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Lei de Falências e a inimputabilidade penal

Lei de Falências e a inimputabilidade penal

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            Nova legislação alterou de maneira substancial o procedimento falimentar no Brasil. A recente lei nº 11.101 de 09/02/2005 trouxe novas regras a serem seguidas pelo Direito Privado, com reflexos em outras áreas do Direito. Questão relevante surgiu com a entrada em vigor da lei 10.406/2002 – Código Civil, quando o direito empresarial passou a conviver com uma situação, no mínimo, inusitada, senão vejamos: O artigo 5º deste diploma legal reduziu a maioridade civil de vinte e um anos para dezoito anos de idade completos. Ainda, o parágrafo único, inciso V do artigo em comento passou a admitir expressamente a emancipação do menor, desde que devidamente estabelecido comercialmente, tenha economia própria e dezesseis anos de idade completos. Entretanto, a vigente Lei de Falências – Lei 11.101/2005, em seu artigo 1º, estabelece que poderá ser declarada a falência do empresário e da sociedade empresária, situação tal que abrange o menor de dezoito anos emancipado, que passa a ter pleno gozo de sua capacidade jurídica.

            Ora, é possível notar que, enquanto o Código Civil autoriza o menor de dezoito anos de idade emancipado a exercer atividade comercial, a Lei 11.101/2005 permite que seja decretada a sua falência.

            Diante da possibilidade do menor de dezoito e maior de dezesseis anos ser emancipado por exercer em nome próprio, atos de comércio com economia própria, fica ele apto a ser abrangido pela legislação em comento. Nota-se que o revogado Decreto-Lei 7.661, de 21 de julho de 1945, dispunha em seu artigo 3º, inciso II, que apenas poderia ser declarada a falência do menor, com mais de dezoito anos, que mantinha estabelecimento comercial com economia própria. Tal conflito, anteriormente questionado [01], foi solucionado com a nova lei de falências. Entretanto, o legislador permitiu que a emancipação ocorra aos dezesseis anos. Sendo assim, a partir deste limite etário, qualquer pessoa poderá exercer atividade comercial em nome próprio e consequentemente ficará adstrita as regras ali previstas.

            Com efeito, qualquer atividade comercial poderá resultar no decreto falimentar, e consequentemente, surge possibilidade do cometimento de crimes falimentares previstos nos artigos 168 a 178 da Lei 11.101/2005. Com isso, se admitirmos a atividade comercial pelo menor de dezoito anos, diante do critério biológico adotado quanto à maioridade penal, este menor emancipado, caso venha a praticar condutas que se amoldam aos delitos falimentares, não poderá ser responsabilizado criminalmente.

            Assim, como solucionar tal questão? Este comerciante menor de dezoito anos será considerado inimputável, diante dos critérios adotados no Código Penal, e não poderá ser responsabilizado criminalmente por seus atos. Curioso é notar que o menor emancipado pela atividade empresarial aos dezesseis anos completos possuirá plena capacidade civil e consequentemente capacidade falimentar, mas penalmente, será inimputável. Caso venha a praticar uma conduta criminosa falimentar, aplicando, por exemplo, uma fraude no mercado econômico, não poderá ser responsabilizado criminalmente, ficando sujeito a uma medida sócio educativa prevista no Estatuto da Criança e Adolescente. Como é possível admitir um inimputável exercendo atividade empresarial em nome próprio?

            Antes do surgimento da nova lei de falências, Waldo Fazzio Júnior comentou que apesar da expressa previsão do Código Civil de 2002, "...a Lei de Falências e Concordatas (não revogada) reclama que a pessoa tenha dezoito anos para sujeitar-se à quebra, e como a maioridade penal só ocorre, também, aos 18 anos, a empresa só pode ser exercida por quem alcançar essa idade." [02] Porém, a nova lei de falência não dispõe sobre o assunto.

            Fábio Ulhoa Coelho assevera que "... o menor emancipado (por outorga dos pais, casamento, nomeação para emprego público efetivo, estabelecimento por economia própria, obtenção de grau em curso superior), exatamente por se encontrar no pleno gozo de sua capacidade jurídica, pode exercer empresa como o maior." [03]

            Diante das leis em atividade, é possível concluir que o menor de dezoito anos, inimputável, pode realizar atos de comércio, sujeitando-se ao decreto falimentar, praticando, em tese, condutas amoldadas aos crimes falimentares. Entretanto, não poderá ser responsabilizado criminalmente por seus atos, face a presença da dirimente explicitada.

            Sendo assim, entendemos que o menor emancipado que venha a exercer atividades de comércio, e eventualmente, pratique condutas que se amoldam aos tipos penais previstos na lei 11.101/2005 sofrerá as regras do Estatuto da Criança e do Adolescente, caracterizando-se um "ato infracional falimentar". A questão clama por uma rápida solução de nossos legisladores, aprovando com urgência uma alteração no Código Civil, amoldando-se com a legislação infra-constitucional em exercício.


Notas

            01 SUMARIVA, Paulo Henrique de Godoy Sumariva. "O menor comerciante e o crime falimentar". Disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br, 29.05.2004.

            02 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Lei de falências e concordatas comentada. 3. Ed. Atlas: São Paulo, 2003, p. 53

            03 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas (lei n.º 11.101, de 9-2-2005). Ed. Saraiva: São Paulo, 2005, p. 19/20.


Autor

  • Paulo Henrique de Godoy Sumariva

    Paulo Henrique de Godoy Sumariva

    delegado de Polícia, professor universitário, especialista em Direito pela UNIRP

    é também mestre em Direito Público pela Universidade de Franca (UNIFRAN), professor de Direito Penal e Processo Penal no Centro Universitário de Rio Preto (UNIRP) e da Universidade Camilo Castelo Branco (UNICASTELO), campus de Fernandópolis; professor da Academia de Polícia Civil de São Paulo.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SUMARIVA, Paulo Henrique de Godoy. Lei de Falências e a inimputabilidade penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 973, 1 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8019. Acesso em: 28 mar. 2024.