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O regime previdenciário do estudante

abordagem histórica e reflexos presentes

O regime previdenciário do estudante: abordagem histórica e reflexos presentes

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INTRÓITO

            Como o próprio título do presente trabalho pugna esclarecer, buscarei analisar o regime previdenciário do estudante, principalmente, sob o enfoque legal, obviamente não me olvidando de também fazer abordagens jurisprudenciais e doutrinárias.


HISTÓRICO SUCINTO

            Podemos, nitidamente, visualizar no Decreto-Lei 4.073, de 30 de janeiro de 1942, que instituiu o ensino industrial, um embrião do que se tornaria, muitos anos depois, um anseio de muitos trabalhadores, qual seja: a garantia de que seriam aproveitados in totum os períodos não exclusivos de estudos, que, comprovadamente, fossem entrecortados por práticas de trabalho, exercidos nas Escolas Técnicas Federais ou Artesanais no cômputo de tempo de serviço [01].

            Obviamente que tal decreto-lei, quando do seu surgimento, não representava intenção velada do legislador em albergar dispositivo que autorizasse a contagem de referidos lapsos como tempo de serviço. Inclusive, forçoso é esclarecer, não havia qualquer passagem do indigitado texto que autorizasse tal procedimento explicitamente. Tal prerrogativa somente foi concebida a partir do advento de legislações marginais a alguns estatutos reguladores de carreira de servidores públicos, como, por exemplo, a Lei 1.711/52 (o antigo Estatuto dos Servidores Públicos Federais), que foi complementada pela Lei 6.890/80 [02], depois se espraiando também para o Regime Geral de Previdência Social.

            Não se consegue, infelizmente, divisar qual teria sido a intenção do legislador quando adotou tais critérios como definidores de tempo de serviço, maiormente pelo fato de que tal postura não foi fruto de encadeamento lógico legislativo, até porque ficou restrita a uma casta, malferindo direitos primários do cidadão. Provavelmente, foi impulsionado por casuísmos que grassam em nosso país - casuísmos que já produziram aberrações como a Lei 5.941, de 22.11.1973, mais conhecida como Lei Fleury, que modificou dispositivos do Código de Processo Penal, para facilitar a vida do Delegado Sérgio Paranhos Fleury, então representante dos órgãos de repressão política da ditadura militar, que se instalou depois do golpe de 1964. No indigitado caso, foi tão evidente a intenção do legislador que, em apenas trinta dias, aprovaram uma pantomima legislativa, que modificou os procedimentos do tribunal do júri, autorizando que o réu aguardasse o seu julgamento em liberdade, mesmo empós a sentença de pronúncia.

            Mais recentemente, como se verá infra, os decretos n.os 611/92 e 2.172/97 e instruções normativas emitidas pelo Instituto Nacional do Seguro Social, como a de n.º 118 [03], de 14 de abril de 2005, dentre tantas, também disciplinaram o uso do excepcional tempo de serviço na condição de aluno-aprendiz de que tratava o Decreto-Lei n.º 4.073/42, fato que não se repetiu no Decreto n.º 3.048/99.

            Válido ressaltar, por necessário, que a Lei 5.890 [04], de 08.06.1973, que alterou a Lei 3.807, de 26.08.1960, já reconhecia o direito do bolsista a se inscrever no regime geral de previdência, porém na condição de facultativo.

            Posteriormente, inda, foi editada a Lei 7.004, de 24 de junho de 1982, que instituiu o programa de previdência social aos estudantes, mas com espectro tão limitado que não serviu sequer para operar os mesmos efeitos que surtiram aqueles outros instrumentos legislativos mencionados - supra -, ou seja, de ser considerado para os efeitos da previdência social urbana e rural. Mais adiante, analisaremos melhor.

            Antes disso, a Lei 6.494/77, que regulamentou o estágio de estudantes de estabelecimentos de ensino superior e de 2º grau regular e supletivo, em nada inovou, vez que não tratou da situação do estagiário de forma a lhe reconhecer o direito compulsório à vinculação previdenciária, desconhecendo, pois, a possibilidade de que o tempo de estágio cumprido de forma regular, nos termos vindicados na indigitada lei, fosse aproveitado, não servindo, em conseqüência, para qualquer fim.

            Tal fenômeno acarretou uma série de desdobramentos, visto que alguns empresários, sequiosos por mão-de-obra barata e livre de encargos sociais, passaram a admitir estagiários e submetê-los a trabalhos que não se harmonizavam com os postulados defendidos na Lei n.º 6.494/77, razão pela qual, atualmente, fruto de reiterados posicionamentos jurisprudenciais, já se tolera que o estágio executado de forma irregular enseja a prestação previdenciária compulsória e todos os seus consectários, mas, frise-se, tudo dependendo de prévia decisão judicial, que, em cada situação, cuidará de investigar, mediante a adequada instrução, se houve ou não extrapolação nos serviços prestados, caracterizando a relação de trabalho com todos os seus elementos, a saber: continuidade, subordinação, onerosidade, pessoalidade, alteridade, que, em seu conjunto, são incompatíveis com os vínculos decorrentes do estágio.

            Após estes prolegômenos, analisemos algumas questões importantes, que repercutem até hoje.


O ALUNO-APRENDIZ

            Como dissemos, a figura jurídica do aluno-aprendiz nasceu a partir do Decreto-Lei n.º 4.073, de 30 de janeiro de 1942, que instituiu o ensino industrial em nosso país, obviamente que sem os contornos que, posteriormente, tomou, empós o advento, por exemplo, da Lei n.º 6.890/80, que autorizou a contagem dos períodos de atividades desempenhados nessa condição.

            Com relação à Lei 6.890/80, pode-se dizer que foi uma das primeiras experiências legislativas que miravam contemplar a situação previdenciária dos estudantes, atribuindo-lhes o direito de ver computado para fins de tempo de serviço o período de estágios realizados, desde que considerados os pressupostos ínsitos no seu art. 1.º, in litteris:

            "Art. 1º Ao servidor regido pela Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952, será computado, para todos os efeitos, o tempo de serviço prestado na qualidade de extranumerário, diarista ou tarefeiro, bem como retribuído à conta de dotação global, desde que legalmente considerado para aposentadoria e disponibilidade."

            Indubitavelmente, não é demais salientar que essa mesma Lei 6.890/80, que se esmerou em deferir aos servidores públicos federais esta comenda, passou ao largo da equanimidade e não dispensou o mesmo tratamento aos segurados do Regime Geral de Previdência Social, que permaneceram durante um bom tempo sem ter o direito ao cômputo dos períodos reconhecido, visto que somente em 1992, com a edição do Decreto n.º 611, de 21.07.1992, publicado no DOU de 22.07.1992, que instituiu o Regulamento de Benefícios da Previdência Social, os trabalhadores da iniciativa privada passaram a dispor do mesmo direito há tempos concedido aos servidores públicos, qual seja o de poder computar como tempo de serviço o prestado na condição de aluno-aprendiz nas escolas técnicas ou industriais. Veja-se, a propósito o art. 58, XXI, alíneas "a" e "b":

            "Art. 58. São contados como tempo de serviço, entre outros:

             ......................................................................

            XXI - durante o tempo de aprendizado profissional prestado nas escolas técnicas com base no decreto-lei nº 4.073, de 30 de janeiro de 1942:

            a)os períodos de freqüência a escolas técnicas ou industriais mantidas por empresas de iniciativa privada, desde que reconhecidas e dirigidas a seus empregados aprendizes, bem como o realizado com base no Decreto nº 31.546, de 06 de fevereiro de 1952, em curso do Serviço Nacional da Indústria- SENAI ou Serviço Nacional do Comércio - SENAC, por estes reconhecido, para noção profissional metódica de ofício ou ocupação do trabalhador menor;

            b)os períodos de freqüência aos cursos de aprendizagem ministrados pelos empregadores a seus empregados, em escolas próprias para esta finalidade, ou em qualquer estabelecimento de ensino industrial;"

            Perceba-se bem que a alínea "a", do inciso XXI, do art. 58, do Decreto n.º 611/92, trasladada, não traz ínsita qualquer limitação temporal ao exercício do benefício, bastando para tanto que tenha havido tão-somente a freqüência nos indigitados cursos, no que é bastante diferente do decreto que lhe sucedeu, o Decreto n.º 2.172/97, que limitou a um determinado período a fruição de tal benefício, veja-se, ipsis litteris:

            "Art. 58. São contados como tempo de serviço, entre outros:

             .......................................................................

             XXI - o tempo de aprendizado profissional prestado nas escolas técnicas com base no Decreto-lei nº 4.073, de 30 de janeiro de 1942, no período de 9 de fevereiro de 1942 a 16 de fevereiro de 1959 (vigência da Lei Orgânica do Ensino Industrial), observadas as seguintes condições:

            a) o período de freqüência a escolas técnicas ou industriais mantidas por empresas de iniciativa privada, desde que reconhecidas e dirigidas a seus empregados aprendizes, bem como o realizado com base no Decreto nº 31.546, de 6 de fevereiro de 1952, em curso do Serviço Nacional da Indústria-SENAI ou Serviço Nacional do Comércio-SENAC, por estes reconhecido, para formação profissional metódica de ofício ou ocupação do trabalhador menor;

            b) o período de freqüência aos cursos de aprendizagem ministrados pelos empregadores a seus empregados, em escolas próprias para esta finalidade, ou em qualquer estabelecimento do ensino industrial;"(Grifos nossos)

            Note-se bem que o novo Decreto, de n.º 2.172/97, restringiu o benefício àqueles que freqüentaram os cursos no período de 9 de fevereiro de 1942 a 16 de fevereiro de 1959, unicamente, o período de vigência da Lei Orgânica do Ensino Industrial, o Decreto-lei n.º 4.073/42.

            Desafortunadamente, com o advento do Decreto n.º 3.0488/99, que ora vige, em vez de ter havido a consolidação dos direitos do segurado, contraditoriamente, ocorreu o inverso, ou seja, novamente, o legislador deixou de reconhecer o direito ao cômputo desses períodos de aprendizado industrial. É o que se conclui a partir da análise do Parecer/CJ n.º 2.893, de lavra do Advogado da União, Dr. Idervânio da Silva Costa, até então exercendo o cargo de Coordenador da 3ª Coordenação da CJ/MPAS. Vejamos algumas de suas conclusões, in litteris:

            "CONCLUSÃO

            "43. Ante ao(sic) exposto, esta Consultoria Jurídica firma as seguintes orientações sobre a questão em exame:

            a) a partir do advento do Decreto nº 3.048, de 1999, que excluiu, intencionalmente, a possibilidade de contar como tempo de contribuição o período de aprendizado profissional realizado em escolas técnicas na condição de aluno aprendiz, não é permitida a contagem desse período como tempo de contribuição para os segurados que implementaram os requisitos necessários à concessão do benefício após a vigência do Decreto em referência;

            b) uma vez pacificada a questão no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de permitir a contagem do tempo de aluno aprendiz para fins previdenciários desempenhado em qualquer época, desde que tenha havido remuneração e vínculo empregatício, inclusive se exercido fora do período de vigência do Decreto-lei nº 4.073, de 1942, e por não se verificar no caso nenhuma questão constitucional passível de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, impõe-se:

            b.1) a revogação do Parecer/CJ/Nº 1.263, de 1998, a fim de racionalizar o trabalho do contencioso da Procuradoria Federal Especializada - INSS, evitar demandas que já se sabe infrutíferas e o pagamento de honorários de sucumbência;

            b.2) a contagem como tempo de contribuição para os segurados que implementaram todos os requisitos necessários à concessão do benefício durante o período de vigência do Decreto nº 611, de 1992, e do Decreto nº 2.172, de 1997, do período de aprendizado profissional realizado em escolas técnicas na condição de aluno aprendiz, desde que comprovada a remuneração e o vínculo empregatício;"(Grifos nossos)

            Assim, mesmo para aqueles que, no período de 9 de fevereiro de 1942 a 16 de fevereiro de 1959, estavam matriculados e freqüentando os cursos técnicos, promovidos em conformidade com o Decreto n.º 4.073/42, mas que não lograram implementar os demais requisitos necessários para a concessão do benefício nos períodos de vigência dos Decretos n.os 611/92 e 2.172/97, não se lhe conferirão a possibilidade de verem contados os períodos exercidos na condição de aluno aprendiz.

            Parece-me que o critério utilizado, que prima, exclusivamente, pela vigência de simples decretos, em detrimentos de situações fáticas bem delineadas, não é um critério racionalmente lógico e jurídico, até porque estaremos fazendo uma distinção insustentável entre segurados que, a bem da verdade, têm a mesma situação, qual seja a de serem ex-alunos aprendizes.

            Torna-se, destarte, no mínimo injusto, v.g., acatar postulações de segurados que cumpriram períodos como aluno aprendiz em qualquer época, no primeiro caso, na vigência do Decreto n.º 611/92; das pugnas de segurados, pleiteando a contagem dos períodos intermediados de 9 de fevereiro de 1942 a 16 de fevereiro de 1959, quando vigia o Decreto n.º 2.172/97, e não se aceitar requerimentos feitos por outros segurados que, a despeito de também serem ex-alunos aprendizes, pelo simples fato de não terem completado todos os requisitos para a concessão dos benefícios até a data de vigência de determinado decreto.

            Não se pode perder de vista, é bom que se frise, que a natureza da atividade é a mesma, visto que todas estão sobre o mesmo sobrecéu, o Decreto-Lei n.º 4.073/42. Afigura-se-nos, em conseqüência, incontroversa a desigualdade de procedimentos adotados pelo INSS, diferenciando-se um e o outro caso, diferença essa que malfere o próprio direito, atentando mais contra a higidez constitucional que propugna a igualdade entre todos, mormente, entre os que estão na mesma situação.

            Trata-se, in casu, de direito intertemporal que deve sempre ser visto de forma a hostilizar a aplicação retroativa das normas, mormente quando tais normas acarretam prejuízos aos jurisdicionados, é a consagração do princípio da irretroatividade das leis.

            Ilustre-se, ademais, toda a nossa assertiva com o brilhante acórdão garimpado nos anais do Pretório Excelso, que foi firme em enfatizar a necessidade de se cultivar a preservação da igualdade entre os cidadãos, in verbis:

            "O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é - enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica - suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei - que opera numa fase de generalidade puramente abstrata - constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade." (MI 58, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19/04/91)

            Para dar cifras finais ao assunto, é bom que se esclareça que a Súmula n.º 96 [05] do Tribunal de Contas da União, no âmbito do serviço público federal, reconhece a figura do aluno-aprendiz, mas também o faz de forma bastante restritiva, considerando tão-somente aluno-aprendiz aquele cursou em Escola Pública Profissional, desde que comprovada a retribuição pecuniária à conta do orçamento público, admitindo-se tal retribuição, inclusive, pelo recebimento de alimentação, fardamento, material escolar e parcela de renda auferida com a execução de encomendas para terceiros.


A PROTEÇÃO INSTITUÍDA PELA LEI 7.004, DE 24 DE JUNHO DE 1982

            Na esteira da evolução histórica do regime previdenciário do estudante, destaca-se a Lei 7.004, de 24 de junho de 1982. Trata-se de uma tentativa, a nosso ver, tímida do legislador, que poderia ter avançado, e muito, criando a possibilidade de aproveitamento pleno do período de contribuição, como ocorre atualmente.

            Em vez disso, limitou-se a oferecer tão-somente benefícios fugazes, que, em sua maioria, perderam-se no tempo e, conseqüentemente, não repercutem até hoje, gerando prejuízos de grande monta aos que à época se propuseram a pagar os 8,5%(oito vírgula cinco por cento) do salário mínimo.

            Eis, as prestações que eram concedidas aos estudantes, condicionadas, obviamente, à contribuição indigitada:

            I- Benefícios:

            a) auxílio-invalidez;

            b) pensão

            c) pecúlio por morte.

            II - Serviços:

            a) assistência médica;

            b) reabilitação.

            Válido esclarecer que a carência a ser cumprida consistia em 12(doze) contribuições para o caso de benefícios e de 06(seis) para os serviços de assistência médica e reabilitação.

            Com o advento das Leis 8.212 e 8.213, ambas de D.O.U. de 25.7.1991 e republicado no D.O.U. de 14.8.1998, a Lei 7.004/82 foi revogada, contudo, restaram mantidos os programas os pagamentos dos benefícios de prestação continuada concedidos até a vigência daquelas leis. Apenas por ilustração, vejamos o art. 137, coincidentemente, dispositivo com mesma numeração nas duas leis, litteris:

            "Art. 137. Fica extinto o Programa de Previdência Social aos Estudantes, instituído pela Lei nº 7.004, de 24 de junho de 1982, mantendo-se o pagamento dos benefícios de prestação continuada com data de início até a entrada em vigor desta Lei."

            O auxílio-invalidez consistia numa prestação mensal equivalente a 50% (cinqüenta por cento) do salário mínimo regional, sendo devido aos estudantes, que eram vítimas de enfermidade ou lesão orgânica que os incapacitava, totalmente, para a atividade estudantil ou para ingresso em atividade laboral. Já a pensão consistia em prestação mensal, que equivalia a 50% (cinqüenta por cento) do salário mínimo regional, sendo concedida a partir da comprovação da morte do pai ou responsável pela manutenção dos estudos, declarado na ocasião da inscrição até o término do curso ou o ingresso em atividade laboral vinculada a Sistema de Previdência Social obrigatório.

            Em relação ao pecúlio por morte, este era realizado em pagamento único, no valor de 2 (dois) salários mínimos regionais, e seria devido pela morte do pai ou responsável pela manutenção dos estudos, declarado na ocasião da inscrição.

            Como dissemos,  a Lei 7.004/82 foi, extremamente, tímida. Poderia ter ousado mais, prevendo a possibilidade de aproveitamento de todo o período em que o estudante pagou a contribuição previdenciária para fins de cômputo para aposentadoria, até porque – ao contrário de muitos períodos de tempo de serviço que são aproveitados, em que não há contribuição -, aqui, houve, em menor proporção, mas houve, disso não pudemos nos afastar.

            Desta forma, não há como aproveitar, para cômputo de tempo de serviço ou contribuição, os períodos de pagamento realizados sob a égide da Lei 7.004/82.


DA IMPOSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO

            Ademais, não é de hoje, que tanto a jurisprudência, como a doutrina e, também, a legislação, verberam a impossibilidade de indenização da contribuição do estudante, sustentando-se, inclusive, sua vedação, escudado no mais das vezes, no art. 96, inciso IV, da Lei 8.213/91, que, assim, se manifestou acerca do assunto, videbimus infra:

            "Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:

            .....................................................

            IV - o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com os acréscimos legais;"

            Destarte, a vedação consiste, primacialmente, no fato de que a nobre função do estudante, atualmente, não figura dentre aquelas ocupações que alvitram a filiação à previdência em caráter obrigatório, orbitando, antes, na condição de segurado facultativo, como assim a classifica o art. 11, § 1.º, III, do Decreto n.º 3.048/99.

            É esse o ponto nodal do problema: o reconhecimento da atividade, outrora desenvolvida, como de atual filiação obrigatória. Se a atividade, atualmente, não é considerada de filiação obrigatória, não se pode proceder à indenização e, por conseguinte, contabilizar o tempo de atividade, que pode até restar devidamente comprovado, contudo, sem o recolhimento das contribuições previdenciárias, sem surtir quaisquer efeitos.

            Trasladando-se o art. 122, do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n.º 3.048/99, percebe-se com maior nitidez a mens legis, vejamos, ipsis verbis:

            "Art.122. O reconhecimento de filiação no período em que o exercício de atividade remunerada não exigia filiação obrigatória à previdência social somente será feito mediante indenização das contribuições relativas ao respectivo período, conforme o disposto nos §§ 7º a 14 do art. 216 e § 8º do art. 239."(Grifos nossos)

            Observe-se, ademais, que é no art. 216, § 9.º, do decreto multicitado que encontraremos a vedação de forma bem mais ostensiva e direta, verbis:

            "Art.216. A arrecadação e o recolhimento das contribuições e de outras importâncias devidas à seguridade social, observado o que a respeito dispuserem o Instituto Nacional do Seguro Social e a Secretaria da Receita Federal, obedecem às seguintes normas gerais:

            .........................................................

            § 9º No caso de o segurado manifestar interesse em indenizar contribuições relativas a período em que o exercício de atividade remunerada não exigia filiação obrigatória à previdência social, aplica-se o disposto nos §§ 7º e 8º, desde que a atividade tenha se tornado de filiação obrigatória."(Grifamos)

            Por tudo isso, não podem o estudante, o bolsista e estagiário, estes prestando seus encargos em consonância com a Lei n.º 6.494/77, pleitearem, posteriormente, o aproveitamento de seus períodos de dedicação exclusiva aos estudos, no primeiro caso, e ao trabalho e ao estudo, no segundo e terceiro casos, mesmo que se proponham a indenizar o período vergastado, por absoluta vedação legal.

            É bom que se frise, contudo, que podem os estudantes, os bolsistas e estagiários, a teor do art. 11, § 1.º, III, VI e VII do Dec. 3.048/99, figurarem como segurados facultativos, devendo suas contribuições serem consideradas para todos os fins, inclusive, para cômputo de tempo para inativação.


O ESTUDANTE NO NOVO ORDENAMENTO PREVIDENCIÁRIO

            Como esclarecemos supra, atualmente, podem os estudantes se vincular à previdência social, na condição de facultativo, sendo que sua contribuição será considerada para todos os fins, podendo, ademais, usufruir todas as benesses que a proteção previdenciária disponibiliza, desde que seja maior de 16(dezesseis) anos, no regime anterior, antes da Emenda Constitucional n.º 20/98, que alterou o inciso XXXIII, do art. 7.º, considerava-se 14(catorze) anos.

            Para se vincular ao sistema previdenciário, basta que o estudante apresente documento de identidade e declaração expressa de que não exerce atividade que o enquadre na categoria de segurado obrigatório, ficando condicionada, ademais, a sua filiação ao pagamento da primeira contribuição.

            Nunca é demais enfatizar que os estudantes, mesmo que hajam desempenhado atividades laborais paralelas em decorrência do aprendizado, como bolsista, monitor ou estagiário, acaso as contribuições previdenciárias não sejam vertidas contemporaneamente ao regime, não será possível a indenização posterior.

            Saliente-se, por necessário, que o estagiário, dês que preste suas funções em flagrante desrespeito à Lei 6.494/77, restando patenteado o vínculo empregatício, com todos os consectários, terá sua inscrição efetuada não como segurado facultativo, mas como segurado obrigatório, na condição de empregado, a teor do art. 9.º, I, h, do Decreto n.º 3.048/99.

            Há de se fazer menção, inda, à condição do menor-aprendiz, figura disciplinada pela Lei n.º 10.097/00, que infligiu modificações na Consolidação das Leis do Trabalho.

            Ab initio, válido é esclarecer que, para os fins colimados pela indigitada lei, é considerado menor o trabalhador que conte idade entre 14(catorze) e 18(dezoito) anos. E não se pode confundir a figura do menor aprendiz, disciplina pela CLT, Estatuto da Criança e Adolescência, com o outro instituto, o do aluno-aprendiz organizado pelo Decreto-Lei 4.073, de 30 de janeiro de 1942.

            Veja-se, a propósito, a ementa do acórdão oriundo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, in litteris, delimitando - com bastante didática – as fronteiras entre os institutos mencionados no parágrafo anterior:

            "Embargos Infringentes nº 587045717, 1º Grupo de Câmaras Cíveis, Porto Alegre, 03/06/88:

            "FUNCIONÁRIO PÚBLICO. TEMPO DE SERVIÇO.ALUNO-APRENDIZ. Inconfundíveis o aluno aprendiz e o menor aprendiz. Este, que está sujeito à formação profissional metódica, em regra, no SENAI ou no SENAC, é necessariamente empregado subordinado e, como tal, vinculado à previdência social e computável o tempo de serviço estadual, para determinados fins. Aluno aprendiz, que é a hipótese ‘sub judice’, só eventualmente é empregado. Daí se lhe exigir,para computar o tempo de aprendizado, prova da relação de empregado, ou de vínculo empregatício, e remuneração correspectiva." (grifos nossos)

            Daí, mesmo que assim o desejasse, o administrador não poderia tratar os dois institutos como iguais, negando-lhes, indistintamente, a possibilidade de computar os períodos de aprendizagem e trabalho para fins previdenciários, visto que são situações diversas, sujeitas, portanto, a regramentos diferentes, não podendo ser, pois, simplificadas pelo simples arbítrio do executivo, como se evidencia no art. 113, da Instrução Normativa n.º 118/05.

            "Art. 113. Os períodos de aprendizado profissional realizados na condição de menor aprendiz, somente poderão ser computados como tempo de contribuição para os segurados que implementaram todos os requisitos necessários à concessão de qualquer espécie de benefício até 5 de maio de 1999, dia anterior ao início da vigência do Decreto nº 3.048/99, observando-se que podem ser contados, entre outros:

            I – os períodos de freqüência às aulas dos aprendizes matriculados em escolas profissionais mantidas por empresas ferroviárias;

            II – o tempo de aprendizado profissional realizado como aluno aprendiz, em escolas técnicas, com base no Decreto-Lei nº 4.073, de 1942, Lei Orgânica do Ensino Industrial a saber:"(grifos nossos)

            Ora, se o mesmo diploma legal, IN 118/05, reconhece a figura do menor aprendiz, disciplinada pela Lei 10.097/00, como a do equiparado ao segurado empregado, não há, pois, motivação para não reconhecer, a todo tempo, os corolários previdenciários derivados desta condição, não se vislumbrando óbice idôneo ao aproveitamento do período de aprendizagem e trabalho.

            Se as situações são diferentes, merecem tratamentos diferentes. E para comprovar a diversidade de situações, basta analisar, detidamente, a Lei 10.097/00, que modifica o art. 428, § 1.º, da CLT, quando dispõe sobre o Contrato de Aprendizagem, inclusive, para ordenar a anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social, gerando, doravante, a inscrição do menor aprendiz junto à Previdência Social, a teor do art. 3.º, I, a, da Instrução Normativa n.º 118/05, na condição de segurado empregado, verbis:

            "Art. 3º São segurados na categoria de empregado:

            I - o aprendiz, com idade de quatorze a dezoito anos, sujeito à formação profissional metódica do ofício em que exerça o seu trabalho, observado que:

            a) a contratação como aprendiz, atendidos os requisitos da Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000, poderá ser efetivada pela empresa onde se realizará a aprendizagem ou pelas entidades sem fins lucrativos, que têm por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional, caso em que não gera vínculo de emprego com a empresa tomadora dos serviços;"

            Repare-se bem e veja-se que a legislação do aluno aprendiz não disponibilizava o mesmo tratamento aos que se enquadravam em suas disposições.

            Além do mais, a figura do menor aprendiz é decorrência da própria Charta de Outubro, que, em seu art. 7.º, XXXIII, já dispunha sobre ele, pelo que foi seguida pelos estatutos infraconstitucionais, tais como a Leis n.os 8.069/90 [06](ECA) e 9.394/96(LDB).


CONCLUSÃO

            Como vimos, o estudante, mesmo que não desempenhe atividade profissional, já pode ser incluído no regime previdenciário geral, desde que possua, no mínimo 16(dezesseis) anos de idade e, obviamente, consiga pagar o valor da contribuição previdenciária, que terá como menor valor o equivalente a 20%(vinte por cento) sobre o salário mínimo e maior valor o que for estipulado em tabela de salários-de-contribuição instituídos pela Previdência Social.

            Ademais, como vimos, acaso seja menor aprendiz tal idade mínima pode ser reduzida a 14(catorze) anos.

            Com as constantes mudanças na legislação previdenciária, acreditamos que, futuramente, principalmente, para aqueles estudantes que contribuem para o Regime Geral, nesta condição, e que pretendam entrar no serviço público, em quaisquer das esferas, talvez não seja tão interessante, sob o ponto de vista de uma inativação, visto que terão de ser considerados para fins de cálculo de eventuais proventos de aposentadoria os valores pagos nos períodos de contribuição anteriores à entrada no regime próprio, o que, certamente, causará acentuada diminuição de valores.

            Esta era a contribuição que tinha a prestar ao tema.


Notas

            01 Repare-se que antes da Emenda Constitucional n.º 20/98 a nomenclatura empregada era tempo de serviço e não o tempo de contribuição, como hoje acontece.

            02 O art. 1.º da Lei 6.890/80 dispunha: "Art. 1º Ao servidor regido pela Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952, será computado, para todos os efeitos, o tempo de serviço prestado na qualidade de extranumerário, diarista ou tarefeiro, bem como o retribuído à conta de dotação global, desde que legalmente considerado para aposentadoria e disponibilidade"

            03 Art. 113. Os períodos de aprendizado profissional realizados na condição de menor aprendiz, somente poderão ser computados como tempo de contribuição para os segurados que implementaram todos os requisitos necessários à concessão de qualquer espécie de benefício até 5 de maio de 1999, dia anterior ao início da vigência do Decreto nº 3.048/99, observando-se que podem ser contados, entre outros:

            I – os períodos de freqüência às aulas dos aprendizes matriculados em escolas profissionais mantidas por empresas ferroviárias;

            II - o tempo de aprendizado profissional realizado como aluno aprendiz, em escolas técnicas, com base no Decreto-Lei n.º 4.073, de 1942, Lei Orgânica do Ensino Industrial a saber:

            a) período de freqüência em escolas técnicas ou industriais mantidas por empresas de iniciativa privada, desde que reconhecidas e dirigidas a seus empregados aprendizes, bem como o realizado com base no Decreto n.º 31.546, de 6 de fevereiro de 1952, em curso do Serviço Nacional da Indústria - SENAI, ou Serviço Nacional do Comércio - SENAC, ou instituições por eles reconhecidas, para formação profissional metódica de ofício ou ocupação do trabalhador menor;

            b) período de freqüência em cursos de aprendizagem ministrados pelos empregadores a seus empregados, em escolas próprias para essa finalidade ou em qualquer estabelecimento de ensino industrial;

            c) períodos de freqüência em escolas industriais ou técnicas da rede federal de ensino, bem como em escolas equiparadas (colégio ou escola agrícola) ou reconhecidas com base na Lei n.º 6.226, de 1975, alterada pela Lei n.º 6.864, de 1980, e Decreto n.º 85.850, de 1981 (contagem recíproca), desde que tenha havido retribuição pecuniária à conta do Orçamento da União, ainda que fornecida de maneira indireta ao aluno.

            § 1º - Para os segurados que implementaram todos os requisitos necessários à concessão do benefício em data anterior ao Decreto n.º 611/92, aplica-se o entendimento constante do Parecer MPAS/CJ n.º 24/82, podendo ser computado o período de freqüência escolar compreendido entre 30/01/42 a 15/02/59, vigência da Lei Orgânica do Ensino Industrial.

            § 2º - Para os segurados que implementaram todos os requisitos necessários à concessão do benefício durante a vigência dos Decretos n.ºs 611, de 1992 e n.º 2.172, de 1997, poderá ser computado período de aprendizado profissional realizado em escolas técnicas na condição de aluno aprendiz, compreendido entre 30/01/42 a 15/02/59, e desde que comprovada a remuneração e o vínculo empregatício, o período de aprendizagem desempenhado em qualquer época, conforme o Parecer MPAS/CJ n.º 2.893, de 2002, que revogou o Parecer MPAS/CJ n.º 1.263, de 1998.

            § 3º - Para fins do parágrafo anterior, considerar-se-á como vínculo e remuneração a comprovação de freqüência e os valores recebidos a título de alimentação, fardamento, material escolar e parcela de renda auferida com a execução de encomendas para terceiros, entre outros.

            § 4º - Para os segurados que implementaram todos os requisitos necessários à concessão do benefício em período posterior ao advento do Decreto n.º 3.048, de 1999, não se admite a contagem como tempo de serviço do período de aluno aprendiz.

            04 Lei 5.890/73, art. 2.º - Definem-se como beneficiários da previdência social:

            I - segurados: todos os que exercem emprego ou qualquer tipo de atividade remunerada, efetiva ou eventualmente, com ou sem vínculo empregatício, a título precário ou não, salvo as exceções expressamente consignadas nesta lei.

            05 SÚMULA Nº 096 - Conta-se para todos os efeitos, como tempo de serviço público, o período de trabalho prestado, na qualidade de aluno-aprendiz, em Escola Pública Profissional, desde que comprovada a retribuição pecuniária à conta do Orçamento, admitindo-se, como tal, o recebimento de alimentação, fardamento, material escolar e parcela de renda auferida com a execução de encomendas para terceiros.

            Fundamento Legal - - Constituição Federal, art. 71, inc. III - Lei nº 8.443, de 16/07/1992, art. 1º, inc. V, e art. 39 - Decreto-lei nº 4.073, de 30/01/1942, arts. 67 e 69 - Decreto-lei nº 8.590, de 08/01/1946, arts. 2º, 3º e 5º Decisão do STF, "in" MS 18538 - (RTJ nº 7, jan/1969, pág. 252)

            06 Art. 65. Ao adolescente aprendiz, maior de quatorze anos, são assegurados os direitos trabalhistas e   previdenciários.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Sérgio Lopes de. O regime previdenciário do estudante: abordagem histórica e reflexos presentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 947, 5 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7922. Acesso em: 28 mar. 2024.