Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/82100
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Autonomia constitucional dos entes federativos e a lógica da competência tributária

Autonomia constitucional dos entes federativos e a lógica da competência tributária

|

Publicado em . Elaborado em .

Analisamos as características do Estado brasileiro, considerando a autonomia dos entes federativos, principalmente no ponto da disposição das competências tributárias e da sua lógica.

RESUMO: Esse trabalho cientifico teve o intuito de analisar as características do Estado brasileiro, principalmente no ponto da disposição das competências tributárias e da repartição das receitas tributárias, dispostas no texto da Constituição da República. Para chegar a um satisfatório entendimento da temática em questão, parte-se de uma análise da estrutura do Estado brasileiro, organizado sob a forma de Federação. Após passagem pelos conceitos de estado unitário, estado federal e confederação, passa-se a observar as normas fundamentais que a forma do estado traz para o campo do direito tributário. Depois, a análise troca de alvo, passando sobre a diferenciação e as características da soberania, colocada em comparação com a autonomia dos entes federativos. Percebendo a extensão da autonomia constitucional e suas facetas para os entes federativos, constrói-se uma conclusão acerca da importância da decisão do legislador constitucional no ponto da distribuição das competências tributárias. Nesse ponto parte-se para um breve estudo sobre alguns fundamentos da competência tributária pra fortalecer as bases da discussão proposta. Entre esses fundamentos destaca-se a discrepância existente na competência tributaria e na capacidade tributária ativa. Por fim, entendido diversos elementos fundamentais ao tema, parte-se a análise de critérios que nortearam a repartição de competências tributárias, bem como as consequências da estruturação da federação pelo ponto de vista tributário-fiscal.

Palavras-chave: Competência Tributária. Capacidade Tributária Ativa. Soberania. Autonomia. Federação.

SUMÁRIOINTRODUÇÃO. 1. O ESTADO FEDERAL E A INFLUÊNCIA NA TRIBUTAÇÃO.  1.1 o estado federal, o estado unitário e a confederação. 1.2 Estado e administração. 1.3  implicações no direito tributário.  2. Soberania e Autonomia Constitucional. 2.1. autonomia CONSTITUCIONAL. 2.2 CARACTERÍSTICAS da autonomia constitucional. 3.  Fundamentos da Competência Tributária. 3.1 características da Competência tributaria e da capacidade tributaria ativa. 4. lógica de distribuição De competência tributária. 5. CONSEQUêNCIAS DO MODELO DE FEDERALISMO FISCAL BRASILEIRO. CONCLUSãO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

A República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal e constitui-se em Estado Democrático de Direito, conforme art. 1º da Constituição Federal de 1988. Somente essa linha de texto já traz um grande peso e responsabilidade para a estrutura da federação brasileira.

A estrutura do Estado em Federação traz diversas consequências para a vivência dos países que assim a adotam. Ter diversos níveis de governo descentralizados, em contrapartida de ter apenas um governo central fortalecido e inchado, como no Estado Unitário, traz uma completa mudança para as dinâmicas entre os poderes e os entes federativos.

Entre essas divergências algumas se destacam pela importância que possuem. Assim, entra em cena a divisão das competências legislativas e administrativas de um ente federativo, contrapostas às competências tributárias e à repartição de receitas derivadas oriundas da tributação. Tal ponto carrega essencialidade porquanto é um dos que irão definir se um ente estatal terá a capacidade de seguir os mandamentos constitucionais e realizar a plenitude de suas competências.

O Brasil adotou o sistema da civil law e por isso possui característica ter uma vasta legislação para tratar de todos os assuntos, diferenciando-se dos países adotantes da commom law, a qual, por sua vez, tem como característica o baixo volume de legislações e códigos, tratando boa parte de seu ordenamento jurídico por meio da jurisprudência construída por seu Poder Judiciário e guiados por um sistema de precedentes normativos.

Mesmo com o Estado brasileiro flertando com o sistema de precedentes atualmente (como no caso das súmulas vinculantes, criadas com a EC nº 45/2004 e o efeito vinculante das decisões proferidas no controle concentração de constitucionalidade), ainda é inegável a importância e presença de normas produzidas pelo Poder Legislativo. Por essa razão, o papel dos estudiosos do direito, traduzido principalmente no trabalho dos doutrinadores e cientistas jurídicos, é de extrema relevância. Pela natureza de modificação mais vagarosa da civil law, esses trabalhos dos juristas são de suma importância para manutenção da efetividade e atualidade das normas jurídicas.

Essa produção monográfica está dividida em quatro principais capítulos, tratando de quatro diferentes temáticas que, apesar de separadas tratam-se de assuntos interligados para os fins objetivados por esse trabalho, de realizar uma análise sobre a autonomia constitucional dos entes federativos destacando a competência tributária de cada um.

Alguns pontos abarcam temas de diferentes ramos do direito. Cabe, preliminarmente, destacar a clássica divisão dos ramos do direito, que não passa de mera divisão didática para a doutrina especializada. Desse modo, temas de direito constitucional, de direito administrativo ou de direito tributário de forma alguma fazem parte do ordenamento jurídico pátrio separadamente um do outro, pois todos fazem parte de uma ciência única: o Direito.

No primeiro capítulo dessa monografia encontra-se um breve estudo acerca das diferenças conceituais entre Estado Federal, Estado Unitário e o Estado Confederado, bem como entre Estado e Administração Pública. Por fim, são apontadas algumas implicações que a escolha do legislador constituinte em estruturar o Brasil em Federação inflige no Direito Tributário.

Depois, no segundo capítulo, os temas alvo da análise foram as duas consequências que resultam da adoção da forma federativa de Estado: a Soberania e a Autonomia. A soberania é observada principalmente do aspecto constitucional, enquanto a autonomia é dissecada em quatro aspectos principais, quais sejam: a autoadministração, a autolegislação, a auto-organização e o autogoverno.

Posteriormente, no terceiro capítulo, o assunto principal tratado é o fundamental sobre a competência tributária. Sendo parte dessa discussão a questão da diferenciação entre capacidade tributária ativa e a competência tributária, e após de ser satisfeita essa distinção, são analisados os significados de cada um dos tipos de competência tributária segundo a maioria da doutrina.

Por último, nos derradeiros quarto e quinto capítulos, é apontada a sistemática de distribuição de competências. Concluindo, são mostrados alguns critérios de divisão de competência, sendo comentados alguns dos resultados do modelo atual de federalismo fiscal adotado no Brasil.

Este trabalho cientifico possui o intuito de fomentar as discussões no campo do Direito Público, em especial levando em conta  a disciplina constitucional da competência tributária e da repartição das receitas oriundas da tributação.


1. O ESTADO FEDERAL E A INFLUÊNCIA NA TRIBUTAÇÃO

Como mencionado na nota introdutória, em seu primeiro artigo a Constituição de Outubro elegeu diversos aspectos de como seria estruturado o país. Além de estabelecer os fundamentos da república e a fonte de onde emana o poder estatal, na mesma norma também fez decisões essenciais para o país que pretendia construir com a nova ordem iniciada a partir de 1988.

Tais decisões foram: a escolha da forma Republicana de governo, a revelia da Monarquia (adotada somente na Constituição de 1824); do regime Democrático de Direito, pautado na legalidade e na cidadania; e, mais importante para o presente estudo, da forma Federativa de Estado, em contrário a forma Unitária, forma essa mais comum entre os países do mundo, principalmente porque muitos deles não possuem uma vasta extensão territorial que justifique uma separação de poderes nas suas divisões internas (exemplos: Espanha, Portugal, Reino Unido, etc).

As razões para essa escolha dessa forma de Estado pelo Brasil são diversas, mas é possível apontar principalmente a sua extensão territorial, já que comumente se diz que se trata de um país de extensão continental, sendo o 5º maior do mundo.

Demonstrou-se acertada a decisão da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, então, ao fazer a escolha por uma forma federativa de Estado para formar a nova estrutura brasileira após a retomada democrática, tendo sido superado o período de regime militar e dando início ao período da história do país conhecido como Nova República.

Acertada, porquanto a eficiência de administrar um país dessa magnitude de forma puramente centralizada e engessada seria muito complicada. As características e necessidades de cada estado-membro variam e por isso a administração de forma federalizada mostra-se mais adequada ao interesse público e ao desenvolvimento do país.

O funcionamento e a dinâmica de um Estado Unitário, forma de Estado que se contrapõe à forma federada, seria de difícil instalação no Brasil, pelo que já foi dito acima. Além disso, um governo unitário em um país desse tamanho seria demasiadamente inchado devido à sobrecarga com todas as obrigações inerentes à administração pública, em especial num Estado Social de Direito.

O estudo das características e diferenças entre as duas formas de Estado serão descritas e referenciadas no decorrer dessa produção artística.

Por fim, será analisado o que significa o país ser estruturado em forma de federação para o direito tributário e especificamente a temática da repartição da competência tributária.

1.1 o Estado Federal, o Estado Unitário e a Confederação

O primeiro passo no estudo do sistema de competências instituído pela Carta Constitucional é se atentar para as características da forma federativa de Estado em contrapartida à forma Unitária.

Importante destacar, brevemente, o que se entende por Estado, segundo Dirley da Cunha Jr:

O Estado é um fenômeno político que decorreu de um processo histórico de experiência nos diversos povos do mundo, cujo conceito vem evoluindo desde a antiguidade (...). Objetiva-se apenas focalizar o Estado – enquanto núcleo social politicamente organizado e ordenado, com um poder soberano, exercido em um território, com um povo, para o cumprimento de finalidades específicas – a partir de funções essenciais, que, ordinariamente, compreendem as funções legislativas, judiciais e executivas (...).

Retira-se desse entendimento os chamados elementos integrantes, componentes ou constitutivos do Estado, que são: soberania, finalidade, povo e território. Imprescindível a observação quanto a distinção de soberania e de autonomia, segundo a Constituição Cidadã, a qual será objeto de análise mais adiante.

Compreendido o conceito essencial de Estado, pode-se passar a observar as suas variadas formas, o Estado Unitário e o Estado Federal, além de uma breve observação sobre o que vem a ser a estrutura conhecida como Confederação.

Primeiramente, para análise do Estado Unitário, Pedro Lenza explica que essa forma de Estado é classificada pela doutrina em três espécies: Estado unitário puro, que segundo Leda Pereira Mota e Celso Spitzcovsky, “se caracteriza por uma absoluta centralização exercício do poder“ e, além disso, “não tem condições de garantir que o Poder seja exercido de maneira eficiente”; Estado unitário descentralizado administrativamente, que apesar de manter as decisões no governo central, cria órgãos ou polos que são incumbidos da execução dessas decisões; e Estado unitário descentralizado administrativa e politicamente, o mais comum da atualidade, em que além da descentralização da execução, pois os órgãos passam a ter certa autonomia sobre como proceder na realização dessas decisões do governo central.

Por outro lado, na lição de Geraldo Ataliba, a federação surge de uma associação de Estados (foedus, foederis) para constituírem um novo Estado (o federal), com repartição rígida de atributos da soberania entre eles, informando-se esse relacionamento pela autonomia recíproca da União e dos Estados, sob a égide da Constituição Federal, caracterizadora dessa igualdade jurídica, dado que ambos extraem suas competências da mesma norma. Disso, entende-se que cada ente é soberano em sua esfera, tal como foi disposto no pacto federativo.

Levando-se em consideração a realidade do Brasil, esses atributos de soberania citados por Ataliba se traduzem na parcela de autonomia que cada ente federativo herdou do texto constitucional, com as capacidades inerentes a essa autonomia constitucional, além de significar também a repartição das competências legislativas, administrativas e tributárias.

O pacto federativo tem como marcantes características a indissolubilidade do seu vínculo e a ausência do direito de secessão (cunhada na expressão “união indissolúvel” do texto magno). O Ministro Alexandre de Moraes considera que o princípio da indissolubilidade tem duas funções primordiais: a manutenção da unidade nacional e a necessidade de descentralizar a administração. Sobre o direito de secessão, Moraes comenta que:

 “A mera tentativa de secessão do Estado-membro permitirá a decretação de intervenção federal (CF, art. 34, I), devendo sempre a Constituição ser interpretada de sorte que não ameace a organização federal por ela instituída, ou ponha em risco a coexistência harmoniosa e solidária da União, Estados e Municípios”.

O constituinte elegeu, inclusive, a forma federativa de Estado como uma das cláusulas pétreas (núcleo duro), determinando no art. 60, § 4º, inc. I da Constituição Outubrina que qualquer proposta de emenda constitucional tendente a abolir a Federação é impossibilitada de prosseguir no Congresso Nacional, cabendo inclusive mandado de segurança impetrado por parlamentar para impedir seu trâmite. Nesse diapasão, o STF admite a legitimidade do parlamentar – e somente do parlamentar – para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo. (MS 24.667 AgR e MS 32.033)

De seu turno, já no tocante à forma de estruturação de um Estado, chamada de Confederação, cabe salientar apenas que é uma união de Estados Soberanos, os quais concordam em se submeter a um tratado ou até a uma constituição comum, para tratar de diversos assuntos e mantendo entre si direitos e deveres recíprocos, sem contudo abrirem mão de sua soberania. A grande diferença para a Federação é que nessa a soberania dos seus Estados-membros é transferida para um governo central, também chamado de governo federal ou União. Exemplo foi a Confederação dos Estados Unidos da América de 1777, logo após a declaração de independência da Coroa Britânica em 4 de julho de 1776.

1.2 Estado e administração

Agora, é importante fazer considerações no estudo da teoria do Estado, com vistas a chegar ao federalismo e suas características, e passar sobre os conceitos de Estado e de administração.

A definição de Estado que existe hoje sofreu um longo processo de evolução, tendo partido da Polis grega e da Civitas romana até se estabelecer como o Estado que conhecemos hoje, introduzido e difundido principalmente pelas obras de Nicolau Maquiavel.

Sahid Maluf, compilando os discursos de doutrinadores norte americanos, encontra que o Estado é uma parte especial da humanidade considerada uma unidade organizada, ele é uma sociedade de homens que se unem para promover o bem comum, a segurança e os interesses mútuos, graças à junção de suas forças, e é uma associação dotada de poder coercitivo, imbuído pela lei promulgada, para manter a ordem social dentro de seu território. Nesse mesmo sentido, pode-se encontrar ideias similares, e entre elas está a lição de Clóvis Beviláqua: “O Estado é um agrupamento humano, estabelecido em determinado território e submetido a um poder soberano que lhe dá unidade orgânica”.

Superado esse entendimento, passa-se ao estudo do conceito de administração pública. O Estado possui três funções clássicas, a legislativa, a jurisdicional e a executiva, sendo exercida cada uma pelos respectivos órgãos: Legislativo, Judiciário e Executivo. Cada qual com suas atividades típicas, mas também atípicas, que costumeiramente são exercidas pelos outros poderes. Na Carta Magna é possível encontrar o princípio da separação dos poderes em seu art. 2º: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

O Poder Executivo, por sua vez, subdivide-se em funções políticas (ou de governo) e funções administrativas. Nessa senda, no sistema presidencialista de governo, o chefe do Poder Executivo condensa as funções de chefe de Estado e chefe de Governo, ao contrário do sistema parlamentarista de Governo, segundo o qual a chefia de Estado reside na figura do Presidente ou Monarca e a chefia de Governo é exercida pelo Primeiro-Ministro. Enquanto as primeiras (de governo) dizem respeito as maiores decisões da gestão política estatal (observado, por exemplo, no veto presidencial), sendo emanadas pelo alto escalão do Executivo, as administrativas estão mais relacionadas à execução das leis, de decretos e outras normas em geral, com seu atos normalmente tomando a forma de atos administrativos.

A administração pública, por sua vez, é subdividida pela doutrina administrativista em dois sentidos: objetivo e subjetivo. Rafael Carvalho Rezende Oliveira traz essa distinção de forma clara:

Sentido subjetivo, formal ou orgânico (Administração Pública): são as pessoas jurídicas, os órgãos e os agentes públicos que exercem atividades administrativas (ex.: órgãos públicos, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações estatais); e

Sentido objetivo, material ou funcional (administração pública): é a própria função ou atividade administrativa (ex.: poder de polícia, serviços públicos, fomento e intervenção do Estado no domínio econômico).

Para complementar o entendimento, cabe a observação da temática da administração púbica no campo da administração tributária. Eduardo Sabbag diz que tal fração da administração se traduz em um conjunto de ações e atividades, integradas e complementares entre si, que tem por objetivo garantir o cumprimento da legislação tributária. Essas atividades podem se mostrar pela presença fiscal, pela facilitação do cumprimento das obrigações, ou também na “construção e manutenção da percepção de risco sobre o calculado inadimplemento” do contribuinte.

O Código Tributário Nacional, ao definir o que são os tributos, já resguardou a atuação administrativa na seara da tributação: “art. 3º: tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Quanto a este ponto, pode-se concluir, então, que enquanto a administração pública é a constitucionalmente legitimada a impor obrigações tributárias, o Estado é a razão de essa tributação existir, pois ela tem o objetivo de possibilitar a sua atuação para os melhores interesses e o bem comum da população. Ou seja, as ferramentas administrativas são um meio elencado pelo ordenamento jurídico, e elas têm por sua finalidade o Estado, no sentido de realizador das necessidades públicas.

1.3  Implicações no direito tributário

O fato de o Brasil ser uma federação afeta toda a dinâmica e o funcionamento das instituições do Estado. E não poderia ser diferente quando o assunto é a tributação e a eventual distribuição das riquezas decorrentes das receitas derivadas.

O sistema jurídico-tributário instituído pela Lei Maior foi o rígido, quanto aos tributos. Uma marca desse sistema é que a lei maior já designa um a um os impostos que competem a cada ente federativo, os quais, dentro de suas competências privativas, podem instituir e exigir dos respectivos contribuintes.

O ordenamento jurídico no campo tributário tem uma estrutura hierarquizada, com funções bem definidas para cada ente. Vittorio Cassone explica que o mundo jurídico-tributário nacional é constituído no seu ápice, pela Constituição Federal, que contém todos os princípios jurídico-tributários. Logo abaixo, tem-se o Código Tributário Nacional, que por sua vez contem as normas gerais aplicáveis a todos os entes federativos, pertinentes aos tributos, fixando a regra matriz de incidência tributária. Depois, estão as normas ordinárias de cada ente que criam os tributos, vinculando efetivamente os contribuintes. O autor cita, por fim, os atos legais executórios (porque tornam exequíveis as leis ordinárias), como Decretos, Portarias, conforme art. 98 do CTN.

Em um Estado, é esse ente soberano quem possui o poder de tributar. O que a Carta Constitucional fez foi separar frações desse poder em pedaços chamados de competência tributária. Além disso, ao mesmo tempo ela cria limitações a esse poder de tributar, num verdadeiro estatuto jurídico do contribuinte. Portanto, cada ente federativo pode exercer sua autonomia dada pela constituição para dispor sobre tributos, desde que, é claro, respeite as limitações impostas.

A Carta Federal reservou os artigos 150, 151 e 152 para tratar das limitações ao poder de tributar. Dentre as limitações instauradas, com vistas à manutenção do equilíbrio da federação, pode-se citar a imunidade recíproca, no art. 150, inc. VI, alínea ‘a’, e o princípio da uniformidade geográfica no art. 151, inc. I.

O primeiro diz respeito ao impedimento de os entes federativos tributarem por meio de impostos o patrimônio, a renda ou serviços, uns dos outros. Entretanto, essa norma não vedou a cobrança de taxas, contribuições de melhoria ou outras contribuições.

Eduardo Sabbag deixa expresso em suas palavras a elementaridade dessa imunidade perante o pacto federativo instituído pela Constituição:

“Como é cediço, o principio federativo indica que existe mais de uma esfera de poder dentro do mesmo território, dele decorrendo a indissolubilidade do pacto federativo. É bastante crível a ideia segundo a qual, ainda que não estivesse contemplada tal imunidade de forma expressa, a imunidade recíproca defluiria logicamente do equilíbrio federativo, irradiando-lhe assim o timbre de uma norma ontologicamente imunizante”.

Por sua vez, o princípio da uniformidade geográfica é outra norma advinda da lei maior, o qual também visa o equilíbrio da federação, por meio da aplicação do princípio geral da isonomia. O art. 151, inc. I, da CF prediz que é vedado à União Federal:

Instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País.

De forma diferente da imunidade recíproca, esse princípio se aplica à União, e se estende não apenas aos impostos, mas a todas as espécies de tributos. Kiyoshi Harada diz que o princípio decorre da unidade política do Estado Federal Brasileiro, o qual faz o território nacional se apresentar como um todo do ponto de vista econômico. É claro que, não se trata de um princípio absoluto, pois se pode observar uma exceção no próprio texto do artigo.

Conforme destaca em texto publicado, Edison Miguel da Silva Jr. afirma que “no Estado Democrático de Direito brasileiro, não existe nenhum direito absoluto.” (Disponível em: https://www.conjur.com.br/2007-mar-27/estado_democratico_nao_existe_nenhum_direito_absoluto. Acesso em: 12 de maio de 2020.)

Procurou-se tornar notável, sem exaurir a temática quanto às implicações, enfim, que a forma de Estado elencada para a estrutura do país afeta diretamente na sistemática da tributação.


2. Soberania e Autonomia Constitucional 

Ponto essencial no estudo das competências dos entes federativos, após um bom entendimento sobre a estrutura histórica da Federação e também da realidade brasileira em si, é a observação de em que consiste a soberania e a autonomia constitucional dentro do ordenamento jurídico inaugurado em 1988.

Sahid Maluf aponta que o assunto da soberania em um Estado Federal foi amplamente discutido por teorias como as de Le Fur, Duguit, Kelsen, Jellinek, Mouskholi, Verdross, Carré de Malberg, entre outros, porque à harmonização do sistema federativo vai ao encontro do conceito clássico de soberania una e indivisível. Uma das soluções, do escritor norte-americano Calhoun, afirmava que a soberania, por ser indivisível, permanecia com todos os Estados federados, o que serviu para instigar a guerra de secessão norte americana, em que os Estados do sul desejaram extinguir a União com os Estados do norte, mas acabaram derrotados (sob direção do presidente Abraham Lincoln), e a ideia de a soberania pertencer somente à União persistiu.

Entretanto, não se pode admitir que a soberania estivesse presente em todos os membros da federação, pois tornaria a União vulnerável. Ademais, o que une as unidades da federação é um verdadeiro pacto, e não um simples tratado, como existente no modelo confederativo, ou seja, não pode ser anulado por uma das partes.

Segundo Guilherme Pena de Moraes, o termo “soberania” é revestido de três acepções: qualidade do poder político, titularidade do poder político e competências do Estado:

A soberania denomina a qualidade do poder político, isto é, a capacidade de o Estado organizar-se e dirigir-se de acordo com a sua vontade incoercível e incontrastável, reconhecida pelo Direito e sancionada pela força.

Nessa primeira acepção é possível identificar o papel da soberania como o poder político que afirma a independência do Estado, garantindo que tome seus próprios rumos, sem que outros Estados ou organismos internacionais tomem decisões em seu lugar (art. 4º, inc. I, da CF).

A soberania denota a titularidade do poder político, ou seja, a soberania nacional, na qual o poder político é totalmente conferido à nação, e a soberania popular, na qual o poder político é parcialmente concedido a cada membro do povo.

Posteriormente, considera-se a soberania como elemento do poder político interno, pertencendo a uma nação soberana. No Brasil é possível enxergar esse ponto no parágrafo único do artigo primeiro da Constituição Federal, o qual nomeia o povo como titular absoluto do poder, exercendo-o diretamente ou indiretamente, a depender do mandamento constitucional.

A soberania designa as competências do Estado, traduzida pela nomeação de magistrados, instituição e majoração de tributos, produção de invalidação de normas jurídicas, declaração de guerra e celebração de paz e solução de conflitos de interesses entre os súditos, em última instância.

Por fim, o autor elenca a soberania como o poder estatal de criar e impor obrigações ao seu povo, também chamado de ius imperium pela doutrina. É claro que esse poder não é absoluto, devendo sempre ser respeitado o procedimento que a Constituição escolheu para tal desiderato (devido processo legislativo). Nota-se também que, pelo fato de o Brasil ser organizado sob a forma de uma federação, algumas das prerrogativas citadas são de competência do governo central, enquanto outras foram distribuídas para os outros entes federativos, dando forma a chamada autonomia constitucional.

Transferindo esse debate à realidade brasileira, é preciso observar que a soberania do Estado brasileiro está prevista no art. 1º, inc. I, da Norma Fundamental como um de seus fundamentos.

2.1. Autonomia constitucional

Se a soberania do Estado brasileiro ficou expressa logo no primeiro artigo da Constituição, inaugurando seu Título I, a autonomia constitucional ficou disposta no primeiro artigo do Capítulo I, do Título III do texto constitucional, quando começa a trata da organização político-administrativa do Estado, a iniciar pelo art. 18: “a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

Tanto o art. 1º quanto o 18 da Carta Primordial trazem elementos similares, elencando os entes federativos, a notável diferença quanto a esse artigo é a presença da autonomia constitucional garantindo a operacionalidade dos entes, quanto aquele artigo teve por objetivo a criação da República Federativa do Brasil.

A segunda menção à autonomia ocorre no momento que a lei maior instaura o processo de intervenção federal, no art. 34, inciso VII, alínea ‘c’. Nessa esteira, decidiu a Corte Máxima de Justiça que o descumprimento voluntário e intencional de decisão transitada em julgado configura pressuposto indispensável ao acolhimento do pedido de intervenção federal. A ausência de voluntariedade em não pagar precatórios, consubstanciada na insuficiência de recursos para satisfazer os créditos contra a Fazenda estadual no prazo previsto no § 1º do art. 100 da Constituição da República, não legitima a subtração temporária da autonomia estatal, mormente quando o ente público, apesar da exaustão do erário, vem sendo zeloso, na medida do possível, com suas obrigações derivadas de provimentos judiciais. (IF 1.917 AgR e IF 4.640 AgR)

Esse é um caso mais específico, tratando da manutenção da autonomia municipal. Como citado anteriormente, o Estado brasileiro está estruturado como federalismo de segundo grau, desta forma, em caso de a administração regional exacerbar suas competências e interferir no funcionamento da administração local, a Constituição autorizou a administração nacional a tomar providências, via o excepcional processo interventivo. 

Ensina o professor Pedro Lenza que “no federalismo brasileiro é reconhecida a existência de três ordens: União (ordem central), Estados (ordens regionais) e Municípios (ordens locais), razão pela qual é classificado como federalismo de 2º grau. ( Direito constitucional esquematizado. 18. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 469 - 472.)

A doutrina possui preciso entendimento acerca da autonomia, dentre eles, Clever Vasconcelos entende que existem dois pressupostos básicos da autonomia dos entes federativos, sendo que ela:

“busca arrimo em dois elementos básicos: na existência de órgãos governamentais próprios, isto é, que não dependam dos órgãos federais quanto à formação de seleção e investidura;  e na atribuição de competências exclusivas para esses governos”.

Observa-se, portanto, que a autonomia é caracterizada pela existência de várias esferas de governo, independentes do ente central, e que cada uma dessas esferas, as quais atuam mediante órgãos governamentais, possuem suas competências exclusivas.

Outra visão nos é dada por Raul Machado Horta, que define a autonomia como a capacidade de autodeterminação, inerente à entidade federativa, dentre as competências delimitadas pela Constituição, simbolizada por três capacidades: auto-organização, autogoverno e autoadministração.

2. Características da autonomia constitucional

Um ponto para o qual a doutrina se direciona é a divisão do conceito de autonomia ou divisão das suas características entre as mencionadas citadas anteriormente.

Raul Machado Horta também define resumidamente as três características da autonomia constitucional:

A auto-organização reúne a capacidade da unidade da federação para elaborar a Constituição própria, bem assim instituir os órgãos supremos do Governo local. O autogoverno retrata a capacidade da unidade da federação para escolher os agentes públicos que irão desempenhar as funções administrativa, legislativa e jurisdicional, no âmbito dos seus poderes. A autoadministração resulta na capacidade da unidade da federação para aplicar o Direito Positivo, como também prestar os serviços públicos que lhe sejam afetos, através de órgãos próprios.

Uadi Lammêgo Bulos também enxerga as 3 facetas da autonomia dos entes federativos citadas por Horta, e ainda acrescenta a capacidade de auto legislação, em suas palavras: 

“As entidades componentes da federação brasileira são as pessoas politicas de Direito Publico Interno, que integram a estrutura político-administrativa da República pátria, estando a autonomia dos entes federados dentro da própria soberania do Estado Federal, exteriorizando-se pelas capacidades de auto-organização (ter constituição ou lei orgânica própria), auto legislação (criar normas gerais e abstratas), autoadministração (prestar e manter serviços próprios) e autogoverno (gerir negócios).” (g. n.)

Importante observar que alguns doutrinadores, como o exemplo de Raul Machado Horta, retratam uma tríplice capacidade, entretanto não é como se ignorassem a auto legislação dos entes federativos, porém a consideram um pedaço da organização. Agora vejamos essas características da autonomia constitucional separadamente.

A auto-organização dos entes federativos se dá por diferentes meios em cada um deles. A União é estruturada diretamente pela Constituição Federal, em sua dupla atuação. Quando atua em nome da República Federativa do Brasil, ela é Pessoa Jurídica de Direito Internacional, e representa o país perante outros Estados e Organismos Internacionais. Já quando a União age em nome próprio, como governo federal do Estado brasileiro, representa um ente autônomo perante os Estados e Municípios, fazendo vez de pessoa jurídica de Direito Público Interno, conforme art. 41, inc. I, do Código Civil de 2002.

Os Estados-membros operam sua capacidade de auto-organização graças ao Poder Constituinte Derivado Decorrente, o qual os autoriza a editarem Constituições Estaduais, tendo sua autoridade nascida dentro da própria Constituição da Republica, no art. 25.

Já os municípios e o Distrito Federal não possuem uma Constituição própria, como a Federação ou os Estados-membros. Ambos possuem uma lei orgânica, conforme artigos 29 e 32 da Carta.

Esses últimos entes são obrigados a respeitar os preceitos da Constituição Federal, e, além disso, os Municípios também devem respeito à Constituição do Estado-membro de onde se localizarem.

Sobre a peculiaridade do Distrito Federal na estrutura do Estado brasileiro, importante o comentário de Alexandre de Moraes:

Dessa forma, não é Estado-membro, tampouco Município, tendo, porém, em regra, todas as competências legislativas e tributárias reservadas aos Estados e Municípios (CF, arts. 32 e 147), excetuando-se somente a regra prevista no art. 22, XVII, da Constituição Federal (“Compete privativamente à União legislar sobre XVII – organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes”).

A capacidade de auto-organização é a capacidade de cada ente organizar seus Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Lembrando a exceção citada por Moraes sobre o Distrito Federal, e também o fato que o Município não possuí poder judiciário próprio, nada obstante alguns, com elogio, possuam órgão das atividades essenciais à justiça (advocacia pública).

A capacidade de auto legislação de cada ente federativo se dá no âmbito de seu poder legislativo. No caso da União sua principal marca é o bicameralismo, apesar de o exercício desse poder se dar pelo Congresso Nacional, esse se compõe de duas casas legislativas, quais sejam: Senado Federal e Câmara dos Deputados, sendo composto por representantes dos Estados-membros e do Distrito Federal e representantes do povo, respectivamente, como disposto nos arts. 44 a 46 do texto constitucional.

Já os outros entes federativos atuam sob a forma unicameral. O poder legislativo estadual é exercido pela Assembleia Legislativa; o poder legislativo municipal pela Câmara de Vereadores e o Distrito Federal pela Câmara Legislativa.

Quanto à extensão dessa capacidade, a Constituição da República tratou de dividir as competências legislativas, de forma a harmonizar a estrutura do Estado e a relação entre os entes.

A terceira capacidade retirada do conceito de autonomia constitucional é a autoadministração. Basicamente significa que os entes federativos possuem independência para praticar a autogestão, por meio da administração pública de cada esfera do governo.

O objetivo dessa fração da autonomia é permitir que os entes federativos possam ser capazes de cumprir com suas competências administrativas consagradas nas Constituição Federal, Constituição Estadual e Lei Orgânica, a depender da esfera do ente em questão, bem como, em todos os casos, respeito e aplicação do ordenamento jurídico.

Para tal fim, a administração pública pode atuar de duas formas: centralizada e descentralizada, tendo esses conceitos apresentados no Decreto-Lei nº 200/1967. A doutrina costuma classificar essas formas em Administração Direta e Indireta, na lição de Dirley da Cunha Júnior:

Direta ou Centralizada é aquela constituída a partir de um conjunto de órgãos públicos despersonalizados, através dos quais o Estado desempenha diretamente a atividade administrativa. Aqui é a própria pessoa politica (Estado) que realiza diretamente a atividade administrativa, servindo-se de seus órgãos públicos (que são centros ou círculos de competências, desprovidos de personalidade jurídica, criados por lei).

Indireta ou Descentralizada é constituída a partir de um conjunto de entidades dotadas de personalidade jurídica própria, responsáveis pelo exercício, em caráter especializado e descentralizado, de certa e determinada atividade administrativa, por outorga legal da entidade estatal. Consiste, pois, na criação de pessoas jurídicas, algumas de direito público, outras de direito privado, com personalidade jurídica própria, para exercerem parcela da competência administrativa do ente politico que a criou e com o qual não se confunde.

É claro que, a possibilidade de autoadministração de cada entidade não impede a criação de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, para proporcionar um melhor planejamento, organização e execução de políticas públicas de interesse comum para essas determinadas localidades, conforme a Lei Federal nº 13.089/2015.

Por fim, a capacidade de autogoverno é uma parcela da autonomia constitucional que caminha intimamente com a de autoadministração. Ela trata de resguardar o poder de cada ente de eleger seus próprios representantes em cada esfera de poder (legislativo e executivo).

Quanto aos representantes no Poder Judiciário, a Constituição Federal estabeleceu três formas primordiais de acesso aos seus cargos: a primeira mediante  concurso público de provas e títulos; a segunda pelo regra do quinto constitucional, como previsto no art. 94; e por fim via nomeação do Presidente da República, após sabatina realizada pelo Senado Federal, no caso dos membros dos tribunais superiores. 

Conforme pontua Renata Espíndola Virgílio, citando Eugenio Raúl Zaffaroni, “a afirmação da origem não democrática da magistratura é incontestável, se com isso quer-se dizer que os juízes não procedem de eleição popular. Porém, ‘uma instituição é democrática quando seja funcional para o sistema democrático, quer dizer, quando seja necessária para sua continuidade, como ocorre com o judiciário’. Em outras palavras, legitimidade democrática decorre, muitas vezes de forma fundamental, da função exercida por um órgão e não somente pela sua origem. O Judiciário, portanto, tem sua legitimidade conferida pela sua útil função de conferir estabilidade e continuidade à democracia.” 

Para encerrar o tema neste tópico, com uma nota sobre os Territórios Federais (não existem atualmente), os quais não são entes federativos, pois são fruto de uma descentralização administrativa territorial da União. Porém, se instituídos, podem possuir certa autonomia, conforme art. 33, § 3º, da Constituição.


3.  Fundamentos da Competência Tributária

O poder de tributar, fruto do ius imperium do Estado, foi outorgado pela Constituição Federal, sendo que devido à união indissolúvel dos entes federativos consagrada no texto da lei maior, foi necessário fragmentar esse poder entre os entes da federação, para preservação de suas autonomias.

Essa divisão do poder de tributar foi o que resultou na criação de competências tributárias pela Constituição. Além de designar os tributos existentes no ordenamento jurídico nacional, ela estabeleceu o tipo de trabalho legislativo que seria apto a tratar em cada espécie tributária.

Um exemplo desse mandamento constitucional está presente no art. 148, em que foi dada a possibilidade de instituição de empréstimos compulsórios, de competência da União, mediante lei complementar, para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência ou no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional. Por essa razão, parte da doutrina entende que o art. 15, inc. III, do Código Tributário Nacional encontra-se revogado.

É possível verificar essa característica da competência tributária na Constituição de 1988 quando ao designar a competência dessa espécie de tributo para a União, também determina que o instrumento legislativo hábil para tal desiderato é a lei complementar (difere da lei ordinária pelo quórum de aprovação – art. 69).

Importante destacar que em momento algum a Constituição criou tributo de fato, na verdade ela apenas dá a possibilidade de que quando desejar, utilizando de sua autonomia, o ente federativo imbuído da competência tributária crie o tributo em questão, mediante instrumento legislativo apropriado, regra geral a lei ordinária.

Tem-se, então, que a competência tributária é uma parcela desse poder de tributar do Estado Federal. Vittorio Cassone, citando os ensinamentos de Geraldo Ataliba, bem define a situação da repartição das competências constitucionais tributárias no Brasil:

“No Brasil, temos uma tríplice repartição do Poder Público e uma curiosa participação, que se dá em cada caso. União, Estados e Municípios têm seu Poder Legislativo, seu Poder Executivo; cada um tem uma parcela do poder, mas nenhum tem o poder tributário. Só o poder constituinte tem poder tributário e dele se utilizou, distribuindo as competências tributárias pela União, Estados e Municípios.

Daí, fica fácil definir competência: é a parcela de poder tributário, que a Constituição dá às pessoas políticas. (...)”

Ao mesmo tempo em que a Lei Fundamental distribuiu a competência tributaria para os entes, também criou restrições para eles, seja para proteção do contribuinte, também chamado de sujeito passivo na relação jurídico-tributária, seja para a manutenção da estabilidade da Federação. Tais limitações estão presentes primordialmente entre os artigos 150 a 152, consagrando seção denominada “Das Limitações do Poder de Tributar”.

O Código Tributário Nacional (Lei Federal nº 5.172/1966) é o diploma de normas gerais sobre Direito Tributário, originalmente lei ordinária, recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar, por força de seu art. 146, inc. III.

A competência tributária é mencionada no CTN em seu art. 6º como “a atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, e observado o disposto nesta Lei.”

Dele é possível retirar o entendimento de que somente a Constituição define competência tributária. Ademais, a competência legislativa plena citada no artigo corresponde ao art. 24, I da Carta Magna: “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (...)”.  Em outras palavras, competência legislativa plena corresponde à competência legislativa concorrente.

Por se tratar de competência concorrente, a Constituição da República criou uma sistemática única em relação aos outros tipos de competência, em seu art. 24, §§ 1º ao 4º. Resumidamente, cabe à União estabelecer normas gerais; suplementadas pelos Estados-membros; na falta de normas gerais elaborada pela União, os Estados podem exercer a competência legislativa plena, criando normas gerais e específicas; e se sobrevier norma geral federal, suspende-se a eficácia da lei estadual, naquilo que lhe for contrário.

Os municípios não ficam de fora dessa competência legislativa concorrente. Apesar de não serem mencionados no art. 24, o art. 30, inc. II, prescreve que eles suplementarão a legislação federal e a estadual no que couber.

Existe inclusive jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à competência legislativa plena, vejamos:

EMENTA: RECURSO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPETENCIA. (...). IMPOSTO SOBRE PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. DISCIPLINA. Mostra-se constitucional a disciplina do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores mediante norma local. Deixando a União de editar normas gerais, exerce a unidade da federação a competência legislativa plena. §3º do artigo 24, do corpo permanente da Carta de 1988 -, sendo que, com a entrada em vigor do sistema tributário nacional, abriu-se à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a via de edição de leis necessárias à respectiva aplicação - §3º do artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988.

Por fim, observando rapidamente, já que o pacto federativo é de vital importância pra o sustento do país, inclusive com o constituinte originário abolindo desde a criação da lei maior a possibilidade de secessão, a divisão de competências mostra-se inevitável.

Kiyoshi Harada ensina que pelo fato da ausência de hierarquia entre as entidades da federação fez que o Texto Magno estabelecesse a repartição de competência legislativa de cada uma, delimitando o campo de atuação de cada uma delas, notadamente em matéria tributária, a qual mereceu uma atenção especial devido a tipicidade da Federação Brasileira, onde o contribuinte é súdito, simultaneamente, de três governos distintos.

Esse capítulo pretende analisar as principais características que norteiam o poder denominado de competência tributária, para tornar possível a observação da repartição de competências dos entes estatais de modo geral, contrastada com o modelo de federalismo no Brasil.

3.1 Características da competência tributaria e da capacidade tributaria ativa

A competência tributária possui diversas características ou princípios que a delimitam com os contornos feitos pela Federação brasileira. A primeira trata-se da indelegabilidade da competência tributaria, a qual, respaldada pelo principio da estrita legalidade tributária, impede que um ente federado delegue a competência pela atividade legislativa de instituir um tributo em abstrato.

Outra característica, similar à anterior, é o fato de a competência tributária ser intransferível entre os entes federativos, e se justifica pela natureza de autonomia e harmonia na federação.

Além disso, a competência tributaria é inalterável pelo legislador ordinário, pois se a Constituição Federal deu liberdade a um ente federativo para instituir um tributo para um caso especifico e discriminado por seu texto, não poderia um desses entes subverter o texto constitucional a seu bel prazer.

Claudio Carneiro desmistifica essa característica, explicando que a norma de competência tributária, porquanto tenha amparo constitucional, não pode ter sua dimensão ampliada, porém pode restringi-las, pois um ente não tem obrigação literal da Constituição para exercer sua competência tributaria em toda sua amplitude, ou ainda, o ente estatal pode exercê-la em menor grau, sob pena de impossibilitar, por exemplo, uma eventual outorga de isenções.

Outrossim, conforme decidiu o STF no ARE 743.480, “não existe reserva de iniciativa ao chefe do Poder Executivo para propor leis que implicam redução ou extinção de tributos, e a consequente diminuição de receitas orçamentárias.” Ou seja, parlamentares também detém legitimidade para apresentar projetos de lei sobre o tema.

Oportunamente, cabe salientar que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº 101/2000), em seu art. 11, estatuir que “constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação”, sob pena de ser vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe essa norma, no que se refere aos impostos.

Como último ponto a ser adicionado sobre os seus princípios, a competência tributária ter como característica a irrenunciabilidade, segundo a qual o ente federativo está proibido de renunciar ou de alguma forma perder essa competência constitucional tributaria, como visto no art. 8º do Código Tributário Nacional: “o não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído.” De certa forma, poderia denominar esse ponto como imprescritibilidade da competência tributária.

Passado a observar dessas características, importante realizar a análise do fato de a competência tributaria, em si, mesmo sendo indelegável, não traduzir uma obrigação do ente estatal de editar a lei, efetuar a fiscalização e a cobrança. Enquanto a competência legislativa de criar tributos pertence somente aos entes, outras atividades administrativas relacionadas a esses tributos podem ser delegadas. Neste instante importante diferenciar a competência tributaria da capacidade tributária ativa.

Para ilustrar a diferença entre competência tributária e capacidade tributaria ativa, Vittorio Cassone citando ensinamentos de Geraldo Ataliba exemplifica dizendo que caso uma lei federal cria um tributo e não diz, de forma expressa em seu texto, quem é o sujeito ativo, essa pessoa é naturalmente a União. Já se uma lei estadual cria um tributo e não diz, expressamente, quem é o sujeito ativo, implicitamente está dizendo que é o Estado-membro que editou tal lei. E a mesma coisa para o Município. Quando a lei quiser atribuir a capacidade tributária ativa à outra pessoa, precisará dizer, expressamente: sujeito ativo é o INPS, é o SESC, é o SENAI, é o INCRA, é o DER. A lei terá, portanto, que dizer, expressamente, quando queira dar a capacidade tributária a quem não seja pessoa política, da qual ela, lei, é emanada.

É claro que, o fato de não houver uma delegação não exclui o conceito de capacidade tributária ativa, mas muda o modo em que ela se apresentará. Quando o próprio ente federativo titular da competência tributária exerce a atividade administrativa relacionada, trata-se da forma direta. Já na forma indireta, demonstra-se a delegação da capacidade a uma pessoa diferente. Essa segunda forma, inclusive, subdivide-se em outras duas, nas palavras de Claudio Carneiro:

a)    Parafiscalidade – ocorre quando um terceiro exercer a capacidade tributária ativa por delegação e ao mesmo tempo dispensa dos recursos arrecadados. A parafiscalidade é uma sistemática de ordem financeira concernente À descentralização da arrecadação das receitas públicas. São receitas chamadas de paralelas ao orçamento fiscal do Estado, em que o produto da receita vai para os cofres de alguém que, embora não sendo o fisco, está ao lado do Fisco com o objetivo de colaboração.

b)    Retenção na fonte – a retenção na fonte é também chamada por alguns autores de sujeição ativa auxiliar. Nela, um terceiro que arrecada não tem a disponibilidade do valor retiro, sob pena de apropriação indébita, ou seja, não pode ficar com valor arrecadado, tendo que repassá-lo ao Fisco. São as chamadas fontes pagadoras, que fazem a retenção na fonte. Contudo, esse entendimento não é pacífico. Há quem sustente que a retenção na fonte nada mais é do que o cumprimento de uma obrigação acessória, ou seja, uma obrigação instrumental imposta a um terceiro vinculado ao fato gerador. A pessoa que faz a retenção assume um papel de mero agente arrecadador (...)

Ademais, e possível verificar algumas características essenciais que diferenciam a capacidade tributária ativa da competência tributária. A maioria delas pode ser retirada diretamente do art. 7º do Codex Tributário Nacional.

Eduardo Sabbag cita que, no Brasil, essa situação de parafiscalidade é comum a certas autarquias (entidades corporativas, como o CREA, CRC, CRM, CRECI, etc.), as quais recebem da União o encargo de fiscalização envolvendo uma classe profissional e, especificamente, de exigir tributo – no caso, a contribuição profissional ou corporativa, instaurada no art. 149 da Constituição Federal – dos profissionais vinculados àquelas entidades profissionais, também chamadas entidades de classe.

Contudo, esse não é o caso da OAB, pois a Suprema Corte atribuiu a ela a qualidade de entidade sui generis, visto que não é autarquia federal como suas similares, tampouco entidade da administração indireta, porém, goza de alguns privilégios típicos da fazenda pública (ADI 3.026/DF), posicionamento esse que, a nosso ver, viola o princípio da isonomia.

Nesse sentido, anota Carina Estephany Ferreira, comentando a natureza jurídica da OAB, que “tratá-la como entidade ímpar, não equivalente às demais entidades fiscalizadoras de profissões regulamentadas, constitui flagrante discriminação às estas últimas, haja vista que o objetivo de todas elas é o mesmo, qual seja, a fiscalização e a regulamentação do exercício de profissões. Ademais, se a OAB presta uma espécie de serviço público indelegável, por meio do exercício do poder de polícia, não há razão para não integrá-la à administração indireta. Seguindo o raciocínio, as contribuições pagas pelos inscritos possuem natureza compulsória, caracterizando-se como dinheiro público, sendo indispensável o controle pelo Tribunal de Contas.”


4. A lógica de distribuição de competência tributária

A temática da competência tributária e da repartição das receitas oriundas de sua prática é um tema de vital importância para a estrutura e para a harmonia entre os entes da Federação. E não foi sem boa preocupação que o constituinte originário distribuiu as competências tributárias na melhor forma visível à época de sua elaboração.

É possível identificar alguns critérios adotados pela constituinte que definiram a distribuição de competências. Leandro Paulsen observou três critérios em especial, podendo inclusive existir ocasião na qual uma competência tenha sido deliberada para um ente com a aplicação de mais de um critério, são eles: critério da atividade estatal, critério da base econômica, e critério da finalidade.

O critério da atividade estatal reflete o caráter contraprestacional de alguns tributos, notoriamente, das taxas e das contribuições de melhoria (tributos vinculados). Percebe-se aqui a função direta da tributação em decorrência de algum fazer do Estado, característica marcante dos tipos de tributos mencionados, tornando esse critério de competência autoexplicativo.

Quando qualquer um dos entes realizarem seu poder de polícia ou quando uma pessoa utilizar, de serviços públicos específicos e divisíveis, está autorizado o ente para a cobrança da taxa (art. 77, do CTN). Da mesma forma, qualquer um dos entes que realizar uma obra pública da qual resultar valorização imobiliária poderá realizar a cobrança da contribuição de melhoria (art. 81, do CTN).

O segundo critério elencado é o da base econômica no atual ordenamento jurídico-constitucional, segundo o qual a Constituição da República deferiu competência tributária aos entes da federação baseando-se em riquezas específicas, ou bases econômicas específicas. Tal critério pode ser observado nos impostos, presentes nos artigos 153, 155, e 156 do Texto Magno, bem como as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico podem ter sua instituição segundo determinadas bases econômicas.

No tocante aos impostos, a União ficou encarregada de tributar certas riquezas, como, por exemplo, a importação, a exportação e operações sobre a industrialização de produtos. Já os Estados-membros ficaram com a liberdade de tributar a propriedade de veículos automotores, a circulação de mercadorias, etc. Os Municípios, por sua vez, ficaram incumbidos de tributar a propriedade imóvel urbana, a prestação de serviços de qualquer natureza e transmissão de bens imóveis inter vivos, desde que não seja por doação ou herança (essa parcela de competência está com os Estados, via ITCMD).

É possível enxergar o mesmo critério quanto às contribuições sociais. Encontram-se destacadas na Lei Fundamental em seu art. 195, inc. I a IV, algumas bases econômicas passíveis de tributação por parte de qualquer um dos entes federativos.

O terceiro critério de competência tributária usado na Constituição foi o da finalidade, usando desse critério o texto constitucional indica áreas que legitimam a instituição de tributos para o seu custeio e sua efetiva cobrança. Esse critério é adotado principalmente nos tipos de tributo denominados contribuições (gerais) e empréstimos compulsórios (art. 149, da CF).

Nesse critério o tributo possui caráter instrumental, ou seja, o tributo serve como um instrumento para a realização de alguma política pública ou projeto do governo. Andrei Pitten Velloso comenta que o legislador não está autorizado a buscar toda e qualquer finalidade através das contribuições especiais, porque no sistema constitucional vigente no Brasil não existe uma competência genérica para instituição de tributos nesse molde, mas o que existe na verdade são competências específicas.

Nota-se que os tributos determinados pela Carta Magna com a adoção desse critério criam uma situação de necessidade de um duplo controle: o primeiro para garantir que a lei instituidora do tributo esteja de acordo com a finalidade pensada pelo texto constitucional; e posteriormente um segundo controle para que seja assegurado que, instituída a lei em questão e efetuada a cobrança do tributo, seus recursos sejam destinados, mais uma vez, para cumprir a finalidade preestabelecida na ordem constitucional e na norma infraconstitucional.


5. CONSEQUêNCIAS DO MODELO DE FEDERALISMO FISCAL BRASILEIRO

Em 2016, segundo dados da Receita Federal do Brasil, a carga tributária representou 32,38% do Produto Interno Bruto do país, totalizando mais de dois bilhões de reais. É evidente que o campo da tributação representa ponto vital para o funcionamento da República e manutenção do funcionamento de todos os entes da Federação.

A temática do federalismo fiscal é um ponto diretamente ligado à questão entre federação, competências e repartição de receitas tributárias. Federalismo fiscal é uma fatia do federalismo que se preocupa com a consolidação da melhor forma de distribuição de competências e receitas entres o governo central e os governos regionais e locais. O constituinte procurou atender a essa necessidade à época maneira, como entende Nathalie de Paula Carvalho:

A Constituição de 1988 concedeu autonomia de recursos para todos os entes federados, que podem exercê-la diretamente, através da instituição direta de seus próprios tributos ou através de um sistema de “fundos”, através dos quais um ente federativo recebe e transfere as receitas a outro. Assim, cada ente federativo tem asseguradas as seguintes fontes de recursos fiscais: a competência para instituir e cobrar os tributos que a Constituição lhe confere e as receitas transferidas pelo sistema de Federalismo Participativo através da repartição direta do produto dos tributos arrecadados por um ente e transferidos e da repartição indireta, pelo sistema de fundos de participação. 

 Os pontos acerca da temática da competência tributária já foi expressa anteriormente, é necessário, então, analisar as consequências dessa estrutura federalista adotada pela Constituição do Brasil de 1988 no campo tributário.

Apesar de ser estruturado precipuamente como um federalismo de cooperação, a federação brasileira sofre com a chamada guerra fiscal. Ela ocorre tanto no âmbito estadual quanto no municipal quando algum desses entes federativos proporciona isenções especiais, incentivos fiscais gerais ou até renúncia de receitas, em prol de atrair empresários para que eles tragam seus empreendimentos para o território do ente em questão. Apesar de parecerem vantajosos para quem pratica as ações listadas acima, entre outras, a verdade é que toda a estrutura da federação acaba abalada no longo prazo.

Um dos impostos mais problemáticos observado sob a ótica da guerra fiscal é o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios. Presente no art. 156, inc. III, da Constituição, o ISS teve tratamento especial, com o texto constitucional delegando a definição das normas gerais desse tributo para lei complementar federal, atualmente a Lei Complementar nº 116/2003, tendo cada Município o dever de criar sua lei ordinária responsável pela instituição local do imposto.

A Constituição teve a intenção de uniformizar o ISS pela lei complementar, como entende Regina Helena Costa:

Outro aspecto relevante é o traduzido na preocupação constitucional com a uniformidade da disciplina do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Com efeito, considerando-se a existência de mais de 5.500 Municípios no País, a Lei Maior, a par de dedicar diversas normas a respeito, cuidou de atribuir à lei complementar o regramento de alguns aspectos dessa imposição fiscal, restringindo, assim, a liberdade do legislador municipal.

Mesmo com essa medida diferente do que ocorre com a maioria dos outros impostos, a lei complementar não foi suficiente para diminuir os impactos da guerra fiscal.

Um dos pontos mais controversos acerca do ISSQN, mesmo com a existência de uma norma complementar federal, é o local da prestação de serviços, que se divide em: município do estabelecimento do prestador, município do estabelecimento do tomador ou o município da prestação, onde ocorre o fato gerador do imposto.

Eduardo Sabbag aponta que essa questão é uma celeuma clássica, a qual não foi resolvida nem pelo legislador constituinte, nem pela LC nº 116/2003, a qual não apresentou soluções eficazes ao intricado problema do “local da prestação de serviços”. O autor aponta ainda que o art. 3º, caput, trouxe a regra geral sobre o sujeito ativo do ISS, porém, foram destacados 22 incisos (atualmente 20, devido ao veto), admitindo exceções ao caput.

Outra questão envolvendo esse imposto se dá no conflito existente em relação ao ICMS, apesar de a Constituição deixar claro essa diferença e supostamente evitando qualquer disputa, ao dispor que os municípios tributariam “serviços de qualquer natureza não compreendidos no art. 155, II”, ou seja, não compreendidos na competência estadual do ICMS.

José Eduardo Soares de Melo e Leandro Paulsen explicam que essa intersecção pode ocorrer, pois, de fato, a realidade mostra diversas ocasiões em que poderia ocorrer conflito tributário se apenas fossem utilizados conceitos de natureza econômica (ao invés dos imprescindíveis conceitos jurídicos), quais sejam, por exemplo: o fornecimento de concreto para uma obra de construção civil constitui um material de auxílio na construção civil, enquanto o concreto vendido nas lojas é tratado como mercadoria; ou o remédio ministrado ao paciente de um hospital não se qualifica como mercadoria, mas como outro auxiliar na prestação do serviço medicinal.

Outra questão que circunda o Imposto sobre Serviços é a taxatividade ou não da sua lista anexa de serviços, que traz fatos geradores variados, os quais devem ser tributados com o referido imposto. Essa lista de serviços foi estabelecida na lei complementar federal responsável por normatizar o ISS, e fica a cargo dos Municípios e do Distrito Federal podem optar, no ato de editarem suas leis ordinárias próprias, por tributar todos os serviços da lista ou apenas uma parcela deles.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça editou o seguinte enunciado: súmula nº 424 - É legítima a incidência de ISS sobre os serviços bancários congêneres da lista anexa ao Decreto-lei. 406/68 e à Lei Complementar 56/87.

Em uma interpretação literal da Lista de Serviços, é possível considerá-la como taxativa, não podendo fugir de seus termos nenhuma consideração ampliativa. Porém, após algumas mudanças de jurisprudência, Kiyoshi Harada aponta um acolhimento da tese que a lista trata-se de uma lista taxativa por parte do Supremo Tribunal Federal. Entretanto essa taxatividade não impede a interpretação de cada um dos itens da lista de forma a conceder maior ou menor alcance, atingindo serviços que, caso não sejam individualizados, devam ser considerados abrangidos pela norma.

Existem variados outros aspectos que afetam a tributação na federação brasileira criando desestabilidade entre tributos, como pode ocorrer entre o ISSQN e o ICMS. Outras que ocorrem com tributos de forma isolada, mas múltiplos entes com as mesmas competências digladiando pelo direito de efetuar a cobrança, além disso, existem situações nas quais o correto é que ocorra a aplicação de dois impostos ao mesmo tempo.

Referido conflito deu origem, por exemplo, à súmula vinculante nº 31: É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis" e às súmulas 163 e 274 do STJ: “o fornecimento de mercadorias com a simultânea prestação de serviços em bares, restaurantes e estabelecimentos similares constitui fato gerador do ICMS a incidir sobre o valor total da operação” e “o ISS incide sobre o valor dos serviços de assistência médica, incluindo-se neles as refeições, os medicamentos e as diárias hospitalares.”


CONCLUSãO

Esse estudo sobre a autonomia constitucional e a lógica da competência tributária na Federação brasileira, necessariamente, teve como ponto de partida uma análise sobre as formas de Estado existentes no mundo contemporâneo. Delas podemos tirar diversos entendimentos, um deles é a adequada decisão de se ter escolhido a forma federativa de Estado, em vez das outras opções conhecidas atualmente, o Estado Unitário e a Confederação.

Já poderíamos chegar a essa conclusão pelo fato de que somente uma união forte como um pacto federativo possui o condão de manter unificado vasto território, rico em suas diferenças socioeconômicas.

A Constituição de 1988 desde sua elaboração já se preocupava com esse ponto, impondo princípios como o da uniformidade geográfica, o princípio da isonomia, e pela instituição de diversas imunidades, notoriamente para a discussão ora proposta, como a imunidade reciproca entre os entes estatais.

A dinâmica e extensão das relações da República com outros Estados, traduzida sobre o olhar da soberania do Estado brasileiro, bem como as relações internas, sob o manto da autonomia constitucional demonstra a necessidade de se procurar o equilíbrio entre os entes federativos, e demonstra principalmente o papel que a tributação exerce sobre esse equilíbrio.

Tema central oferecido nesse texto, a competência tributaria demonstra-se complexa, e núcleo da análise proposta. Para isso revisitar seus fundamentos é de grande valia. Entender a extensão dos diferentes tipos de competência conferidos aos entes federativos prova que o modelo atual está longe de ser uniforme.

Outra pertinente observação se dá nas divergências entre a competência e a capacidade tributaria ativa, ambas com diferentes características e funções. A indelegabilidade de uma frente à delegabilidada da outra, por exemplo, mostram que não se trata todo o sistema de competências tributarias com rigidez pétrea.

Percebe-se que a função fiscal dos Estados está presente em todos os entes federativos, e ela não se dá sem motivo. Existe na carta republicana repartições de competências não apenas tributárias, mas também legislativas e administrativas, e ambas, para alcançar sua máxima realização possuem um custo, suportado parcialmente pela efetivação das normas tributárias e das competências constitucionais.

Além dela, outro instrumento vital para o funcionamento da federação é a repartição das receitas tributárias de alguns impostos e contribuição, ocorrendo ora de forma direta e ora de forma indireta. Essas parcelas de receita estão protegidas pelo texto constitucional da retenção inconstitucional, evitando que o ente tributariamente competente deixe de efetuar o repasse. Inócua seria a norma caso não houvesse garantia da repartição. Ademais, a repartição ocorre apenas do ente federativo maior para o menor, e nunca o contrário, outra medida de estabilização do federalismo fiscal brasileiro.

Entretanto, o ideal seria que não houvesse essa repartição de receitas tributárias do ente maior para o ente menor. Melhor seria se o ente menor arrecadasse diretamente todas essas receitas tributárias que lhe são repassadas, o que atenderia muito mais os princípios constitucionais da eficiência e da autonomia dos entes federativos, já que o ente local é o maior realizador de serviços públicos e está muito mais próximo da população.

Por fim, pode-se chegar à conclusão de que esse modelo de federalismo fiscal encontra-se longe da perfeição, porquanto existam diversas ocasiões em que são observadas eventos da chamada guerra fiscal.

A tributação compõe parcela vital do produto interno bruto brasileiro, e a busca por um modelo mais próximo do ideal deve ser um dos objetivos buscados pelo legislador, com contribuição da doutrina e da jurisprudência.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ATALIBA, Geraldo. República e constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL, Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.  Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União, Brasília, 27 de outubro de 1966. 

BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp101.htm>. Acesso em: 30 set. 18.

BRASIL. Lei nº 13.300, de 23 de junho de 2016. Disciplina o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13300.htm>. Acesso em: 30 set. 18.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

CARVALHO, Nathalie de Paula. O Sistema Constitucional Tributário de Repartição de Competências. Disponível em: <http://www.uni7.edu.br/recursos/imagens/File/direito/ic2/vi_encontro/Artigo_Federalismo_fiscal_Natal.pdf>. Aceso em: 30 set. 18.

CASSONE, Vittorio. Direito Tributário. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

CARNEIRO, Claudio. Curso de Direito Tributário e Financeiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL ( DE 24 DE FEVEREIRO DE 1891). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>. Acesso em: 30 set. 18.

CONSTITUIÇÃO POLITICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARÇO DE 1824). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>. Acesso em: 30 set. 18.

CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: jusPODIVM, 2011.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

FERREIRA, Carina Estephany. A natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil sob a ótica do Supremo Tribunal Federal e suas peculiaridades. Uma análise face à natureza jurídica dos demais conselhos fiscalizadores de profissões regulamentadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2759, 20 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18304. Acesso em: 12 maio 2020

HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003

HORTA, Raul Machado. A autonomia do Estado-Membro no Direito Constitucional Brasileiro. Belo Horizonte: Graf. Santa Maria, 1964.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 20. ed.  rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de Direito Tributário. 9. ed. ref., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2017.

MALUF, Sahid; atualizador prof. Miguel Alfredo Malufe Neto. Teoria Geral do Estado. 33. ed. São Paulo : Saraiva, 2017.

MORAES, Alexandre de.  Direito constitucional. 33. ed. rev. e atual. até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016. São Paulo: Atlas, 2017.

MORAES, Guilherme Pena de. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. reform., rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017.

OLIVEIRA. Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.

PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 5. ed. rev. atual. E ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

PAULSEN, Leandro. MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais, Estaduais e Municipais. 6. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

PAULSEN, Leandro; VELLOSO, Andrei Pitten. Contribuições: Teoria Geral, Contribuições em Espécie. 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

Proposta de Emenda à Constituição nº 233 de 26 de fevereiro de 2008. Altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=7FBF82EEDD05A804A293E4E4F359566F.proposicoesWebExterno2?codteor=540729&filename=Tramitacao-PEC+233/2008>. Acesso em: 30 set. 18.

Receita Federal. Carta Tributária no Brasil 2016: Análise por Tributo e Bases de Incidência. Ministério da Fazendo. Dezembro de 2017. Disponível em: <<http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/carga-tributaria-2016.pdf>>. Acesso em 30 set. 18.

ROCHA, Roberval. Direito Tributário. 4. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: jusPODIVM, 2017.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

STF – ADI: 1.106-5 SE, Relator: MAURÍCIO CORREA, Data de Julgamento: 05/09/2002, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 13-12-2002. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266659>. Acesso em: 30 set. 18.

STF – AI-AgR: 167777 SP, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 04/03/1997, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 09-05-1997 . Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/742751/agregno-agravo-de-instrumento-ai-agr-167777-sp>. Acesso em: 30 set. 18.

STF – RE: 401953 RJ, Relator: ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 16/05/2007, Segunda Turma, Data de Publicação: DJE 21-09-2007. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2162472>. Acesso em: 30 set. 18.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

VASCONCELOS, Clever. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2017

VIRGÍLIO, Renata Espíndola. Poder e seus desdobramentos: Poder Judiciário no quadro do poder e sua legitimidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3953, 28 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27978. Acesso em: 12 maio 2020.


[1] Os maiores países do mundo. Wagner de Cerqueira e Francisco. Mundo Educação. Disponível em: <https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/os-maiores-paises-mundo.htm>. Acesso em: 31 ago. 2018.

[2] CUNHA JUNIOR, Dirley. Curso de Direito Administrativo, 2011. p. 25-26.

[3] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 2016.  p 498-499.

[4] ATALIBA, Geraldo. República e constituição, 1985. p. 10.

[5] MORAES, Alexandre de.  Direito Constitucional, 2017. p. 294.

[6] O STF admite a legitimidade do parlamentar – e somente do parlamentar – para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo. (MS 24.667 AgR e MS 32.033)

[7] MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, 2017. p 35.

[8] No sistema presidencialista de governo, o chefe do Poder Executivo condensa as funções de chefe de Estado e chefe de Governo, ao contrário do sistema parlamentarista de Governo, segundo o qual a chefia de Estado reside na figura do Presidente ou Monarca e a chefia de Governo é exercida pelo Primeiro-Ministro.

[9] OLIVEIRA. Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, 2017. p. 71.

[10] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário, 2015. p. 977.

[11] CASSONE, Vittorio. Direito Tributário, 2017. p. 4.

[12] SABBAG, Eduardo. op. cit., 2015. p. 298.

[13] HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário, 2001. p. 296.

[14] Conforme destaca em texto publicado Edison Miguel da Silva Jr., “no Estado Democrático de Direito brasileiro, não existe nenhum direito absoluto.” Disponível em: https://www.conjur.com.br/2007-mar-27/estado_democratico_nao_existe_nenhum_direito_absoluto. Acesso em: 12 de maio de 2020.

[15] MALUF, Sahid. op. cit., 2017. p. 202.

[16] MORAES, Guilherme Pena de. Curso de Direito Constitucional, 2017. p. 422.

[17] O descumprimento voluntário e intencional de decisão transitada em julgado configura pressuposto indispensável ao acolhimento do pedido de intervenção federal. A ausência de voluntariedade em não pagar precatórios, consubstanciada na insuficiência de recursos para satisfazer os créditos contra a Fazenda estadual no prazo previsto no § 1º do art. 100 da Constituição da República, não legitima a subtração temporária da autonomia estatal, mormente quando o ente público, apesar da exaustão do erário, vem sendo zeloso, na medida do possível, com suas obrigações derivadas de provimentos judiciais. (IF 1.917 AgR e IF 4.640 AgR)

[18] Ensina o professor Pedro Lenza que “no federalismo brasileiro é reconhecida a existência de três ordens: União (ordem central), Estados (ordens regionais) e Municípios (ordens locais), razão pela qual é classificado como federalismo de 2º grau. ( Direito constitucional esquematizado. 18. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 469 - 472.)

[19] VASCONCELOS, Clever. Curso de Direito Constitucional, 2017. p. 438.

[20] HORTA, Raul Machado. op. cit., 1964. p. 27.

[21] Id.

[22] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional, 2007, p. 725.

[23] MORAES, Alexandre de. op. cit., 2017. p. 313.

[24] CUNHA JUNIOR, Dirley da. op. cit., 2011. p. 152.

[25]  Conforme pontua Renata Espíndola Virgílio, citando Eugenio Raúl Zaffaroni, “a afirmação da origem não democrática da magistratura é incontestável, se com isso quer-se dizer que os juízes não procedem de eleição popular. Porém, ‘uma instituição é democrática quando seja funcional para o sistema democrático, quer dizer, quando seja necessária para sua continuidade, como ocorre com o judiciário’. Em outras palavras, legitimidade democrática decorre, muitas vezes de forma fundamental, da função exercida por um órgão e não somente pela sua origem. O Judiciário, portanto, tem sua legitimidade conferida pela sua útil função de conferir estabilidade e continuidade à democracia.”

[26]  Parte da doutrina entende que o art. 15, inc. III, do Código Tributário Nacional encontra-se revogado.

[27] CASSONE, Vittorio. op. cit., 2017. p. 71.

[28] STF – AI-AgR: 167777 SP, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 04/03/1997, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 09-05-1997 . Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/742751/agregno-agravo-de-instrumento-ai-agr-167777-sp>. Acesso em: 30 set. 18.

[29] HARADA, Kiyoshi. op. cit., 2001. p. 281.

[30] CARNEIRO, Claudio. Curso de Direito Tributário e Financeiro, 2012. p. 378.

[31] Conforme decidiu o STF no ARE 743.480, “não existe reserva de iniciativa ao chefe do Poder Executivo para propor leis que implicam redução ou extinção de tributos, e a consequente diminuição de receitas orçamentárias.” Ou seja, parlamentares também detém legitimidade para apresentar projetos de lei sobre o tema.

[32] CASSONE, Vittorio. op. cit., 2017. p. 71.

[33] CARNEIRO, Claudio. op. cit., 2012. p. 378.

[34] SABBAG, Eduardo. op. cit., 2015. p. 415-416.

[35] Conforme anotou Carina Estephany Ferreira, comentando a natureza jurídica da OAB, “tratá-la como entidade ímpar, não equivalente às demais entidades fiscalizadoras de profissões regulamentadas, constitui flagrante discriminação às estas últimas, haja vista que o objetivo de todas elas é o mesmo, qual seja, a fiscalização e a regulamentação do exercício de profissões. Ademais, se a OAB presta uma espécie de serviço público indelegável, por meio do exercício do poder de polícia, não há razão para não integrá-la à administração indireta. Seguindo o raciocínio, as contribuições pagas pelos inscritos possuem natureza compulsória, caracterizando-se como dinheiro público, sendo indispensável o controle pelo Tribunal de Contas.”

[36] PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo, 2013. p. 56.

[37] PAULSEN, Leandro; VELLOSO, Andrei Pitten. Contribuições: Teoria Geral, Contribuições em Espécie, 2013, p. 48.

[38] Receita Federal. Carta Tributária no Brasil 2016: Análise por Tributo e Bases de Incidência. Ministério da Fazendo. Dezembro de 2017. p. 1. Disponível em: <<http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/carga-tributaria-2016.pdf>>. Acesso em 30 set. 18.

[39] CARVALHO, Nathalie de Paula. O Sistema Constitucional Tributário de Repartição de Competências. p. 5. Disponível em: <http://www.uni7.edu.br/recursos/imagens/File/direito/ic2/vi_encontro/Artigo_Federalismo_fiscal_Natal.pdf>. Aceso em: 30 set. 18.

[40] SABBAG, Eduardo. op. cit., 2015. pgs. 1094 e 1096.

[41] PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos Federais, Estaduais e Municipais, 2011. p. 309.

[42] Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça editou o seguinte enunciado: súmula nº 424 - É legítima a incidência de ISS sobre os serviços bancários congêneres da lista anexa ao Decreto-lei. 406/68 e à Lei Complementar 56/87.

[43] HARADA, Kiyoshi. op. cit., 2001. p. 338.

[44] Referido conflito deu origem, por exemplo, à Súmula Vinculante nº 31: É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS sobre operações de locação de bens móveis ou às Súmulas 163 e 274 do STJ: “o fornecimento de mercadorias com a simultânea prestação de serviços em bares, restaurantes e estabelecimentos similares constitui fato gerador do ICMS a incidir sobre o valor total da operação” e “o ISS incide sobre o valor dos serviços de assistência médica, incluindo-se neles as refeições, os medicamentos e as diárias hospitalares.”


Autores


Informações sobre o texto

O texto foi elaborado tendo em vista as complexas implicações que a forma de Estado adotada, no caso a Federal, traz para a divisão das competências tributárias, além de estabelecer algumas observações acerca de situações que são consideradas peculiares sob o ponto de vista doutrinário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORMENA, Celso Bruno; TORMENA, Thiago Alessandro. Autonomia constitucional dos entes federativos e a lógica da competência tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6970, 1 ago. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82100. Acesso em: 26 abr. 2024.