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Sociedade simples

responsabilidade dos sócios

Sociedade simples: responsabilidade dos sócios

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1. Considerações gerais

            Com a entrada em vigor do novo Código Civil Brasileiro, em janeiro de 2003, importantes alterações afetaram diretamente as atividades mercantis e civis. E para bem entender isto, cumpre lembrar que o Código Comercial de 1850 e o Código Civil de 1916, que regulavam o direito das sociedades, adotavam como critério de divisão as atividades exercidas por elas.

            Dispunham os referidos diplomas que a sociedade constituída com o objetivo social de prestação de serviços (sociedade civil) tinha o seu contrato social registrado no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, exceto as sociedades reguladas por lei especial, como por exemplo, a de advogados. De outro lado, a sociedade mercantil, constituída com o objetivo de exercer atividades de indústria e/ou comércio, tinha o seu contrato social registrado nas Juntas Comerciais dos Estados.

            Tratamento semelhante era conferido às firmas individuais e aos autônomos. O empreendedor que desejasse atuar por conta própria, ou seja, sem a participação de um ou mais sócios em qualquer ramo de atividade mercantil (indústria e/ou comércio, ainda que também prestasse algum tipo serviço), deveria constituir uma Firma Individual, promovendo o registro na Junta Comercial. Caso o objetivo fosse atuar exclusivamente na prestação de serviços, deveria registrar-se como autônomo junto ao respectivo Município.

            Com o novo Código Civil, a apontada divisão foi modificada. O atual sistema jurídico passou a adotar divisão que não se apóia mais na atividade desenvolvida, eis que se fundamenta na teoria da empresa.

            A dificuldade no ponto é justamente estabelecer o conceito jurídico de "empresa". Carvalho de Mendonça [01] considera o conceito econômico de empresa também como jurídico, definindo-a como a

            "organização técnico-econômica que se propõe a produzir mediante a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob a sua responsabilidade."

            Rubens Requião [02] ensina que a empresa apresenta-se como um elemento abstrato, resultado da ação intencional do seu titular – o empresário, em promover o exercício da atividade econômica organizada.

            Portanto, ela nasce a partir deste momento, do início desta atividade economicamente organizada. Em vista disto, não será detentora de personalidade jurídica, sendo mero objeto de direito. O empresário ou a sociedade empresária é que ostentarão a condição de sujeitos de direito.

            A partir de tal compreensão é possível dar-se conta de que empresa e sociedade são coisas diferentes. Como ensina Campinho [03] poderá existir sociedade sem empresa, ainda que seu objeto compreenda atividade própria de empresário, bastando para isso, que seus atos constitutivos sejam inscritos na Junta Comercial sem, de fato, entrar em atividade, deixando de exercer a exploração do objeto. Neste caso, como destaca, teremos uma sociedade, mas não a empresa, que só surgirá com o fim da inatividade.

            Independente de eventuais conflitos sobre o real conceito de empresa, interessa que agora, dependendo da existência ou não do aspecto econômico da atividade, se uma pessoa desejar atuar individualmente em algum segmento profissional, enquadrar-se-á como EMPRESÁRIO ou AUTÔNOMO, conforme a situação. Caso preferir se reunir com uma ou mais pessoas para, juntos, explorar alguma atividade, deverá constituir uma sociedade, que poderá ser EMPRESÁRIA ou SIMPLES.

            Em resumo, devemos nos acostumar com uma nova divisão: a forma individual, isto é, o EMPRESÁRIO ou o AUTÔNOMO, e a forma coletiva, representada pela SOCIEDADE EMPRESÁRIA ou pela SOCIEDADE SIMPLES.


2. A Sociedade Simples - peculiaridades

            A sociedade simples constitui nova espécie societária introduzida no direito brasileiro pelo atual Código Civil. Possível afirmar que, de certo modo, nada mais é do que a substituta da antiga sociedade civil.

            Importante registrar que ela assume papel de destaque no Direito de Empresa, posto que as disposições que a disciplinam funcionam, com relação aos demais tipos societários, como legislação subsidiária. Em sua forma típica, somente poderá ser utilizada para as atividades não empresariais, resumindo-se o seu campo de abrangência ao exercício de atividade de natureza intelectual.

            Os atos constitutivos, que terão natureza contratual, exigem instrumento escrito, que poderá revestir a forma pública ou particular, no qual serão declaradas as condições e características básicas da sociedade nos termos exigidos pelo art. 997.

            O objeto social, que será declinado no contrato, compreenderá qualquer atividade que se enquadre no conceito de natureza intelectual.

            Quanto ao capital social, elemento importante a ser considerado em face da sua possível vinculação com futura limitação da responsabilidade, como nas demais sociedades poderá ser integralizado com qualquer bem suscetível de avaliação em dinheiro. Importante referir uma particularidade da sociedade simples relativa aos sócios e sua participação no capital social. É possível a presença de sócio de serviço, nos moldes do que ocorria na sociedade de capital e indústria, tipo este não mais existente no ordenamento jurídico brasileiro. Esta espécie de sócio não participa do capital social. Todavia, salvo estipulação em contrário, participará do lucro na proporção da média de valor das cotas, conforme preceitua o art. 1.007 do CC. Significa que se não houver ajuste específico delimitando a forma de sua participação nos lucros, esta corresponderá à média da participação dos demais sócios. Para o cálculo respectivo basta proceder a soma das participações dos sócios, dividindo depois o valor encontrado pelo número de sócios de capital. O resultado alcançado indicará o nível de participação do sócio de serviço nos lucros da sociedade. Tal regra para ser equilibrada, deverá ser aplicada considerando o quadro social existente no momento em que o sócio de serviço ingressa na sociedade.

            Desta forma, qualquer alteração posterior do quadro social somente modificará o quociente inicial, se o sócio de serviço interessado concordar com a modificação.

            Em relação à responsabilidade dos sócios especificamente, possíveis alguns desdobramentos, conforme será detalhado a seguir.


3. Obrigações e responsabilidade dos sócios no âmbito interno da sociedade simples

            3.1 - Generalidades

            Não é possível passar ao exame das variantes possíveis relativas à responsabilidade dos sócios perante terceiros, seja por atos negociais, seja por atos não negociais, sem antes tecer algumas considerações vinculadas aos direitos e obrigações existentes no âmbito interno da relação societária. E isto se mostra por diversas razões importante, sobretudo porque tais direitos e obrigações têm surgimento quando da criação da sociedade, enquanto aqueles nascem em momento posterior e decorrem das relações jurídicas que a pessoa jurídica estabelecerá no futuro.

            Campinho [04] afirma que "ao participar de uma sociedade, nasce para o sócio a obrigação fundamental de contribuir para a formação do capital social". Esta é, na realidade, a principal obrigação resultante de quem assume a condição de sócio.

            Ensina no mesmo sentido Mônica Gusmão [05]:

            "salvo pacto em contrário, as obrigações dos sócios iniciam-se com o contrato social, independentemente de seu arquivamento, e terminam com a liquidação da sociedade, uma vez extintas as obrigações sociais". Refere ainda que a "principal obrigação assumida pelo sócio ao ingressar em determinada sociedade é a sua contribuição para a formação do capital social, ou seja, deve o sócio integralizar o valor subscrito para a formação do capital social".

            Cabe alertar que não deve ser confundida esta obrigação do sócio, com sua eventual responsabilidade pelas dívidas da sociedade. Como adiante será demonstrado, dependendo do tipo societário adotado, o sócio poderá responder limitadamente à sua quota de capital, ou até mesmo por todo o capital social declarado, como também poderá ficar vinculado de maneira ilimitada e subsidiária pelas obrigações sociais.

            Na verdade, a responsabilidade pelas obrigações da sociedade não constitui fato indissociável da condição de sócio, ficando vinculada ao contexto societário no qual está inserida. Em outras palavras, tudo vai depender do tipo societário escolhido.

            Destaca-se que nem sempre a obrigação de contribuir para a constituição do capital social se fará presente. Há, algumas exceções, que estão indicadas na lei, e que correspondem a casos em que o sócio apenas participa dos resultados, como por exemplo o sócio de serviço [06], na sociedade simples, e o sócio oculto, eventualmente, na sociedade em conta de participação.

            A doutrina também aponta para outra obrigação, equivalente ao dever de lealdade. Para Campinho [07]

            "é um dever natural, inerente à condição de sócio. Significa que o sócio não pode orientar a sociedade no seu interesse privado ou de terceiros. Suas funções devem convergir para que ela possa, com proficiência, desenvolver o seu objeto social, justificador de sua constituição. Nenhum sócio poderá exercitar seus direitos para auferir vantagens e benefícios pessoais em detrimento da sociedade e dos outros sócios. Não de deve confrontar seu interesse privado com os interesses da sociedade. Assim é que o sócio deve sempre deliberar no interesse da sociedade, sob pena de vir a responder pelo abuso de direito decorrente da deliberação que vier a causar prejuízo para a sociedade ou para os outros sócios, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagens a que não fazem jus".

            Este dever de lealdade resulta ao nosso ver da regra constante do par.3, do art.1010 do CC, clara no sentido de que responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças ao seu voto. Mônica Gusmão [08] aponta também o art.1011, como indicativo do dever de lealdade. Todavia, no ponto discordamos, eis que a regra diz respeito especificamente ao administrador.

            Desta forma, são obrigações do sócios não só a de contribuição para a constituição do capital social, como também a de observância seu dever de lealdade, pelo que suas ações precisam ser dirigidas à execução do objeto social da sociedade.

            3.2 – Integralizacão do capital social

            Como acima foi destacado, ao integrar uma sociedade surge para o sócio a obrigação de contribuir para a formação do capital social. Sem dúvida essa representa a principal obrigação decorrente da condição de sócio. Na forma já sinalizada, não deve ser confundida esta obrigação do sócio para com a sociedade, com sua eventual responsabilidade subsidiária ou solidária pelas dívidas sociais. Como mais adiante restará demonstrado, dependendo do tipo societário o sócio poderá responder de forma limitada à sua quota de capital ou até mesmo por todo o capital subscrito. Pode ainda esta responsabilidade ser solidária e ilimitada.

            Campinho [09] sustenta que a responsabilidade pelas dívidas da sociedade não é fato indissociável da condição de sócio, dependendo do contexto societário no qual ele está inserido. Em complemento destaca que

            diferentemente é a obrigação de contribuir para a constituição do capital social, que sempre se verifica, independente da espécie (sociedade simples ou empresária) ou do tipo (limitada, sociedade anônima, nome coletivo e comandita por ações ou simples) de sociedade da qual participe.

            Portanto, a criação de uma sociedade gera diversas conseqüências para seus integrantes, entre elas direitos e obrigações essenciais à adquirida condição de sócio, que possibilita a fruição do benefício econômico e delimitação de sua responsabilidade pelos débitos contraídos pela sociedade. A partir de então, cumpridas suas obrigações, pode o sócio exigir sua participação nos lucros nos limites de sua quota, bem como pode se retirar da sociedade nos casos definidos pelo contrato ou pela lei.

            Em síntese, suas obrigações nascem a partir da data do contrato social, se este não fixar outro termo inicial, e se extinguem a partir da liquidação da sociedade, com o pagamento de todas as obrigacões sociais (art. 1.001 do CC/2002).

            Delimitadas as obrigações para com a sociedade, oportuno analisar agora quais as conseqüências em caso de não cumprimento.

            3.3 – Sócio Remisso

            Como acima foi referido, deve o sócio na forma e no prazo previsto no regramento da sociedade, promover a integralização do capital subscrito. É chamado de sócio remisso o que descumprir com essa obrigação. Não a cumprindo, poderá ser notificado pela sociedade para adimplir a obrigação no prazo de trinta dias, sob pena de responder perante esta pelo dano emergente resultante da mora. Alternativamente, é facultado à maioria dos sócios optar em substituição à indenização, excluir o sócio remisso ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, nos termos previstos pelo artigo 1004 do Código Civil.

            Campinho [10] faz dura crítica à exigência de notificação, sustentando que a mesma não é razoável. Segundo ele,

            havendo no contrato a previsão do montante da prestação a que o sócio se obrigou, bem como a forma de realizá-la e o prazo, não vemos lógica em se exigir a sua prévia notificação. Afirma ainda que o legislador nesse aspecto do sócio remisso,preferiu optar pela necessidade de prévia interpelação para a constituição em mora, desprezando o fato de poder a obrigação ser positiva, líquida e a termo.

            Mônica Gusmão [11] registra que chegou a compartilhar com a posição acima apontada, mas passou a entender que admitir a mora ex re, quando a lei a determina ex persona, ou seja, a mora do sócio remisso somente se caracteriza após prévia notificação para pagamento do valor devido, no prazo de trinta dias, acarretaria verdadeira violação de direito legalmente assegurado, tendo o sócio, após a mora, o prazo de trinta dias para adimplir a sua obrigação.

            Pensamos que a análise precisa das possibilidades constantes da apontada norma não autoriza conclusão pela existência de conflito. A notificação constante do caput será exigida apenas no caso de haver interesse na cobrança do dano emergente resultante da mora. A notificação serviria justamente para alertar o sócio remisso, de que o atraso na integralização do capital social subscrito está causando ou causará prejuízos à sociedade, e que será ele responsável pelos danos emergentes resultantes de sua mora.

            Merece destaque aqui o fato de que o legislador estabeleceu limite para esta indenização, que somente poderá contemplar o dano emergente da mora. Com efeito, mesmo que eventualmente demonstrada a presença de lucros cessantes, estes não poderão integrar o pedido indenizatório. Pensamos que a limitação mostra-se adequada à espécie, visto que dispondo os demais sócios de várias alternativas, inclusive o afastamento do sócio remisso, podem utilizar medidas para adequar o capital social às necessidades da sociedade, como por exemplo o ingresso de novo sócio ou aumento do capital pelos já integrantes, permitindo a manutenção ou retomada da regular atividade da mesma.

            De outro lado, se houver opção pela exclusão ou redução da participação societária, dispensada estará no nosso sentir a providência, visto que, efetivamente, o não pagamento de obrigação positiva e líquida no vencimento, constitui o sócio em mora de pleno direito.

            3.4 – Defeito na integralização

            Por fim, possível responsabilizar ainda o sócio no caso de defeito na integralização. É que sendo possível a integralização do capital subscrito mediante utilização de créditos ou bens, o sócio responde pela evicção no caso dos bens e pela solvência do devedor quando ocorrer transferência de crédito [12].

            Destaca-se que no caso de utilização de bens ou créditos, incide a regra do parágrafo único do art.1053, segundo a qual pela exata estimação dos bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios.

            Em outras palavras, o legislador resolveu envolver todos os integrantes da sociedade, de modo a exigir que os mesmos se auto-fiscalizem, quando promoverem a integralização mediante bens ou créditos. Na verdade, esta obrigação de auto-fiscalizar nada mais é do que a aplicação ampla da regra do artigo 1052.

            3.5 – Distribuição de lucros

            Duas disposições no atual Código Civil fixam regras a respeito da distribuição de lucros e suas conseqüências. A primeira corresponde ao artigo 1009, que prevê a responsabilização dos administradores e dos sócios no caso de distribuição de lucros ilícitos ou fictícios. Segundo a referida norma, nesta hipótese haverá responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade. Pela redação do artigo verifica-se que em ambas as hipóteses, a responsabilidade independe de condição, ou seja, tem natureza objetiva. E isto pelo fato de que nos dois casos, por óbvio, tanto administradores, como sócios, se não conheciam a irregularidade da distribuição, no mínimo deveriam dela conhecer.

            A segunda regra é a do artigo 1059, constante do Capítulo IV, que trata da sociedade limitada, segundo a qual os sócios são obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas a qualquer título, ainda que autorizadas pelo contrato, quando tais lucros ou quantias se distribuírem com prejuízo do capital.

            Especificamente no que tange a débitos de natureza tributária, há norma específica [13] na Lei 4.357, de 16 de julho de 1964, que veda às pessoas jurídicas que estiverem em débitos para com a Fazenda Pública Federal e Previdência Social, distribui resultados aos seus integrantes e consultores.

            Recentemente, ajuste foi feito a nível de penalizacão para os casos de inobservância da regra acima indicada, com a alteração da redação dos parágrafos [14] do artigo 32 pela Lei 11051/04.

            Em relação às normas acima indicadas duas observações se fazem necessárias. A primeira, de que a multa somente tem aplicação para os casos em que haja débito tributário devidamente inscrito, cuja exigibilidade não esteja suspensa por uma das alternativas constantes do artigo 151 do CTN. E a segunda, de que cessada a suspensão, deverão ser os sócios cientificados individualmente para promover a reposição dos valores recebidos, pena de multa e ajuizamento de demanda específica contra cada um deles, que respondem pessoalmente até o limite das quantias recebidas.


4 - Responsabilidade dos sócios nas relações externas da sociedade simples

            Inicialmente destacamos que a sociedade simples pode ser vista como espécie de sociedade [15], como também pode ser avaliada sob a ótica de tipo societário. Tal afirmação é feita considerando que a segunda parte do artigo 983 do Código Civil, estabelece a possibilidade da sociedade simples constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts.1039 a 1092, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias. E este registro é de grande importância de modo a permitir a análise das várias possibilidades de vinculação dos sócios às obrigações da sociedade.

            Na verdade, a matéria relativa à responsabilidade dos sócios na sociedade simples abriga inegáveis equívocos por parte da doutrina. E isto foi mero resultado, em nosso entender, da análise apressada e isolada da regra do artigo 1023 do novo Código Civil, segundo a qual na insuficiência dos bens sociais para atender às dívidas da sociedade, "respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participam das perdas sociais, salvo cláusula de solidariedade".

            Negrão [16], de forma objetiva, ao apresentar quadro dos diversos tipos de responsabilidade do sócio, refere simplesmente que na sociedade simples a responsabilidade do cotista é "pelo saldo, na proporção em que participe das perdas sociais, subsidiariamente ao patrimônio social."

            Ingrid Santos Martinelli [17] levanta dúvida ao afirmar que é "cristalino o conflito das normas contidas nos artigos transcritos, sendo até despiciendo dizer que, muito provavelmente, tais artigos serão objeto de muitas ações judiciais, pois, enquanto o art. 997 prevê a faculdade de responsabilidade subsidiária, o art. 1.023 prevê a obrigatoriedade (a não ser que haja cláusula de solidariedade)". Conclui afinal que

            "caberá ao Poder Judiciário decidir, em cada caso concreto, sobre a responsabilidade ou não dos sócios pelas obrigações da sociedade, e, em caso afirmativo, se é esta em caráter subsidiário ou não, sendo certo que, a respeito da responsabilidade dos sócios, a construção doutrinária e jurisprudencial valerá mais que a própria lei de per se, haja vista o aparente conflito dos artigos em comento".

            Também Bruno Sacani Sobrinho e Bruno Montenegro Sacani [18], afirmam que as disposições dos artigos 1.033 e 1.024 do CC, "determinam que a responsabilidade dos sócios é subsidiária, sejam estes simples quotistas ou administradores, e, mais ainda, não se aplicam apenas às sociedades simples, mas também às limitadas (ex vi do art.1.053), sendo que a responsabilidade é limitada à proporção em que os sócios participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária."

            Com o devido respeito que merecem as posições acima apontadas, não se justifica qualquer dúvida ou posição estática a partir de avaliação criteriosa a ser feita do disposto no art. 997, VIII, em conjunto com o art. 983, que como antes referido, autoriza a adoção de tipo societário que limita a responsabilidade dos sócios.

            Nesta linha, aliás, precisa a posição de Mônica Gusmão [19], ao referir que nas sociedades simples, os sócios podem assumir responsabilidade limitada, ilimitada, subsidiária ou solidária, destacando que dificilmente encontraremos uma sociedade simples em que os sócios assumam responsabilidade ilimitada, arriscando o seu patrimônio pessoal em caso de inadimplemento das obrigações sociais. Esta posição é compartilhada por Campinho [20], quando afirma que os sócios poderão ou não responder subsidiária e ilimitadamente pelas dívidas sociais. A questão deverá ser definida no contrato social (inciso VIII, do art.997). Não havendo responsabilidade subsidiária, o sócio fica obrigado tão-somente pelo valor de sua quota. Caso sua contribuição esteja integralizada, cessa sua responsabilidade.

            Desta forma, se há norma [21] prevendo que cabe ao contrato dispor a respeito da responsabilidade subsidiária dos sócios, bem como dispositivo [22] autorizando a adoção de tipo societário em que há limitação da responsabilidade, tudo vai depender do que estiver fixado no contrato social. E não se argumente que a posição manifestada pelo STJ [23], no sentido de que "o termo ‘subsidiariamente`, constante do inciso VIII do art.997 do CC deverá ser substituído por `solidariamente`, a fim de compatibilizar esse dispositivo com o art.1023 do mesmo CC", sinaliza para a efetiva vinculação dos sócios às obrigações sociais. O que ao nosso ver pretendeu o STJ, foi apenas esclarecer que o contrato fixará se a responsabilidade será ou não solidária ao invés de subsidiária. Sendo assim, poderá perfeitamente o regramento da sociedade estabelecer que os sócios não respondem de forma solidária. E qual será a conseqüência disto? Que a responsabilidade obedecerá ao tipo societário escolhido ou fixado por lei.

            Em outras palavras, a responsabilidade dos sócios vai depender do tipo societário adotado.

            Nesta linha, indispensável agora fazer outro registro, vinculado às variações possíveis de forma que a sociedade simples pode adotar, de modo a melhor detalhar as alternativas de responsabilização de seus integrantes.

            Para a primeira variação possível, escolhemos a denominação de `pura`. Trata-se da sociedade que será regida pelas normas que lhe são próprias, nos termos fixados pela parte final do art. 983 do CC. Isto ocorrerá quando não incidirem regras específicas, previstas em legislação especial ou quando não escolhido tipo societário específico, conforme adiante demonstraremos. Em síntese, as regras serão as constantes do Código Civil, específicas para as sociedades simples (arts.977 e seguintes).

            Nesse caso, a responsabilidade do sócio será sempre subsidiária e atenderá ao saldo devedor de forma proporcional à participação nas perdas sociais, por forca da incidência da primeira parte do artigo 1.023. A solidariedade dos sócios dependerá, assim, de cláusula expressa nesse sentido no contrato social, nos termos da segunda parte do referido dispositivo.

            Conseqüentemente, terceiros que contratarem com a sociedade e desejarem saber o nível de responsabilidade dos sócios, deverão ter o cuidado de consultar o contrato social, na medida em que nele será especificado se ela, a responsabilidade, será subsidiária ou solidária.

            Cabe ressaltar que na eventualidade do contrato social nada referir a respeito da responsabilidade dos sócios – muito embora neste caso seu registro deva ser recusado, visto que tal matéria constitui exigência legal por forca do disposto no inciso VIII do art. 997, VIII), a responsabilidade será subsidiária por incidência automática da regra geral [24].

            A segunda forma que a sociedade simples poderá adotar, que denominamos de `especial`, é aquela que tem disciplina prevista em lei especial. Com efeito, por disposição legal não será possível escolher forma diversa. As normas dos arts.977 e seguintes do CC serão apenas aplicadas em caráter complementar, na hipótese de eventual lacuna.

            Exemplo desta variação é a sociedade de advogados, regida pela Lei nº 8.906/94 - Estatuto da OAB, que entre suas disposições contém expressa [25] vedação relativamente a utilização da forma mercantil [26] (art. 16 do Estatuto e art. 2º do Provimento da OAB nº 92/00).

            No caso em exame a responsabilidade dos integrantes da sociedade de advogados é a fixada pelo artigo 17, com a seguinte redação: "Além da sociedade, o sócio responde subsidiária e ilimitadamente pelos danos causados aos clientes por ação ou omissão no exercício da advocacia, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que possa incorrer".

            Conseqüentemente, por disposição em regra especial, a responsabilidade de integrantes de sociedade de advogados será sempre subsidiária e estará vinculada à prática de ação culposa.

            Entretanto, não podemos deixar de admitir que a redação do referido artigo 17 pode permitir dúvidas quanto ao limite da responsabilidade dos sócios, ou seja, se está vinculado ou não ao capital social. Assim, para evitar possíveis discussões, entendemos conveniente que conste expressamente no contrato social tal limitação, com indicação clara de que a responsabilidade é limitada ao capital social subscrito e integralizado.Por outro lado, pensamos que a apontada norma contempla o que é óbvio, pelo que é totalmente dispensável. É que a sociedade sempre será responsável até o limite de seu capital social, enquanto que o sócio sempre responderá pessoalmente e de forma ilimitada, quando agir com culpa, por forca do disposto no artigo 927 do CCB.

            Desta forma, possíveis os seguintes desdobramentos tratando-se de sociedade de advogados:

            a) a sociedade sempre responderá em caso de ação culposa praticada por seus sócios, empregados ou prepostos, até o limite de seu capital social;

            b) poderá qualquer sócio responder pessoalmente, de forma subsidiária e ilimitada, sempre que caracterizada a sua ação culposa.

            c) para o sócio que não é atribuída conduta culposa, incidirá a limitação resultante da cláusula que vincula a responsabilidade ao capital social.

            Outro exemplo desta variação é a Sociedade Cooperativa [27], regulada pela Lei nº 5.764/71. Aqui o art. 982 do Código Civil de 2002, em seu parágrafo único, determina que independentemente do seu objeto, a sociedade cooperativa será sempre simples. Da mesma forma que o exemplo anterior, no que a lei especial for omissa valerão os dispositivos legais expressos nos arts. 997 e seguintes. Todavia, no que se refere à responsabilidade dos integrantes da cooperativa, deverão ser observadas as regras específicas [28] previstas na referida lei. E aqui também tudo vai depender do que estiver especificado no estatuto social, na medida em que neste deverão estar previstos os direitos e deveres dos associados e a natureza de suas responsabilidades [29].

            Por fim, para a última variação escolhemos a denominação de `alternativa`, que estará caracterizada quando houver escolha de algum dos tipos regulados pelos arts.1.039 a 1.092. Aqui, usando os sócios a faculdade prevista na segunda parte do art.983, escolherão um dos tipos societários fixados pelos artigos 1039 a 1092.

            Em conseqüência, as regras relativas à responsabilidade dos sócios serão aquelas estabelecidas pelo tipo escolhido. Por exemplo, se a escolha recair na sociedade limitada, terá aplicação exclusiva o disposto no artigo 1052; se recair a escolha na sociedade em nome coletivo, terá aplicação a regra do art.1.039.

            Em síntese, a responsabilidade dos sócios da sociedade simples comporta todo tipo possível. Se a forma da sociedade for pura, a responsabilidade poderá ser subsidiária ou solidária, dependendo do que estabelecer o contrato social; se a forma for a especial, dependerá da legislação específica a ser aplicada obrigatoriamente; e se a forma for a alternativa, ficará vinculada ao tipo societário escolhido pelos sócios.


Notas

            01 Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Volume 1. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1945, pag. 492.

            02 Curso de Direito Comercial, 1 vol., 24 ed., pág.59

            03 Campinho, Sérgio – O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil, pág.13 – Rio de Janeiro: Renovar, 2003

            04 ob.cit. pág.91

            05 in Direito Empresarial, pág. 126 – 3ª. Edição, Rio de Janeiro: Empenos, 2004

            06 art.1007 do CC

            07 ob.cit. pág.92

            08 ob.cit. pág.128

            09 ob. cit. pág.91

            10 ob. cit. pág.96

            11 ob. cit. pág.129

            12 art.1005

            13 Art 32. As pessoas jurídicas, enquanto estiverem em débito, não garantido, para com a União e suas autarquias de Previdência e Assistência Social, por falta de recolhimento de imposto, taxa ou contribuição, no prazo legal, não poderão:

            a) distribuir quaisquer bonificações a seus acionistas;

            b) dar ou atribuir participação de lucros a seus sócios ou quotistas, bem como a seus diretores e demais membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos;

            14 § 1o A inobservância do disposto neste artigo importa em multa que será imposta:

            I - às pessoas jurídicas que distribuírem ou pagarem bonificações ou remunerações, em montante igual a 50% (cinqüenta por cento) das quantias distribuídas ou pagas indevidamente; e

            II - aos diretores e demais membros da administração superior que receberem as importâncias indevidas, em montante igual a 50% (cinqüenta por cento) dessas importâncias.

            § 2o A multa referida nos incisos I e II do § 1o deste artigo fica limitada, respectivamente, a 50% (cinqüenta por cento) do valor total do débito não garantido da pessoa jurídica.

            15 na classificação: sociedade simples e sociedade empresária

            16 op. cit. pág.255

            17 "Sociedade Simples no Novo Código Civil – Aspectos Polêmicos, in Juris Síntese nº 39 - jan/fev/2003

            18 "A Estrutura do Contrato Social e a Responsabilidade dos Sócios nas Sociedades Simples e Empresária sob a Luz do Novo Código Civil", in Repertório IOB n.24/2003, pág.675.

            19 Direito Empresarial, pág.134 – 3ª. Edição – Rio de Janeiro: Impetus, 2004

            20 ob.cit. pág.111

            21 art. 997, VIII

            22 art.983

            23 Jornada do STJ - n.61

            24 art.1.023

            25 Art. 16. Não são admitidas a registro, nem podem funcionar, as sociedades de advogados que apresentem forma ou características mercantis, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam sócio não inscrito como advogado ou totalmente proibido de advogar.

            26 a expressão "mercantil", com o advento do Novo Código Civil deixou de existir, passando a integrar o conceito de sociedade empresária.

            27 Art. 3° Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.

            28 Art. 11. As sociedades cooperativas serão de responsabilidade limitada, quando a responsabilidade do associado pelos compromissos da sociedade se limitar ao valor do capital por ele subscrito.

            Art. 12. As sociedades cooperativas serão de responsabilidade ilimitada, quando a responsabilidade do associado pelos compromissos da sociedade for pessoal, solidária e não tiver limite.

            Art. 13. A responsabilidade do associado para com terceiros, como membro da sociedade, somente poderá ser invocada depois de judicialmente exigida da cooperativa.

            29 II, do art.21


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ARRUDA, Angelo. Sociedade simples: responsabilidade dos sócios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 956, 14 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7971. Acesso em: 26 abr. 2024.