/67 [48] (aplicável aos demais entes federativos por força do princípio da simetria), esta espécie de personalidade jurídica de direito privado, a partir do advento da Lei n.º 11.107/05, foi implicitamente excluída da gestão associada de serviços públicos.

É que a Lei dos Consórcios foi expressa ao considerar que, no caso específico dos consórcios públicos, somente a personalidade jurídica de direito público, entenda-se associação pública, integraria a administração indireta de todos os entes da Federação consorciados, face à sua condição de autarquia multifederada, autorizada a partir da alteração promovida no artigo 41, inc. IV, da Lei 10.406/02 (Código Civil).

Está-se, portanto, diante de uma conclusão importante: da interpretação sistemática dos artigos 241 da Constituição Federal; 41, inc. IV do Código Civil e 6º, inc. I e § 1º, da Lei Geral dos Consórcios Públicos parece resultar que a única alternativa jurídica viável à criação de personalidade jurídica, integrante da administração indireta dos entes federativos, que possa dar suporte ao contrato de consórcio público seja a associação pública. Assim, exsurge de forma cristalina que a Lei Consorcial elegeu esta nova modalidade de autarquia como sendo a única espécie de personalidade jurídica possível de suportar as atividades consorciais e ao mesmo tempo, pertencer à administração indireta dos entes consorciados.

Portanto, diante disso, entendemos não ser juridicamente possível instituir empresa pública para suportar contrato de consórcio público, o que impossibilita, na prática, a utilização de tais empresas na condução das atividades consorciais.


7.Da constitucionalidade da minuta do futuro decreto regulamentar da Lei 11.107/05. Norma Nacional.

Também importa considerar a existência de entendimento no sentido de considerar o texto da minuta do futuro decreto regulamentar eivado de inconstitucionalidade pelo fato de dito normativo determinar procedimentos aos demais entes federativos, ferindo assim autonomia federativa insculpida no caput do artigo 18 [49].

Nesse sentido, não obstante o respeitável argumento acima deduzido, assumimos posicionamento diverso, convictos de que o texto do futuro decreto regulamentar da Lei n.º 11.107/05 não padece de inconstitucionalidade ao determinar procedimentos aos demais entes federativos – Estados, Distrito Federal e Municípios – que desejarem fazer uso da gestão associada de serviços públicos. É que, a nosso juízo, não há falar em afronta à autonomia federativa garantida pelo caput do artigo 18 da CF porque, como já se abordou no tópico 4.1, a Lei n.º 11.107/05 é uma lei federal de caráter geral, portanto, de aplicabilidade nacional. Assim, trata-se de norma nacional que deverá ser obedecida por todos os entes da Federação brasileira. Fosse aceitável o argumento deduzido em sentido contrário, a Lei n.º 4.320, de 17/03/1964, também padeceria de inconstitucionalidade vez que seu artigo 1º, assim disciplina, verbis:

"Art. 1º. Esta lei estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, de acordo com o disposto no artigo 5º, inciso XV, letra b, da Constituição Federal."

Ou seja, disciplina as normas gerais de direito financeiro que deverão ser obedecidas por todos os entes federativos e nem por isso foi considerada inconstitucional, sendo amplamente utilizada, pois trata-se de norma, como já se afirmou, de caráter nacional. Aliás, vale reproduzir as palavras de CELSO RIBEIRO BASTOS, que ao comentar a Lei Federal n.º 4.320/64, asseverou que "embora federal, ela é cogente para os Municípios, uma vez que se trata de normas gerais de direito financeiro" [50].

No mesmo patamar qualitativo encontra-se a Lei Complementar n.º 101, de 04/05/2000, que tratou de estabelecer normas financeiras voltadas para a responsabilidade fiscal voltadas para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, como se observa da simples leitura do § 2º do artigo 1º da aludida lei, verbis:

"Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição.

....

§ 2º As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios."

Dessa forma, uma vez constatado que a Lei dos Consórcios ostenta a mesma qualidade da Lei 4.320/67 e da Lei Complementar n.º 101/00 – norma geral de caráter nacional –, pensamos ser corolário lógico admitir que seu decreto regulamentar também deva ser considerado norma de caráter nacional. Assim sendo, não vemos como considerá-lo inconstitucional, pelo que os demais entes federativos dever-lhe-ão plena obediência em todos os seus termos e condições.


8.Conclusões

O debate sobre a regulamentação da Lei n.º 11.107/05 é oportuno e bem-vindo, haja vista a necessidade de se completar adequadamente o regime jurídico dos consórcios públicos inaugurado pela aludida lei. A minuta do decreto que trará em seu Anexo Único o Regulamento da Lei dos Consórcios, que salienta-se, não é texto definitivo, mas mero esboço das pretensões da autoridade competente, traz algumas situações jurídicas, já comentadas ao longo do presente ensaio, que certamente merecerão a devida atenção dos operadores jurídicos diretamente envolvidos na sua elaboração, em especial aquelas ligadas à ilegalidade do futuro decreto disciplinar transferências voluntárias, auxílios estrangeiros e operações de crédito aos consórcios públicos em razão de a lei regulada não ter previsto tais possibilidades, somado ao óbice legal trazido pelo artigo 25 da LRF.

Por fim, diante de tudo quanto foi analisado, cumpre elencar as principais conclusões do presente trabalho:

a)A Lei dos Consórcios Públicos estabelece ao longo de todo seu corpo textual, a nosso sentir, dois planos distintos de abordagem normatizora, denominados para fins didáticos, de plano da contratualização e plano da personalização. Enquanto o plano da contratualização disciplina regras relativas às pactuações que os entes consorciandos deverão obedecer para que os contratos de consórcio público sejam considerados válidos, o plano da personalização encarrega-se de disciplinar as espécies de personalidade jurídica que darão suporte às atividades oriundas de um contrato de consórcio público;

b)a Lei n.º 11.107/05 é uma lei nacional a exemplo de várias outras promulgadas pela União, como as Leis n.º 4.320/64 (finanças públicas), 8.666/93 (Licitações), Lei Complementar n.º 101/00 (responsabilidade fiscal), entre tantas outras. Assim, respeitosamente, dissentimos do entendimento de que dita norma seria inconstitucional por ferir a autonomia federativa insculpida no caput do artigo 18 da Constituição Federal;

c)teleologicamente a Lei Consorcial visa a instrumentalizar a viabilização de consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum que necessariamente não se confundem com os requisitos "equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional" pautados Parágrafo Único do artigo 23 da Texto Constitucional, mas ao revés, encerram conceito bem mais amplo do que as hipóteses qualificadoras exautivas de lei complementar enunciadas no indigitado artigo constitucional. Assim, também não há falar em inconstitucionalidade formal da Lei n.º 11.107/05, por não ser lei complemetar, porque inexistente tal obrigatoriedade;

d)entendemos pela absoluta inviabilidade de utilização da tese que defende a impossibilidade de criação de uma associação pública (autarquia interfederativa), fundada nos acórdãos do Supremo Tribunal Federal, prolatado no REx n.º 120.932 e na Ação Cível Originária n.º 503-RS, julgados, respectivamente, em 24/03/1992 e 25/10/2001, que abarcaram a clássica questão da transformação, via judicial, da personalidade jurídica autarquia interestadual do Banco Regional do Desenvolvimento do Extremo Sul – BRDE – em empresa pública, em razão de ausência de normativo constitucional, à época da criação do aludido banco, que pudesse permitir a vanguardeira construção jurídica intentada no longínquo ano de 1961, tendo em vista que redunda de hermenêutica anacrônica, pois a ordem jurídica, utilizada para o deslinde das aludidas demandas judiciais, é anterior à Emenda Constitucional n.º 19, de 04/06/1998, que alterou o artigo 241 da CF, trazendo ao ordenamento jurídico brasileiro o princípio da cooperação interfederativa, viabilizador da criação de autarquias interfederativas entre nós;

e)o artigo 241 da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional n.º 19/98, encerra implicitamente o princípio constitucional da cooperação interfederativa, que carrega a idéia da conjugação de esforços dos diferentes entes federativos, visando à implementação de determinada política pública, que individualmente, nenhum deles teria condições plenas de realizar com eficácia;

f)face ao princípio da cooperação interfederativa insculpido no artigo 241 da Constituição Federal, a partir da EC n.º 19/98, é possível afirmar que a natureza jurídica de uma a associação pública é a de autarquia interfederativa; e

g)não há falar em inconstitucionalidade do texto do futuro decreto regulamentar da Lei n.º 11.107/05, por suposto ferimento da autonomia federativa em razão dele disciplinar condutas aos demais entes federativos porque uma vez constatado que a Lei dos Consórcios ostenta a mesma qualidade da Lei 4.320/67 e da Lei Complementar n.º 101/00 – norma geral de caráter nacional –, pensamos ser corolário lógico admitir que seu decreto regulamentar também deva ser considerado norma de caráter nacional. Assim sendo, os demais entes federativos dever-lhe-ão plena obediência em todos os seus termos e condições.


Bibliografia

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Notas

01 O art. 2º, inc. I da aludida minuta dispõe que, verbis: "Art. 2º - Para fins deste Regulamento,consideram-se: I – consórcio público: a associação pública ou a pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos constituída por entes da Federação para a realização de objetivos de interesse comum;..."

02 Nesse sentido, vide artigo de nossa autoria intitulado "Lei nº 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros" publicado na revista eletrônica Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 705, 10 jun. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6872>. Acesso em: 12 nov. 2005.

03 "Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.

§ 1º. O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.

§ 2º. A falência de uma consorciada não se estende às demais, subsistindo o consórcio com as outras contratantes; os créditos que porventura tiver a falida serão apurados e pagos na forma prevista no contrato de consórcio."

04 BORGES, Alice Gonzalez. Os consórcios públicos na sua legislação reguladora. Interesse Público, ano 7, n.º 32, julho/agosto 2005, Porto Alegre: Notadez, p.232-234.

05 "Art. 3º - O consórcio público será constituído por contrato cuja celebração dependerá da prévia subscrição de protocolo de intenções."

06 "Art. 4º São cláusulas necessárias do protocolo de intenções as que estabeleçam:... XII – o direito de qualquer dos contratantes, quando adimplente com suas obrigações, de exigir o pleno cumprimento das cláusulas do contrato de consórcio público."

07 "§ 3º É nula a cláusula do contrato de consórcio que preveja determinadas contribuições financeiras ou econômicas de ente da Federação ao consórcio público, salvo a doação, destinação ou cessão do uso de bens móveis ou imóveis e as transferências ou cessões de direitos operadas por força de gestão associada de serviços públicos."

08 "Art. 5º O contrato de consórcio público será celebrado com a ratificação, mediante lei, do protocolo de intenções."

09 "§ 1º O contrato de consórcio público, caso assim preveja cláusula, pode ser celebrado por apenas 1 (uma) parcela dos entes da Federação que subscreveram o protocolo de intenções."

10 "Art. 12. A alteração ou a extinção de contrato de consórcio público dependerá de instrumento aprovado pela assembléia geral, ratificado mediante lei por todos os entes consorciados."

11 "§ 5º Mediante previsão do contrato de consórcio público, ou de convênio de cooperação, o contrato de programa poderá ser celebrado por entidades de direito público ou privado que integrem a administração indireta de qualquer dos entes da Federação consorciados ou conveniados."

12 Abordamos a natureza jurídica do instituto do consórcio no tópico 7 – Da natureza contratual do consórcio público, do artigo intitulado "Lei n.º 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros" Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6872>. Acesso em: 11 nov. 2005.

13NETO, Floriano de Azevedo Marques. Os consórcios públicos. Revista Eletrônica da Direito do Estado, Salvador, n.03, julho/agosto/setembro 2005, 03 jul. 2005. Disponível em:

14 "Art. 6º O consórcio público adquirirá personalidade jurídica:

I – de direito público, no caso de constituir associação pública, mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções;

II – de direito privado, mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil".

15 "Art. 9º. Para cumprimento de suas finalidades, o consórcio público poderá: I - firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios, transferências voluntárias, contribuições e subvenções sociais ou econômicas de entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras;"

16 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 23.ed. 2ª tiragem. atual. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 1998, p. 160.

17 Artigo 2º, Inciso I da Lei n.º 11.107/05.

18 Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.

19 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 13.ed. atual. São Paulo: malheiros, 2003, p. 89.

20 NOGUEIRA, José Geraldo Ataliba. Leis nacionais e leis federais no regime constitucional. In: PRADE, Péricles Luiz Medeiros. Estudos jurídicos em homenagem a Vicente Ráo. São Paulo: Resenha Universitária, 1976, p. 129-162.

21 Art. 1º da Lei n.º 11.107/05.

22 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª ed. 2ª tir. São Paulo: Malheiros, 2005, p.16.

23 Sim, porque se o intérprete admitir que ambas as partes do dispositivo do Parágrafo Único do art. 23 da CF detêm o mesmo valor hermenêutico, deixando assim de, subjetivamente, atribuir pesos diferenciados às aludidas partes do texto interpretando, logicamente concluiria que somente existiria necessidade de edição de normas complementares quando a cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios objetivasse o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

24 Art. 1º da Lei 11.107/05.

25 Art. 23, Parágrafo único, in fine, da CF.

26 Art. 23, Parágrafo único, in fine, da CF.

27 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p.61-62.

28 Recurso Extraordinário nº 120.932, julgado à unanimidade em 24.3.1992, publicado no DJU de 30.4.1992.

29 Utilizamos os parênteses porque entendemos que ambas as expressões se amoldam para definir o princípio em exame. Se utilizarmos a expressão cooperação federativa, temos como significado possível, a idéia de cooperação entre os entes federativos, o que está em perfeita consonância com a idéia que se deseja transmitir, sendo expressão utilizada pela doutrina. De outro lado, se utilizarmos a expressão cooperação interfederativa também teremos como significado possível a idéia de cooperação entre entes federativos, só que em maior grau de precisão, entendemos, pela utilização do prefixo inter, pelo que lhe daremos preferência na utilização neste ensaio.

30 SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. A simetria conceitual existente entre a teoria de justiça de John Rawls e os consórcios públicos. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 816, 27 set. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7344>. Acesso em: 11 nov. 2005.

31 Na Ação Cível Originária n.º 503-RS movida pelo BRDE contra a União o Supremo Tribunal Federal julgou, por maioria, improcedente a ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária entre a União e o BRDE por 10 votos a 1 (vencido o Ministro Silveira), conforme noticia a ementa do acórdão relatado pelo Ministro Moreira Alves.

32 O caso BRDE perpassou duas Constituições Federais, a de 1946 e a atual de 1988. Esta última trata o assunto em seu Art. 37, Inc XIX, o qual estipula que "somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;..."(Redação dada ao inciso pela Emenda Constitucional nº 19/98).

33 SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei nº 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 705, 10 jun. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6872>. Acesso em: 11 nov. 2005. Neste artigo, tendo por premissa a concepção jurídico-dogmática anterior à EC n.º 19/98, fizemos a seguinte consideração, que agora revisamos tendo em vista que a existência do princípio da cooperação interfederativa, implícito no atual art. 241 da Constituição Federal: "Faz-se esta consideração porque a figura da associação pública foi posicionada geograficamente no Código Civil no inciso IV do art. 46 que trata da autarquia, o que poderá ensejar entendimentos de que as espécies se equivalem juridicamente, o que se apresentaria, a toda evidência, como outro inaceitável equívoco hermenêutico, a exemplo do que aconteceu com as fundações privadas mantidas e instituídas pelo Poder Público, como acima colocado."

34 BORGES, Alice Gonzalez. Os consórcios públicos na sua legislação reguladora. Interesse Público, ano 7, n.º 32, julho/agosto 2005, Porto Alegre: Notadez, p.231. No indigitado artigo, a autora defende a idéia de que o consórcio público é "uma autarquia pluripessoal, constituída pelos representantes de cada ente federado".

35 NETO, Floriano de Azevedo Marques. Os consórcios públicos. Revista Eletrônica da Direito do Estado, Salvador, n.03, julho/agosto/setembro 2005, 03 jul. 2005. Disponível em:"A questão, portanto, se coloca em relação à possibilidade de uma pessoa jurídica de direito público (i.e., uma autarquia) com tal configuração. E, nesse aspecto, como dissemos por diversas vezes, muito sensível é a diferença que, em relação ao regime anterior, proporcionou a redação que ao artigo 241 da Constituição conferiu a EC no 19. E, de seu turno, o que se passa com os consórcios públicos no Projeto de Lei sob análise, é estritamente fiel à citada modificação constitucional, dado que os entes autárquicos a serem criados mediante consórcios públicos terão sua competência adstrita à delegação competencial recebida dos entes federados seus criadores, inclusive no aspecto territorial. Desse modo, a competência das autarquias assim criadas será a mera conjunção de competências que as pessoas políticas que o instituem possuem. O consórcio público, assim, não altera o círculo de competências. Emerge, isto sim, como uma forma para o exercício de competências, por meio do qual tal exercício dar-se-á em regime de cooperação federativa, fazendo valer o princípio do federalismo cooperativo, que é estruturante da ordem constitucional brasileira. Donde a conclusão tranqüila em favor da conformidade constitucional de autarquias criadas por mais de um ente federativo, incumbidas de competências descentralizadas de cada um dos entes seus criadores".

36 BORGES, Alice Gonzalez. Op. Cit., p.231.

37 NETO, Floriano de Azevedo Marques. Op. Cit.,p.28.

38 Recurso Extraordinário nº 120.932, julgado à unanimidade em 24.3.1992, publicado no DJU de 30.4.1992.

39 Art. 9º da Lei Federal n.º 11.107/05.

40 No artigo "A regulamentação dos consórcios públicos à luz do projeto de lei n.º 3.884/2004", disponível no endereço eletrônico http://jus.com.br/artigos/6614, colocamos a seguinte situação hipotética que vale reproduzir para facilitar a idéia aqui retratada: "Diante dessa previsão legal, surge aspecto de singular peculiaridade: um consórcio poderá estar submetido à competência fiscalizatória de mais de um tribunal de contas. Por exemplo, em um consórcio celebrado entre a União, Estado do Rio de Janeiro e Município do Rio de Janeiro, serão competentes à fiscalização do controle externo, concorrentemente, os Tribunais de Contas da União, do Estado do Rio de Janeiro e do Município do Rio de Janeiro, cada um, apreciando as contas do consórcio relativas aos recursos repassados por seu ente jurisdicionado, pois o consórcio integrará a administração indireta de todos os entes participantes do contrato de gestão associada. Pensa-se que seja oportuno, visando à economia de recursos humanos e materiais das três esferas federativas, estabelecer-se convênio de cooperação entre as cortes de contas visando a disciplinar o assunto através do estabelecimento de conjunto de procedimentos que, atendendo ao princípio constitucional da economicidade, torne a tarefa fiscalizatória das contas consorciais o menos onerosa possível aos erários envolvidos. Como se vê, este novel instituto trará aos órgãos do controle externo desafios relativos ao estabelecimento de novos procedimentos, que deverão ser racionais na utilização dos recursos disponíveis e eficazes em seus resultados".

41 Art. 9º, Parágrafo único, da Lei Federal n.º 11.107/05.

42 SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei orgânica nacional dos tribunais de contas: instrumento de aprimoramento das instituições brasileiras de controle externo. Fórum Administrativo – Direito Público – FA. ano 5, n. 47, jan. 2005. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 4969. Este artigo também está disponível na Internet, no endereço eletrônico da Associação Nacional do Ministério Público de Contas – AMPCON (www.ampcon.org.br/doutrina.htm).

43 Art. 9º, Parágrafo único, da Lei Federal n.º 11.107/05.

44 "Parágrafo único. Os agentes públicos incumbidos da gestão de consórcio não responderão pessoalmente pelas obrigações contraídas pelo consórcio público, mas responderão pelos atos praticados em desconformidade com a lei ou com as disposições dos respectivos estatutos."

45 SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Lei nº 11.107/05: marco regulatório dos consórcios públicos brasileiros. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 705, 10 jun. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6872>. Acesso em: 11 nov. 2005.

46 Art. 6º O consórcio público adquirirá personalidade jurídica:

I – de direito público, no caso de constituir associação pública, mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções;

II – de direito privado, mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil.

47 § 1º O consórcio público com personalidade jurídica de direito público integra a administração indireta de todos os entes da Federação consorciados.

48 Art. 4º. A Administração Federal compreende:

I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.

II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:

a) Autarquias;

b) Empresas Públicas;

c) Sociedades de Economia Mista;

d) Fundações Públicas.(Alínea acrescentada pela Lei nº 7.596, de 10.04.1987)

Parágrafo único. As entidades compreendidas na Administração indireta vinculam-se ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade. (Antigo parágrafo 1º, transformado em parágrafo único com a revogação dos parágrafos 2º e 3º, pela Lei nº 7.596, de 10.04.1987)

49 Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

50 BASTOS, Celso Ribeiro. Op. Cit., p.516.


Autor

  • Cleber Demetrio Oliveira da Silva

    Sócio da Cleber Demetrio Advogados Associados, da RZO Consultoria e Diretor Executivo do Instituto de Desenvolvimento Regional Integrado Consorciado (IDRICON21), Especialista em Direito Empresarial pela PUCRS, Especialista em Gestão de Operações Societárias e Planejamento Tributário pelo INEJE, Mestre em Direito do Estado pela PUCRS, Professor de Ciência Política no curso de graduação da Faculdade de Direito IDC, de Direito Administrativo em curso de pós-graduação do IDC e Professor de Direito Administrativo e Direito Tributário em cursos de pós-graduação do UNIRITTER da rede Laureate International Universities.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Cleber Demetrio Oliveira da. Considerações sobre a futura regulamentação da lei geral dos consórcios públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 934, 23 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7863. Acesso em: 3 maio 2024.