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A revisão dos contratos de locação no período do covid-19.

Decisões judiciais sobre o tema e a aplicação da teoria da imprevisão

A revisão dos contratos de locação no período do covid-19. Decisões judiciais sobre o tema e a aplicação da teoria da imprevisão

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A pandemia pode ser considerada evento de força maior. Sendo assim, é possível a revisão dos contratos de locação.

No dia 11/03/2020, fora declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a elevação do estado de contaminação pelo Coronavírus (Covid-19) como pandemia.

Na data de 20/03/2020, por meio do Decreto Legislativo nº 6 de 2020, entrou em vigor o estado de calamidade pública no Brasil e, neste contexto, em 24/03/2020, o governo do estado de São Paulo, por meio do Decreto nº 64.881, determinou o isolamento social como medida para evitar a propagação do vírus e, entre outras medidas, determinou, também, a suspensão do atendimento presencial ao público em estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços, exceto as atividades consideradas essenciais classificadas pelas áreas de saúde, alimentação, abastecimento, segurança, comunicação social, entre outras.

As outras unidades federativas do Brasil também adotaram, de diferentes formas, medidas de isolamento, com o intuito de se evitar a propagação da doença.

As restrições das atividades impostas pelo Poder Público trazem, por consequência, graves efeitos financeiros na vida das pessoas, notadamente dos comerciantes, pequenos empresários e autônomos que, impossibilitados de prestar seus serviços e/ou vender seus produtos, suportaram uma queda brusca no faturamento.

A crise econômica também afeta os trabalhadores assalariados, pois seus empregadores, diante da necessidade de cortarem custos, em grande parte tiveram que realizar demissões em massa e/ou utilizar das prerrogativas legais de suspensão do contrato de trabalho e redução proporcional da jornada/salário, trazidas pela Medida Provisória nº 936/2020 de 01/04/2020, que criou o “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda”.

Observa-se, portanto, que a pandemia causada pelo Coronavírus (Covid-19), que acomete o Brasil desde meados de março de 2020, se trata de um motivo de força maior que tem abalado toda a economia local e mundial.

Diante deste cenário, verifica-se que muitos cidadãos e empresas têm tido dificuldades de honrar os compromissos e obrigações assumidos anteriormente à pandemia, notadamente pela queda brusca em seus rendimentos e faturamentos.                


Nesta situação, como ficam as relações contratuais em curso?

Dentre as diversas contratações prejudicadas pela crise econômica, temos os contratos de locação residencial e comercial, observando-se que, na prática, muitas pessoas e empresas têm tido dificuldades de cumprir com o pagamento do aluguel tal qual fora celebrado anteriormente à pandemia.

O Direito Civil nos traz cenários possíveis a serem analisados no momento da interpretação dos contratos em tempos de pandemia e de acordo com o contexto que fora apresentado.

No que tange à locação comercial, é notório que bares, shoppings, academias, lojas, galerias e o comércio em geral, tiveram que suspender suas atividades por motivo de força maior, qual seja, uma ordem emitida pela Administração Pública que, dotada de seu Poder de Polícia, possui a prerrogativa de sancionar os estabelecimentos que descumprirem com os regulamentos.

Sendo assim, conclui-se que a pandemia, como evento de força maior ou caso fortuito, pode acarretar em uma impossibilidade do cumprimento do pagamento do aluguel, uma vez que incide sobre o bem locado para os fins de prestação de serviços comerciais um evento externo inevitável.

O artigo 567 do Código Civil prevê:

‘’Art. 567. Se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava.’’

A aplicação deste artigo pode se dar no âmbito de uma locação em que a posse direta do locatário sobre o estabelecimento comercial encontra-se severamente limitada de tal modo a impactar na utilização da coisa, o que, na prática, atinge seu patrimônio e dificulta o pagamento dos encargos locatícios.

A pandemia pode se caracterizar como evento que gera excessiva onerosidade ao contratante, visto que gera um inesperado desequilíbrio em sua situação patrimonial, pois seus rendimentos/faturamentos caem ou cessam repentinamente, todavia, suas contas se mantêm praticamente idênticas.

A aplicação da excessiva onerosidade como instrumento da revisão ou resolução contratual deve ser avaliada focando-se exclusivamente na relação bilateral (contratante e contratado) entre as prestações contratuais, ou seja, deve-se avaliar as causas que interferem no equilíbrio contratual e que acarretaram na manifesta desproporção que recai sobre uma das partes.

Neste sentido, preveem os artigos 317 e 478 do Código Civil que:

‘’Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”

‘’Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.’’

A teoria da imprevisão, como supedâneo da revisão contratual em tempos de Covid-19, vem sendo utilizada para consubstanciar decisões judiciais, visto que, no contexto atual, há um grande número de processos judiciais sendo propostos no Poder Judiciário, cujos pedidos variam entre a revisão do valor do aluguel ou a resolução do contrato de locação.

Em recente decisão proferida nos autos do processo nº 0026529-95.2020.8.16.0014, o D. Juízo da 10ª Vara Cível de Londrina/PR, concedeu o pedido de tutela de urgência para reduzir o valor do aluguel em contrato de locação comercial onde no imóvel locado desenvolve-se atividades de comércio de veículos.

Por não possuir caráter essencial, as atividades realizadas pelo locatário em questão ficaram suspensas pelo período de 1 mês (22/03 até 20/04), quando a Prefeitura de Londrina/PR publicou o decreto que permitiu a reabertura do comércio na cidade.

Uma vez que a atividade exercida pelo locatário, autor da ação citada, esteve suspenso por pouco mais de 30 dias, entendeu o D. Juízo que referido fato culminou em prejuízo no faturamento e na dificuldade excessiva do locatário em honrar com as prestações assumidas anteriormente, no caso o pagamento dos alugueis.

De acordo com o D. Juízo, “era impossível à parte autora prever o cenário e a determinação de paralisação das atividades que estaria por vir. Ou seja, a utilidade do imóvel para os fins propostos na contratação restou afastada por conta de situação excepcional, não causada por nenhuma das partes.”

Em sua conclusão, o D. Juízo concede a medida de urgência por entender estarem demonstradas a probabilidade do direito (em virtude de que a prestação se tornou excessivamente onerosa em razão de evento extraordinário e imprevisível) e o perigo de dano (comprovação da ausência de qualquer faturamento no mês em que houve a paralisação das atividades, somados aos riscos inerentes ao inadimplemento do aluguel, tais quais, despejo, cobrança ou protesto).

No entanto, imperioso frisar que referida decisão define a extensão da liminar, fixando o valor do aluguel reduzido desde que presentes as condições que a justificaram, ou seja, durante o período em que comprovadamente houve a paralisação das atividades comerciais do locatário e a consequente queda no faturamento.

Quanto à possibilidade de redução de aluguel residencial, temos o caso concreto de processo em trâmite na 2ª Vara Cível de Piracicaba/SP, no qual o D. Juízo concedeu tutela de urgência determinando a redução no valor do aluguel residencial do autor da ação, por considerar que a atual situação de pandemia ocasionou na perda do emprego do morador/locatário (processo nº 1007417-94.2020.8.26.0451).

Neste segundo caso, a decisão judicial é fundamentada na diminuição significativa dos recebimentos do autor no mês de abril, comprovada por meio dos extratos bancários apresentados no processo. Frisa ainda, que anteriormente à pandemia, o locatário estava em dia com as obrigações referentes ao imóvel.

Os casos concretos aqui explicitados se tratam de decisões de tutela de urgência, de redução de aluguel comercial (no caso de Londrina/PR) e redução de aluguel residencial (no caso de Piracicaba/SP), que se utilizam da Teoria da Imprevisão como caracterização de um fato como causador de onerosidade excessiva a um dos contratantes.

Em ambos os casos cabe recurso ao Tribunal competente.

Sobre novidades legislativas sobre o tema, há o projeto de lei nº 1.179/20, que institui normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de direito privado em virtude da pandemia, e traz, entre as mudanças propostas, a suspensão, até o dia 30/10/2020, da concessão de liminares que determinam o despejo de inquilinos por atraso de aluguel, tratando-se de medida que visa mitigar na sociedade os efeitos da crise econômica.

Referido projeto já fora aprovado no Congresso Nacional e até a presente data aguarda a sanção presidencial para que a lei entre em vigor e passe a surtir efeitos.

Visando a uma negociação razoável entre as partes, entende-se que, privilegiando a manutenção do contrato, seja mais coerente a redução do preço do aluguel nos casos em que a impossibilidade da prestação do serviço for parcial e temporária, sendo o caso de rescisão contratual somente nas hipóteses de impossibilidade permanente para o uso do bem locado.

É sempre louvável buscar a solução extrajudicial para o problema, o que se faz por meio de uma negociação entre as partes, com o intuito de se chegar a um denominador comum, equilibrado e ponderado, entre os interesses do locador e do locatário, levando-se em consideração as particularidades do caso concreto.

Exaurida a tentativa extrajudicial para a resolução do conflito de interesses, tem-se como alternativa a invocação do Poder Jurisdicional do Estado, em que, por meio de um processo judicial, serão analisados os fatos, as provas produzidas, os fundamentos jurídicos e as particularidades do caso apresentado.      


FONTES:

http://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=61164;

https://www.editorajc.com.br/a-onerosidade-excessiva-no-ordenamento-juridico-brasileiro/;

https://projudi.tjpr.jus.br/projudi_consulta/processo/consultaPublica.do;jsessionid=1075f46cd161504c81ef3bdf35cd?_tj=8a6c53f8698c7ff76952a94c6099d0b4f7dc925667d013fb9e7278ec43293bdc;

https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=CJ000N9JH0000&processo.foro=451&processo.numero=1007417-94.2020.8.26.0451&uuidCaptcha=sajcaptcha_700808ad35f04eaa846862b3c420d299;

https://www.conjur.com.br/2020-abr-20/opiniao-efeitos-pandemia-covid-19-relacoes-patrimoniais.


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Informações sobre o texto

Artigo científico elaborado para publicação inicial no site www.cecbadvogados.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BICUDO JUNIOR, Edson Luís de Campos. A revisão dos contratos de locação no período do covid-19. Decisões judiciais sobre o tema e a aplicação da teoria da imprevisão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6204, 26 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83329. Acesso em: 28 mar. 2024.