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A nova lei de execução

uma vitória da efetividade processual?

A nova lei de execução: uma vitória da efetividade processual?

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Sempre pareceu um contra-senso, até mesmo uma injustiça, a parte ter de aguardar por anos a fio a efetiva entrega da prestação jurisdicional já definitivamente reconhecida.

Introdução

Em 23 de dezembro de 2005, foi publicada no Diário Oficial a Lei n.º 11.232, que instituiu o novo procedimento para a execução das sentenças judiciais condenatórias. É bom que se esclareça, desde já, ter sido excluída do projeto de lei que foi aprovado pelo Congresso Nacional qualquer modificação quanto às execuções por título executivo extrajudicial, cujo procedimento permanece idêntico àquele antes da entrada em vigor da Lei n.º 11.232.

A Lei n.º 11.232 é mais uma etapa da modernização do direito processual pátrio, sob os auspícios dos princípios da celeridade (agora, com sede constitucional: art. 5º, LXXVIII) e da efetividade processual, que se iniciou com a reforma introduzida pela Lei n.º 8.952/94, instituindo, na nossa legislação positiva, entre outros dispositivos, a possibilidade de antecipação da tutela jurisdicional. Depois, tivemos outras reformas setoriais, especialmente nos recursos (lei n.º 9.139/95, lei n.º 10.352/01 e, recentemente, lei n.º 11.187/05), sempre no intuito de tornar a prestação jurisdicional mais efetiva e célere.

Agora, em boa hora, é a vez da execução por título judicial. Para quem milita no contencioso jurídico, sempre pareceu um contra-senso, até mesmo uma injustiça, a parte ter de aguardar por anos a fio a efetiva entrega da prestação jurisdicional já definitivamente reconhecida, após haver esperado anos (quiçá, décadas) por uma solução do litígio. Para um leigo, essa situação parecia kafkaniana, além de ser de um ilogismo difícil de ser explicado.

A anterior excessiva preocupação com a segurança jurídica, comum às normas processuais, passou a dar vez a uma crescente busca por proporcionar ao jurisdicionado uma efetiva entrega da prestação jurisdicional, do modo mais racional e rápido possível (corolário do princípio do acesso à Justiça). Se é certo que o processo judicial invariavelmente demanda tempo, sendo um elemento que dele não pode ser afastado [01], não é menos certo não poder perdurar por toda uma eternidade, frustrando a expectativa daqueles que buscam no Judiciário a tutela de seus direitos [02].

Na medida do possível, o processo deve terminar "bem e rápido" e isto significa suprimir formalismos exacerbados e institutos desnecessários para reduzir o tempo de duração dos ritos que tradicionalmente demoram um longo período.

A função jurisdicional somente se aperfeiçoa com a entrega do bem jurídico reconhecido em sentença, o que é justamente o escopo da execução. A prestação jurisdicional, portanto, só termina ao final do processo de execução [03], pois de nada adiantaria reconhecer um direito, se o processo não cumprisse a sua finalidade de "dar a cada um o que é seu de direito". A execução, nesse diapasão, por ser o momento da entrega do bem jurídico, é essencial para uma prestação jurisdicional que pretenda ser efetiva e célere.

Efetuar uma reforma no processo de execução era imperioso para a conclusão de um movimento que se iniciou em 1994, tendo por objetivo proporcionar aos juízes a possibilidade de dar à sociedade (que é a destinatária final das normas processuais) uma resposta mais rápida e efetiva às demandas, cada vez mais numerosas, apresentadas perante o Poder Judiciário. Afinal, se o escopo da jurisdição é "a realização do direito objetivo e a pacificação social" [04], nada mais justo do que a entrega de um bem jurídico já reconhecido por sentença judicial ser realizado da maneira mais rápida e objetiva possível.

A Lei n.º 11.232 surgiu com esse intuito. Se ela será ou não capaz de agilizar a marcha processual e tornar mais célere e efetiva a prestação jurisdicional é algo que dependerá da atuação concreta dos juízes e dos hermeneutas em geral que se propuserem a interpretá-la. Fica somente o registro: todo instituto jurídico deve ser analisado sob o prisma da finalidade para a qual foi instituído [05]. Se antes, haviam queixas sobre o excessivo formalismo dos dispositivos que regiam o processo de execução, limitando a atuação dos juízes e impossibilitando-os de prestar eficientemente a sua função jurisdicional, hoje tal reclamação não pode mais ter lugar.

A recente lei veio justamente para dar um novo colorido ao processo de execução, concedendo meios para atingir os anseios sociais por uma Justiça mais eficiente. Não caberá uma interpretação retrógrada de seus dispositivos, sob pena de manter-se o status quo, que, como sabemos, deixa muito a desejar.

Esse trabalho visa analisar alguns questionamentos que surgem com a nova lei, buscando sempre interpretá-la no contexto sob o qual foi elaborada e aprovada, com vistas a alcançar a finalidade para a qual foi instituída: proporcionar uma prestação jurisdicional mais célere e efetiva.


1. Início da vigência da lei

Delimitar a data de vigência da lei pode até parecer desimportante a priori e, em uma análise perfunctória, sequer foi objeto de estudo pelos inúmeros artigos que foram publicados a respeito da Lei n.º 11.232, pois propala-se, sem maiores considerações, que a vigência da lei iniciar-se-á em 22 de junho de 2006.

Realmente, se comparada a outros questionamentos que surgem com a nova lei, a questão poderá parecer menor. Porém, como todos sabem, as leis processuais são normas de ordem pública e, por isso, têm aplicação imediata [06], apresentando o que se convencionou chamar de retroatividade mínima. Vale dizer, será aplicável a todos os processos cuja execução de sentença ainda não se iniciou. A contrario senso, naqueles processos onde a execução já tiver se iniciado ou nas que se iniciem durante a sua vacatio legis, aplicar-se-á as normas do Código de Processo Civil que foram revogadas.

Analisado desta forma, a delimitação do início da vigência da lei será importante para fixar a data específica a partir de quando a lei produzirá os seus efeitos e poderá imediatamente ser aplicada aos processos em curso. Vê-se, deste modo, que a questão não é tão irrelevante assim, como pode parecer em um primeiro momento.

Dispõe o artigo 8º, da Lei n.º 11.232 que ela entrará em vigor "¨6 (seis) meses após a data de sua publicação".

Tendo sido a lei publicada em 23 de dezembro de 2005, uma análise menos cuidadosa sobre a questão indicaria que a lei vigorará a partir do dia 26 de junho de 2006, caso utilizássemos a regra geral sobre contagem de prazo, excluindo-se o termo inicial e incluindo-se o termo final, já que 23 de dezembro de 2005 recaiu em uma sexta-feira.

Todavia, tratando-se de processo legislativo, devemos observar os comandos da Lei Complementar n.º 95/98, cujo artigo 8º, §1º, textualmente dispõe "a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral". Com base nesse dispositivo, a vigência da nova lei se iniciaria no dia 24 de junho de 2006, pois 6 meses contados a partir de 23 de dezembro de 2005, recai em 23 de junho de 2006, iniciando-se a vigência no dia posterior à sua consumação integral, conforme determina a lei complementar n.º 95.

Há quem defenda, no entanto, que a contagem da vacatio legis deve ser sempre realizada em dias porque o artigo 8º, §2º, da citada lei complementar (alterada pela lei complementar n.º 107/2001) dispõe que "As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ´esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial". Entretanto, entendo que a contagem em número de dias não é obrigatória, como querem fazer parecer alguns doutrinadores, e sim uma mera predileção, estando o legislador ordinário livre para excepcioná-la se assim expressamente o dispuser, até mesmo por não existir hierarquia entre lei complementar e lei ordinária [07].

Além do mais, a contagem pelo número de dias, quando a lei define a vacatio em meses ou anos, causaria insegurança jurídica porque não há um critério único e definitivo para a sua aferição, podendo cada autor indicar o que achasse mais conveniente. Por exemplo, os 6 meses da vacatio legis da Lei n.º 11.232 correspondem a 180 dias [08] ou teremos que contar o número de dias existentes entre 23 de dezembro de 2005 (data da publicação) e junho de 2006 (quando se perfazem os 6 meses) para utilizar esse número na contagem [09]? Como não há uma resposta satisfatória para essa indagação, além de ser muito mais trabalhosa a contagem por dias quando a vacatio legis é extensa (como, por exemplo, 1 ano), deve prevalecer a contagem na forma como é estabelecida na lei ordinária. Não vemos ser o intuito da Lei complementar n.º 95/98 complicar a contagem de um prazo que pode livremente ser estabelecido pelo legislador (ou seja, não está afeta a reserva de lei complementar).

Conclui-se, portanto, que a Lei n.º 11.232 entrará em vigor no dia 24 de junho de 2006 (e não 22 de junho), e, a partir desta data, poderá ser imediatamente aplicada aos processos cuja execução (cumprimento) do título judicial ainda não houver se iniciado.


2. Execução como fase processual, e não como processo autônomo

Conforme anteriormente asseverado, a Lei n.º 11.232 modificou apenas o procedimento quanto à execução fundada em título judicial, em nada alterando o rito da execução por título executivo extrajudicial. Este permanece regido pelo Título II do Livro II do Código de Processo Civil, aplicando-se apenas subsidiariamente essas disposições à execução fundada em título judicial (art. 475-R, com redação dada pela Lei n.º 11.232). Fique claro, portanto, que todas as colocações que serão agora expostas concernem tão-somente às execuções fundadas em título executivo judicial.

A execução, como cediço, é o momento da tutela jurisdicional na qual a parte credora pede ao Estado-juiz que concretize o cumprimento de uma prestação inadimplida pelo devedor, reconhecida em sentença judicial ou em outro documento que a lei atribua essa prerrogativa, através de atos coercitivos que importem em expropriação do patrimônio ou na imposição específica da obrigação inadimplida. Nas exatas palavras de Leonardo Greco "pode-se definir a execução como a modalidade de tutela jurisdicional consistente na prática pelo juiz ou sob o seu controle de uma série de atos coativos concretos sobre o devedor e sobre o seu patrimônio, para, à custa dele e com ou sem o concurso da sua vontade, tornar efetivo o cumprimento da prestação por ele inadimplida, desde que previamente constituída na forma da lei" [10].

Inicialmente, cumpre esclarecer não ser toda demanda judicial que necessita da instauração de um procedimento executivo para o cumprimento da disposição constante na sentença judicial. Com efeito, algumas demandas carecem de um processo executório para se aperfeiçoarem. São os casos das ações de eficácia constitutiva e ações de eficácia meramente declatarória [11].

As ações de eficácia constitutiva implicam na criação, extinção ou modificação de relações jurídicas e o interesse dos demandantes se perfaz com a própria sentença, sendo desnecessária a instauração de novo processo para compelir o seu cumprimento. A sentença é bastante por si só para compor a relação jurídica objeto da ação, criando-a, modificando-a ou extinguindo-a. O mesmo ocorre com a ação de eficácia meramente declaratória, que tem por finalidade a "obtenção de uma declaração judicial acerca da existência ou inexistência de determinada relação jurídica ou a respeito da autenticidade ou falsidade de um documento" [12]. A simples declaração judicial esgota o objeto da ação e, por isso, dela não ressai nenhuma eficácia executiva, sendo igualmente desnecessária a instauração de um processo executório para o seu cumprimento [13].

A execução, em seu sentido processual, somente tem lugar nas ações de eficácia condenatória. Sem querer adentrar no longo debate sobre as ações de eficácia condenatória, um dos temas que mais suscitaram controvérsias no direito processual, podemos taxativamente conceituá-las como aquelas aptas a produzir uma sentença com eficácia predominantemente condenatória. Diz-se "predominantemente condenatória" porque mesmo as ações constitutivas e declaratórias contém uma parcela de condenação, como, por exemplo, a obrigação do sucumbente pagar custas e honorários advocatícios.

Sentença predominantemente condenatória é "aquela que impõe ao réu o cumprimento de uma prestação (de dar, fazer ou não fazer), correspondendo a este conteúdo o efeito de permitir a execução forçada do comando contido na decisão" [14] ou, como prefere Eduardo Couture, "sentenças condenatórias são todas as que impõem o cumprimento de uma prestação, seja em sentido positivo (dar, fazer), seja em sentido negativo (não fazer, abster-se)" [15].

Trocando em miúdos, as ações de eficácia condenatória são aquelas que impõem à parte sucumbente uma obrigação definida em sentença judicial, seja de dar, fazer, não-fazer ou entregar coisa, cujo cumprimento ficava condicionado a instauração de um novo processo para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional: o processo de execução forçada. Deste modo, pode-se afirmar que o processo de execução de título judicial é uma modalidade de tutela jurisdicional proveniente de uma ação de eficácia condenatória. Até mesmo os demais títulos judiciais que a lei atribui eficácia executiva, apesar de não configurarem propriamente ações condenatórias, igualmente constituem obrigações assumidas pelas partes ou reconhecidas em outra instância (judicial ou arbitral) que, inadimplidas, geram a necessidade da instauração de um processo para o seu cumprimento.

Como se pode notar, a finalidade do processo de execução não é outra senão efetivar coercitivamente o cumprimento de uma obrigação inadimplida, positiva ou negativa, assumida pelas partes ou determinada por um terceiro (juiz ou árbitro). Por isso, a execução faz-se necessária em ações de eficácia condenatória, e não nas ações constitutivas ou meramente declaratórias.

Nesse sentido, toda a construção legislativa e doutrinária, anterior a Lei n.º 11.232, enxergava o processo de execução como sendo desvinculado e autônomo ao processo de conhecimento [16]. Isto significa dizer que, nas ações condenatórias, primeiro se verificava a existência do direito material alegado (a res in iudicium deducta), para, após a solução do litígio, instaurar-se um novo processo com a finalidade de cumprir aquilo que havia sido determinado na sentença.

Transcreva-se, por oportuno, lição de Humberto Theodoro Junior para quem "cognição e execução, em seu conjunto, formam a estrutura global do processo civil, como instrumento de pacificação dos litígios. Ambas se manifestam como formas de jurisdição contenciosa, mas não se confundem numa unidade, já que os campos de atuação de uma e outra se diversificam profundamente: o processo de cognição busca a solução, enquanto o de execução vai em rumo à realização das pretensões. Daí afirmar-se que a execução forçada não pode ser tratada como parte integrante do processo em sentido estrito, nem sequer como uma conseqüência necessária dele" [17].

A autonomia do processo de execução, tal qual propagada por Liebman [18], era vislumbrada pela própria legislação processual ao determinar, entre outras disposições, que este somente se iniciaria por iniciativa das partes, credora ou devedora (art. 570, CPC), sendo necessária a realização de uma nova citação (art. 652, CPC). Após a citação, era facultado à parte devedora, em resposta a este novo processo, opor embargos à execução (ação autônoma, desconstitutiva e incidental), suspendendo a execução (art. 739, §1º, CPC) e convertendo-a em um novo processo cognitivo.

Fácil constatar que a execução, como atividade satisfativa da tutela jurisdicional, era obstada logo em seu início com o oferecimento de embargos e a sua conversão em um novo processo de conhecimento - limitado, é bem verdade, mas ainda assim, suficiente para frustar as expectativas imediatas do demandante.

Por esta razão, a autonomia do processo de execução conhecia as suas exceções desde os idos de 1973, em sentenças auto-executáveis, como, por exemplo, as ações possessórias, onde, não obstante serem ações condenatórias, o comando judicial proveniente do processo cognitivo, externado em mandados, era bastante por si só para satisfazer a pretensão deduzida, sendo desnecessária a instauração de novo processo.

A exceção passou gradativamente a tornar-se a regra. Como a divisão entre processo cognitivo e processo executivo ocasionava um enorme obstáculo à efetividade da prestação jurisdicional, pois remetia a uma nova atividade cognitiva do juiz, o legislador reformador passou a transformar o processo de execução em uma fase processual iniciada a partir da prolação da sentença judicial [19] (transitada em julgado ou pendente de recurso recebido somente no efeito devolutivo) e retirar-lhe a sua autonomia. Vale dizer, não haveria mais distinção entre processo de conhecimento e processo executivo, sendo um conseqüência direta e imediata do outro.

Foi o que aconteceu com as ações condenatórias cuja pretensão eram obrigações de fazer, não-fazer (art. 461, CPC) ou entregar coisa (art. 461-A, CPC). As leis n.º 8.952/94 e 10.444/02 alteraram substancialmente o procedimento para a execução da sentença prolatada, tornando suficiente a simples expedição de mandado judicial para tornar definitiva a prestação jurisdicional. Houve também uma grande preocupação do legislador para que o cumprimento da obrigação correspondesse exatamente aquilo que havia sido demandado, permitindo ao juiz determinar a aplicação de multa, remoção de pessoas e coisas, busca e apreensão, impedimento de atividade nociva, de modo a compelir o devedor a adimplir a exata obrigação que havia sido estipulada.

Desde 2002, portanto, nas ações que tenham por objeto obrigações fundadas em título judicial, de fazer, não-fazer ou entregar coisa, não há que se falar em divisão entre processo de conhecimento e processo de execução e muito menos em autonomia deste último, devendo a tutela jurisdicional executiva ser considerada como uma fase do processo, assim como a fase cognitiva [20]. O processo é unitário e compreende todas as fases processuais.

Aliás, já é hora de nos rendermos de vez à idéia de unitariedade do processo, compreendendo-o como o instrumento pelo qual o Estado exerce a sua função jurisdicional, satisfazendo os interesses demandados, velando pela aplicação do direito objetivo e pacificando as relações sociais.

E se já se viu que a jurisdição só é completa com a entrega do bem jurídico a quem de direito, função primordial e exclusiva do processo executivo, o processo concretizará o seu objetivo após a consecução de todos os atos executivos tendentes a satisfazer o direito do demandante. Logo, enquanto a prestação jurisdicional não for efetivada, não é possível dizer que o processo se exauriu. É, na realidade, um grande equívoco pensar que alguém vá a juízo aduzindo uma pretensão de cunho obrigacional e se contente com a simples declaração verificadora da existência do seu direito. O que realmente almeja o demandante é ver concretizada a sua pretensão. Enquanto houver tutela jurisdicional a ser prestada, haverá processo a ser desenvolvido.

A última barreira a ser quebrada para fulminar de vez com a dualidade existente entre processo cognitivo e executivo eram as obrigações por quantia certa (obrigações pecuniárias), cujo procedimento ainda se pautava pela tradicional divisão processual, com a necessária instauração de um processo executivo autônomo para a obtenção do direito creditório devido.

E é nesse ponto que jaz a principal mudança ocorrida com a Lei n.º 11.232: tal qual nas obrigações de fazer ou entregar coisa, agora, até mesmo nas obrigações por quantia certa, torna-se desnecessária a instauração de um novo processo tendente a satisfazer a pretensão reconhecida. Portanto, o cumprimento da sentença judicial (ou outro título que a lei atribua a mesma eficácia), independente da obrigação nela estipulada, será sempre auto-executável. Em outras palavras, a partir de agora, todas as sentenças judiciais meritórias gozarão de eficácia executiva.

É fácil constatar que, com o advento da Lei n.º 11.232, a tese unitária do processo prevaleceu, pois somente se poderá cogitar de certa autonomia do processo de execução nos casos onde o título executivo judicial não é originário de uma sentença civil condenatória (ainda que homologatória), onde ainda se fará necessária a citação do executado (art. 475-N, parágrafo único) e, conseqüentemente, a instauração de um novo processo para o cumprimento de uma obrigação estipulada em outra jurisdição (sentença penal condenatória e sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça) ou em sentença arbitral.

A Lei n.º 11.232, portanto, veio consagrar a execução como sendo uma fase processual da ação cujo objeto seja uma prestação pecuniária, à semelhança do que a Lei n.º 10.444/02 já havia realizado em relação às obrigações de entregar coisa [21].

Vejamos as modificação legislativas que levam a essa inelutável constatação:

(i) alteração dos artigos 267 e 269, do Código de Processo Civil, que dispunham sobre as causas de extinção do processo, cujos novos textos estão assim dispostos:

"art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução do mérito:"

"art. 269. Haverá resolução do mérito".

Como se lê, com o advento da Lei n.º 11.232 somente estará configurada a extinção do processo quando o objeto da ação (mérito) não for analisado pelo juiz, em razão da uma das causas dispostas nos incisos do art. 267.

A modificação se explica pela nova sistemática da lei: como a sentença de mérito é a única apta a ser executada e, sendo a execução uma fase do processo, este somente se extinguirá ao final da prestação jurisdicional executiva. Relembre-se o que havíamos comentado sobre a unitariedade do processo: enquanto houver prestação jurisdicional a ser exercida, não há que se falar em exaurimento do processo. Logo, o processo somente será extinto ao final do cumprimento da sentença de mérito, quando a prestação jurisdicional estará completa.

Quanto ao artigo 267, permanece, entretanto, a impropriedade exposta em outra oportunidade [22], pois o processo efetivamente não é extinto com a prolação de uma sentença terminativa (sem julgamento do mérito), já que sobre ela pende a possibilidade de recurso, que também se caracteriza por ser um prolongamento processual. Deve-se, por isso, interpretar essa norma como incidente às sentenças lato senso, isto é, qualquer decisão judicial, de instância ordinária ou superior, cuja conseqüência fática seja pôr fim ao processo.

(ii) alteração do artigo 463 do Código de Processo Civil passando a ter a seguinte redação: "Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la".

Antes da Lei n.º 11.232, este dispositivo possuía outro texto, verbo ad verbum:

"Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la".

A redação do aludido artigo teve que ser modificada para atender à nova sistemática processual, porque, conforme exaustivamente visto, sendo a execução modalidade da jurisdição e uma fase do processo, o juiz não cumpre e acaba o seu ofício jurisdicional com a prolação de sentença de mérito, conforme dispunha o texto anterior. Com a nova lei, o juiz só cumpre o seu ofício jurisdicional quando efetiva o cumprimento da sentença de mérito prolatada, portanto, seria incongruente manter o enunciado normativo na sua forma original.

(iii) a sentença de mérito condenatória é auto-executável, sendo desnecessária uma nova citação dos devedores.

Perdendo o processo de execução a sua autonomia, ou seja, não constituindo uma nova relação processual diferente daquela inicialmente instaurada, não se faz mais necessário citar os devedores para o cumprimento da sentença.

A citação, como se sabe, é "a comunicação que se faz ao sujeito passivo da relação processual (réu ou interessado), de que em face dele foi ajuizada demanda ou procedimento de jurisdição voluntária, a fim de que possa, querendo, vir se defender ou manifestar" [23]. Sendo uno o processo, só haverá necessidade da realização de uma citação para cada réu, angularizando uma relação processual que só se extinguirá ao final da execução da sentença.

Veja-se o que dispõe o novo art. 475-J: "Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação".

A única exegese possível do dispositivo denota que as sentenças de cunho pecuniário são auto-executáveis, devendo ser voluntariamente cumpridas no prazo máximo de 15 dias, sob pena de aplicação de multa no percentual de dez por cento. Caso o devedor não a cumpra espontaneamente, cabe ao credor iniciar o procedimento executório, nomeando bens a serem penhorados (art. 475-J, §3º). Expedido o mandado de penhora, dele será imediatamente intimado o executado, na pessoa de seu advogado, ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio (art. 475-J, §1º).

Perceba que a lei, em momento algum, fala da necessidade de citar o devedor para o cumprimento da sentença ou para responder a execução, bastando a sua intimação [24] para cumprir a finalidade de dar-lhe ciência do ato processual a ser praticado. A lei, aliás, concedeu ao juiz uma ampla possibilidade de efetivar essa intimação, permitindo, inclusive, que seja realizada na pessoa do advogado ou mesmo pelo correio, o que era vedado pelo artigo 222, d, do Código de Processo Civil. O curioso é que a Lei n.º 11.232 não revogou expressamente o citado dispositivo, porém, em razão do critério cronológico (lex posteriori derogat priori), é de se considerar que o artigo 222, d, do CPC foi revogado pela Lei n.º 11.232, ante a incompatibilidade de normas.

Permanece, entretanto, consoante o parágrafo único do artigo 475-N, a necessidade de citação do devedor nos casos dos incisos II, IV e VI, do artigo 475-N, respectivamente, em hipótese de execução de sentença penal condenatória transitada em julgado, sentença arbitral e sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. Conforme afirmado anteriormente, estes são os únicos casos, exceções, em que o legislador ainda concede autonomia ao processo de execução, em razão do título executivo judicial não derivar de uma decisão condenatória cível (ainda que homologatória), mas sim de uma decisão proferida em outra jurisdição (penal ou estrangeira) ou em sede de arbitragem. Nessas hipóteses, uma nova relação jurídica irá se formar e, conseqüentemente, far-se-á indispensável a citação dos devedores.

Concluindo este tópico, podemos afirmar que a Lei n.º 11.232 consagrou a execução da sentença condenatória como fase processual, ao invés do processo autônomo concebido outrora, dispensando nova citação dos devedores (salvo nas exceções do art. 475-N, parágrafo único), pois a função jurisdicional somente se aperfeiçoa, exaurindo o processo, com a efetiva entrega do bem jurídico a quem de direito.


3. Impugnação, ao invés de embargos

O meio processual de defesa utilizado pelo devedor na execução eram os embargos à execução, cuja natureza jurídica é a de uma ação de cognição incidental, de caráter constitutivo [25], onde o devedor pretende a desconstituição da eficácia do título executivo que embasa a execução. Tratava-se, portanto, de uma ação autônoma, com requisitos específicos de admissibilidade (segurança do juízo, etc.) de rito ordinário e cognitivo e o seu efeito imediato era a suspensão da execução até o seu julgamento (art. 739, §1º, CPC).

Como se afirmou anteriormente, apesar de o credor encontrar-se em uma posição de superioridade no processo de execução, tendo a seu favor uma declaração judicial acerca da existência de seu direito creditório, a sua pretensão era de início frustrada pela oposição de embargos, o que postergava a efetiva entrega da prestação jurisdicional por mais alguns anos.

Com o advento da Lei n.º 11.232 não são mais cabíveis embargos à execução como meio de defesa na execução por título judicial, devendo ser apresentada, pelo devedor, impugnação fundada nas seguintes causas: (i) falta ou nulidade de citação; (ii) inexigibilidade do título; (iii) penhora incorreta ou avaliação errônea; (iv) ilegitimidade das partes; (v) excesso de execução; (vi) qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença (art. 475-L).

Ao contrário dos embargos, a impugnação não se caracteriza por ser uma ação autônoma, incidental e desconstitutiva. Como a execução de sentença é apenas uma fase do processo, a impugnação oferecida terá a natureza jurídica de um incidente processual, resolvendo questão prejudicial a continuidade do próprio processo. Acolhido o incidente, o processo será extinto na fase de execução. Rejeitado, o processo prosseguirá até a efetiva entrega do bem jurídico.

Mutatis mutandi, a impugnação se assemelha à exceção de pré-executividade, comumente utilizada também como meio de defesa do executado, com a notória diferença de que na primeira é indispensável a garantia do juízo com a penhora de tantos bens quantos bastarem, enquanto a segunda visa justamente evitar a constrição judicial sobre os bens do executado, tendo em vista que o título executivo que consubstancia a execução é evidentemente nulo e inexigível. Aliás, com a nova sistemática da Lei n.º 11.232, que dota de auto exeqüibilidade a sentença meritória, entendemos dever ser reduzido e tolhido o uso da exceção de pré-executividade como meio de defesa nas execuções provenientes de sentenças condenatórias, restringindo o uso dessa espécie de defesa às execuções por título extrajudicial, execuções fiscais e, em menor intensidade, nas execuções por título judicial que não sejam sentenças condenatórias.

Também modificando o sistema anterior, a impugnação, em regra, não terá efeito suspensivo, podendo este, entretanto, ser atribuído pelo juiz desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação (art. 475-M). A lei, como se vê, proporcionou ao juiz os meios para proporcionar na execução uma prestação jurisdicional célere e objetiva, transformando em exceção a regra da suspensividade da defesa do executado. Somente em casos onde a ponderação dos interesses em conflito, numa análise casuística a ser realizada pelo juiz, denote que o prosseguimento da execução poderá ocasionar graves e desnecessários prejuízos ao executado, deve a execução ser suspensa.

Importante salientar que toda execução por quantia certa, invariavelmente, ocasionará prejuízo ao executado. Sendo o objetivo da execução expropriar do patrimônio alheio o montante necessário para o adimplemento da obrigação estipulada em sentença, qualquer ato judicial provocará um prejuízo ao executado - utilizada a palavra na sua acepção corrente [26]. Deve-se, não obstante, ouvir as palavras de São Tomás de Aquino para quem "o mal que se faz para punir não é mal; mal é aquele que se pratica com culpa". Dizendo de outra forma, o dano necessário a ser impingido ao executado, inerente a todo e qualquer procedimento executivo, não é suficiente per se para justificar a suspensão da execução; deve haver, isto sim, o perigo da ocorrência de um dano injustificado, desnecessário e irrazoável, se comparado à correspondente obrigação do executado, de modo a fazer incidir o comando legal.

Ainda que seja atribuído efeito suspensivo à impugnação, é lícito ao exeqüente requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando caução suficiente e idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos (art. 475-M, §1º). Aqui a caução se faz com o mesmo propósito da execução provisória; os riscos pelo prosseguimento da execução correm exclusivamente às custas e expensas do exeqüente, que deverá reparar eventuais prejuízos ocasionados ao executado. Entretanto, se o exeqüente desejar correr esse risco e oferecer uma caução idônea, não há nenhum óbice que possa ser imposto pelo juiz para impedir o prosseguimento da execução. Trata-se, assim, de um direito subjetivo processual da parte exeqüente e a atuação do juiz, nesse caso, ficará limitada a idoneidade ou não da caução por ele oferecida.

Deferido o efeito suspensivo, a impugnação será instruída e decidida nos próprios autos e, caso contrário, em autos apartados (art. 475-M, §2º). Não se confunda aqui a palavra autos com processo [27]. Só porque o indeferimento do efeito suspensivo gera a abertura de novos autos, não significa dizer que um novo processo será instaurado, nem que haverá aí uma nova relação processual. A abertura de novos autos nesse caso se justifica apenas para não atrapalhar os atos processuais a serem praticados na execução que não foi suspensa. Quer dizer, como a impugnação é um incidente processual, não sendo suspensa a execução, deverá ser autuada em apenso para não interferir no correto andamento da execução. Mas, apesar de estarem em autos apartados, execução e impugnação são partes do mesmo processo.

Conforme asseverado, se a impugnação for julgada procedente, haverá extinção do processo na fase de execução. Relembre-se que o processo é uno e somente será extinto quando não houver mais jurisdição a ser prestada. Essa decisão tem, portanto, a natureza jurídica de sentença e deverá ser impugnada através de apelação. Ao revés, a decisão que inadmite ou rejeita a impugnação, terá a natureza de decisão interlocutória porque não acarretará na extinção do processo e será impugnável por agravo de instrumento. Exatamente esses são os dizeres do §3º art. 475-M, ao dispor: "A decisão que resolver a impugnação é recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá apelação".

Apesar da lei nada dispor nesse sentido, porém como corolário básico do princípio do contraditório (art. 5º, LV, CF), deverá o juiz abrir vista ao exeqüente para se manifestar sobre a impugnação oferecida. Entendemos que se o prazo para oferecimento da impugnação é de 15 dias (art. 475-J, §1º), o prazo de resposta igualmente deverá ser de 15 dias, em respeito ao princípio da isonomia que deve nortear o direito processual.

Em prol de um processo mais célere e objetivo, não deve o juiz transformar a impugnação em um novo processo de conhecimento, como costumava se proceder anteriormente com os embargos à execução, determinando audiências e deferindo a produção de provas requeridas pelas partes. Não sendo a impugnação uma ação autônoma, e sim um incidente processual, a sua cognição é sintética e restrita às hipóteses do artigo 475-L. Não que, em alguns casos, não se fará conveniente, ou mesmo necessária, a produção de certas provas (como, v.g, uma perícia contábil). O que se pretende evitar, contudo, é a conversão de um incidente processual em uma nova ação cognitiva, visto que o novo procedimento adotado pela Lei n.º 11.232 vislumbra a unitariedade do processo. E, se há um único processo, não há por que se retornar a fases procedimentais já anteriormente exauridas ou decididas. O processo, proveniente do latim procedere, é um constante "caminhar para frente", e não se deve reavivar atos praticados ou discussões decididas em seu curso, sob pena de se atentar contra a sua finalidade e impedir a sua tão esperada efetividade como instrumento de pacificação social.

Por fim, esclareça-se ter a legislação abolido apenas os embargos à execução como meio de defesa do executado, permanecendo íntegra a possibilidade de um terceiro, prejudicado pela constrição patrimonial efetivada na execução, opor embargos de terceiro (art. 1.046, CPC) para se defender.


4. Execução contra a Fazenda Pública

Como toda boa regra tem a sua exceção, a Lei n.º 11.232 manteve o uso dos embargos à execução como meio de defesa a ser utilizado pela Fazenda Pública nas execuções que lhe são dirigidas (art. 5º). Nesse caso, foi mantido o status quo em prol da Fazenda Pública, dispondo ela, assim, de uma defesa diferenciada quando a execução da sentença condenatória for intentada contra ela.

Desta forma, nas execuções contra a Fazenda Pública, deverá ser ela citada (e não intimada, já que permanece em vigor o art. 730, do CPC) para oferecer, em 30 dias, embargos à execução que necessariamente suspenderão a execução. Portanto, tudo o quanto até aqui foi exposto, sobre a auto-executoriedade da sentença, a unitariedade do processo e o uso da impugnação como meio de defesa do executado não se aplicam às execuções contra a Fazenda Pública. O regime anterior permanece em tudo inalterado.

Trata-se de mais um privilégio processual a favor da Fazenda Pública, único litigante que dispõe de uma ação autônoma e desconstitutiva (os embargos) para se defender das execuções que lhe são propostas. Não bastasse todos os outros benefícios processuais assegurados à Fazenda Pública, o legislador reformador acabou por desconfigurar a sua própria reforma e criar uma verdadeira exceção dentro de toda a sistemática elaborada, só para agradar alguns entes públicos.

Não convence a alegação da necessidade de manter o status quo para proteger o interesse público, porque tal benefício não configura um interesse público primário, que é aquele essencial às aspirações da coletividade, mas sim um interesse público secundário, próprio da pessoa jurídica estatal dotada de personalidade jurídica própria, e que não goza de qualquer supremacia sobre os interesses privados. Em verdade, não há nenhuma razão de ordem lógica ou jurídica porque não se estender à Fazenda Pública, com as peculiaridades a ela inerentes, como a impenhorabilidade de seus bens ou o pagamento por meio de precatórios, a sistemática comum às execuções por quantia certa.

Parece que o legislador passa a mensagem de que o processo deve ser célere e efetivo, menos quando a Fazenda Pública figura como parte ré - justo ela que, diga-se de passagem, é a grande responsável pelo congestionamento do Poder Judiciário, pois posterga por uma eternidade demandas onde não lhe assiste qualquer razão e se recusa a cumprir as decisões judiciais quando lhe são desfavoráveis.

Pode ser até que o legislador tenha agido desta forma para evitar a formação e o pagamento de precatórios judiciais, enquanto não esgotadas todas as possibilidades de reforma da sentença, evitando que o Estado pagasse o que não era devido.

No entanto, o espírito da reforma é justamente abrir mão de certa segurança jurídica, exigida do direito processual, em prol de uma maior efetividade do processo. Se há uma sentença de mérito transitada em julgado sendo executada – e, por isso, desconstitutível em raríssimas ocasiões – não se vislumbra nenhum temor ou preocupação capazes de justificarem a benesse concedida à Fazenda Pública. Melhor teria obrado o legislador e mais coerente com o espírito reformador, se permitisse a formação e o pagamento do precatório (principalmente se considerarmos que o tempo envolvido nessas etapas leva anos, quiçá décadas), mas condicionasse o seu levantamento ao desprovimento da impugnação oferecida.

Seja como for, faltou vontade e empenho ao legislador para efetuar uma significativa mudança nas execuções por quantia certa contra a Fazenda Pública, cuja sistemática permanece inalterada, eis que não se aplica a ela as mudanças advindas com a Lei n.º 11.232.


5. Sentença auto-executável

Conforme dispõe o art. 475-J, as sentenças de obrigação por quantia certa devem ser voluntariamente cumpridas em quinze dias, sob pena da aplicação de multa no percentual de dez por cento. Findo o prazo estipulado em lei, iniciar-se-á o procedimento para a execução da sentença. É a designada força auto-executiva da sentença.

Procura-se, assim, coagir o devedor a adimplir voluntariamente a decisão sem que seja necessária a instauração do procedimento de execução para expropriar os seus bens. A multa a ser aplicada pelo inadimplemento voluntário será um fator chave para o sucesso ou insucesso da força auto-executiva da sentença, pois, como se sabe, ela é hoje o meio coercitivo mais eficiente para convencer o devedor a adimplir o que é devido.

Em alguns sistemas, como o norte-americano, o meio coercitivo é ainda mais incisivo, pois o descumprimento de uma sentença judicial configura crime (contempt of court), podendo ser expedido mandado de prisão contra o devedor inadimplente pelo próprio juízo prolator da decisão descumprida [28].

No ordenamento brasileiro, entretanto, salvo em raros casos, como na cobrança de dívidas alimentícias, não se cogita de prisão do devedor omisso por dívida civil, principalmente por existir uma rígida divisão entre a jurisdição civil e penal. Ainda que se entenda caracterizar como crime de desobediência o não cumprimento de uma decisão judicial, falece competência ao juiz cível para determinar a prisão do devedor [29], matéria exclusiva do juízo penal. Além do mais, a Constituição Federal apenas admite a prisão civil nos casos de dívida alimentícia ou depositário infiel.

No Brasil, portanto, a multa é o meio coercitivo mais eficiente e compatível com o nosso ordenamento para obrigar o devedor a cumprir a sua obrigação, sem que seja necessário movimentar toda a dispendiosa máquina estatal para expropriá-lo de seus bens e pagar o que é devido ao credor.

Antes do advento da Lei n.º 11.232, alguns doutrinadores já entendiam possível a aplicação de multa para compelir o adimplemento de obrigação por quantia certa [30], apesar da legislação somente vislumbrar essa possibilidade às obrigações de fazer, não-fazer (art. 461, CPC) e entregar coisa (art. 461-A, CPC). Correntemente, no dia-a-dia jurídico, era até muito comum aos juízes aplicarem uma multa para compelirem o réu ao cumprimento de decisão antecipatória de tutela, ainda que de natureza pecuniária, possibilidade que foi expressamente contemplada pela Lei n.º 10.444/02, dando nova redação ao §3º do artigo 273 do CPC. Como se vê, a Lei n.º 11.232 veio cristalizar o entendimento que já era cotidianamente aplicado por nossos magistrados e juristas.

A questão, agora, a ser ponderada e analisada é saber se o limite de dez por cento imposto pela Lei n.º 11.232 será idôneo como meio coercitivo para o cumprimento da sentença. Antes de mais nada, apesar da lei ser omissa quanto a este ponto, deve-se entender que a multa incide no percentual de dez por cento sobre o valor da condenação.

A nosso ver, foi infeliz o legislador ao pretender fixar um limite percentual à multa a ser aplicada. Melhor seria se tivesse deixado ao critério discricionário do juiz a fixação de multa no caso concreto, tal como ocorre nas obrigações de fazer e não-fazer (art. 461, §6º, CPC).

Como a finalidade da multa é evitar que o sistema processual continue a ser utilizado para alimentar a injustiça, onde os que possuem patrimônio suficiente para adimplir a obrigação usam o processo para postergar o pagamento devido, caberia ao alvedrio do juiz determinar, no caso concreto, um montante compatível com a sua mens, o que é prima facie afastado por uma interpretação meramente gramatical.

Todavia, uma interpretação teleológica poderá conduzir ao entendimento de que o percentual de dez por cento não é uma imposição legal, mas sim uma indicação legislativa que, diante da circunstância concreta, pode ser minorado ou majorado pelo juiz. Além do que, é plenamente aplicável à nova lei de execução, o disposto no parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil que permite a imposição de multa de até vinte por cento do valor da causa, quando a parte não cumpre com exatidão os provimentos mandamentais, criando embaraços à efetivação de provimentos judiciais. Diante da aplicação deste artigo cumulada com o art. 475-J, a critério discricionário do juiz, caberá uma elevação no percentual da multa.

Aliás, caso se pretenda que a multa cumpra a sua função coercitiva, esse será o entendimento obrigatório a ser adotado, sob pena da imposição de multa não alterar em nada o estágio processual atual.

Explica-se: é entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça que a simples instauração do processo de execução, seja proveniente de título judicial ou extrajudicial, enseja nova aplicação de honorários advocatícios, ao teor do §4º do artigo 20 do Código de Processo Civil [31]. No julgamento do leading case, as razões utilizadas pelo voto prevalecente [32] se pautavam exatamente na autonomia do processo de execução, vale dizer, sendo este um processo desvinculado do processo cognitivo não havia porque se fazer uma distinção entre execuções por títulos judiciais e extrajudiciais para fins de incidência de honorários advocatícios.

Ocorre que, conforme exaustivamente analisado, salvo na execução contra a Fazenda Pública, não há mais que se falar em autonomia do processo de execução e, portanto, brevemente deverá ser revista a posição jurisprudencial dominante que entende ser cabível honorários advocatícios nas execuções provenientes de sentenças condenatórias. Isto importa dizer que, não obstante incidir contra o executado a multa do art. 475-J ficará ele desobrigado do pagamento de honorários pela simples instauração do procedimento executivo. Além do mais, abolidos os embargos à execução, também deixam de ser devidos os honorários referentes a esta ação autônoma, pois a impugnação, como incidente processual, somente ensejará a incidência de honorários quando de seu provimento (decisão favorável, portanto, ao executado).

Como na grande maioria das execuções, os honorários são arbitrados em dez por cento sobre o valor da execução, haverá verdadeira compensação financeira para o executado. Se de um lado fica obrigado a pagar dez por cento de multa, por outro deixa de ser onerado em honorários advocatícios nesse exato percentual, ou até mesmo em valor superior. Financeiramente, portanto, a multa de dez por cento não assustará o executado a ponto de adimplir espontaneamente a sua obrigação. A não ser que haja uma reformulação teórica e permita-se a cobrança de honorários advocatícios pela instauração da fase de execução, apesar desta não gozar mais de autonomia, a limitação da multa em dez por cento imposta pelo legislador acaba por não alterar o quadro atual das execuções.

Como meio coercitivo, a multa deve compelir o devedor a cumprir a sentença, e, por isso, deve ser estipulado baseado em um critério casuístico do juiz da causa, levando em consideração o valor da condenação e a situação patrimonial do executado. De nada adiantará determinar a aplicação de multa no percentual máximo à pessoa que não possui patrimônio para cumprir a obrigação pecuniária estipulada na sentença, nem parece justo aplicar tal percentual em condenações de elevado vulto, onde, nem se a parte quisesse, conseguiria adimplir espontaneamente a obrigação no exíguo prazo de quinze dias.

Resumindo, quando o juiz determinar a intimação do devedor para cumprimento da sentença, deverá cominar uma multa compatível com o caso concreto, que poderá suplantar o limite de dez por cento ou reduzi-lo, se a situação particular do caso concreto assim recomendar.


6. Outras modificações

Para finalizar esse trabalho, analisaremos pontualmente outras importantes modificações introduzidas pela Lei n.º 11.232:

(a) o direito de nomeação passa a ser do credor, e não mais do devedor: anteriormente, o Código de Processo Civil dispunha que nas obrigações por quantia certa o devedor seria citado para pagar em 24 horas ou nomear bens a penhora (art. 652, CPC), cabendo ao devedor o direito à nomeação (art. 655, CPC). Com a lei n.º 11.232, o direito à nomeação passou a ser do credor, como se denota do art. 475-J, §3º: "O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados".

Vale frisar que, embora os artigos 652 e 655 do Código de Processo Civil não tenham sido revogados pela Lei n.º 11.232, por uma simples questão de sistemática processual, eles passaram a ser aplicados tão-somente às execuções por título executivo extrajudicial. Aliás, deve-se considerar todas as disposições constantes no Título II do Livro II do CPC que forem incompatíveis com a Lei n.º 11.232 e não tenham por ela sido expressamente revogados aplicáveis tão-somente às execuções por título extrajudicial.

(b) desnecessidade de caução na execução provisória: repetindo a disposição anterior do art. 588 do CPC, com redação da Lei n.º 10.444/02, a Lei n.º 11.232 condicionou, na execução provisória, o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ao oferecimento de caução idônea e suficiente para impedir danos ao executado (art. 475-O, III). A novidade legislativa são as exceções a esta caução, que poderá ser dispensada nas seguintes hipóteses: (a) quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o exeqüente demonstrar situação de necessidade; (b) nos casos de execução provisória em que penda agravo de instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação (art. 475-O, §2º).

Note que a lei utiliza o vocábulo "poderá" denotando não se tratar de uma obrigação dirigida ao juiz, mas sim de um poder discricionário, devendo o magistrado sopesar os interesses em conflito para apurar, no caso concreto, se a caução deve ou não ser dispensada.

(c) escolha da competência do juízo da execução: quando a execução decorre de uma sentença condenatória cível, o juízo competente para o seu processamento é o que julgou a causa no primeiro grau de jurisdição (art. 475-P). Quanto a este aspecto, não houve nenhuma modificação na legislação anterior (art. 575, II, CPC). A inovação legislativa encontra-se no parágrafo único do art. 475-P, verbis: "No caso do inciso II do caput deste artigo, o exeqüente poderá optar pelo juízo do local onde se encontram bens sujeitos à expropriação ou pelo atual domicílio do executado, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem".

Trata-se de salutar medida de economia processual, de modo a evitar a remessa de uma profusão de cartas precatórias a serem cumpridas, que se fazem necessárias quando o executado possui bens a serem penhorados ou reside em outra comarca. A norma justifica-se, igualmente, por ser uma escolha exclusiva do exeqüente que poderá livremente optar entre executar o devedor onde tramitou o processo em primeira instância, no domicílio atual do executado ou onde ele possui os bens sujeitos á expropriação, sendo defeso ao juiz obstar a livre escolha do exeqüente ou determinar ex officio a remessa dos autos a outra comarca, contra a vontade do exeqüente.


7. Considerações finais

Tirando alguns deslizes, como a manutenção da sistemática anterior exclusivamente à Fazenda Pública, a Lei n.º 11.232 merece mais aplausos do que vaias. Com certeza, muitas vozes contra ela se levantarão, saudosas do tempo em que o direito processual se preocupava mais em assegurar aos litigantes um rito excessivamente burocrático, em prol de uma dúbia segurança jurídica das decisões judiciais, do que servir de meio eficiente à prestação jurisdicional.

Diga-se, por pertinente, que, apesar de se mostrar ineficaz, a sistemática anterior do Código de Processo Civil, intectualmente e doutrinariamente falando, era muito bem construída. Entretanto, nem sempre o que é bom e bonito no papel reflete a mesma realidade na prática. Infelizmente, o ser humano tem o péssimo hábito de abusar ao extremo da liberdade que lhe é concedida e, nós, advogados, imperfeitos que somos, procuramos sempre usar a lei a nosso favor, ainda que seja apenas para postergar o direito alheio. A sistemática anterior falhava justamente por proporcionar condições para o uso abusivo de diversos institutos com o fim, único e exclusivo, de procrastinar o que não deve ser delongado por mais tempo do que necessário: o processo judicial.

Se a nova sistemática será capaz de corrigir os erros de outrora e proporcionar a tão aguardada e esperada efetividade do processo é algo que somente o futuro irá dizer. O certo é que de nada adianta a mudança legislativa, se não for acompanhada de uma significativa alteração no pensamento jurídico corrente.


Notas

01 Luiz Fux, escudado em Carnelutti, corretamente já vaticinou: "O tempo é um inimigo contra o qual o juiz luta desesperadamente, no afã de dar a resposta judicial o mais rápido possível. (...) esse decurso natural do tempo do processo é entrevisto como um mal contemporâneo do processo na análise do binômio custo-duração. Os juízes cumprem os ritualismos impostos pela lei e, com essa obediência procedimental, postergam no tempo a solução judicial substitutiva da vingança privada (...). Essa demora, cuja responsabilidade pode ser imposta em grande parte ao cumprimento de solenidades processuais, mercê da falta de estrutura do Judiciário, motivou no limiar do novo século a ‘busca de uma forma diferenciada de prestação jurisdicional’, onde o juiz pudesse, mediante compreensão procedimental e cognição sumária, atender a essa ‘cultura’ da celeridade que se formou em confronto com o valor ‘segurança’, solucionando o conflito em prazo breve, provendo, o quanto possível, ‘bem e depressa’" (Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo, Forense, Rio, 1996, p. 3, nota 3)

02 Essa preocupação já se encontrava em Kazuo Watanabe "Uma das vertentes mais significativas das preocupações dos processualistas contemporâneos é a da efetividade do processo como instrumento da tutela de direitos. Do conceptualismo e das abstrações dogmáticas que caracterizam a ciência processual e que lhe deram foros de ciência autônoma, partem hoje os processualistas para a busca de um instrumentalismo mais efetivo do processo, dentro de uma ótica mais abrangente e mais penetrante de toda a problemática sócio-jurídica. Não se trata de negar os resultados alcançados pela ciência processual até esta data. O que se pretende é fazer dessas conquistas doutrinárias e de seus melhores resultados um sólido patamar para, com uma visão crítica e mais ampla da utilidade do processo, proceder ao melhor estudo dos institutos processuais – prestigiando institutos tradicionais, ou concebendo institutos novo – sempre com a preocupação de fazer com que o processo tenha plena e total aderência à realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumento à efetiva realização dos direitos". (Da Cognição no Processo Civil, 2ª ed. Atualizada, Bookseller, São Paulo, 2000, p. 20-21)

03 Giuseppe Chiovenda há muito já ensinou "À luz da definição registrada, é jurisdição também a execução; e, em verdade, na execução se efetiva, a rigor, a atuação da lei mediante uma substituição de atividade. (...) Cumpre relacionar a jurisdição com o escopo final do processo. Não existe jurisdição somente quando, no curso da execução, surgem contestações que é preciso resolver; antes, importa em jurisdição a própria aplicação das medidas executórias, porque se coordena com a atuação da lei". (Instituições de Direito Processual Civil, v. 2, Bookseller Editora, Campinas, 1998, p. 20-21, trad. Paolo Capitanio)

04 Cintra, Grinover e Dinamarco. Teoria Geral do Processo, 13ª Ed., Malheiros Editores, São Paulo, p. 132

05 Carlos Maximiliano, com sua notória expertise, leciona: "Considera-se o Direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi redigida." (Hermenêutica e Aplicação do Direito, Livraria Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1965, 8ª Ed., págs. 163/164). Outro não é o entendimento esposado por H. C. BLACK ao anotar que quando a literal interpretação de uma lei resultar em contradição com o manifesto intuito que lhe deu origem "it should be construed according to its spirit and reason, disregarding or modifying, so far as may be necessary, the strict letter of the law" (in Construction and Interpretation of the Laws, West Publishing Co., St. Paul, Minnesota, 1911, pág. 66).

06 Explicam Cintra, Grinover e Dinamarco, sobre a eficácia temporal das leis processuais nos processos em curso: "Diante do problema, três diferentes sistemas, poderiam hipoteticamente ter aplicação: a) o da unidade, segundo o qual, apesar de se desdobrar em uma série de atos diversos, o processo apresenta tal unidade que, somente seria regulado por única lei, a nova ou velha, de modo que a velha teria de se impor para não ocorrer a retroação da nova, com prejuízo dos atos já praticados até à sua vigência; b) o das fases processuais, para o qual distinguir-se-iam fases processuais autônomas (postulatória, ordinatória, instrutória, decisória e recursal), cada uma suscetível, de per si, de ser disciplinada por uma lei diferente; c) o do isolamento dos atos processuais, no qual a lei nova não atinge os atos processuais já praticados, nem seus efeitos, mas se aplica aos atos processuais a praticar, sem limitações relativas às chamadas fases processuais" (Teoria Geral do Processo, 13ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, p. 99-100). Essa última corrente prevaleceu doutrinária e jurisprudencialmente, tendo sido expressamente recepcionada pelo Código de Processo Civil, cujo artigo 1.211 dispõe "Ao entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes".

07 Apesar do tema ser objeto de controvérsia doutrinária e jurisprudencial, tendo o Superior Tribunal de Justiça reiteradamente entendido que a lei complementar é hierarquicamente superior à lei ordinária, a questão se resume, na verdade, a uma análise de competência e conteúdo da lei. Com efeito, as leis ordinárias não retiram o seu fundamento da lei complementar, o que caracteriza a hierarquia e subordinação. Ambas estão afetas ao texto constitucional e, em regra, a lei ordinária é suficiente para disciplinar qualquer relação jurídica; apenas quando a Constituição Federal expressamente assim o determina, torna-se necessária a edição de lei complementar. Pode-se dizer, portanto, que há uma reserva da lei complementar, constitucionalmente delimitada, e não que existe uma hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária.

08 Caso em que a vigência da lei iniciar-se-ia em 21 de junho de 2006, pois 180 dias contados a partir de 23 de dezembro de 2005 recai em 20 de junho de 2006.

09 Caso em que a vigência da lei iniciar-se-ia em 23 de junho de 2006, pois há um lapso de 182 dias entre 23 de dezembro (data da publicação) e junho de 2006.

10 O Processo de Execução, vol. 1, Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 1999, p. 164.

11 Há autores que incluem nesse rol as ações de eficácia mandamental, mas como há grande discussão se esta seria uma classificação autônoma ou espécie de ação condenatória, optamos por exclui-la, respeitando a classificação tradicional.

12 Wambier, Luiz Rodrigues. (coord.) Curso Avançando de Processo Civil, vol. 1, 2ª ed., 1999, Ed. RT. 140.

13 Quanto a inexistência de eficácia executiva das ações constitutivas e meramente declaratórias, Humberto Theodoro Junior é incisivo em afirmar "A sentença constitutiva, criando uma situação jurídica nova para as partes, como, por exemplo, quando anula um contrato, dissolve uma sociedade conjugal ou renova um contrato de locação, por si só exaure a prestação jurisdicional possível. O mesmo ocorre com a sentença declaratória cujo objetivo é unicamente a declaração de certeza em torno da existência ou inexistência de uma relação jurídica. Em ambos os casos, nada há que executar após a sentença, quanto ao objeto específico da decisão. O mandado judicial que às vezes se expede após estas sentenças, como o que determina cancelamento de transcrição no Registro Imobiliário, ou a averbação à margem de assentos no Registro Civil, não tem função executiva, no sentido processual. Sua finalidade é tão-somente a de dar publicidade ao conteúdo da decisão constitutiva ou declarativa". (Curso de Direito Processual Civil, vol. 2, 34ª ed., Ed. Forense, 2003, p. 72)

14 Alexandre Freitas Câmara, Lições de Direito Processual Civil, vol. I, 8ª Ed. Lumen Juris, p. 441

15 Fundamentos do Direito Processual Civil, São Paulo, Saraiva, 1946, p. 240.

16 A título ilustrativo, veja-se o magistério de Cândido Rangel Dinamarco quando expõe "O processo executivo é um processo autônomo, distinto e diferente do processo de conhecimento, ainda quando a execução tenha por fundamento um título judicial produzido neste (sentença condenatória etc.). (...) Ser autônomo significa que o processo executivo não constitui mero prosseguimento de um processo principiado para conhecer e julgar e continuado para entregar e satisfazer" (Instituições de Direito Processual Civil, vol. IV, Malheiros Editores, São Paulo, 2004, p. 62-63).

17 Ob. cit., p. 8.

18 Processo de Execução, 3ª ed., Saraiva, São Paulo, 1968, p. 38-42.

19 Havendo ainda possibilidade de execução de algumas decisões interlocutórias, como ocorre nas antecipações de tutela.

20 Nesse sentido, Alexandre Freitas Câmara: "A Lei n.º 10.444/02 modificou o modelo anteriormente existentes (ressalvadas, apenas, as obrigações pecuniárias). A partir da entrada em vigor do aludido diploma legal, a condenação não é mais capaz de exaurir o processo. A execução é um prolongamento do processo, que não é mais nem puramente cognitivo nem puramente executivo, mas um processo misto, sincrético, em que as duas atividades se fundem". (Lições de Direito Processual Civil, v.II, 7ª ed., Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2003 p. 151)

21 Cândido Rangel Dinamarco expõe "Com essa nova alteração [Lei n.º 10.444/02], toda e qualquer obrigação específica amparada por título judicial comporta essa espécie de execução mais severa e ágil dispensada a instauração de formal processo executivo. Somente as obrigações pecuniárias é que prosseguem sob o antigo regime, representado pelo processo de execução por quantia certa contra devedor solvente" (A Reforma da Reforma, 2ª ed., Malheiros Editores, São Paulo, 2002 p. 222).

22 Dos Recursos Cíveis, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004.

23 Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado, 3ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1997, p. 498

24 Intimação, nos dizeres do Código de Processo Civil, "é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que se faça ou deixe de fazer alguma coisa" (art. 234).

25 Humberto Theodoro Junior, ob. cit., p. 262.

26 Dano que alguém sofreu no seu patrimônio material ou moral (in Michaelis – Dicionário da Língua Portuguesa, Ed. Melhoramentos)

27 Socorra-se, uma vez mais, à lição de Cintra, Grinover e Dinamarco: "Terminologicamente, é muito comum a confusão entre processo, procedimento e autos. Mas, como se disse, procedimento é mero aspecto formal do processo, não se confundindo conceitualmente com este; autos, por sua vez, são a materialidade dos documentos em que se corporificam os atos do procedimento. Assim, não se deve falar, por exemplo, em fases do processo, mas do procedimento; nem em "consultar o processo", mas os autos. Na legislação brasileira, o vigente Código de Processo Civil é o único diploma que se esmerou na precisão da linguagem" (Ob. cit., p. 280)

28 Como denota a lição de Jack Friedenthal, Mary Kay Kane e Arthur R. Miller: "When a losing defendante is unwilling to give the plaintiff the remedy to which the court has declared her entitled, state statues provides a series of procedures for discovering the judgement debtor´s assets and for collecting them. Whem injunction relief is involved, wether preliminary or as final degree, the court has the power to enforce compliance by holding those who regard its decree in contempt of court" (Civil Procedure, 3d edition, West Group, St Paul, 1999, p. 715). E, em outra passagem, afirmam: "Historically, the procedural remedy of civil arrest – the capias ad respondendum – was a device for oibtaining jurisdiction over the defendant by which the defendant would be taken into custody and physically restrained until bail was posted or judgement was rendered" (ob. cit., p. 718).

29 Apesar de tal proibição, alguns juízes e desembargadores bem que tentaram determinar a manu militari a prisão do devedor inadimplente, numa pretensão que, obviamente ilegal, esbarrou no Superior Tribunal de Justiça, como demonstra o seguinte julgado: "Em se tratando de real ameaça de prisão em flagrante, decorrente de descumprimento de ordem judicial, e não de simples advertência genérica, cabível a impetração de habeas corpus A autoridade impetrada - Desembargador Relator de Mandado de Segurança - é incompetente para ordenar a prisão por crime de desobediência, na ausência de previsão legal. Se a hipótese não se identifica com as situações de dívida alimentícia ou depósito infiel, resta demonstrada a incompetência absoluta e a ilegalidade da ameaça concreta de prisão. Ordem CONCEDIDA para expedição de salvo conduto em favor do paciente" (HC 32326-AC, Sexta Turma, Rel. Min. Paulo Medina, DJ 10.10.05).

30 A título ilustrativo, Luiz Guilherme Marinoni: "A multa coercitiva, como é evidente, não deseja – nem pode – eliminar a execução por expropriação, uma vez que, diante da própria natureza dessa multa, sempre será possível o descumprimento da sentença e, assim, necessária a execução por expropriação. O desejo da multa coercitiva – como acontece em qualquer caso – é o de convencer o demandado a adimplir. E isso é possível – e pode trazer grandes benefícios – não apenas diante das obrigações de fazer, de não fazer e de entrega de coisa, mas também em face das obrigações de pagar" (Artigo: A efetividade da multa na execução da sentença que condena a pagar dinheiro, Jus Navigandi, Teresina, n. 500, 19 nov. 2004).

31 "A nova redação do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil deixa induvidoso o cabimento de honorários de advogado em execução, mesmo não embargada, não fazendo a lei, para esse fim, distinção entre execução fundada em título judicial e execução fundada em título extrajudicial" (RESP 140403/RS, Corte Especial, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, RSTJ v. 119, p. 22)

32 Proferido pelo Min. Carlos Alberto Menexes Direito: "A execução é um processo autônomo, a exigir trabalho profissional específico, não sendo razoável a interpretação que afasta os honorários porque já acolhidos no processo de conhecimento" (RSTJ v. 119, p. 22).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROHR, Joaquim Pedro. A nova lei de execução: uma vitória da efetividade processual?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1008, 5 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8210. Acesso em: 26 abr. 2024.