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Soltura de presidiários durante a pandemia

Recomendação n. 62 do CNJ

Soltura de presidiários durante a pandemia: Recomendação n. 62 do CNJ

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Principais aspectos relacionados à Recomendação nº 62 do CNJ, que estabelece alguns critérios para a soltura de presidiários em meio ao contexto de calamidade pública, em razão do coronavírus.

A recomendação surgiu com o intuito de auxiliar os Tribunais e Magistrados a adotarem medidas preventivas à propagação do coronavírus no âmbito dos sistemas prisionais.

As principais recomendações consistem no seguinte:

1) Com relação aos adolescentes:

Preferir a aplicação de medidas socioeducativas ao invés da internação, principalmente com relação às pessoas pertencentes ao grupo de risco e as que estão em estabelecimento que acolhem pessoas acima do limite ou que não têm um sistema de saúde adequado. A recomendação também inclui aqueles que cometeram atos infracionais sem o uso de violência ou grave ameaça.

2) Com relação à fase de conhecimento criminal:

Reavaliar a necessidade de prisão preventiva, evitando decretá-la para as pessoas pertencentes ao grupo de risco e as que estão em estabelecimento que acolhem pessoas acima do limite, ou que não tem um sistema de saúde adequado. Também devem ser reavaliadas as prisões preventivas que excederam 90 dias ou que estejam relacionadas com crimes cometidos sem o uso de violência ou grave ameaça.

3) Com relação à fase de execução penal:

Recomendou-se a concessão da saída antecipada para os que estiverem em regime fechado e semiaberto e pertencerem ao grupo de risco ou estiverem em estabelecimento que acolham pessoas acima do limite ou que não tem um sistema de saúde adequado.

4) Com relação às pessoas que devem se apresentar periodicamente em juízo:

Foi recomendada a suspensão por 90 dias, até porque se faz necessário o isolamento social para evitar a proliferação do vírus.

A recomendação prefere que seja aplicada a prisão domiciliar ao invés da colocação de pessoas em presídios. Isso se aplicaria aos que estiverem em regime aberto e semiaberto, bem como àqueles que estejam com suspeita ou confirmação da covid-19. Além disso, as pessoas presas por dívida alimentícia também deveriam ser colocadas em prisão domiciliar, haja vista o caráter civil da pena.

Muitos magistrados estão seguindo a recomendação e concedendo a prisão domiciliar. Até o início de abril, Pernambuco liberou 513 presidiários para cumprir pena em prisão domiciliar, dentre eles os idosos, presos com doenças, os presos por pensão alimentícia e aqueles com previsão para migrar para o regime aberto até 31 de julho de 2020

É extremamente importante que a recomendação seja acolhida pelos tribunais, pois o Brasil tem quase 800.000 presos, a terceira maior população carcerária do mundo. Além disso, já são mais de 60 mil casos confirmados de covid-19 no Brasil em 28/4/2020. Pernambuco ainda não apresentou nenhum caso confirmado, mas já tem vários suspeitos isolados. Importante informar que já morreu um preso de 73 anos do Rio de Janeiro. Ora, é um perigo se essa doença se alastrar mais, pois o número de infectados está crescendo.

Muitos Estados adotaram uma série de medidas para evitar a disseminação do coronavírus, como a ampliação do banho de sol dos detentos, a higienização das celas com maior frequência e o isolamento de presos com mais de 60 anos ou com doenças crônicas.

Como medida preventiva, os presídios estão impedindo a visitação de familiares. Com relação aos advogados, estes só podem visitar em casos de extrema urgência e respeitando as normas de prevenção.

É certo que essa limitação prejudica os direitos dos presidiários, pois é o advogado que recebe, muitas vezes, as denúncias dos internos: falta de água, banheiro entupido, comida estragada, violência, tortura... É o advogado que requer a análise de corpo delito, aciona o juiz para pedir inspeção das condições de uma unidade, e uma série de outras medidas para salvaguardar os direitos de quem está lá dentro.

Ora, quando você restringe o acesso do advogado ao preso, você fecha a porta dos presídios e de todos os seus problemas para o mundo exterior.

Por fim, importante falar a respeito das audiências. Se for de réu solto, recomendou-se que estas sejam remarcadas. Já se for réu preso, que sejam realizadas por videoconferência.

Com relação às audiências de custódia, Pernambuco, para preservar o isolamento social, está realizando por videoconferência. Muitos Estados estão adotando esse sistema e fazendo compra de tablets.

É cediço que a recomendação do CNJ é uma faca de dois gumes, pois existe um certo perigo na soltura dos presidiários. A sociedade encontra-se com receio. Porém, importante destacar que estão sendo colocados em prisão domiciliar apenas os que não cometeram crimes com violência ou grave ameaça. Pode-se ter a certeza de que se os 800.000 presos continuarem nos presídios, o perigo será muito maior, pois a proliferação do vírus não terá limites.

Alguns indagam que, pra segurança dos presidiários, seria melhor que estes permanecessem isolados nos presídios, mas sabemos que isso não deve prosperar, pois o vírus pode ser levado através dos funcionários que trabalham todos os dias nos cárceres.

É necessário que haja um bom senso por parte do sistema judiciário e pela população brasileira.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CÂMARA, Olga. Soltura de presidiários durante a pandemia: Recomendação n. 62 do CNJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6145, 28 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81579. Acesso em: 28 mar. 2024.