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Cidadania: instrumentos de viabilização do equilíbrio sócio-econômico-constitucional

Cidadania: instrumentos de viabilização do equilíbrio sócio-econômico-constitucional

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Muito se tem questionado acerca da real efetividade dos instrumentos oferecidos pelo Direito Econômico para que se direcionem as atividades econômicas do mercado em prol do bem-estar do indivíduo, valor maior da Constituição.

Indubitavelmente, a realidade formal, da Constituição e das leis é alarmantemente distante da realidade material. Principalmente no tocante à limitação dessas atividades em benefício dos Direitos Sociais.

Infelizmente, de forma análoga ao destino tomado por algumas das garantias processuais de proteção aos Direitos Fundamentais, vale dizer, as mais modernas, inovadoras e ousadas, como o Mandado de Injunção e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, os recursos oferecidos pela Constituição e pelo Direito Econômico com a finalidade de efetivação e respeito dos Direitos Sociais, em geral, não lograram resultados concretos.

Todos os Poderes do Estado têm sua contribuição no insucesso de tais medidas.

O Poder Legislativo por deixar de exercer a função para a qual foi criado, ou seja, legislar, regulamentando normas por ele elaboradas, sob critérios de correção e moralidade, atuando como órgão fiscalizador do processo democrático.

O Poder Executivo por, em suas atividades, desrespeitar várias das normas existentes, dando prioridade a fatos de menor relevância do que a vida humana, com sua implicância na ordem social e econômica, além de fazer mal uso da máquina pública, denotando, não raro, explícita improbidade administrativa.

E, finalmente, o Poder Judiciário, que a toda essa situação vem corroborar através de, não apenas sua morosidade, mas também, de sua atitude de omissão face aos problemas sociais, não se colocando como meio pelo qual os indivíduos poderiam argüir uma lacuna na lei ou uma conduta do governo contrária aos princípios sociais constitucionais.

No entanto, no tocante, estritamente, aos interesses econômicos da pessoa, seja esta física ou jurídica, o Poder Judiciário tem, várias vezes, feito valer a autoridade que lhe foi conferida, condenando o Poder Executivo ao ressarcimento de prejuízos e danos causados a particulares, por meio de seus inúmeros planos econômicos.

Tais planos têm, repetidamente, desrespeitado regras do Direito Econômico como a do equilíbrio, equivalência, recompensa, irreversibilidade, e, principalmente, da liberdade de ação, indexação e precaução.

Além disso, têm afetado, diretamente, fundamentos constitucionais como o da livre-iniciativa, objetivos fundamentais como a garantia de desenvolvimento nacional, princípios como a livre-concorrência.

Embora todos sejam tratados com a mesma importância de que desfrutam os Direitos Sociais pela Lei Magna, recebem tratamento prioritário, fazendo com que se cumpra grande parte das disposições legais protetoras referentes ao tema. Isso por constituírem, tipicamente, preceitos liberais e não sociais, atingindo, assim, direitos de uma classe seleta, a qual possui algum patrimônio financeiro a zelar. Essa classe social é detentora de maior poder econômico, exercendo grande influência na estrutura da sociedade e, também, do governo. Seu poder de voz torna-se, então, mais incisivo do que aquele das classes menos abastadas, as quais possuem a necessidade primordial de terem materializados seus Direitos Sociais constitucionalmente assegurados.

Como exemplo da atuação do Poder Judiciário frente a atitudes economicamente lesivas do Poder Executivo em relação ao setor privado, tem-se as inúmeras empresas que impetraram ações tendo em vista a reparação pelos danos causados pelos vários e recentes planos do governo, os quais, através de suas variadas medidas, modificaram completamente a situação do mercado. Basta-se recordar, por exemplo, o congelamento indiscriminado ocorrido durante o Plano Cruzado I, o bloqueio de saque das cadernetas de poupança gerado pelo Plano Collor I, dentre tantos outros. As demandas, majoritariamente, foram bem sucedidas, visto que todos os últimos planos econômicos governamentais foram, repetidamente, declarados inconstitucionais.

No entanto, como para o Poder Judiciário parece ainda estar árdua a adaptação às novas prerrogativas que lhe foram conferidas pela Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão recente, retrocedendo a todo o avanço alcançado pelas instâncias inferiores, declarou estes planos econômicos governamentais constitucionais.


1 - AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DOS DIREITOS HUMANOS

O simples fato de se dispor sobre estes direitos em textos legais, obviamente, não lhes garante eficácia, não assegura o cumprimento daquilo expresso. Para tanto, é necessário que se criem, simultaneamente, garantias de respeito a eles.

Tais garantias se podem dar através da exposição de princípios e fundamentos constitucionais, que, sendo normas mais amplas e genéricas, direcionam as medidas governamentais e atitudes dos indivíduos em determinado sentido, mesmo que não se tenha descrito, detalhadamente, a forma exata de se proceder para que se aja em conformidade com estes seus mandamentos.

Outra via de se garantirem os Direitos Fundamentais declarados é a chamada "garantia processual", assegurada a todos os indivíduos. Criam-se instrumentos jurídicos para que se resguardem direitos, como estes que se verão a seguir.

1 . 1 - HABEAS CORPUS

O objeto desta garantia processual é a liberdade de locomoção, ou seja, de ir, vir, ficar, estabelecer-se, contanto que não haja infringência a nenhuma lei, invasão à propriedade alheia, seja privada ou pública.

Seu cabimento está disciplinado no art. 648/Código de Processo Penal, como ausência de justa causa; excesso de prazo; extinção de punibilidade sem a liberação do preso; dentre outras causas.

A legitimidade ativa, neste caso, pertence a qualquer pessoa física, podendo, mesmo ser impetrado o habeas corpus em favor de outrem. É controversa a legitimidade ativa da pessoa jurídica.

A legitimidade passiva pode ser atribuída a qualquer pessoa, autoridade ou não.

1 . 2 - MANDADO DE SEGURANÇA

Representa a proteção a direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, o qual tenha sido atingido ou sofra risco de sê-lo, por ilegalidade e abuso de poder de autoridade pública ou qualquer agente de pessoa jurídica no exercício de funções públicas.

Dessa maneira, o objeto dessa figura jurídica é qualquer direito que seja líquido e certo, exceto a liberdade de locomoção e o direito de conhecimento de informações e retificações de dados referentes à pessoa interessada, uma vez que esses últimos são protegidos por outros instrumentos acima citados.

Por direito ´líquido e certo´ deve-se entender como um direito amparado por lei, exeqüível ao impetrante e delimitado em sua extensão. (1)

Possuem legitimidade ativa todas as pessoas físicas; jurídicas; órgãos com capacidade processual, como o Congresso, o Senado; além das universalidades reconhecidas por lei, como o espólio, massa falida, condomínio.

Detém a legitimidade passiva qualquer autoridade pública, agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições públicas.

Por autoridade pública deve-se entender aquela pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela norma legal. (2)

1 . 3 - MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

A atual Constituição realizou um grande avanço em matéria de garantias processuais a direitos assegurados quando inovou com a disposição deste mecanismo de defesa. Anteriormente só se conhecia o mandado de segurança cujo sujeito ativo seriam as pessoas ou instituições acima descritas.

Esta figura encontra-se disciplinada no art. 5º , LXX, a e b da CF/88.

O objeto aqui é o mesmo do mandado de segurança ordinário, qual seja, a defesa de direitos líquidos e certos face a ilegalidades, abuso de poder, arbitrariedades cometidas por autoridade pública ou pessoa que esteja em exercício de função pública.

A diferença entre ambos se situa justamente aqui, no tocante à legitimidade ativa, visto que quem a detém são associações, entidades de classe, organizações sindicais, partidos políticos. Eles atuam na defesa dos interesses e direitos de seus membros e associados. Isso porque se atuassem em interesse próprio, o instrumento cabível seria o Mandado de Segurança Individual.

As restrições que são feitas a sua legitimidade são a necessidade de que as organizações sindicais, entidades de classe ou associações sejam legalmente constituídas e estejam em funcionamento há, pelo menos, um ano. No caso dos partidos políticos, exige-se que detenham representação no Congresso Nacional.

Os partidos políticos, por não existirem em função de determinado grupo de pessoas, atuam em defesa não de uma categoria, classe ou casta social, mas em benefício de toda a população. (3)

Desse modo, as entidades de classe, associações e sindicatos agem na proteção dos direitos individuais e coletivos - de grupo específico de pessoas -, à medida em que os partidos políticos visam a resguardar os direitos difusos - pertencentes a todos e indivisíveis. (4)

Possui legitimidade passiva qualquer agente do Poder Público ou pessoa a ele equiparada.

1 . 4 - MANDADO DE INJUNÇÃO

Este instrumento processual possibilita a concretização de dispositivos constitucionais que careçam de regulamentação. Assume importante papel na ordem jurídica nacional, uma vez que, sem aquela, muitos dos direitos assegurados formalmente não têm podido ser desfrutados materialmente. Note-se que se trata, majoritariamente, dos direitos sociais. (5)

Ao tempo em que o habeas corpus e o mandado de segurança protegem Direitos Individuais, o mandado de injunção garantirá, também, os Direitos Sociais e Políticos. Encontra-se disposto no art. 5º , LXXI da CF/88. (6)

O objeto deste mecanismo jurídico é suprir a carência da norma regulamentadora , possibilitando a fruição do direito por seu sujeito. Por ´norma regulamentadora´ deve-se entender não lei, mas também ato proveniente de atividades internas da Administração Pública. (7)

Detém a legitimidade ativa qualquer pessoa física ou jurídica portadora de direito constitucional que dependa de regulamentação. Devido à natureza dos direitos que são amparados pelo mandado de injunção, ordinariamente ocorrerá litisconsórcio ativo. Pode também se dar a representação do interessado pela associação , sindicato ou entidade de classe. (8)

A legitimidade passiva cabe, no caso de a obrigação ser de prestar liberdades ou prerrogativas ao impetrante, a pessoas de direito público, como União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Pode, até mesmo, haver litisconsórcio passivo no caso de prestação de direitos sociais, uma vez que a competência, nesse assunto, é comum cumulativa. Em matéria de direitos trabalhistas, impetrada é a parte obrigada a cumprir em concreto o direito pleiteado, ou seja, o patrão. (9)

Quanto ao alcance do mandado de injunção o que se tem claro é que o Poder Judiciário, após análise do pedido do impetrante, julgando que ocorra realmente ausência de norma regulamentadora de direito constitucional e fato que esteja impedindo seu exercício, marcará prazo para o responsável preencher a omissão regulamentar. Caso nenhuma providência seja tomada pelo impetrado, expedir-se-á o mandado de injunção, assegurando-se o direito reclamado. Ocorrendo resistência do devedor da prestação, esta será convertida em indenização por perdas e danos. O efeito é, portanto, interpartes. (10)

A omissão do Poder Legislativo no cumprimento de suas funções legislativas e constitucionais ocasiona a perda da legitimidade originária, eleitoral e mandamental do mesmo, uma vez que este poder não precisa atuar comissivamente para ferir direitos fundamentais. Sua simples inatividade já os lesa. (11)

Sem dúvida, é uma lástima que nosso Supremo Tribunal Federal não tenha sabido desfrutar desta rica garantia processual, inédita no Direito nacional. Apesar de ter significado extremo avanço da legislação brasileira em direção à democratização de seu sistema, visando ao pronto atendimento das necessidades de sua população, majoritariamente, carente, parece que esta representou uma das poucas vezes em que a lei andou à frente da realidade concreta. Não se mostrou o Poder Judiciário moderno o suficiente para se adequar a novas figuras jurídicas, de grande vanguarda como esta. Talvez por ainda estar arraigado a regimes autoritários, centralizadores, nos quais não possuía o poder de decisão que hoje lhe foi dado por instrumentos como este.

1 . 5 - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR AÇÃO E POR OMISSÃO

Há duas formas de controle de constitucionalidade das leis: o difuso e o concentrado.

Por controle de constitucionalidade difuso, também chamado via indireta de controle de constitucionalidade, deve-se compreender como aquele realizado por todos os órgãos do Poder Judiciário, os quais se manifestam sobre a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. Este sistema é adotado no Brasil, onde desde o Juiz de Direito de 1ª instância até o Ministro do STF podem e devem declarar inconstitucional uma lei.

Quando da ocorrência de um caso concreto, pode-se declarar lei inconstitucional e não se lhe aplicar. Neste momento, trata-se de uma decisão que terá efeitos ex tunc e inter partis, não anulando ou revogando a lei, entretanto. Já na hipótese de ser a decisão definitiva do STF e ocorrer a conseqüente suspensão da execução da lei pelo Senado Federal, o efeito será ex nunc e erga omnes. Somente neste caso a lei deixa de estar em vigor, tornando-se ineficaz e inaplicável. (12)

O procedimento a ser adotado no caso de decisão definitiva tomada pelo STF é comunicá-la ao Senado Federal para que ocorra a suspensão da execução, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional, segundo o art. 52, X, da CF/88.

O controle concentrado de constitucionalidade, por sua vez, assume o nome de ação direta de inconstitucionalidade por ação ou por omissão, conforme o art. 103 da CF/88.

A ação direta de inconstitucionalidade por ação ocorre quando se acredita não corresponder ou não se adequar determinada lei ou ato normativo aos ditames estabelecidos na Carta Magna.

A Constituição de 1988 não disciplinou, no caso dessa ação, o efeito da declaração de inconstitucionalidade, concluindo-se que se deve pautar pelas regras processuais ordinárias, isto é, pela eficácia e autoridade da sentença. Assim sendo, a sentença tem o efeito de eliminar a eficácia e aplicabilidade da lei. Esta não mais é executável, sob pena de afrontar a eficácia da coisa julgada. (13)

Dessa forma, não é necessário que o Senado suspenda a execução da lei, como no controle difuso, uma vez que a própria sentença se incumbe dessa tarefa. (14)

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão busca pôr fim à ausência de medida para tornar efetiva determinada norma constitucional. Por ´medida´ devem-se compreender omissões legislativas, de atos administrativos ou mesmo no cumprimento de disposições constitucionais por falta de vontade política do governo, como em relação aos Direitos Sociais. (15)

O efeito da declaração de inconstitucionalidade, no caso de omissão no cumprimento de normas constitucionais, por falta de vontade política, constitui-se no fato de que, através do reconhecimento da omissão pelo governo, dado pelo STF, pode-se demonstrar que o Presidente não está agindo no sentido de consecução dos objetivos constitucionais. Tal atitude configura atentado ao exercício dos Direitos Sociais, fato que importa em crime de responsabilidade, nos termos do art. 85, III da CF/88. Embora não esteja na competência do Poder Judiciário julgar esse tipo de crime, uma decisão do Tribunal Supremo de nosso país, com certeza, maior fundamentação e substância daria a ele. (16)

No art. 103, § 2º , encontra-se o efeito da declaração de inconstitucionalidade por omissão, qual seja, o de se dar ciência ao Poder competente - note-se que não é apenas o Legislativo, podendo-se tratar de argüição de expedição normativa necessária para o cumprimento de determinado preceito constitucional - para a adoção das providências devidas. Em se tratando de órgão administrativo, deve fazê-lo em trinta dias.

O objeto desta garantia processual é, no caso da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o suprimento de carência na regulamentação de leis constitucionais. Em se tratando da ação direta de inconstitucionalidade por ação, é a suspensão da eficácia e aplicabilidade de lei ou ato normativo.

A legitimidade ativa nesta ação encontra-se referida no art. 103, I a VIII. Assim, podem impetrá-la o Presidente da República, as Mesas do Senado Federal e Assembléia Legislativa, partidos políticos com representação no Congresso Nacional, dentre outros ali dispostos.

A legitimidade passiva pertence ao órgão legislativo ou executivo que tenha deixado de tomar qualquer medida que lhe cabia no sentido de regulamentar normas constitucionais.

A diferenciação entre ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção se faz em três pontos, segundo expõe RANDOLPHO GOMES:

. o objeto do mandado de injunção é o suprimento da ausência de norma regulamentadora, com o fim de se obter o pronto exercício do direito, tendo a decisão efeito interpartes. A ação direta de inconstitucionalidade por omissão, apesar de também objetivar o suprimento de ausência de norma regulamentadora, visa à construção da norma ausente pelo órgão ou poder competente, tendo a decisão judicial efeito erga omnes;

. a legitimidade ativa no mandado de injunção pertence a qualquer pessoa titular do direito, ao passo em que, na ação direta de inconstitucionalidade somente a detêm as pessoas e instituições no art. 103 da Constituição de 1988 discriminadas;

. por fim, quanto à legitimidade passiva, no mandado de injunção a possui quem deve conceder concretamente o direito, podendo mesmo ser uma empresa privada. Em relação à ação direta de inconstitucionalidade, somente será sujeito passivo a pessoa ou entidade responsável pela elaboração da norma. (17)

1 . 6 - HABEAS DATA

O objeto dessa garantia instrumental é a proteção ao direito à verdade sobre si próprio, seja através da possibilidade de conhecimento de informações relativas ao impetrante constante de registros de entidades governamentais ou de caráter público, seja pela retificação de seus dados em tais locais, segundo o art. 5º , LXXII da Constituição de 1988.

Acredita-se que o motivo maior para a criação desse dispositivo tenha sido a existência do Serviço Nacional de Informação (SNI), o maior banco de dados do país, bem como o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), a que o indivíduo deve ter acesso. (18)

Os limites ao habeas data encontram-se expostos no art. 5º , LXXIII, no qual se dá prioridade ao interesse coletivo de segurança à sociedade e ao Estado, na medida em que, se houver, pela liberação de determinada informação, ameaça àquela, é legal que esta não seja revelada.

Note-se que o habeas data somente diz respeito à liberdade de conhecimento ou retificação de informações particulares, referentes à pessoa do impetrante.

No art. 5º, XXXIII, faz-se referência a informações de caráter geral, de interesse coletivo. Em caso de negação de seu fornecimento, sem que haja necessidade de sigilo para que se assegure a segurança da sociedade e do Estado, o mecanismo jurídico cabível será o mandado de segurança. (19)

A decisão em relação ao caráter sigiloso ou não de certa informação não deve ser tomada pelo órgão fornecedor, mas pelo Poder Judiciário.

Possui legitimidade ativa toda pessoa física que tenha informações suas registradas em bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público e delas deseje ficar a par ou as retificar.

Detém a legitimidade passiva qualquer entidade governamental ou de caráter público que possua a informação desejada.

1 . 7 - AÇÃO POPULAR

O objeto desse mecanismo instrumental é a proteção aos direitos difusos de se resguardar o Patrimônio Público ou de entidade da qual o Estado participe, a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural, conforme o disposto no art. 5º , LXXIII, da Constituição de 1988. Protegem-se, assim, bens de valor econômico, artístico, turístico.

A atual Constituição ampliou o campo de ação da ação popular, uma vez que, anteriormente, esta se aplicava à anulação de atos lesivos somente ao patrimônio público.

Por atos lesivos devem-se ter medidas, providências, contratos administrativos que desfalquem o erário ou prejudiquem o meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural, o patrimônio público em geral e a moralidade administrativa. (20)

Note-se que a Constituição exige apenas a lesividade do ato e não a sua ilegalidade, tanto que se refere à questão da imoralidade. Sabe-se que um ato pode ser imoral sem ser ilegal. Dessa forma, a exigência por parte de corrente doutrinária do caráter ilegal do ato em adição à sua imoralidade, parece tornar ineficaz o sentido amplo que o legislador quis dar a esse remédio processual. Ela adiciona ao texto constitucional um requisito que este, propositalmente, não contém. (21)

A legitimidade ativa pertence a qualquer cidadão. Note-se que, por cidadão, no sentido estrito da Constituição, toma-se aquele que se encontra em gozo de seus direitos políticos.

Segundo a Lei nº 4717, de 29 de junho de 1965, que regula a Ação Popular, possuem legitimidade passiva quaisquer pessoas públicas ou privadas, autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissão, tiverem dado oportunidade à lesão. Isto é, quem quer que seja, pessoa jurídica ou física, que atente contra o Meio Ambiente, a Moralidade Administrativa, o Patrimônio Público, o Patrimônio Histórico e Cultural é suscetível de ser sujeito passivo desta ação, movida pelos beneficiários diretos dos mesmos.

1 . 8 - PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS

Além das garantias processuais acima definidas, que constituem mecanismos jurídicos de defesa a direitos constitucionalmente assegurados, há os chamados princípios processuais presentes na Constituição.

Como princípios, assumem um caráter mais amplo, global, diretivo das normas que dispõem sobre fatos concretos, mais específicas, portanto. Os princípios são norteadores dessas regras, podendo mesmo as complementar em se ocorrendo alguma lacuna na lei.

Assim sendo, todo o sistema legal deve-se guiar em conformidade aos ditames dos princípios constitucionais. Primeiramente, por se tratarem de normas direcionadoras de leis. Além disso, por estarem dispostos na Lei Maior do país, contendo esta apenas o que foi considerado pelo legislador, representante da vontade popular, como de suma importância para o desenvolvimento nacional e estabilidade das relações jurídicas sociais.

Vários são os princípios vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, como o da motivação da sentença; imparcialidade; irretroatividade da lei penal; presunção de inocência; igualdade das partes; publicidade do processo; oportunidade probatória; reserva absoluta da lei penal.

Todavia, como este não é o tema único deste trabalho, ater-se-á à disposição de alguns dentre os mais importantes princípios constitucionais relacionados à questão da efetivação dos Direitos Humanos e, conseqüentemente, da Cidadania.

1 . 8 . 1 - GARANTIA DA TUTELA JURISDICIONAL

Disposto no art. 5º , XXXV, da Constituição de 1988, estabelece que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

A tutela jurisdicional do Estado trata-se do dever do Estado de cuidar, de ´tutelar´ os interesses de seu povo com o fim de se dirimirem, extinguirem situações jurídicas controvertidas.

Caracteriza-se pelo oferecimento de acesso dos indivíduos ao Poder Judiciário, responsável por sua proteção e segurança jurídica, com o fim de se restabelecer a paz social e concretizarem os ideais de Justiça vigentes.

Como o Estado detém o monopólio da jurisdição, é, por sua vez, obrigado a colocar, à disposição de todos, órgãos específicos e competentes para cada natureza de demanda, de forma que se submetam as partes às decisões judiciais a que se chegarem. (22)

O direito à prestação jurisdicional do Estado se inicia por uma ação judicial proposta pelo autor, efetivando-se através do processo. (23)

1 . 8 . 2 - GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

No art. 5º , LIV, determina-se que ninguém será processado, nem sentenciado, sem o devido processo legal.

O fato de se garantir esse devido processo legal gera a segurança aos indivíduos de que, uma vez processados, ou seja, tornados réus em um processo, este será conduzido de acordo com os preceitos legais que o regem. Destarte, será isento de arbitrariedades, subjetividades, tendo o réu pleno direito à defesa, sendo considerado inocente, até prova em contrário.

Para tanto, são-lhes assegurados o direito do contraditório, isto é, de respostas às acusações e atos que lhe são imputados, bem como de qualquer artifício processual existente para que elabore sua defesa, até o último recurso desejado e possível.

Há íntima relação entre este princípio constitucional e o acima exposto, pois a tutela jurisdicional do Estado somente se pode efetivar através do chamado ´processo judicial´.

Este é uma série de atos processuais ou procedimentos com o fim de pôr termo à demanda, recebendo do Estado sua posição oficial, pela sentença do litígio. Esta decisão deverá ser seguida pelas partes que, isoladamente, não foram capazes de resolver suas divergências de forma amigável.

Dessa maneira, a tutela jurisdicional se dá não apenas através do oferecimento de oportunidade ao indivíduo de ingressar em juízo ou nele se defender, como também permitindo-se às partes, e, principalmente, ao réu, o qual se encontra em situação desvantajosa, o uso de todos os artifícios cabíveis à sua disposição.

Trata-se o devido processo legal, portanto, de se estabelecer e respeitar a regularidade no processo.

A expressão devido processo legal implica não apenas o respeito às oportunidades iguais para as partes envolvidas, como, também, a correta e regular elaboração da lei com razoabilidade, o senso de justiça e respeito à Constituição com a aplicação judicial através de processo judicial. (24)

1 . 8 . 3 - GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA

Significa que o indivíduo tem o direito de ingressar no Poder Judiciário com a ação cabível para assegurar interesses seus que tenham sido lesados.

Como o Poder Judiciário não age de ofício, mas apenas quando motivado por terceiros, não se podem coagir as pessoas para que não o façam, visto que, se assim se procedesse, estar-se-ia impedindo a realização da Justiça, já formalmente idealizada.

Claro está, então, que deste direito essencial de acesso à Justiça, decorre a real possibilidade de eficácia de todas as garantias processuais e mesmo dos outros princípios processuais. (25)

O acesso à Justiça, nos séculos XVIII e XIX, era considerado um Direito Natural. Assim, seria anterior ao Estado, sendo que, para sua preservação, este deveria apenas impedir que tal direito fosse infringido por outro. No entanto esse impedimento era passivo e teórico, porque o Estado nada fazia em relação àqueles que não detinham capacidade financeira para se utilizarem do Poder Judiciário. Tratava-se da típica política do lassez-faire, na qual se garante liberdade a todos, mas não se asseguram os meios para que os mais carentes materialmente venham a desfrutá-la. (26)

Para que, de fato, seja efetivada esta garantia, tendo-se ciência de que, muitas vezes, o custo de uma ação judiciária, tanto no que se refere às custas processuais, quanto aos honorários advocatícios, torná-la-ia inviável a grande parte da população, dispôs-se, no art. 5º , LXXIV, a respeito da prestação pelo Estado de assistência jurídica integral e gratuita aos que sejam pobres no sentido legal.

Entretanto notória é a baixa qualidade dos serviços prestados pela Defensoria Pública, de uma forma geral. Conhecida é a falta de seriedade com que são levadas suas responsabilidades, fato de que resulta no mau acompanhamento dos processos ou mesmo no seu não acompanhamento, exibindo-se enorme descaso pela dignidade e integridade das pessoas financeiramente carentes, salvo raras exceções dos verdadeiros profissionais do Direito ali presentes.

De qualquer maneira, o fato de se preocupar atualmente com o tratamento judicial da pobreza em sentido legal, assumindo essa preocupação caráter constitucional, representa grande avanço em direção à concretização da idealizada Justiça Social.

Soma-se, como alternativa aos eventuais empecilhos ao acesso à Justiça, o fato de se estimular o reconhecimento dos direitos e deveres sociais aos governos, comunidades e associações, de forma a se abrirem possibilidades diversas do ingresso individual, muitas vezes inviável para vários dos interessados na lide, seja em matéria financeira ou mesmo no poder de voz de que isoladamente são dotados.

Outros problemas surgem para a concretização deste princípio processual dentre eles a existência de controvérsias que versam sobre bens de valor inferior ao que seria despendido na própria ação judicial; a morosidade do Poder Judiciário; a falta de esclarecimento suficiente da população para que mesmo se compreendam os direitos que lhe pertencem. (27)

Em se tratando da morosidade do Poder Judiciário, vale notar que seus efeitos variam desde a renúncia de se recorrer a ele, até a aceitação de acordos desfavoráveis à parte mais frágil, por lhe ser preferível poder usufruir imediatamente do que lhe for concedido do que esperar por longo prazo até que se resolva a demanda.

Dentre soluções que se apresentam, está a criação de Juizados de Pequenas Causas, os quais foram agora disciplinados na Constituição. Neles, mediadores entre as partes, em sua maioria, advogados que se dispõem a exercer esta função gratuitamente, tentam a conciliação ou a solução da controvérsia da melhor forma possível, pautando-se pelos ditames do Direito.

Tais Juizados são informais, não dispondo do poder de polícia coercitivo para que se forcem o comparecimento das partes ou a execução do acordo. No entanto conferem caráter de maior seriedade à divergência, coagindo as partes a tentarem sua resolução.

Críticas são feitas a essa inovação por a considerarem uma afronta ao direito do cidadão de usufruir da tutela jurisdicional, uma vez que ali não se analisam profundamente os direitos das partes, julgando-se se procedentes ou não seus pedidos, mas tenta-se, apenas, um acordo entre elas. Portanto, ali não se decidiria o que é juridicamente correto, mas o que é conveniente.

Sem dúvida, cabíveis são as críticas e inegável é que ali não se julga. No entanto, vale-se de outro recurso: o diálogo. Certamente, entre as partes isoladamente, este é mais árduo do que diante de um mediador, o qual, de certa forma, conduz a conversação de maneira a se possibilitar uma solução e não uma exaltação de ânimos ou conflitos. Assim, busca-se a resolução amigável daquela controvérsia, pois nem toda discordância há de compor uma lide, senão inexistiria, por exemplo, a figura da separação consensual de um casal.

Obviamente, há vantagens e desvantagens em ambas as opções. Se se decide por recorrer ao Poder Judiciário, muitas vezes, a causa é de valor financeiro ou questão tão pequenos que mais trabalho e dispêndio financeiro se terá com a busca da tutela jurisdicional formal. Bem como pode ocorrer a situação de que, ao tempo em que a lide se resolveria, não mais precisariam as partes de sua resolução, pois a situação jurídica, a realidade fática já seriam outras. A solução do impasse precisaria se efetivar no mais curto espaço de tempo possível, o que muitas vezes não é viável em um processo judicial, com todas as suas formalidades e possibilidade de recursos.

A Justiça do Trabalho é, por sua vez, especializada na resolução de causas trabalhistas, provida por juízes togados e leigos, na qual, a princípio, os processos gozam de maior agilidade, havendo menor formalidade nas tentativas de conciliação realizadas em audiências.

Necessita, também, nossa lei processual, em qualquer área do Direito, ser enxugada de forma a se manterem apenas os recursos essenciais à defesa dos interesses das partes, da mesma forma que se faz imprescindível que se cumpram com rigidez os meios existentes e por si só satisfatórios de penalização daqueles que procrastinam o processo, atuando de má-fé. Que se punam severamente as partes, mas, principalmente, os advogados, visto que são eles que melhor conhecem os instrumentos processuais e, infelizmente, como mal utilizá-los.

Em última análise, tem-se o problema da falta de esclarecimento da população acerca de seus direitos e deveres. Esse, sem dúvida, é o mais complexo dos obstáculos de acesso à Justiça citados, por envolver questões tão grandes como a ênfase dada pelo Estado à educação de sua população, as verbas destinadas às escolas, universidades e seu corpo docente, os meios fornecidos aos indivíduos para que possam ter disponibilidade de se dedicarem ao estudo, enfim, a política educacional como um todo.

Válidas são, nesse sentido, campanhas educativas veiculadas nos meios de comunicação mais populares; a socialização do conhecimento adquirido por estudantes, principalmente universitários, com uma população mais carente e que não teve acesso ao curso superior; o emprego de meios artísticos como teatros de rua e exposições com entrada franca; além da sempre cobrança aos governantes, sejam membro do executivo ou legislativo, da assunção de medidas voltadas à implementação do sistema educacional e ensino.

Bem sucedida tem sido a atitude de vários dos Poderes Executivos Estaduais de, após a feliz elaboração de um dos mais modernos Códigos de Defesa do Consumidor, dar subsídios à criação de PROCONs. Esses órgãos são, em grande parte, responsáveis pela conscientização de parcela crescente da população, como também pela solução de inúmeras controvérsias quanto a problemas de relação de consumo.

1 . 8 . 4 - GARANTIA DO JUIZ NATURAL

Este princípio processual encontra-se referido no art. 5º , XXXVII e LIII. O primeiro inciso proíbe a existência de juízo ou tribunal de exceção. O último determina que ninguém será processado, nem sentenciado, senão pela autoridade competente.

"Juiz Natural é aquele integrado no Poder Judiciário, com todas as garantias pessoais e funcionais previstas na Constituição Federal (art. 95). Somente os juízes, tribunais e órgãos jurisdicionais previstos na Constituição se identificam com o Juiz Natural". (28)

Assim sendo, o juízo é previamente determinado por meio da competência fixada imediata e exclusivamente de lei. (29)

Por este princípio, assegura-se ao indivíduo a certeza de que será julgado imparcialmente, por um juiz que compõe toda uma estrutura judiciária.

1 . 8 . 5 - GARANTIA DE AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO

Este princípio encontra-se expresso no art. 5º , LV. Por ele, garante-se às partes, seja autor ou réu, o direito de poder se defender amplamente, valendo-se de todos os artifícios que o Direito lhes pode oferecer.

Inerente à possibilidade de ampla defesa encontra-se o princípio do contraditório, pelo qual a parte tem o direito de resposta ao que foi alegado, afirmado ou acusado pela parte contrária.

Analogamente, para que se obtenha uma defesa de maneira ampla, mister se faz o devido processo legal. Sem a regularidade dos procedimentos rigidamente seguida por ambas as partes, impossível se torna assegurar uma defesa justa e abrangente.

Do princípio do contraditório resultam três conseqüências e, ao mesmo tempo, requisitos para a regularidade do processo e composição da lide, segundo o Prof. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR:

. somente se inicia o processo mediante citação válida;

. para que se profira a sentença, o juiz há de ouvir ambas as partes;

. os efeitos da decisão judicial somente atingem as partes do processo ou seus sucessores. (30)

1 . 8 . 6 - GARANTIA DE PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS

Este princípio situa-se no art. 5º , XXXVIII, b; LX e no art. 93, IX.

No art. 5º , LX, dispõe-se que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. Dessa forma, claro fica que a publicidade é a regra e o sigilo, a exceção.

No art. 5º , XXXVIII, b, encontra-se estabelecida uma exceção à publicidade quando se fixa que as votações do júri são sigilosas.

Finalmente, no art. 93, IX, ordena-se que todo julgamento dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e todas as decisões, fundamentadas, sob pena de nulidade.

Entretanto nosso STF, mais uma vez, não pareceu estar apto ou querer modernizar-se e acompanhar a nova estrutura de uma constituição democrática. Apesar de estampado claramente este princípio na Carta Magna, estabeleceu, em seu Regimento Interno, a sessão secreta para diversos tipos de julgamento, inclusive penais, em que estejam envolvidos certos dignatários da República e assim tem sido até hoje.

1 . 8 . 7 - INDEPENDÊNCIA DO JUIZ

Por este princípio, segundo o Prof. JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO, institui-se:

. a responsabilidade civil do mesmo em caso de fraude, concussão ou dolo;

. a responsabilidade penal, pelos fatos delituosos causados;

. a responsabilidade administrativa, pelas infrações realizadas no exercício de sua função jurisdicional. (31)

O dano injusto, decorrente de ato de provimento judiciário do magistrado, com dolo ou culpa grave, no exercício de sua função, corresponde a denegação da justiça.

Deve-se propor ação contra o Estado, visando ao ressarcimento do dano patrimonial, bem como aqueles que, não sendo desta ordem, promovam a privação de liberdade pessoal. (32)

Muito já se questionou acerca da responsabilidade do juiz ou de sua imunidade (immunity from civil liability), tendo sido esta última adotada desde o século XVII, especialmente nos sistemas do Common Law. Por ela, o juiz é absolutamente imune de responsabilidade civil por qualquer ato praticado no exercício do cargo, não só quando atua culposamente, mas também dolosamente. A alternativa que caberia ao particular lesado seria a interposição de recursos cabíveis, porém não poderia proceder diretamente contra o juiz. Esta irresponsabilidade civil se justificaria pelo benefício garantido aos cidadãos devido à segurança de que os juízes estariam totalmente livres e independentes para exercitarem sua função, sem o temor contínuo de estarem sujeitos a ações legais. No sistema jurídico continental, por sua vez, optou-se por não se dispensar o juiz do dever de responder por sua atuação. (33)

É de se convir que os juízes, apesar da alta relevância e especialidade de suas funções, não estão acima de nenhuma classe profissional, a qual, por maiores qualificações que detenha, encontra-se suscetível de argüição em juízo por ato culposo ou doloso cometido no exercício de suas atribuições.

O que não se pode fazer, sob pena de ameaça à independência do magistrado, é submetê-lo a ações processuais por mera interpretação da lei de forma diversa à maioria dos julgados. O juiz não é obrigado a se prender nem mesmo às súmulas do Supremo Tribunal Federal. Se seu entendimento se pautar nos limites do Direito vigente, mesmo que contrário à corrente jurisprudencial majoritária, é plenamente válido. Claro é que de sua decisão caberá recurso, podendo vir a ser parcial ou totalmente reformada.

Entretanto, se o julgador atuar de forma culposa no processo, sendo, por exemplo, negligente, ou se agir dolosamente, isto é, com a vontade e consciência de realizar ato ilícito, não só pode, como deve, em nome da moralidade e probidade da Administração da Justiça, ser penalizado, haja vista constituir tal comportamento denegação de justiça.

A única dependência que vincula o juiz é portanto a legal. Na lei, deve-se pautar e, por ela, limitar-se, de forma que se viabilize um arbítrio completamente imparcial.

Para a efetiva tutela dos direitos dos cidadãos, cabe a estes o questionamento da legitimidade, da independência e do controle dos juízes. Sua legitimidade não se assenta, no caso brasileiro, em sua origem popular, ou seja, em seu caráter representativo, como nos Estados Unidos, mas na perfeita adequação do recrutamento da magistratura às disposições constitucionais, legais e concursais, bem como na submissão de seu comportamento judicial aos princípios e valores considerados fundamentais, emanados da vontade popular, por meio de seus representantes. Sua independência baseia-se na separação dos órgãos judiciais dos demais poderes do Estado e inexistência de qualquer subordinação, especialmente ao Poder Executivo, com a atribuição exclusiva aos juízes do exercício das funções jurisdicionais. O controle se faz necessário para que sejam exigidas tais responsabilidades dos juízes, assim como é em relação a todos os poderes públicos. (34)


2 - MECANISMOS DE CONTROLE E ADEQUAÇÃO DAS MEDIDAS DE POLÍTICA ECONÔMICA À IDEOLOGIA CONSTITUCIONALMENTE ADOTADA

Na repressão ao abuso do poder econômico, encontram-se dispositivos legais que variam de decretos-lei a normas constitucionais.

A primeira constituição a tratar deste assunto foi a de 1934, a qual, em seu art. 171, determinou medidas em defesa da ´economia popular´.

Desta Carta Magna até a atual, a abordagem da questão econômica não apenas se fez constante, como se ampliou progressivamente.

Evoluiu-se ao longo do tempo, acrescentando-se disposições acerca da qualificação dos crimes contra a economia popular (art. 191, CF/37); definição das formas de abuso do poder econômico (art. 148, CF/46); estabelecimento do Título "Da Ordem Econômica e Social" (CF/67); definição da ´linha de maior vantagem´ (art. 160, Emenda Constitucional de 1969); nova divisão do texto constitucional, determinando-se o recente Título "Da Ordem Econômica e Financeira" (CF/88).

No âmbito de Decretos-Lei, como os nº 431, de 18.05.38, e nº 869, de 18.11.38, iniciou-se o desenvolvimento deste tema, tipificando-se os crimes contra a economia popular. A seguir, o assunto não deixou de ser preocupação do Poder Público, o qual veio a implementá-lo por meio de: disposições sobre a configuração e julgamento destes crimes (Decreto-Lei nº 1716, de 28.10.39); tratamento do abuso do poder econômico (Decreto-Lei nº 7666, de 26.06.45).

Novas determinações sobre a repressão ao abuso do poder econômico encontraram-se nas Leis 1521/51 e 4137/62. Esta última criou o CADE, na época, sob a figura jurídica de órgão do Poder Executivo.

O Decreto nº 92323, de 23.02.86, definiu os agentes econômicos, considerando-os como pessoas naturais ou jurídicas, públicas ou privadas que desempenhassem atividades nas circunstâncias e condições consideradas condenáveis pela lei. Desse modo, tanto a iniciativa privada, quanto o Estado, estão incluídos como passíveis de punição em caso de ilicitude.

A Lei 8137, de 27.09.90, definiu algumas figuras tomadas como ´formas de abuso do poder econômico´ pela legislação anterior, tipificando-as como ´crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo´. Estabelece a responsabilidade da pessoa jurídica separadamente da pessoa física.

A Lei 8158/91 definiu o CADE como detentor de poder judicante, colocando-o em posição assemelhada ao Tribunal Administrativo norte-americano. Estipulou as competências da Secretaria de Direito Econômico (SDE) e do CADE. Entretanto, em sua maior parte, foi revogada pela atual Lei 8884/94.

As mais recentes disposições sobre a questão do abuso do poder econômico encontram-se na Lei 8884, de 11.06.94, a qual, por sua atualidade e pelas grandes mudanças e progressos que realizou, recebeu tratamento particularizado neste trabalho.

2 . 1 - LEI 8884 de 11.06.94

Revogando as Leis nºs 4137/62, 8002/90 e 8158/91, bem como as disposições em contrário, esta lei buscou determinar a prevenção e a repressão às infrações em conformidade aos ditames constitucionais, quais sejam:

. liberdade de iniciativa;

. liberdade de concorrência;

. função social da propriedade;

. defesa dos consumidores;

. repressão ao abuso do poder econômico.

Estabeleceu seus preceitos segundo os mandamentos do art. 170 da CF/88, o qual assume como fundamento os ´ditames da justiça social´. A Carta de 1988 também registra a repressão ao abuso do poder econômico em seu art. 173, § 4º.

Além de reprimir o que denomina infração à ordem econômica, a lei cuida também de prevenir quaisquer atos que possam prejudicar a livre concorrência ou resultar no domínio de mercado - considera-se dominante uma participação de 30% no mercado de bens ou serviços.

Dentre estes atos genéricos, incluem-se as fusões, incorporações, constituição de sociedades, compra e venda de ativos ou qualquer outra forma de concentração econômica, sempre que a empresa, ou grupo de empresas resultante desses atos, implicar participação de 30% ou mais de um mercado relevante, ou sempre que um dos participantes do negócio tenha apresentado faturamento bruto de 100 milhões de "ufirs" no último exercício.

A eficácia destes atos, como se verá adiante, é condicionada à aprovação, expressa ou tácita, pelo CADE.

Com as alterações efetivadas neste novo dispositivo legal, objetivou-se:

. assegurar livre acesso à produção e ao mercado;

. o equilíbrio entre os interesses do setor produtivo, do comércio e dos consumidores;

. evitar posições dominantes, inconvenientes ou prejudiciais ao bem comum;

. corrigir os efeitos negativos no mercado e os abusos de conduta.

Um de seus principais méritos foi a enumeração das formas de abuso do poder econômico, isto é, a tipificação das infrações, discriminando o que seja uso ou abuso na prática de um mesmo ato. (35)

A coletividade foi tomada como a titular dos bens jurídicos protegidos. Já os agentes econômicos empreendedores de ações lesivas aos interesses daquela são as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, bem como quaisquer associações, entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal.

A responsabilidade é solidária entre as empresas do mesmo grupo econômico. A personalidade jurídica da sociedade é desconsiderada para se responsabilizarem seus sócios e administradores, quando houver abuso de direito, ato ilícito, violação do contrato ou estatuto social, ou falência.

O direito de ação compete àqueles legitimados pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor (art. 82), isto é, Ministério Público; União; Estados; Distrito Federal; Municípios; entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica; associações legalmente constituídas há pelo menos um ano, que incluam, entre seus fins institucionais, os interesses e direitos protegidos por aquele Código e também por esta lei, independentemente de autorização assemblear, podendo o requisito da pré-constitucionalidade ser dispensado pelo juiz, para efeito de ação civil coletiva de responsabilidade.

Foi instaurada a medida preventiva da regra da cessação da atividade, de forma a se paralisar esta previamente às averiguações ou processo administrativo. Entretanto tal alternativa somente pode ser utilizada em caso de indício ou fundamentado receio de que sua continuação possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado final do processo. Trata-se de figura análoga àquela existente no processo civil, qual seja, a medida cautelar, para cuja concessão se requer a verificação do fumus boni juris e do periculum in mora.

Poderá esta medida preventiva determinar a imediata cessação da prática e ordenar, quando materialmente possível, a reversão à situação anterior, fixando multa diária, caso descumprida a medida. Da decisão que decretar a medida preventiva cabe recurso, sem efeito suspensivo, no prazo de cinco dias, ao CADE.

Em qualquer fase do processo administrativo, o representado poderá formalizar, no CADE ou na SDE, ad referendum do CADE, o ´compromisso de cessação´ da prática tida como infração à ordem econômica. O estabelecimento de tal compromisso não importa confissão quanto à matéria de fato ou reconhecimento de ilicitude da conduta analisada. Ele suspende o processo, que será arquivado uma vez cumprido o compromisso no prazo estabelecido. Cabe à SDE acompanhar o cumprimento do compromisso.

Este compromisso constitui título executivo extrajudicial, podendo, como tal, ser objeto de imediata execução, quer no caso de seu descumprimento, quer no caso de obstáculos a sua realização.

Dentre as modificações efetivadas, destaca-se a transformação do CADE em autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal.

Essa transformação foi benéfica no sentido de que, como autarquia, sua natureza jurídica e a extensão de sua competência ficam bastante claras, de forma a se extinguirem quaisquer dúvidas ou questionamentos a respeito, questão anteriormente apresentada com excessiva freqüência.

Outra conseqüência de grande relevância reside no fato de que, como autarquia, poder dispor de procuradoria própria. Previamente apenas detinha uma assessoria jurídica, já que se consubstanciava em órgão da administração direta, estando completamente dependente do Ministério Público Federal, isto é, da administração central, para sua representação em juízo, inviabilizando maior agilidade e presteza na consecução de seus objetivos.

Dessa forma, dentre as atribuições da Procuradoria do CADE estão as de:

. promover a execução judicial das suas decisões e julgados;

. requerer medidas judiciais visando à cessação de infrações à ordem econômica;

. propor aplicação de medidas preventivas;

. promover acordos judiciais nos processos relativos a infrações contra a ordem econômica.

Há, agora, membro do Ministério Público Federal para, nesta qualidade, oficiar nos processos sujeitos à apreciação do CADE, podendo este pleitear àquele que promova a execução de seus julgados ou de compromissos de cessação, bem como a adoção de medidas judiciais contra o agente que violar a ordem econômica.

Nota-se, destarte, que tanto o Ministério Público Federal, quando solicitado pelo CADE, como este próprio órgão, podem promover a execução de seus julgados ou dos compromissos de cessação não cumpridos.

Ao CADE foi conferida competência para:

. decidir sobre a existência de infração à ordem econômica;

. aplicar as penalidades previstas na lei;

. requerer ao Poder Judiciário a execução de suas decisões;

. determinar à Procuradoria do CADE a adoção de providências administrativas e judiciais;

. autorizar excepcionalmente atos - incorporações, fusões, constituição de sociedades, dentre outros vistos anteriormente - que possam limitar ou, de qualquer forma, prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços.

A possibilidade de autorização de atividade, normalmente, tida como prejudicial à concorrência ou dominadora de mercados configura exemplo claro da adoção da ´regra da razão´, a qual confere certa flexibilidade hermenêutica necessária às questões tocantes à área econômica. (36)

Entretanto, para a liberação de tais atividades, usualmente nocivas aos princípios constitucionais, necessariamente deverão ser preenchidas as seguintes condições de natureza político-econômica:

. que tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente:

- aumentar a produtividade;

- melhorar a qualidade de bens ou serviços;

- propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico;

. que sejam beneficiadas tanto as partes do negócio como os consumidores;

. que tais atos não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante;

. que sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados.

A aprovação de uma operação nessas condições é condicionada. Devem os interessados se submeter a um compromisso de desempenho, formalizado perante o CADE, contendo metas qualitativas e quantitativas a serem atingidas em prazos pré-definidos. Para a formalização do compromisso serão levados em consideração o grau de exposição do setor à competição internacional e as alterações no nível de emprego, entre outros.

A implementação do compromisso de desempenho será acompanhada pela SDE, sendo que do seu descumprimento injustificado resultará abertura de processo administrativo para adoção das medidas cabíveis.

Entretanto, se o CADE concluir pela não-aprovação da operação, determinará as providências cabíveis para que a mesma seja desconstituída, total ou parcialmente, de forma a eliminar os efeitos nocivos à ordem econômica, independentemente da responsabilidade civil por perdas e danos eventualmente causados a terceiros.

As competências do CADE e da SDE foram nitidamente delimitadas, conquista não realizada até então.

O CADE tem sua função definida como órgão judicante. À Secretaria de Direito Econômico, órgão integrante da estrutura básica do Ministério Público Federal, cabe a fiscalização das atividades desenvolvidas por pessoas físicas ou jurídicas que detiverem posição dominante em mercado relevante de bens e serviços.

Em outras palavras, há a previsão de duas instâncias em âmbito administrativo:

. uma de cunho investigatório e singular, a SDE, na qual se instaura o processo de averiguação preliminar dos indícios de ilicitude encontrados;

. outra de cunho decisório e colegiada, o CADE, o qual julgará os processos da SDE.

Portanto, à SDE, cabem o acompanhamento permanente aos setores monopolizados e oligopolizados, para prevenir infrações à ordem econômica; a promoção de averiguações preliminares, de ofício ou mediante representação escrita e fundamentada de qualquer interessado para a instauração, ou não, de processo administrativo.

Ao CADE compete a efetivação do Processo Administrativo, valendo-se das ´averiguações preliminares´ realizadas pela Secretaria de Direito Econômico, instaurando o processo em si, instruindo-o e chegando até ao julgamento, pelo próprio órgão.

A lei fixa o prazo de sessenta dias para a conclusão das averiguações preliminares, cabendo ao Secretário de Direito Econômico duas opções:

. a decisão pelo seu arquivamento, se forem considerados insubsistentes os indícios de infração à ordem econômica, dessa decisão recorrendo de ofício ao CADE;

. a decisão pela instauração do processo administrativo, por despacho fundamentado, em subsistindo os indícios encontrados.

A fase das averiguações preliminares será suprida nos casos em que a representação for apresentada pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal ou por qualquer Comissão do Congresso Nacional, cabendo ao Secretário de Direito Econômico instaurar de plano o processo administrativo.

Encerrada a fase probatória, o processo é submetido a julgamento pelo Plenário do CADE, composto, agora, por seis membros em regime de dedicação exclusiva. As decisões são tomada por maioria absoluta, com presença mínima de cinco membros, podendo resultar em:

. condenação da empresa a pagamento de 1 a 30% do faturamento bruto de seu último exercício;

. se além da empresa for também condenado o administrador direta ou indiretamente responsável pela infração, será fixada multa de 10 a 50% da multa aplicada à empresa, de responsabilidade pessoal e exclusiva do administrador;

Sem prejuízo das multas, o infrator poderá ser condenado a:

. publicar o extrato da decisão na imprensa;

. ficar proibido de contratar com instituições financeiras oficiais;

. ficar proibido de participar de concorrências públicas;

. ficar proibido de parcelar tributos federais;

. ter cancelados incentivos e/ou subsídios públicos;

. ter suas patentes licenciadas compulsoriamente;

. cindir a sociedade, transferir o controle ou vender ativos, de forma a eliminar os efeitos nocivos à ordem econômica.

Das decisões do Secretário não é cabível recurso a superior hierárquico. Das decisões do CADE não mais cabível é a revisão no âmbito administrativo, o que as torna de execução imediata.

Como órgão da administração indireta do Poder Executivo e pela vigência do princípio constitucional brasileiro da unidade da jurisdição, suas decisões não fazem ´coisa julgada´, atribuição reservada ao Judiciário.

Seja pelo descumprimento da medida preventiva, do compromisso de cessação ou de decisão do Plenário do CADE, o infrator fica sujeito à multa diária de 5000 "Ufirs", que poderá ser aumentada em até vinte vezes, se assim o recomendar a sua situação econômica e a gravidade da infração. Em caso de reincidência, a multa será aplicada em dobro.

A gradação das penalidades previstas na nova lei leva em conta a gravidade da infração, a boa-fé do infrator, a vantagem auferida ou pretendida, a consumação ou não da infração, o grau de lesão à livre concorrência, à economia nacional, os efeitos no mercado, a situação econômica do infrator e a reincidência.

O elenco das condutas consideradas pela lei como infração à ordem econômica é meramente exemplificativo.

Assim como o compromisso de cessação, as decisões finais do CADE equivalem a título executivo extrajudicial. Serão executadas na Justiça Federal do Distrito Federal ou do domicílio do infrator, a critério do CADE, podendo-se consistir em cobrança de multa, de obrigação de fazer ou de obrigação de não fazer.

Ao processo de execução são aplicadas as mesmas regras das execuções fiscais. Como condição para suspender a execução ou para propor qualquer ação visando a desconstituir a decisão do CADE, deverá o infrator depositar o valor das multas aplicadas e oferecer caução em garantia do cumprimento da decisão que vier a ser proferida no processo judicial.

Mesmo que tenha havido o depósito das multas e prestação de caução, poderá o juiz determinar a adoção imediata, no todo ou em parte, das providências contidas na decisão do CADE, considerando a gravidade da infração à ordem econômica, havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Outra produtiva inovação foi a instauração da possibilidade de consulta ao CADE, realizada pelos interessados, sobre a legalidade de atos ou ajustes que de qualquer forma possam ou não caracterizar infração à ordem econômica.

Não é aplicada qualquer sanção ao consulente pelos atos praticados, relacionados ao objeto da consulta.

Os prejudicados por atos que constituam infração à ordem econômica podem recorrer ao Poder Judiciário, em defesa de seus interesses, de forma a obterem sua cessação e/ou o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos.

O ingresso em juízo pelo prejudicado não acarreta a suspensão do processo administrativo, quer perante a SDE, quer perante o CADE. Este deverá, porém, ser obrigatoriamente intimado a, querendo, intervir na ação na qualidade de assistente.

Com a intervenção do CADE ou não, a decisão que vier a ser proferida pelo juiz da causa repercutirá decisivamente no processo administrativo.

As infrações à ordem econômica prescrevem em cinco anos, contados do fato ou, no caso de prática continuada, do dia em que tiver cessado.

2 . 1 . 1 - DECISÕES DO CADE

Para efeito de ilustração prática da sistemática desta autarquia, apresentam-se, aqui, duas de suas mais recentes decisões, uma consulta a ele realizada, além de um despacho do Secretário da SDE, demonstrativos de como se desenvolvem as etapas do processo na fase investigatória que compete a este órgão. A consulta dirigida ao CADE tem como objetivo o esclarecimento acerca da licitude ou não de determinado ato.

Dessa forma, pode-se ter melhor noção de como se desenvolvem os processos a nível da SDE e do próprio CADE. (37)

Importante se ter em mente que as sentenças nele proferidas não transitam em julgado, podendo, devido ao princípio de proteção constitucional, pelo qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", ser novamente por este analisados.

Destarte, da maior parte dos julgados do CADE, recorre-se à Justiça Comum. Contudo ele tem, cada vez mais, sido respeitado pelos agentes econômicos como uma autarquia séria, na qual os processos são conduzidos com competência e rigor, dentro da requerida regularidade.

Como ressaltou o atual presidente do CADE, depois da edição da Lei Anti-Trust, as decisões desse órgão passaram a ser mais respeitadas, em razão das altas multas ali previstas, as quais variam de 1 a 30% do faturamento bruto do último exercício da empresa, conforme visto. O compromisso de cessação, pelo qual, a partir de iniciativa da própria empresa que está sendo processada, consegue-se o fim da prática do ilícito, vem sendo cada vez mais adotado. Ao tomarem conhecimento de que estão sendo processadas, as empresas procuram espontaneamente o CADE ou a SDE e assumem o compromisso de mudarem o comportamento pelo prazo determinado pelo CADE. (38)

Assim a tendência é de, progressivamente, as questões serem solucionadas a nível administrativo, uma vez que. para a própria empresa, é mais vantajoso em dois sentidos: economicamente, pois as despesas - custas processuais e honorários advocatícios - com apenas um processo serão menores e no tocante à manutenção de sua boa imagem no mercado, haja vista ser a publicidade em torno da possível infração à ordem econômica praticada reduzida quando esta é discutida apenas no nível administrativo, devido ao menor tempo demandado para a solução do problema. Para os agentes econômicos, quanto mais rápido forem resolvidos os questionamentos acerca da licitude ou não de seus atos, menos impacto negativo sofrerão os consumidores.

Outro fator que se tem mostrado relevante na resolução de conflitos na própria SDE ou CADE, com a conseqüente manutenção e eficácia da sentença por este proferida, consiste no fato de que o Poder Judiciário tem se mostrado cada vez mais sensível às decisões daquele órgão, mantendo-as e evitando liminares que comprometam o objetivo das ações do CADE. Um exemplo disso é o caso da "Xerox do Brasil", a qual foi multada em março de 1993 em cerca de US$ 1 milhão. Ao recorrer ao Judiciário, a empresa foi obrigada a depositar em juízo o valor da multa para prosseguir com o processo. Cumpriu-se, portanto, o objetivo do CADE, qual seja, o de fazer com que a empresa desembolsasse o valor correspondente à multa. Esse processo será disposto neste trabalho, tendo sido a empresa penalizada devido à prática de ´venda casada´. (39)

Passa-se, destarte, à análise de dois dos mais atuais processos julgados pelo CADE.


PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 23/91 (40)

REPRESENTANTE: REPRO MATERIAIS E EQUIPAMENTOS DE XEROGRAFIA LTDA. E OUTRAS

REPRESENTADA: XEROX DO BRASIL LTDA.

DECISÃO

À unanimidade, o Conselho decidiu pela procedência da Representação, por fato capitulado no art. 2º, I, "g", da Lei nº 4137/62 de 10 de setembro de 1962 e no art. 3º, incisos II, VIII e XVI da Lei nº 8158/91 de 08 de janeiro de 1991, condenada a Representada ao Pagamento da multa no valor de Cr$ 25.000.000.000.,00 (vinte e cenco bilhões de cruzeiros), a ser efetuado no prazo máximo de 10 (dez) dias. Foram ainda determinadas providências a serem tomadas pela Representada, nos termos do voto do Relator. Nada mais havendo a tratar, o Presidente deu por encerrada a Sessão.

Plenário do CADE, 31 de março de 1993.

RUY COUTINHO DO NASCIMENTO - Presidente

MARCELO MONTEIRO SOARES - Conselheiro Relator

CARLOS EDUARDO VIEIRA DE CARVALHO - Conselheiro

NEIDE TERESINHA MALARD - Conselheira

JOSÉ MATIAS PEREIRA - Conselheiro

Fui presente:

PAULO GUSTAVO GONET BRANCO - Procurador

RELATÓRIO DO PROCURADOR

Ementa:Xerox. Venda casada e criação ilegítima de dificuldade a concorrente. Fornecimento de ´toners´ e reveladores.

Este feito resulta da fusão de sindicâncias, que tiveram curso no antigo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, a partir de denúncias de empresas contra comportamento da Xerox do Brasil S/A. Em 8.11.91, a Secretaria de Direito Econômico notificou a empresa representada para apresentar a sua defesa, dando início ao processo.

Há notícia nos autos de que, desde 1989, a representada vinha pressionando os locatários de suas máquinas de reprodução por fotocópia a somente adquirirem materiais de consumo, como toner, revelador e cilindros, que tivessem a marca Xerox. Uma das representantes, a Recomex, apresentou correspondência da Xerox para locatários seus:

"A utilização de produtos de consumo que não sejam fabricados ou devidamente aprovados pela Xerox pode vir a causar inferior qualidade de cópias e excesso de chamadas para a Assistência Técnica(...). A Xerox poderá passar a não responder pelo desempenho ideal desses equipamentos, podendo até suspender, a seu critério, a Assistência Técnica gratuita que fornece a eles".

Do contrato-padrão de assistência técnica, lê-se que é obrigação do cliente:

"6.2 - Somente promover a aquisição de materiais de consumo especificados pela Xerox, obedecendo os padrões de qualidade por ela indicados".

Um de seus locatários, a Sanbra - Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro S.A., enviou telex à Xerox com os seguintes dizeres:

"Em 20.05.91, esteve em nossa fábrica seu técnico para instalar um cilindro máquina 1045, adquirido no mercado paralelo, porém o mesmo recusou atender tal solicitação, alegando tratar-se de produto não adquirido de V. Sas.. Necessitamos comprovação por escrito, justificando o não atendimento de tal solicitação".

Na resposta, de 25.05.91, a Xerox encarece a excelência do seu material de consumo e diz:

"Não há, até este momento, no Brasil, material de consumo para equipamentos da marca Xerox, que não aqueles fabricados por ela própria, que tenham sido devidamente testados e comprovados como adequados".

DISCUSSÃO

A Xerox, quando loca suas máquinas, cede o seu uso. A aquisição do material necessário para a produção de cópias é encargo do locatário. A ele incumbe obter o material de consumo que lhe convenha. A sua escolha não pode ser tolhida de modo injustificado. Se o material eleito se provar danoso ao equipamento, quanto este retornar à proprietária, o assunto será resolvido de acordo com as regras normais de responsabilidade civil. O que não é razoável é que a proprietária da fotocopiadora possa determinar que apenas os produtos por ela autorizados ou que ela fabrica possam ser empregados nas máquinas que aluga. Quando muito, seria dado à locadora impugnar o uso de materiais de consumo, bem especificados, que comprovadamente sejam nocivos ao aparelho. É abusivo, porém, tolher, de modo apriorístico, o uso de materiais de consumo que não sejam demonstradamente perniciosos. O fato de a locadora, como ela própria afirma em cláusula contratual, primar "pela excelência de seus materiais de consumo utilizados em equipamentos que levam a sua marca" e de "tais materiais serem devidamente fabricados, testados, aprovados e submetidos a exigentes controles de qualidade" não é embaraço legítimo a que se usem na copiadoras outros materiais de consumo, a critério do locatário.

A essa conclusão de inegável bom senso chegaram o SNPDE - Departamento Nacional de Proteção e Defesa Econômica - e o então Secretário Nacional de Direito Econômico.

Observo que não há demonstração de dano causado à máquina locada por uso de material de consumo de procedência distinta da Xerox.

Não me parece razoável que o emprego de material de consumo fabricado por concorrente e que talvez esteja a exigir uma regulagem diferente da máquina - conforme cogitado nos autos -, justifique a recusa pura e simples de realizar serviços técnicos. Muito menos se justifica a existência de cláusula contratual que enseje semelhante interpretação.

A cláusula impugnada no processo é apta para embaraçar, de modo ilegítimo, o desenvolvimento de outras empresas que fabricam ou importam produtos de consumo para fotocopiadoras. Cria receio no usuário de vir a perder a assistência técnica, se não usar material de consumo da Xerox. Não é dado à representada se valer dessa espécie de cláusula de conteúdo assaz genérico e intimidativo da concorrência. A cláusula conduz o locatário da fotocopiadora a adquirir produto de consumo da mesma marca do aparelho, trazendo à baila a figura da venda casada.

"A concorrência baseada no valor real do produto vinculado é inevitavelmente restringida. Os acordos de vinculação de vendas não têm praticamente outra finalidade senão a supressão da concorrência. Tais acordos negam aos concorrentes do vendedor livre acesso ao mercado para o produto vinculado". (trecho de sentença proferida pelo Juiz Black da Suprema Corte, no caso Northern Pacific Railway Co. vs. United States, 1958).

Entendo que a cláusula, no que dispõe, sem maiores detalhes, sobre a possibilidade de a Xerox deixar de prestar serviços técnicos pelo não uso de seu material de consumo é ilegítima e inibidora da concorrência.

Acredito que a Xerox possa até mesmo indicar certos produtos como danosos ao seu equipamento, arcando com o ônus de demonstrar a sua inadequação técnica. Não pode, porém, de modo direto ou indireto, criar empecilho ao emprego de materiais de consumo fabricados por concorrentes, sem prova técnica séria da sua impropriedade.

CONCLUSÃO

A cláusula contratual que induz ao consumo de produtos da marca Xerox não se coaduna com as regras de livre concorrência e de livre escolha dos consumidores. Ela é apta para criar "dificuldades à constituição ou ao funcionamento de empresa" concorrente (art. 2º, I, "g", da Lei nº 4137/62 e art. 3º, XVI, da Lei nº 8158/91), bem assim induz à venda casada, que o legislador de 1991 repudiou no inciso VIII do art. 3º da Lei nº 8158/91.

Pela procedência da representação.

Brasília, 3 de fevereiro de 1993.

Paulo Gustavo Gonet Branco

VOTO DO CONSELHEIRO RELATOR

A XEROX detém posição dominante nos mercados de locação e prestação de serviço de assistência técnica, com uma participação de 91% , bem como no mercado de material de consumo para equipamentos de fotocopiadoras, com a participação de 74% a 100% [para a caracterização de posição dominante recorre-se a determinados aspectos objetivos, como por exemplo, a participação percentual da empresa no mercado relevante e as diferenças de preços entre as empresas supostamente concorrentes, observando, ainda, que não está exposto a uma concorrência substancial quem não leva em conta seus competidores quando toma suas decisões. - OTAMENDI J. - Pressupostos Básicos para la Aplicación de la Lei de Defesa de la Competência].

Em razão da interdependência e complementaridade desses mercados, o funcionamento das máquinas fotocopiadoras depende da utilização do material de consumo - a posição dominante do agente econômico nos mercados de locação e assistência técnica tem reflexos imediatos no mercado de material de consumo.

No caso dos autos, a XEROX impõe a clientes seus uma cláusula-padrão em contrato de prestação de serviços de assistência técnica que os inibe de suprirem-se de material de consumo fabricado por terceiros. Não há qualquer dúvida de que essa conduta inibe a concorrência e cria dificuldades ao funcionamento e ao desenvolvimento de empresas, mantendo a XEROX o domínio de mercado.

E nem se argumente que se estaria questionando, indevidamente, a posição dominante da XEROX, obtida de forma legal, por ter sido precursora de tecnologia que, só muito tempo depois, foi difundida entre outras empresas. Não é o poder econômico da Representada que se questiona aqui e nem sua posição dominante, mas a forma abusiva com que o exerce.

Detendo o poder de monopólio sobre a prestação de serviços de assistência técnica, até porque tem, ainda, a posição dominante no mercado de locação de máquinas, a XEROX, ao criar embaraços para a utilização de produtos de consumo de outros fabricantes ou fornecedores, vinculando ao contrato de manutenção das máquinas o fornecimento de seus próprios produtos, pratica a conduta prevista no inciso VIII do art. 3º da Lei nº 8158/91, prejudica a concorrência, com o objetivo de dominar o mercado daqueles bens. Cria, ainda, com essa conduta, toda sorte de dificuldades para o funcionamento das empresas integrantes daquele mercado, bem como o acesso a ele de novos agentes econômicos.

Não pode a XEROX erguer barreiras artificiais para eliminar do mercado suas concorrentes, criando dificuldades para a utilização dos produtos por elas fabricados ou fornecidos, sem qualquer prova técnica. Não se lhe nega, contudo, o direito de impugnar os produtos comprovadamente danosos a seus equipamentos.

Por assim entender e acolhendo em todos os seus termos o parecer do douto Procurador do CADE, o meu VOTO é pela procedência da representação, uma vez que ficou comprovada nestes autos a prática abusiva acima mencionada.

Na fixação do valor da multa cabe valer em consideração:

a) a gravidade do procedimento da Representada ao deliberamento de incluir cláusula restritiva da concorrência em seus contratos de locação até novembro de 1991;

b) que nos autos não ficou evidenciada a sustação de tal prática, visto que nos contratos de assistência técnica persiste a cláusula restritiva da concorrência;

c) os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado, no qual a Representada possui 90.000 clientes e cerca de 180.000 máquinas copiadoras instaladas;

d) a potencialidade de danos ao mercado e os prejuízos ocasionados aos concorrentes, por conta do comportamento da Representada, em razão da devolução do material de consumo efetuado por seus clientes, quando pressionados; e

e) as ilegítimas vantagens comerciais auferidas pela Representada ao longo dos anos ao se utilizar do exercício de tal prática.

Isto posto, considerando que a conduta da Representada configura prática de abuso do poder econômico prevista na alínea "g"do inciso I do art. 2º da Lei nº 4137/62, bem como no incisos II, VIII e XVI conseqüência do art. 3º da Lei nº 8158/91, voto pela procedência da Representação, e, com base no art. 43 da Lei nº 4137, com a redação dada pelo art. 4º da Lei nº 8035/90; no art. 15 do Decreto nº 36/91 e na Resolução nº 2/92 deste Conselho, pela condenação da XEROX DO BRASIL LTDA. ao pagamento de multa no valor de Cr$ 25.000.000.000,00 (vinte e cinco bilhões de cruzeiros), importância que deverá ser recolhida ao Tesouro Nacional, no prazo de 10 (dez) dias a contar da publicação da decisão no Diário Oficial da União.

Com fundamento nos artigos 43 e 44 da Lei nº 4137/62, a Representada deverá, também dar cumprimento às seguintes determinações:

1) excluir de seus contratos de assistência técnica cláusula que obriga os seus clientes a somente adquirirem materiais de consumo por ela especificados;

2) proceder, no prazo de 90 (noventa) dias, em todos os contratos, à alteração da cláusula que trata do uso de material de consumo em equipamentos de marca XEROX, fazendo constar que notificará seus clientes sobre a cobrança de custos adicionais, todas as vezes que o material de terceiros causar problemas aos serviços ou danos ao equipamento. A notificação deverá ser acompanhada do competente laudo técnico, demonstrando ter sido o produto de outros fornecedores responsável pelos problemas ou danos indicados;

3) submeter à aprovação deste Conselho, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da publicação da decisão, proposta de alteração dos contratos de locação, de locação com opção de compra e de assistência técnica, obedecida a legislação da concorrência;

4) abster-se de quaisquer comentários sobre a qualidade do material de consumo de seus concorrentes, devendo orientar seus empregados no mesmo sentido, bem como quanto ao fato de poder ser necessário ajustar a máquina para acomodar o seu próprio material de consumo ou de terceiros.

Marcelo Monteiro Soares

VOTO DA CONSELHEIRA NEIDE TERESINHA MALARD

É notório e, ainda que não fosse, demonstrado ficou nos autos o poder dominante exercido pela Representada nos mercados relevantes de prestação de serviços de assistência técnica e de material de consumo para máquinas fotocopiadoras. Este poder, em razão de sua aptidão para impor preços ou restringir a concorrência, é objeto do direito concorrencial, que o regulamenta para prevenir anomalias no mercado ou o reprime, quando exercido de forma abusiva.

Na espécie, está configurado o abuso do poder econômico na conduta praticada pela XEROX, consubstanciada em cláusulas contratuais que objetivam, claramente, o domínio de mercado e o prejuízo à concorrência.

Ao restringir o direito de sua clientela de adquirir material de consumo de outros fabricantes para serem utilizados na prestação de assistência técnica, que por contrato se obrigou, está a XEROX a subordinar aqueles serviços à compra de seus produtos, prática conhecida como "venda casada", reprimida expressamente no art. 3º, inciso VIII, da Lei nº 8158/91.

Utilizando seu poder dominante de forma abusiva, outro não poderia ser o resultado dessa conduta que não dificuldades ao funcionamento das empresas que atuam naqueles mercados relevantes, na parcela ínfima que lhes sobrou, além de inevitáveis barreiras à entrada de novos agentes econômicos nos mesmos mercados, prática que se enquadra com precisão no art. 2º, inciso I, alínea g, da Lei nº 4137/62.

A Representada jamais conseguiu comprovar a alegada má qualidade dos produtos fornecidos por seus concorrentes, ônus que, sem dúvida lhe cabia. Se de um lado, é de se admitir a legitimidade do enaltecimento que faz de seus próprios produtos, técnica de "marketing"amplamente adotada, de outro, não se lhe poder reconhecer o direito de atacar os produtos de concorrente para acobertar prática restritiva da liberdade de mercado.

Conforme já bem frisado pelo ilustre Conselheiro Relator, esse mercado foi obtido legalmente pela Representada à custa de altos investimentos em tecnologia e em virtude da competência com que soube desenvolver seus negócios. Estes, no entanto, devem ser os mesmos critérios que a XEROX terá de adotar se quiser manter seu poder de mercado. Há de desenvolver suas atividades de conformidade com as leis de defesa da concorrência, que jamais deixaram de prestigiar a competência das empresas e nunca reprimiram sua grandiosidade.

Por essas razões, acompanho o voto do Relator, dando como procedente a Representação.

É meu voto.

Neide Teresinha Malard

VOTO DO CONSELHEIRO JOSÉ MATIAS PEREIRA

Está evidente que a Representada operou de forma abusiva ao se aproveitar da necessidade que tinham os seus clientes do serviço de assistência técnica, para lhes impor a aquisição do material de consumo para as máquinas copiadoras. Os atos, práticas e condutas, adotados pela Representada, impediram que seus clientes pudessem eleger livremente seus fornecedores, adquirindo material de consumo de outras empresas, não permitindo que houvesse concorrência efetiva no mercado de bens de consumo. Por meio de prática abusiva, dificultou também a instalação de novos concorrentes no mercado, além de ameaçar a sobrevivência das médias e pequenas empresas regionais que procuram disputar parcela do mercado de toner, fotoreceptor e revelador.

Estou de acordo com o ilustre Conselheiro-Relator, quando afirma que a conduta da Xerox representa, sem dúvida, a antítese da livre concorrência, e caracteriza a infringência às leis de combate ao abuso do poder econômico e de defesa da concorrência e deve ser veementemente repelida. Flagrante, pois, e indiscutível é o fato de que a Representada se utilizou de meios ardilosos para fraudar a livre disponibilidade de fornecedores no mercado, bem como restringiu a liberdade de escolha dos clientes mediante pressão ou coação com o objetivo de promover a dominação de mercado.

Por assim entender e acompanhando em todos os seus termos o Voto do ilustre Conselheiro-Relator, o meu Voto é pela procedência da representação, com a condenação da Representada ao pagamento de multa no valor de Cr$ 25.000.000.000,00 (vinte e cinco bilhões de cruzeiros), além do cumprimento das determinações mencionadas na parte final do mencionado Voto.

José Matias Pereira

VOTO DO CONSELHEIRO CARLOS EDUARDO VIEIRA DE CARVALHO

Acompanho o ilustre Relator em seu bem fundamentado voto.

A prática [de compelir seus clientes à aquisição de materiais de consumo de sua própria fabricação] realizada pela Representada, com poder dominante no mercado, está comprovada nos autos, configurando a chamada "venda casada", e, como tal, capitulada no artigo 3º, inciso VIII, da Lei nº 8158/91.

A prática [inibidora de concorrência] infringe, assim, também, os incisos II e XVI do art. 3º da Lei 8158 citada, bem como o art. 2º, inciso I, alínea g, da Lei nº 4137/62.

Por tais razões e, concordando plenamente com o brilhante parecer de autoria do Procurador do CADE, o eminente Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco, VOTO pela procedência da Representação e conseqüente aplicação da multa, tal como fixada e motivada pelo ilustre Conselheiro-Relator, observadas, ainda, as determinações que integram a declaração de voto de S. Exa., eis que os autos não revelam a cessação da prática abusiva.

Brasília, 31 de março de 1993.

Carlos Eduardo Vieira de Carvalho


PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 53/92 (41)

REPRESENTANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE

REPRESENTADA: ASSOCIAÇÃO DOS HOSPITAIS DO ESTADO DE SERGIPE - AHES

DECISÃO

À unanimidade, o Conselho decidiu pela procedência da Representação, por fato capitulado no artigo 3º, inciso XV, da Lei nº 8158/91 de 08 de janeiro de 1991, condenada a Representada ao Pagamento da multa, no valor de Cr$ 7.000.000.000,00 (sete bilhões de cruzeiros) [US$ 128.828,03 - cento e vinte e oito mil oitocentos e vinte e oito dólares e três centavos], a ser efetuado no prazo mínimo de 10 (dez) dias contados da publicação desta decisão. Foram ainda determinadas providências a serem tomadas pela Representada, recomendando-se também que a Secretaria de Direito Econômico propusesse aos prestadores de serviços de assistência médico-hospitalar do Estado de Sergipe, associados à Representada, as medidas necessárias para corrigir anomalias relativas aos mecanismos de formação de preços que estejam ocorrendo naquele mercado.

Plenário do CADE, 30 de junho de 1993

RUY COUTINHO DO NASCIMENTO - Presidente

CARLOS EDUARDO VIEIRA DE CARVALHO - Conselheiro Relator

NEIDE TERESINHA MALARD - Conselheira

MARCELO MONTEIRO SOARES - Conselheiro

JOSÉ MATIAS PEREIRA - Conselheiro

Fui presente:

CARLA LOBÃO BARROSO DE SOUZA - Procuradora "ad hoc"

PARECER DO PROCURADOR

Ementa: tabela de preços de serviços e produtos. Hospitais. Indução à fixação de preços danosa à livre concorrência. Ilegitimidade per se.

Em 10 de abril de 1992, o Ministério Público do Estado de Sergipe representou à Secretaria de Direito Econômico, dando conta de que os preços dos hospitais de Sergipe são uniformemente fixados pela Associação dos Hospitais daquele estado, sem se considerar o porte e o padrão de qualidade dos estabelecimentos.

Conclui que a prática encontra capitulação no art. 3º, I, IV, XV e XVII, da Lei nº 8158/91.

A defesa prévia fala em legitimidade do Ministério Público sergipano para provocar a instauração deste processo.

Afirma que a Associação orienta os associados, sem nada impor, e que as tabelas são negociadas com as entidades conveniadas. Reitera que "o hospital está livre para cobrar os preços que lhe convierem. Apenas não deve cobrar acima dos previstos".

No caso da tabelação dos materiais utilizados, expressa que "frise-se que tais preços são apenas referenciais que podem ser elevados ou diminuídos pelos filiados. Não são imperativos e impeditivos da concorrência".

A defesa final reafirma o caráter meramente sugestivo das tabelas. Busca explicar a contradição acima anotada desta forma:

"Teleologicamente consideradas, as afirmações tem um desiderato único. Afirmam a existência de um acordo de cavalheiros que não devem cobrar preços acima dos previstos. Mas não significa que não possam fazê-lo, pois há liberdade plena para os que assim queiram se conduzir".

O processo foi enviado ao CADE, entendendo-se configurado o ilícito econômico descrito no art. 3º, caput, e XV, da Lei nº 8158/91.

PRELIMINAR

A preliminar que a defesa prévia suscita de ilegitimidade do Ministério Público de Sergipe não procede. O Ministério Público estadual não é parte neste feito administrativo; apenas leva ao conhecimento da SDE fato, a seu ver, capitulável na legislação repressora do abuso do poder econômico. Quem atua no processo é a SDE, conforme, aliás, lê-se do art. 4º da Lei 8158/91. Irrelevante, portanto, nesta sede, saber se a il. Promotora de Justiça que enviou expediente a este Ministério atuou dentro da sua competência funcional.

A ESPÉCIE

O dispositivo em que a defendente se viu enquadrada pelo Relatório Final da SDE se refere a obter ou influenciar a uniformidade ou concerto de condutas, economicamente relevantes, de concorrentes.

A elaboração de tabela com o transparente objetivo de estabelecer preços preenche os supostos de condenação. O comportamento dispõe-se a perturbar a livre concorrência entre os hospitais, não sendo irrelevante ter presente que constitui fator de desestímulo à melhoria dos serviços de saúde.

A elaboração da tabela pela AHES - ainda que se conceda à defesa que os preços não eram obrigatórios - permite ver o designo de influir sobre a conduta dos hospitais, no tocante a quantias a serem cobradas, com potencial decisivo para gerar condutas uniformes quanto à fixação inicial e a reajustes posteriores de valores.

A só leitura dos serviços e produtos tabelados, de modo geral e abrangente, a desprezar peculiaridades próprias de cada nosocômio, reforça a convicção de que a conduta assumida atrai a censura legal.

O parecer sugere, assim, a procedência da representação, dando-se por incursa a representada no caput e no inciso XV do art. 3º da Lei nº 8158/91.

Brasília, 11 de fevereiro de 1993.

Paulo Gustavo Gonet Branco

Procurador

VOTO DO CONSELHEIRO RELATOR

Ementa: defesa da concorrência. Lei nº 8158/91. Tabela de preços de bens e serviços. Prática que influencia a adoção de conduta uniforme entre concorrentes, interferindo na formação dos preços, em prejuízo à livre concorrência. Objetivo anticoncorrencial da conduta, manifestado pela influência exercida pela Representada sobre seus associados. Procedência da representação, determinando-se a cessação da prática.

Ao contratarem com as entidades prestadoras de serviços [hospitais, casas de saúde, clínicas e congêneres que prestam serviços médico-hospitalares], as contratantes [órgãos e entidades públicas ou privadas que contratam os serviços de assistência médico-hospitalar, representados pelo CIEFAS - Comitê de Integração de Entidades Fechadas de Assistência e Saúde] não negociam as condições nem os preços de seus contratos, eis que já foram previamente estabelecidos e definidos pela Representada, juntamente com o CIEFAS ou IPES - Instituto de Previdência do Estado de Sergipe -, em tabelas.

Trata-se, sem dúvida, de ação coordenada cujo objetivo é impor um determinado preço ao mercado, eliminando-se qualquer possibilidade de concorrência entre as prestadoras de serviços.

Improcede o argumento da Representada de que a existência de mais de uma tabela tiraria o caráter impositivo e, portanto, anticoncorrencial da conduta. Na verdade, apesar da existência de mais de uma tabela, conforme admitido pela própria Representada [segundo a qual haveria cinco tabelas diversas, elaboradas pela Federação Brasileira de Hospitais, pelo Convênio com a PATRONAL, pelo Convênio com o IPES, aquela resultante de negociação com o CIEFAS e aquela de preços cobrados a particulares], aquela que fixa os maiores valores, propiciando aos hospitais maiores vantagens, é a que serve de referencial para as demais.

Alega, ainda, a Representada que seus associados não estão obrigados a cobrar estritamente os valores das tabelas, sendo livres para praticar os preços que lhes convierem. A Representada, no entanto, se contradiz ao afirmar que as entidades prestadoras de serviços apenas não devem cobrar os preços acima dos previstos e ao admitir a existência de um acordo de cavalheiros neste sentido.

Ademais, pouco importa se a tabela é facultativa ou obrigatória, ou que os preços nela fixados sejam máximos, médios ou mínimos. Preços mínimos podem ser utilizados com o objetivo de desencorajar o ingresso no mercado de novos concorrentes, enquanto que preços máximos podem acabar se tornando mínimos, tendência normalmente decorrente da adoção de preços uniformes, conforme observado em decisão da Suprema Corte Americana no caso U.S. V. Treton Potteries Co..

A relevância da tabela para a defesa da concorrência está em que a fixação de preços exerce sobre as estruturas competitivas efeitos anticoncorrenciais, vez que impede que os preços sejam determinados pelas regras de mercado, um dos principais objetivos da concorrência. O aspecto crítico da tabela de preços é que ela confere àqueles que a elaboram a capacidade de controlar os preços do mercado, podendo, em conseqüência, fixá-los acima dos níveis de concorrência. Quando o preço é formado em regime de concorrência, o agente econômico não consegue influir nos preços de mercado, de forma que, para manter ou elevar seus lucros, é estimulado a aumentar a eficiência na prestação de seus serviços, e a buscar, permanentemente, a redução de seus custos.

A adoção de ação coordenada entre concorrentes para a fixação dos preços de bens ou serviços produzem afronta às leis de mercado, constituindo conduta anticoncorrencial que deve ser de pronto reprimida.

Na fixação de preços de materiais e medicamentos, a Representada adota os preços de tabela dos fabricantes, vigentes à data da alta do paciente, acrescidos de um percentual de 35%, margem de lucro atribuída ao vendedor final daqueles produtos, ou seja, farmácias e drogarias.

Ora, o preço unitário do medicamento depende de uma série de variáveis, tais como a quantidade adquirida, a forma de pagamento, o volume de estoque, sugerindo que, para cada hospital, exista um custo diferenciado, não se podendo, pois, estabelecer margens e preços idênticos. Trata-se, sem dúvida, de mais um ônus arbitrado sem qualquer critério concorrencial, a ser arcado pela contratante ou usuário dos serviços.

Preços tabelados tampouco beneficiam as entidades contratantes dos serviços, na medida em que estas não conseguem negociar, individualmente, preços, prazos e condições de pagamento, até porque não possuem acesso direto aos prestadores de serviços, para tratar desta questão.

No tocante à qualidade dos serviços no sistema de tabelas, "desestimula-se a diversificação de produtos e serviços, bem como o avanço na sua qualidade, na medida em que é neutralizado o estímulo da remuneração mais adequada por um serviço melhor" [entendimento do Procurador do CADE, Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco].

Quanto a possíveis benefícios a concorrentes, vale mencionar que a ação coordenada dos hospitais no mercado de Sergipe traz, de imediato, vantagens para os seus participantes. A fixação de preços induz, todavia, a outros comportamentos concertados, por parte dos concorrentes, tendendo estes a agirem de forma solidária em situações diversas, permanecendo na cômoda situação de não concorrerem entre si, sem buscar eficiência técnica e econômica. Reside, exatamente aí, o maior mal para as empresas concorrentes e para o mercado como um todo.

De se concluir, pois, que as tabelas foram elaboradas apenas para beneficiar os hospitais afiliados à Representada. Aliás, é a própria Associação que declara que as tabelas se destinam a servir de referencial e instrumento orientador para seus associados, de sorte a evitar-lhes prejuízos.

Improcede o argumento da Representada de que se inverteu o ônus da prova, impondo-se-lhe a obrigação de comprovar que não praticara a infração. Ocorre que, em matéria de concorrência, a própria existência de tabelas de preços constitui prova suficiente de ação coordenada e, para quem a organiza ou elabora, caracteriza conduta anticoncorrencial, que tem por objetivo o domínio de mercado e o prejuízo à concorrência, mediante intervenção indevida no processo de formação de preços, conduta esta que se imputa à Associação.

Não era o caso, pois, de comprovar materialmente a conduta investigada, até porque admitida pela própria AHES, cumprindo à Representada, em seus esclarecimentos ou na sua defesa, afastar a ilicitude de sua prática, demonstrando que não objetivava, através de conduta uniforme por ela influenciada, qualquer prejuízo à concorrência. Nisto não logrou êxito a Representada nas diversas ocasiões em que se manifestou nestes autos.

Estando configurada e devidamente comprovada a conduta anticoncorrencial capitulado no art. 3º, inciso XV da Lei nº 8158/91, julgo procedente a representação e, com base no art. 43 da Lei nº 4137/62, com a redação dada pelo art. 4º da Lei nº 8035/90 e na Resolução CADE nº 02/92, condeno a Associação dos Hospitais do Estado de Sergipe a pagar multa no valor de Cr$ 7.000.000.000,00 (sete bilhões de cruzeiros), no prazo máximo de dez dias contados da publicação desta decisão no Diário Oficial da União.

Na fixação da multa, cujo valor se acomoda entre os limites estabelecidos nos dispositivos citados, levo em conta a natureza dos serviços objeto das tabelas de preços, os quais dizem respeito diretamente à saúde da população; considero, ainda, o amplo âmbito de atuação da Representada no Estado de Sergipe, no mercado relevante de serviços médico-hospitalares da rede privada. Não deixo de levar em conta, todavia, como atenuante, a inexistência de prova, nos autos, de que o descumprimento das tabelas implicasse sanção para os associados da Representada.

Outrossim, determino, nos termos dos arts. 43 e 44 da Lei nº 4137/62, a imediata cessação da prática abusiva, pelo que deverá a representada abster-se, a partir da publicação desta decisão, de elaborar tabelas de preços e promover os reajustes das já existentes, bem assim, no prazo de quinze dias contados da publicação da decisão, comunicá-la a seus associados. Comunicará, ainda, a seus afiliados, que os novos preços deverão ser negociados direta e individualmente entre as prestadoras de serviço médico-hospitalares, seus associados e as entidades contratantes ou usuários finais, levando-se em conta todos os elementos que compõem os custos dos serviços respectivos, bem como prazos e demais condições de pagamento, tudo em observância às regras da concorrência.

Deverá, também, a Representada, no prazo de trinta dias contados da publicação desta decisão, demonstrar ao CADE que cumpriu as determinações deste Conselho.

Fica, também, notificada a Representada para, no prazo de dez dias contados da publicação deste julgado, manifestar, nos termos do art. 45 da Lei nº 4137/62, sua disposição de realizar as providências determinadas por este Conselho.

Deverá a SDE, conforme disposto no art. 1º da Lei nº 8158/91, propor aos prestadores de serviços de assistência médico-hospitalar no Estado de Sergipe, associados à Representada, as necessária medidas para corrigir as anomalias relativas aos mecanismos de formação de preços que estejam ocorrendo naquele mercado, de sorte a compatibilizar o comportamento daqueles estabelecimentos com os termos desta decisão.

Dê-se ciência desta decisão ao egrégio Ministério Público do Estado de Sergipe.

É o meu voto.

CARLOS EDUARDO VIEIRA DE CARVALHO

VOTO DO CONSELHEIRO JOSÉ MATIAS PEREIRA

A questão que se coloca de plano no caso em julgamento e exposta de forma brilhante pelo Conselheiro-Relator no seu Voto, com o qual estou de pleno acordo, é a atuação da AHES como intermediária de seus afiliados, na discussão, negociação e fixação de condições, preços e reajustes a serem por eles adotados, incluindo a fixação de preços de diárias hospitalares, exames, materiais, taxas para uso de equipamentos especiais e outros serviços. Não se nega à Representada o direito de manter seus associados informados ou de prestar serviços de interesse de seus afiliados. Não pode, porém, estabelecer, em detrimento do mercado, valores a serem cobrados por seus associados pelos serviços que prestam.

Concordo ainda com a posição do ilustre Conselheiro-Relator ao levantar a indagação se a conduta da Representada, ao elaborar essas tabelas e influenciar o comportamento de seus associados, seria, de alguma forma, justificável por motivos razoáveis, compatíveis com o valor supremo tutelado pelas leis de repressão ao abuso do poder econômico, qual seja, a manutenção da livre concorrência. Está claro nos autos que não. Os preços tabelados não correspondem aos custos reais de cada hospital, individualmente considerados. Por outro lado, o usuário, quando tabelados os preços, não pagará em função da qualidade do serviço prestado nos diversos hospitais existentes no mercado. Isto porque o preço preestabelecido não leva esse fator em consideração, partindo, ao contrário, do princípio de que todos os estabelecimentos que prestam certo serviço, o fazem de maneira igual. Afastam-se, com isto, os benefícios econômicos que se espera da concorrência, que é traduzida pela oferta de serviços de melhor qualidade e menor preço.

A ação coordenada dos hospitais no mercado do Estado de Sergipe traz, sem dúvidas, de imediato, vantagens para os seus participantes, que deixam de concorrer entre si, neutralizando o estímulo da competitividade, com evidente prejuízo para o usuário. Claro está que as tabelas foram elaboradas apenas para beneficiar os hospitais afiliados à Representada.

Estou convencido, portanto, que está configurada e devidamente comprovada a conduta anticoncorrencial capitulada no art. 3º, inciso XV da Lei nº 8158/91.

Por assim entender e acompanhando em todos os seus termos o voto do ilustre Conselheiro-Relator, o meu Voto é pela procedência da representação, com a condenação da Representada ao pagamento de multa no valor de Cr$ 7.000.000.000,00 (sete bilhões de cruzeiros), além do cumprimento das determinações mencionadas na parte final do referido Voto.

VOTO DO CONSELHEIRO MARCELO MONTEIRO SOARES

A fixação de preços uniformes frusta as empresas mais eficientes, visto desestimular a melhoria da produtividade, a redução de custos, a incorporação de novas tecnologias e modernos métodos de gestão, na medida em que neutraliza os estímulos à prestação de serviços de melhor qualidade.

Cabe observar, também, que existem fortes indícios de que a Associação, ao coordenar a elaboração das tabelas, desempenhou, na prática, o papel de coordenador de acordos coalizantes, dando-lhes a estabilidade indispensável ao seu funcionamento. Lastimo que esses indícios de uma prática concertada não tenham sido apercebidos da apuração dos fatos pelo Departamento de Proteção e Defesa Econômica.

Ao finalizar e, diante da comprovação dos fatos contidos no feito, manifesto-me de pleno acordo com todos os termos constantes do VOTO do ilustre Conselheiro-Relator.

VOTO DA CONSELHEIRA NEIDE TERESINHA MALARD

Na espécie, tem-se a Associação que discute com os representantes dos contratantes de serviços preços uniformes. Não são, porém, as contratantes dos serviços os usuários finais da assistência médica que sofrem as conseqüências desse comportamento iníquo, e sim o associado que vê descontado em seu contra-cheque no final do mês a parcela que lhe cabe pela utilização dos serviços médico-hospitalares contratados por seu patrão ou pela entidade de classe que, supostamente, deveria também defender seus interesses. É este usuário que, na condição de consumidor, está impedido de exercer sua escolha racional, pois, aonde quer que se dirija, encontrará a malsinada tabela representando preços pretensamente justos e compatíveis com a qualidade do atendimento.

Qualquer ato, conduta individual ou concertada que iniba a formação de preços de conformidade com as forças do mercado não pode ter outro objetivo que não o de prejudicar a concorrência.

Não deixa de ser mais cômodo para a Associação e seus afiliados não concorrerem. O mercado se mantém como está, os serviços não requerem aprimoramento e o consumidor se serve do que lhe é oferecido e nas condições que lhe são impostas.

Ademais, tratando-se de uma Associação que detém considerável poder no mercado relevante, a ação por ela coordenada visa, certamente, a criar uma situação monopolística, consubstanciada no poder de fixar os preços, traduzindo, assim, seu objetivos de dominar o mercado onde atua juntamente com suas afiliadas.

Por essas razões, considero irrepreensíveis a fundamentação e a conclusão do voto do ilustre Relator, que acompanho.

Neide Teresinha Malard

PARECER DO PROCURADOR-SUBSTITUTO

EMENTA: decisão do CADE que condena empresa ao pagamento de multa e impôs obrigações. Processo que assegurou o contraditório e a ampla defesa. Recurso interposto ao Ministério da Justiça com base na lei nº 8158/91. Revogação. Vigência imediata da Lei nº 8884/94. Extinção da competência ministerial para apreciar recursos em processo administrativo de defesa da concorrência. Irrecorribilidade das decisões do CADE, no âmbito do Poder Executivo. Argumentos recursais já analisados no processo. Não conhecimento do recurso voluntário, porque incabível na espécie.

Distribuído, por prevenção, ao Conselheiro Carlos Eduardo Vieira de Carvalho, Relator do Processo Administrativo nº 53/93, vem a exame desta Procuradoria o recurso interposto pela Associação dos Hospitais do Estado de Sergipe - HOSPITASE - ao Ministro da Justiça da decisão deste Colegiado que, julgada procedente a representação, por fato capitulado no art. 3º, inciso XV, da Lei nº 8158/91, condenou-a ao pagamento da multa de Cr$ 7.000.000.000,00 (sete bilhões de cruzeiros), a ser efetuado no prazo máximo de 10 (dez) dias. Por ocasião do julgamento, determinou ainda o Conselho à representada: a) a imediata cessação da prática abusiva, abstendo-se de elaborar tabelas de preços e promover os reajustes das já existentes; b) comunicar a decisão, no prazo de 15 dias, contados de sua publicação, a seus associados; c) comunicar também a seus afiliados que os novos preços deverão ser negociados direta e individualmente entre prestadores de serviços médico-hospitalares, seus associados e as entidades contratantes ou usuários finais; e d) demonstrar ao CADE, no prazo de trinta dias contados da publicação da decisão, que cumpriu as providências determinadas.

Alega a recorrente que sua conduta é atípica, porque em países com depreciação crônica da moeda, como o Brasil, ou se utiliza mecanismos de correção ou se patenteia um desequilíbrio nas obrigações assumidas. "Os compradores de planos de saúde têm suas prestações reajustadas mensalmente, sabe-se lá por que critérios. É natural que os hospitais, laboratórios e médicos também reajustem os preços de seus serviços". Assim não seria conduta punível a suspensão de atendimento a beneficiários de determinado plano de saúde, por divergência de preços. O fato de os valores da Associação serem superiores aos da empresa (de saúde privada) é, em seu entender, caso típico de negociação, ou, fracassada esta, de rompimento de contrato.

Relativamente à fixação, mediante tabelas, de preços uniformes para todos os hospitais do Estado, bem assim a imposição de preços em níveis superiores aos índices inflacionários, todas prejudiciais à concorrência, diz a recorrente que são também condutas atípicas. A Associação questiona o conceito de mercado, utilizado no processo, porquanto, no caso, há uma pluralidade de hospitais e cada um tem total liberdade de iniciativa econômica. A recorrente diz que adere a três tabelas: a do INSS, a Patronal e a do IPES, e negocia os demais valores, formalizando as negociações em tabelas, de uso facultativo de seus associados, sem que o descumprimento dos valores tabelados implique sanção.

Interposto com fundamento no art. 21 da Lei nº 8158/91, o recurso foi recebido pelo Ministro da Justiça, nos efeitos devolutivo e suspensivo. Entretanto, face ao advento da Lei nº 8884/94, ficou o Titular da Pasta da Justiça incompetente para a apreciação de recursos tirados contra decisões do CADE. Em realidade, a nova Lei, em seu art. 92, revoga a Lei nº 4137/92 e a Lei nº 8158/91, introduzindo nova sistemática na parte relativa aos recursos: o voluntário foi extinto e o de ofício só é cabível das decisões da Secretaria de Direito Econômico que concluírem pelo arquivamento de averiguação preliminar ou de processo administrativo. No âmbito do Poder Executivo, não mais existe recurso contra decisões do CADE.

De qualquer sorte, o recurso não traz questionamento ao due process of law. Da leitura dos autos do processo, observa-se ter sido assegurado o contraditório e a ampla defesa. Quanto ao mérito, exposto nas razões recursais, mesmo que fosse possível analisá-lo sob esse enfoque, melhor sorte não teria. É que são totalmente infundados os argumentos nele contidos, não passando de reiterações de questões levantadas no curso do processo administrativo e que foram totalmente refutadas no voto do Conselheiro Carlos Eduardo Vieira de Carvalho, acatado pelos demais Conselheiros.

Face ao exposto, esta Procuradoria opina pelo não conhecimento do presente recurso, por falta de amparo legal.

Jorge Gomes de Souza

Procurador-Geral Substituto


Passa-se, então, à exemplificação de uma das consultas dirigidas ao CADE. Importante salientar que, no tocante a atos de fusões ou incorporações, este Conselho, em 08.06.95, editou resolução disciplinado as formalidades que devem ser seguidas pelas empresas na solicitação de autorização para tais feitos. A resolução regulamenta a Lei Antitruste, que obriga as empresas a submeterem ao CADE qualquer ato de concentração econômica - fusão ou incorporação. Com a lei nº 8884/94, o número de fusões e incorporações submetidas ao CADE subiu de oito, em 1994, para cinqüenta, somente nos cinco primeiros meses de 1995. (42)


CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE

CONSULTA Nº 03/93(43)

CONSULENTE: ABRAFARMA - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FARMÁCIAS E DROGARIAS

DECISÃO

À unanimidade, o Conselho se pronunciou, no sentido de que o Município, ao legislar sobre a delimitação de área geográfica para instalação de farmácias e drogarias, o faz no exercício de sua competência constitucional (art. 30, inciso I, da Constituição Federal). A posição dominante que pudesse advir dessa autorização para localização há de ser analisada, tomando-se em conta seus efeitos existentes ou prováveis. Em um tal contexto, decidiu que havendo indícios da existência de práticas anticoncorrenciais tem a Secretaria de Direito Econômico SDE/MJ a obrigação de instaurar o competente processo administrativo, com base na Lei nº 8158/91.

Plenário, 25 de agosto de 1993.

RUY COUTINHO DO NASCIMENTO - Presidente

JOSÉ MATIAS PEREIRA - Conselheiro Relator

MARCELO MONTEIRO SOARES - Conselheiro

CARLOS EDUARDO VIEIRA DE CARVALHO - Conselheiro

NEIDE TERESINHA MALARD - Conselheira

Fui Presente:

CARLA LOBÃO BARROSO DE SOUSA - Procuradora "ad hoc"

CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA

ATA DA 17ª SESSÃO ORDINÁRIA, DE 25 DE AGOSTO DE 1993

Aos vinte e cinco dias do mês de agosto de um mil novecentos e noventa e três, às quatorze horas, no Edifício Anexo II do Ministério da Justiça, 2º andar, reuniu-se, em Sessão Pública de Julgamento, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, presidido pelo Senhor Presidente Dr. RUY COUTINHO DO NASCIMENTO, presentes os Conselheiros CARLOS EDUARDO VIEIRA DE CARVALHO, NEIDE TERESINHA MALARD, MARCELO MONTEIRO SOARES, JOSÉ MATIAS PEREIRA e a Procuradora "ad hoc", CARLA LOBÃO BARROSO DE SOUSA. O Presidente submeteu ao Conselho a ata da sessão anterior, que foi aprovada. Prosseguindo, deu início ao julgamento da Consulta nº 003/93, em que é Consulente: ABRAFARMA - Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias. O Conselheiro Relator JOSÉ MATIAS PEREIRA procedeu à leitura do Relatório. Em seguida, de acordo com o Regimento Interno, o Presidente deu a palavra à Procuradora "ad hoc". O Conselheiro Relator proferiu, então, o seu voto. Os demais Conselheiros e o Presidente acompanharam o Voto do Relator. Nada mais havendo a tratar, o Senhor Presidente deu por encerrada a sessão.

PARECER DA PROCURADORA

EMENTA: consulta. Art. 10 da Lei nº 8158/91. Delimitação geográfica de mercado de natureza essencial. Incentivo à criação ou manutenção de monopólios ou oligopólios. Possibilidade de adoção de práticas restritivas da concorrência. Manifestação em tese.

A Associação de Farmácias e Drogarias - ABRAFARMA, com base no art. 10 da Lei nº 8158/91, submete consulta ao CADE, sobre a natureza da Lei Municipal nº 847/93, face à legislação de defesa da concorrência e os princípios que a orientam.

Segundo a Consulente, o comércio farmacêutico reveste-se, por sua própria natureza, de caráter essencial, na medida em que oferece à população bens de evidente utilidade social, devendo, assim, ser ampla a oferta de produtos e maior possível o número de estabelecimentos.

Todavia, o Legislativo Municipal de Barueri-SP, através da Lei nº 847/93 e a exemplo do que vem sendo feito por várias Câmaras Municipais, veda a concessão de licença de funcionamento de nova farmácia ou drogaria no Município em prédios localizados a menos de 300m (trezentos metros) de outra já existente, criando, com isso, uma reserva de mercado para os estabelecimentos já existentes, sem se considerar se estão prestando serviços adequados aos consumidores quanto à qualidade e ao preço.

Esse tipo de legislação, de acordo com a Consulente, impede a livre concorrência, porquanto privilegia a reserva de mercado, afetando diretamente os mecanismos de formação de preços, a liberdade de iniciativa e os princípios constitucionais da ordem econômica.

A questão posta na consulta é a de saber se a Lei Municipal nº 847/93 está em consonância com a legislação de defesa da concorrência e com os princípios constitucionais que a orientam e fundamentam.

Preliminarmente, é de se observar que não compete ao Poder Executivo, e sim ao Poder Judiciário, examinar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, não podendo, pois, o CADE apreciar lei municipal face a princípios erigidos na Constituição Federal.

Resssalte-se, ainda, que o Município, ao legislar sobre assuntos de interesse local, exerce a competência que lhe é conferida pela Constituição (art. 30, inciso I da C.R.F.B.). A atividade legislativa que desempenha não constitui, certamente, atividade econômica, não podendo, por conseguinte, ser visto como agente econômico, passível de controle pelos órgãos federais encarregados da defesa da concorrência.

Outra seria a situação se estivesse o Município a exercer atividade econômica, atuando como uma das forças do mercado.

A questão, todavia, pode ser apreciada quanto aos possíveis efeitos que uma postura municipal possa causar no mercado.

Na verdade, a estipulação de uma distância mínima a ser mantida entre as farmácias ou drogarias, aliada ao fato de que as licenças para funcionamento destes estabelecimentos podem ser concedidas independentemente da requerente já ser proprietária ou sócia de mais de uma farmácia ou drogaria na região, pode constituir-se em fator de incentivo à criação ou manutenção de oligopólios ou monopólios.

Os monopólios e os oligopólios, por deterem parcela expressiva do mercado, possuem a capacidade de influenciá-lo, em razão da posição dominante que detêm.

Quando o mercado é composto de vários agentes e nenhum deles detém parcela significativa desse mercado, a atuação dos agentes econômicos se dá em regime de concorrência.

A delimitação do mercado, sem a preocupação de alocação de seus participantes, facilita a adoção de práticas restritivas, em detrimento da concorrência num mercado de natureza essencial.

Neste caso, porém, havendo indícios de que conduta anticoncorrencial esteja ocorrendo por parte das farmácias ou drogarias que vierem a se beneficiar da postura municipal em questão, a SDE, no exercício da competência que lhe confere a Lei nº 8158/91, instaurará o devido processo administrativo.

É o parecer.

Brasília (DF), 21 de julho de 1993.

CARLA BARROSO

Procuradora "ad hoc´

RELATÓRIO DO CONSELHEIRO RELATOR

Com base no parágrafo único do art. 28 e no art. 29 do Regimento Interno deste Conselho, solicitei a manifestação da Ilustre Procuradora do CADE, que apresentou o Parecer, argüindo em preliminar, que o CADE não é órgão competente para apreciar a inconstitucionalidade de lei, tarefa que compete ao Poder Judiciário. Quanto aos efeitos que a determinação de uma distância mínima entre as farmácias poderia ocasionar no mercado, a il. Procuradora esclarece que a prática poderia constituir fator estimulante à criação de oligopólios ou monopólios, prejudicando a livre concorrência. No entanto, somente diante de indícios de abuso do poder econômico que viessem a ocorrer em razão dessa postura municipal, a SDE, no exercício da competência que lhe confere a Lei nº 8158/91, poderia instaurar o devido processo administrativo contra a farmácia ou drogaria envolvida na conduta.

Depois de formulada a Consulta, a Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico - ABCFARMA, informou que a Câmara Municipal de São Paulo aprovou, por unanimidade, lei que estipula distância mínima de 200m entre as farmácias. Segundo a ABCFARMA, a nova lei, editada com base no art. 30/CF, teve por objetivos principais evitar a concentração de farmácias em algumas áreas da cidade comercialmente mais atrativas e preservar um jogo saudável de mercado, garantindo a livre iniciativa e a livre concorrência.

Este é o relatório.

Brasília, 25 de agosto de 1993.

JOSÉ MATIAS PEREIRA


Seguem-se, agora, os despachos do Secretário, nos quais se trata do tema relativo ao aumento de mensalidades de algumas escolas particulares de Belo Horizonte, Minas Gerais, considerado abusivo pela União de Pais de Alunos de Escolas Particulares de Minas Gerais. Este conflito foi analisado já em conformidade com a Lei nº 8884/94.

Juntaram-se os despachos mais recentes, inclusive matérias jornalísticas que cobriram a questão.


SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO

DESPACHO DO SECRETÁRIO (44)

Em 1º de dezembro de 1994

Nº 109/94. A UNIÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE PAIS DE ALUNOS DE ESCOLAS PARTICULARES DE MINAS GERAIS - UNIAPAS, entidade civil sem fins lucrativos, que congrega 14 (quatorze) Associações de Pais de Alunos de Colégios, estabelecido em Belo Horizonte/MG, na rua Dias Toledo, 99, Vila Paris, encaminha correspondência denunciando as empresas INSTITUTO PITÁGORAS DE EDUCAÇÃO SOCIEDADE LTDA., COLÉGIO MARISTA DOM SILVÉRIO, COLLEGIUM, SANTO AGOSTINHO, COLÉGIO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS, todos em Belo Horizonte, conforme a seguir exposto:

1. Algumas Associações ingressaram em juízo pleiteando o arbitramento judicial das mensalidades escolares;

2. Referidas Associações moveram, ainda, ação de consignação em pagamento, visando efetuar o depósito em juízo do valor que entendiam legalmente autorizado, até decisão judicial;

3. As escolas supra relacionadas vêm comunicando ao pais de alunos, litisconsortes das Associações nas ações de arbitramento e depositantes em juízo dos valores das mensalidades, que não aceitarão a matrícula dos seus respectivos filhos para o ano letivo de 1995;

4. Segundo se depreende dos documentos anexados, a alegação utilizada pelas referidas escolas é no sentido de que a recusa das matrículas estaria amparada em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1081-6/DF, na qual foi Relator o Ministro Francisco Resek, que, em suas razões de decidir, observou que "o legislador não pode, sem ofensa à Constitução, obrigar pessoas a celebrar ou renovar contratos. Assim, no ponto em que força a renovação da matrícula, e só nele, a regra do art. 5º, da Medida Provisória nº 524/94, deve ser suspensa".;

5. Argumentam, ainda, ditas escolas, nas comunicações que fizeram expedir aos pais de alunos que "a escola pública é obrigatória e gratuita (art. 206, inc. IV/CF). A escola particular é de livre iniciativa, só estando obrigada aos requisitos previstos no art. 209/CF. Cabe aos interessados optar por uma ou por outra";

6. A prova de que as escolas supra nominadas estão recusando a matrícula de alunos cujos pais ingressaram em juízo, como litisconsortes e/ou consignantes, está amplamente caracterizada pela documentação acostada, sendo que, em alguns casos, há nítida tentativa de dissimulação do cunho emulativo da ação das escolas;

7. Se é correta a afirmação das escolas de que ninguém é obrigado a contratar, não é menos correto que uma empresa, no exercício de sua atividade econômica, não pode, injustificadamente, discriminar consumidores ou usuários, sob pena de subverter todas as regras ínsitas a uma economia de mercado e instalar-se o arbítrio, através do abuso do poder econômico;

8. De outro lado, não nos parece que a prestação do serviço educacional, quando exercido por uma empresa privada, perca sua essência de um típico serviço de natureza pública. Aliás, ressalte-se, por oportuno, que várias empresas do ramos ostentam o título de utilidade pública, o que lhes rende tratamento tributário e previdenciário privilegiado. Prestar serviço de ensino não pode ser equiparado a uma atividade comercial pura e simples, como a venda de cebolas ou de palitos de fósforos;

9. A alegação de algumas das representadas, contida nas diversas correspondências juntadas aos autos, de que referidos alunos estariam inadimplentes, não corresponde ao que se pode constatar, pois, se as Associações de Pais de Alunos e estes, como litisconsortes, ingressaram em juízo com ação de consignação em pagamento, enquanto estiver pendente de julgamento referidas ações, impossível falar-se em mora ou inadimplência, já que os valores encontram-se devidamente depositados em juízo;

10. Por outro lado, a representante ressalta na sua denúncia que os valores consignados em juízo pelos pais de alunos foram levantados pelas escolas, com as ressalvas legais, o que tem garantido a manutenção dos colégios;

11. Outro aspecto essencial no âmbito da ordem econômica é que referidas escolas são líderes no mercado de ensino de Belo Horizonte e ostentam, nitidamente, posição dominante, não só por suas participações percentuais neste mercado, como pela própria estrutura oligopolista deste, consideradas, ainda, as peculiaridades que compõem a conjuntura econômica deste mercado relevante;

12. Convém ressaltar, ainda, que o número de alunos cujas matrículas estão sendo recusadas é bastante expressivo;

13. Impõe-se registrar mais, a inquestionável dificuldade dos referidos pais de alunos no que diz respeito à matrícula de seus filhos em outros colégios, por força do calendário escolar, já que inúmeras escolas já realizaram seus respectivos exames de seleção, o que resultará em prejuízo de difícil reparação a este mercado relevante;

14. Além disto, pelo idêntico teor das correspondências enviadas pelas escolas representadas, verifica-se, sem qualquer dúvida, terem sido elaborados de comum acordo, o que revela fortíssimos indícios de conduta concertada, prevista no inciso II, do art. 21, da Lei nº 8884/94;

15. Outro aspecto que merece apuração no âmbito das infrações à ordem econômica é que a não aceitação das matrículas de alunos que têm suas mensalidades consignadas em juízo, constitui recusa na prestação de serviços, sem qualquer justificativa plausível ou razoável, incidindo, em tese, na conduta descrita no inciso XIII, do art. 21, da já supra citada lei;

16. Diante dos fatos apresentados e face aos documentos juntados aos autos, verifica-se a existência de fortes indícios das infrações à ordem econômica acima apontadas, na medida em que, a conduta das escolas pode decorrer de abuso de posição dominante, prevista no inciso IV, do art. 20 da Lei de Defesa da Concorrência;

17. Por todo o exposto, determino a instauração do competente Processo Administrativo. Notifiquem-se as representadas para, querendo, apresentarem suas respectivas defesas;

18. Dada a gravidade da situação, a relevância da matéria e considerando que a conduta das representadas causará lesão irreparável neste mercado relevante, bem como poderá tornar ineficaz o resultado final do presente apuratório, ADOTO MEDIDA PREVENTIVA E ORDENO A IMEDIATA CESSAÇÃO DA PRÁTICA ORA EM APURAÇÃO - RECUSA DE MATRÍCULA, nos termos do art. 52, da Lei nº 8884/94. Dada a gravidade da situação, que ofende o direito à educação de crianças e adolescentes, e considerando eficaz a presente medida, fixo a multa diária, pelo seu descumprimento, nos termos do art. 25 da supracitada lei, em 250 (duzentos e cinqüenta) Unidades Fiscais de Referência - UFIR, por cada matrícula recusada e por cada dia de negativa de prestação do serviço educacional. Como o fato, em tese, pode subsumir-se a tipo penal, enviar, por ofício, cópia ao Excelentíssimo Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, da Procuradoria Geral da República.

Publique-se na íntegra e intimem-se.

JORGE DERBLI

Secretário em Exercício


SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO

DESPACHO DO SECRETÁRIO (45)

Em 7 de dezembro de 1994

Nº 118/94. Ref. Processo Administrativo nº 08000.025048/94-42. Representante: SDE - "EX -OFFICIO". Representada: Pitágoras de Educação Sociedade Ltda.; Colégio Marista Dom Silvério; Collegium; Colégio Santo Agostinho; Colégio Sagrado Coração de Jesus. Decisão: em aditamento ao despacho, oficie-se à Secretaria de Direito da Cidadania e Justiça, com cópia de todo o processo, para que analise a regularidade de eventuais títulos de utilidade pública concedidos às Escolas sob investigação.

JORGE DERBLI

Em Exercício


SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO

DESPACHOS DO SECRETÁRIO (46)

Em 9 de dezembro de 1994

Nº 112/94. Ref.: Processo Administrativo nº 08000.025048/94-12. Decisão: tendo em vista que as empresas não foram ainda notificadas, com a formação da relação jurídico-processual respectiva, inclua-se, também, no pólo passivo, a empresa COLÉGIO SANTA DOROTÉIA, em Belo Horizonte e, pelas razões já expostas no despacho inicial, adoto idêntica medida preventiva contra a Empresa. Retifique-se a autuação e notifique-se a citada empresa para, no prazo legal, oferecer defesa, com advertência do art. 34 da Lei nº 8884/94. Publique-se.

RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS

Secretário de Direito Econômico


NOTAS

1. MEIRELLES, Hely. Mandado de segurança e ação popular, 9ª ed., 1983, pp. 5-8.
2. MEIRELLES, Hely. Op. cit., p. 101.
3. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., pp. 102-103.
4. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna. op. cit., pp. 102-103.
5. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna. op. cit., p. 105.
6. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna. op. cit., p. 105.
7. SANTOS, Ulberico Pires dos. Mandado de Injunção, 1988, p. 62.
8. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., pp. 107-108.
9. SILVA, José Afonso da. Mandado de injunção e habeas data, 1989, pp. 32-33.
10. SANTOS, Ulberico Pires dos. Mandado de Injunção, 1988, pp. 60-61.
11. BARACHO, José Alfredo Oliveira. op. cit., p. 85.
12. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., p. 108.
13. SILVA, José Afonso da., op. cit., pp. 31-32.
14. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., p. 110.
15. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., p. 111.
16. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna. op. cit., p. 111.
17. GOMES, Randolpho. Mandado de injunção, 1989, pp. 38-39.
18. CRETELLA JÚNIOR, José. op. cit., p. 770.
19. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., p. 113.
20. CRETELLA JÚNIOR, José. op. cit., p. 782.
21. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., p. 116.
22. BARACHO, José Alfredo Oliveira. op. cit., p. 23.
23. TUCCI, Rogério Lauria, e José Rogério Cruz e Tucci. op. cit., p. 14.
24. TUCCI, Rogério Lauria, e José Rogério Cruz e Tucci. op. cit., p. 16.
25. MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurídica interna, op. cit., pp. 118-119.
26. CAPPELLETTI, Mauro, e Bryant Garth. Acesso à justiça, 1988, p. 9.
27. CAPPELLETTI, Mauro, e Bryant Garth. Acesso à justiça, op. cit., pp. 15-29.
28. FERREIRA, L. Pinto. op. cit., p. 175.
29. BARACHO, José Alfredo Oliveira. op. cit., p. 27.
30. THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit., p. 35.
31. BARACHO, José Alfredo Oliveira. Teoria geral da cidadania, op. cit., pp. 63-65.
32. BARACHO, José Alfredo Oliveira. Teoria geral da cidadania, op. cit., pp. 26-27.
33. BARACHO, José Alfredo Oliveira. Teoria geral da cidadania, op. cit., pp. 62-63.
34. BARACHO, José Alfredo Oliveira. Teoria geral da cidadania, op. cit., pp. 41-42.
35. SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico, op. cit., p. 209.
36. SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico, op. cit., pp. 217-218.
37. Os dados foram conseguidos a partir de publicações realizadas pelo IBRAC (Instituto Brasileiro de Estudos das Relações de Concorrência e de Consumo). Esse instituto lança determinada revista, nomeada "Revista do IBRAC", na qual se editam julgados do CADE, bem como textos jornalísticos e acadêmicos. De seus dois últimos números, extraíram-se os dois processos administrativos e a consulta realizada àquele Conselho. Os despachos do Secretário foram obtidos por meio dos mais recentes "Clipping do IBRAC", um condensado de despachos da SDE e do CADE, publicados no Diário Oficial da União, além de reportagens divulgadas pela imprensa.
38. Gazeta Mercantil, 28/12/94, p. 29.
39. Gazeta Mercantil, 28/12/94, p. 29.
40. REVISTA DO IBRAC - Caderno de Jurisprudência. São Paulo: Carlos Francisco de Magalhães editor, vol. 2, nº 1, fev., 1995, pp. 20-58.
41. REVISTA DO IBRAC - Caderno de Jurisprudência. São Paulo: Carlos Francisco de Magalhães editor, vol. 2, nº 2, maio, 1995, pp. 27-49.
42. LAVORATTI, Liliana. Folha de São Paulo, São Paulo, 09, jun., 1995. Seção B, p. 8.
43. REVISTA DO IBRAC - Caderno de Jurisprudência. São Paulo: Carlos Francisco de Magalhães editor, vol. 2, nº 2, maio, 1995, pp. 50-56.
44. DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, Brasília, 02, dez.,1994. P. 18352.
45. DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, Brasília, 08, dez., 1994. P. 18766.
46. DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, Brasília, 08, dez., 1994. P. 18766.


Informações sobre o texto

Este artigo é o quarto e último capítulo de uma monografia da autora, publicada pela Faculdade de Direito da UFMG. É resultado de um ano de pesquisa de iniciação científica, financiada pelo CNPq, sob a orientação do Prof. Dr. José Luiz Quadros de Magalhães. Teve como objetivo maior o de se efetivar um estudo abrangente à questão cidadania. Nesta quarta parte, estuda-se a disposição dos instrumentos jurídicos viabilizadores da concretização dos direitos constitucional e legalmente assegurados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Cláudia Maria Toledo. Cidadania: instrumentos de viabilização do equilíbrio sócio-econômico-constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81. Acesso em: 26 abr. 2024.