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Mais do mesmo

reflexões sobre as reformas processuais

Mais do mesmo: reflexões sobre as reformas processuais

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O texto discute o senso comum dos processualistas, fechados em uma dogmática que não reflete sobre sua prática social, e o fenômeno da industrialização das decisões judiciais.

Resumo

O estudo aborda a circularidade das reformas processuais que não cumprem a finalidade de proporcionar uma jurisdição cível mais rápida e efetiva. Discute-se o senso comum dos processualistas, fechados em uma dogmática que não reflete sobre sua prática social, e o fenômeno da industrialização das decisões judiciais. Propõe-se uma perspectiva crítica dos ritos e práticas jurídicas para geração de um discurso do qual surja um modo democrático e inclusivo de fazer direito e de fazê-lo de forma efetiva.


1. Nota introdutória.

O Direito Processual Civil brasileiro tem sofrido diversas alterações normativas no tempo, todas buscando dar mais celeridade ao processo judicial, considerado moroso. Estas alterações, já rotineiras, aceleraram-se a partir da Lei 8.952, de 13.12.1994, que instituiu a tutela antecipada, passando, por exemplo, pelas leis 9.139, de 30.11.1995; 9.245, de 26.12.1995; 10.352, de 26.12.2001; 10.444, de 7.5.2002, até as recentes 11.232, de 2005, e 11.276, 11.277 e 11.280, de 2006, estas oriundas dos estudos decorrentes do chamado "Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano".

Espantosamente, contudo, com mais de uma década de alterações legais, o sistema processual civil não só continuou moroso, como também se tornou mais lento. As afirmadas "reformas" não atingem os fins a que se destinam simplesmente porque repetem a tentativa de modificar aspectos pontuais do sistema, mantendo o mesmo paradigma de comportamento anterior; algo como tirar com balde a água que invade um barco em naufrágio.

Não se fará, aqui, estudo doutrinário fundado em teorias formais despidas de contato com a realidade. Para quem as procura, elas podem ser encontradas às centenas nas prateleiras jurídicas. Estudos aprofundados sobre a natureza intrínseca material ou formal da ação, bem como teorias dualistas, tricotômicas, quinárias e assemelhadas, ou ainda sobre princípios constitucionais alemães ou de outras origens, podem ser buscados e pesquisados à vontade, mas não trarão, eles, soluções concretas. Isso se comprova pela simples observância da história jurídica brasileira: os estudos existem há décadas, mas o processo judicial civil é cada vez mais moroso. Também não se pretende esgotar o assunto e nem tampouco trazer soluções mágicas, que, por evidente, não existem.

Busca-se, sim, trazer à luz alguns dos obstáculos que existem para a "porta de saída" do processo [01]. Desvelar as chagas e trazê-las ao exame não é tarefa que se esgota em poucas páginas, mas representa, no mínimo, uma tentativa de vencer a inércia, modificando o curso da trajetória que, se mantidas as condições atuais, levarão inevitavelmente à perda de sentido do Judiciário, e, no limite, do próprio Estado.

Neste processo de apuração dos equívocos de comportamento é possível apontar algumas direções, ainda que elas possam trazer contradições entre si e não formem um todo sistemático. A questão não é achar uma resposta definitiva (objetivo que seria no mínimo ingênuo e no limite pouco democrático e arbitrário [02]), mas sim a possibilidade de formação de um novo discurso para que outras soluções sejam buscadas com inclusão de aportes oriundos de fora do círculo fechado dos juristas.

O fio condutor do presente trabalho é a de que a perspectiva puramente jurídica, atrelada a dogmas formados que historicamente fecham-se em si mesmos, não consegue produzir soluções práticas, especialmente quando passa a focar o Judiciário como um processo industrial de produção de decisões, e não como um instrumento de pacificação.

Nunca é demais lembrar que a busca da verdade origina-se da distinção entre ignorância (não saber que não sabe) e incerteza (saber que não sabe). A partir daí, é possível abandonar certas crenças e emissões do imaginário social. Este abandono pode resultar dois tipos diferentes de conduta. Uma, a simples busca de novas crenças, formando-se uma certeza. Outra, a dúvida metódica, ou seja, vencer o dogmatismo e a crença de que o mundo existe e é como percebemos, para, depois de um momento de estranhamento, continuamente investigar os fatos e teorias e só aceitar aquilo que, submetido à crítica, se revelar induvidoso [03].


2. Desenvolvimento

2.1 Miradas sobre a situação atual.

Que o modelo atual de distribuição de justiça está em crise parece ser uma conclusão evidente. Não fossem somente as diversas manifestações públicas [04] e leigas sobre o tema, evidenciando a percepção popular de inefetividade do Direito e da Justiça, as estatísticas recentes (Conselho Nacional de Justiça [05] e Supremo Tribunal Federal [06]) demonstram que o sistema, como um todo, não consegue dar vazão aos processos.

Não obstante essas óbvias considerações quanto ao congestionamento do sistema, vale apontar as falácias inerentes ao modo atual de solução dos processos, que insiste em encarar o problema como se se tratasse de uma produção industrial repetitiva [07].

A partir das estatísticas disponibilizadas pelos próprios tribunais superiores, considerando que em 2005 o STF julgou 103700 processos, se este número fosse dividido por todos os ministros (11), para que trabalhassem todos os dias do ano (365) apenas lendo e decidindo os processos, parando apenas para dormir (16 horas de trabalho diário) e apreciando recursos com 5 páginas, para decisões combatidas de 5 páginas, e contra-razões de igual tamanho [08], a conclusão é a de que cada um deles teria que julgar 25,8 processos por dia, gastando apenas 2,48 minutos para ler cada página; tudo isso sem considerar o tempo necessário para as sessões e para redigir os votos. No caso do STJ, para o ano de 2003, seriam apenas 18,6 processos por dia para cada ministro (excetuado o Presidente da Corte), com o tempo de 3,44 minutos para ler cada página.

Estes números refletem pelo menos duas questões fundamentais.

A primeira consistente na conclusão de que o expressivo número de processos julgados pelas cortes superiores (situação ímpar se comparada com outros países, como a Suprema Corte Norte-Americana) [09] reflete uma irracionalidade do sistema. Ora, há dois tipos de processos: os que refletem questões jurídicas repetitivas e os que não são repetitivos. No primeiro caso, a reiteração de processos julgados pelas cortes superiores espelha a inobservância dos seus precedentes. Essa inobservância não é apenas a falta de acatamento pelas instâncias inferiores [10], mas também pelo Estado-executivo e pela Sociedade Civil, notadamente as empresas litigantes usuais, como as concessionárias de serviços públicos anteriormente prestados diretamente pelo Estado. Isso implica custos financeiros para as partes e, principalmente, o dispêndio de tempo para a solução final da lide. Ademais, é possível que, diante do volume de processos, haja não só erros na classificação da demanda [11], mas também desconsideração de eventuais novas configurações fáticas ou jurídicas que distingam o caso concreto das centenas de outros processos similares [12], erroneamente identificados como paradigmas [13].

No segundo caso – processos não repetitivos – a inclusão do feito dentro de uma "linha de produção" retira a possibilidade de exame aprofundado da questão, fazendo surgir entendimentos que não exaurem a possibilidade cognitiva e hermenêutica ligada ao litígio que se pretende solucionar, especialmente quando tal julgamento ocorre em terceira (STJ ou TST) ou quartas (STF) instâncias. Daí o peculiar fenômeno das mutações interpretativas dentro das próprias cortes, tais como a edição de verbete de súmula e posterior cancelamento [14], ou oscilações de entendimento, tudo gerando o já chamado "manicômio judiciário" [15].

A segunda questão fundamental, que de certa forma se liga ao que foi dito sobre os processos não-repetitivos, é que o excesso de processos e o pouco tempo para a apreciação individual desloca a função das cortes superiores de apreciação de questões jurídicas para apreciação de casos isolados. Em outras palavras, a função de definir os contornos da questão jurídica é prejudicada pelo tempo para a sua apreciação. Ao invés de dar à questão o amadurecimento e discussão necessários, inclusive com ampla participação dos diversos setores da Sociedade Civil envolvidos [16], o discurso decisório fecha-se em si mesmo, de acordo com as convicções pessoais dos magistrados pertencentes ao órgão julgador, como se fosse uma mera instância revisora daquilo que já foi revisado por outrem. Aliás, é impossível acreditar que os ministros das cortes superiores, por maior conhecimento jurídico que possam ter (e têm), consigam, em uma mesma semana, ponderar toda a teoria e doutrina existente sobre os diversos assuntos discutidos [17], geralmente envolvendo questões inteiramente distintas, como regimes de tributação de impostos específicos a dosimetria da pena, passando por questões de direito internacional e de direito contratual. É evidente que nem mesmo se fossem intelectualmente superdotados os ministros teriam condição de refletir sobre temas tão diversos em tão pouco tempo.

2.2 O senso comum fechado e circular dos processualistas.

A crise do sistema processual passa, também, pela crise do senso comum dos juristas. Não cabe aqui a discussão aprofundada sobre o tema [18], mas vale considerar que o discurso alienado da processualística brasileira, olhando para o texto positivado de um código do século passado [19], nasce de uma formação jurídica fechada em si mesma, na qual as faculdades muito ensinam sobre códigos e pouco sobre a leitura social, econômica e filosófica daquilo que se pretende codificar.

Os estudos focados no texto legal parecem crer que o direito regula a vida, e não que a vida regula o direito. Entrar em uma livraria jurídica é encontrar centenas de manuais destinados a quem pretende "passar em concursos" [20] e outra centena de livros que repetem teses como a de que "princípios são mandados de otimização". Com sorte, o visitante poderá encontrar algumas obras que discutam efetivamente o atuar do jurista. Por certo, quase nenhuma oriunda de fora do círculo formado pelos bacharéis em Direito ou de quem tenha agregado outra formação, como economista, administrador, sociólogo ou filósofo [21], e a grande maioria fechada num universo formal e abstrato, sem nenhuma pesquisa de campo ou contato com a realidade prática [22]. Achar uma obra sobre a história do judiciário ou sobre administração do sistema (com aplicação de técnicas de TQC, 5S ou semelhantes) é garimpar pepitas de ouro num rio de proporções amazônicas.

Desse sistema fechado em si mesmo, sem comunicação com as demais esferas e saberes, nascem reformas processuais que, por exemplo, extraem um capítulo sobre liquidação de sentença de uma seção do Código e o transportam para outro, crendo que tal "migração" implicará a revolução copernicana, sem se atentar para as diversas tentativas anteriores que somente lograram repetir o que já existia. Outro exemplo, que já é um clássico da irracionalidade, foi a alteração do art. 557, do CPC, em que, a pretexto de evitar um recurso (quando a questão já fosse pacífica na jurisprudência), acabou criando um terceiro recurso [23]. Apesar de não ser possível esgotar o rol destes exemplos, vale mencionar a alteração constitucional que incluiu o §3º no art. 102 da Constituição [24]. Buscava-se evitar a repetição de centenas de recursos ao STF. Na prática, passou-se a se exigir a participação de dois terços dos integrantes da corte para dizer que o recurso não tem relevância, isto é, exige-se um quorum maior para dizer que algo não merece ser examinado do que o próprio quorum para examinar a questão !

O sistema fechado também produz o sentimento, sem paralelo em outros países, de que boa petição, boa sentença ou boa manifestação é aquela que, declamando teses doutrinárias de além-mar, se espraia por dezenas de páginas. Não fosse somente o custo ecológico decorrente disso, a irracionalidade se demonstra pela exigência formal de exame de dezenas de argumentos, na maior parte preliminares técnicas enxertadas para a criação de obstáculos [25], prejudicando o aprofundamento da questão fundamental, que é o conflito a ser pacificado, ou seja, o fato em si. Buscar caminho diverso dentro da cultura jurídica atual é arriscar-se a, no mínimo, ter sua razão ou decisão considerada nula (com a conseqüente mora adicional ao processo), e, no limite, ter, contra si, a pecha de falta de conhecimento (quando o contrário é o existente), com as conseqüências próprias de um etiquetamento social, no sentido dado pela criminologia.

2.3 Propostas reflexivas para um novo discurso reformador.

A crítica, então, chega ao seu momento crucial: saber se dela pode surgir algo novo.

Conforme vislumbrado acima, não se trata de apontar uma resposta mágica e definitiva, mas sim a sugestão de caminhos ou alternativas ao discurso de repetir mais das mesmas pseudosoluções. Além disso, é evidente que nem todas as soluções são exclusivamente jurídicas "stricto sensu", passando, por certo, por questões ligadas à informatização, administração (com planejamento estratégico), treinamento do aparelho burocrático do Judiciário e adoção de medidas que evitem a própria formação do litígio [26].

Passa, também, e fundamentalmente, por uma mudança cultural, que não se prenda ao discurso formalista despreocupado com a real efetividade do processo, mas sim aberto a novas soluções e modificações de comportamento. Há uma distinção entre a Ética da Consciência ou convicção, própria do indivíduo, por indicar quais os meios seriam justos, considerando irrelevantes os resultados, e a Ética Social ou da Responsabilidade, indicativa dos fins do Estado, pela qual se responsabiliza o agente pelos resultados previsíveis [27]. Deve-se, por isso, superar convicções pessoais para adotar práticas preocupadas com as conseqüências e com a efetividade da jurisdição. Vencer os dogmas e a posição doutrinária que transformam a ampla defesa [28] em defesa infinita [29] é necessário pois não condizem com os princípios da duração razoável do processo [30] e do acesso à ordem jurídica justa [31], que são aplicáveis tanto ao autor quanto ao réu das ações [32].

A mudança fundamental, portanto, é vencer o paradoxo de que embora o direito devesse ser construído a partir da Consciência Jurídica e dos valores da sociedade [33], o processo de produção das normas procedimentais não pode ser fruto de anteprojetos elaborados unicamente por juristas que se dediquem exclusivamente à cátedra, sem contato com o dia-a-dia forense. Daí a necessidade de ampliar as discussões legislativas para incluir, também, membros da Sociedade Civil, especialmente economistas, administradores, sociólogos, cientistas políticos e outros, a fim de que eles expressem o sentimento e valores ínsitos na comunidade política.

2.4 Um novo papel para as Cortes Superiores – do formalismo industrial para a formulação de decisões democraticamente jurídicas e políticas.

Num plano jurídico geral, há que se ter, por evidente, uma redefinição do papel das cortes superiores. Ao Supremo Tribunal Federal, por exemplo, a assunção definitiva de sua vocação para Corte Constitucional. Ao STJ e TST, o papel de cortes de interpretação política das normas jurídicas. Para isso, é fundamental que tanto o Recurso Extraordinário (RE) quanto os Recurso Especial (REsp) e Recurso de Revista (RRev) tenham três características, a serem implantadas mediante alteração constitucional: [1] possibilidade de eficácia subjetiva universal, ou seja, o tribunal dar à decisão individual o caráter de vinculação para todos, incluindo o Poder Executivo; [2] procedimento democrático de participação da Sociedade Civil, com ampla divulgação da questão que estará sendo decidida e irrestrito acesso à manifestações por "amicus curiae"; [3] juízo de admissibilidade puramente discricionário, para que as cortes escolham questões que estejam maduras para receber a sua plena atenção e decisão.

Nesta redefinição de papéis, torna-se crucial a redução das competências originárias, especialmente as prerrogativas de foro. As que forem estritamente necessárias podem ser cumpridas pelos Tribunais de 2ª Instância (mais afeitos às questões fáticas e probatórias) ou, se for o caso, ao próprio STJ. É relevante que o STF exerça apenas o essencial mister de corte constitucional, sem dispêndio de tempo em gerenciar inquéritos criminais que se prorrogam no tempo [34].

2.5 Os novos procedimentos – ritos inspirados na efetividade.

No campo dos procedimentos, não faz sentido a existência de dezenas de ritos diferenciados, especialmente com a possibilidade de concessão de liminares e das tutelas específicas. Aquilo que justificava a existência de procedimentos especiais (modificações do rito para abarcar liminares e medidas extravagantes), como as possessórias, as consignatórias e outras, já está previsto por outros instrumentos, especialmente a tutela antecipada e os provimentos inibitórios e específicos contidos no art. 461, do CPC. Assim, a padronização de ritos possibilita não só a especialização e facilitação prática no cotidiano, mas também a informatização do processo e das rotinas burocráticas.

Uma possível simplificação do número de ritos pode ser a redução a três: [1] ritos de defesa sumária do cidadão, representados pelas garantias constitucionais do Hábeas Corpus e do Mandado de Segurança; [2] rito da ação individual e [3] rito da ação coletiva.

Na ação individual, superando a vetusta formação que remonta às ordenações portuguesas, cogita-se de um rito que alie a essência do que já existe no procedimento trabalhista e dos juizados especiais (estaduais e federais) com aquilo que é praticado em outros países. Disso resultaria um rito com oralidade pura estruturado em duas audiências; a primeira, para recebimento da resposta, tentativa (real) de conciliação, fixação (real) dos pontos controvertidos e da prova necessária ao deslinde, com possibilidades restritas de recurso.

É o que permite, por exemplo, o rito dos Juizados Especiais. Nele, a redução a termo é, nos termos exatos da Lei n. 9.099/95, vedado, pois o seu artigo 36 diz: "A prova oral não será reduzida a escrito, devendo a sentença referir, no essencial, os informes trazidos nos depoimento" e o § 3º do seu artigo 13 afirma que "apenas os atos considerados essenciais serão registrados resumidamente, em notas manuscritas, datilografadas, taquigrafadas ou estenotipadas. Os demais atos poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente, que será inutilizada após o trânsito em julgado da decisão". Logo, os depoimentos não devem ser reduzidos a termo, mas poderão ser gravados. No âmbito da Quarta Região Federal, a medida vem sendo utilizada há meses, com reflexos e ganhos consideráveis, tanto na agilização das audiências, quanto na satisfação dos operadores jurídicos.

Se entendida como necessária a redução a termo da prova oral, nada impede que sejam aplicados recursos na contratação de serviços de taquigrafia, estenotipia ou degravação ou mesmo o treinamento de servidores para isso. O custo dessa medida pode ser arcado mediante taxas judiciárias específicas para o serviço ou mesmo por fundos próprios a serem previstos no orçamento do Judiciário. O que importa considerar é que as vantagens (agilidade, produtividade e redução de tempo) revertem em prol da sociedade, que passa a ter um processo mais célere [35].

A oralidade pura não só dá agilidade à audiência, como também evita a irracional prática cotidiana de o advogado perguntar ao juiz que pergunta à testemunha que responde ao juiz que dita ao assessor o que ele acha que foi a síntese dessa dinâmica. Reduzidas ao papel, as palavras da testemunha perdem toda a significação que poderia ser extraída do tom de voz, das expressões utilizadas, do asserção ou dubiedade demonstrada pelo falante etc [36]. Tais considerações, relevantes para a formação da certeza sobre a veracidade do que foi dito, são perdidas, não só pela impossibilidade de reduzi-las a termo, mas também porque neste processo de diálogos sucessivos as informações são necessariamente perdidas. Não bastasse isso e a perda de tempo que todo este procedimento causa, os tribunais, ao reformarem ou manterem decisões de primeiro grau, utilizam apenas o papel, que sabidamente não reproduz a dinâmica de uma audiência, gerando, ao menos potencialmente, a possibilidade de equívocos ao reformar decisões fundadas em juízos de quem presidiu e instruiu a coleta da prova, especialmente a oral.

A tentativa de conciliação pode ser alcançada não apenas com técnicas alternativas de resolução de conflitos, como mediação, conciliação, usando conciliadores treinados e supervisionados pelos juízes, mas também pela adoção de um sistema de sanção processual por reversão mínima. Isso pode ser alcançado a partir de uma adaptação do sistema da Inglaterra e do estado de Michigan (EUA) [37], no qual o juiz, verificando o tipo de lide arbitra, mediante cognição sumária, uma valor de condenação ao possível sucumbente como proposta de acordo. A parte que não aceitar e não conseguir modificar a quantia em pelo menos vinte por cento de diferença do que foi fixado como possível sentença, é apenada em 20 %. Ou seja, se o autor não conseguir mais de 120% do valor arbitrado, perde 20 %; o réu, que não conseguir a improcedência total ou a parcial abaixo de 80 % daquele valor, pagará, então, um montante adicional.

A fixação das questões controvertidas pode ser modificada para uma real definição de o quê será objeto de prova. Assim, as questões fáticas são descritas sob a forma de quesitos simples, referentes a fatos únicos do tipo: (a) a entidade "x" inscreveu fulano no registro SPC pela dívida "y" no dia "d"; (b) fulano pagou a dívida "y" no dia "d-1" etc. AO adotar o rito semelhante ao do Juizados Especiais e da CLT, a primeira audiência assumirá importância capital, desde que se permita e se incentive que o juiz e as partes definam, conjuntamente, os fatos que realmente são controvertidos para, em seguida, apontar as provas que são necessárias para esclarecê-los [38].

No âmbito recursal, adotando o sistema dos Juizados Especiais, reduzir a admissibilidade a apenas duas hipóteses: a concessão ou indeferimento de liminar e recurso contra sentença definitiva. É possível cogitar-se, inclusive, que os recursos de apelação tenham efeito devolutivo restrito ou cognição diferenciada da atual, restringindo apenas às questões de direito. Se for o caso, nas questões fáticas, a cognição pode ser diferenciada, a exemplo do que ocorre no processo do júri, em que o julgamento de primeiro grau só é anulado por decisão manifestamente contrária às provas dos autos. Assim, o exame pelo Tribunal seria restrito a reformar a convicção do juiz de primeiro grau se a sentença for manifestamente teratológica ou divorciada das provas, e desde que o recurso apontasse tal circunstância de forma clara e expressa. Outra medida relevante é a de expandir a prática do depósito recursal – existente no processo trabalhista – para todos os tipos de recurso, o que não só inibe a interposição de recursos protelatórios, como também assegura uma eventual execução de valor.

Tocante às ações coletivas, esvaziadas pela prática, a sua revalorização não pode ser apenas no plano teórico que busca criar ritos que reproduzem os conceitos tradicionais. A preocupação tem que ser focada nos aspectos práticos que viabilizem a plena efetividade das ações coletivas. Assim, diante do efeito "erga omnes" ou "ultra partes" destas ações, é imprescindível a abertura da participação dos interessados na ação, seja pela previsão de publicação das questões envolvidas em meios de comunicação em massa (suportados por fundos específicos para isso), seja pela sensibilização da importância de aceitação da participação oral e efetiva de quem tenha sido admitido como "amicus curiae" [39]. A partir do momento em que os tribunais superiores exercem políticas de ampla repercussão pelas ações coletivas, há que se possibilitar que a decisão tenha efeitos diferidos no tempo, como ocorre atualmente com as ações de controle concentrado de constitucionalidade. A decisão, por exemplo, referente à correção de benefícios previdenciários pode determinar que o pagamento dos valores atrasados seja feito em parcelas. Ou, em outro exemplo pertinente às concessionárias de serviços públicos monopolizados pela iniciativa privada, que seja determinado a realização e implementação de um planos de adequação da conduta. Inibe-se, com isso, o argumento "ad terrorem" de colapso econômico, pois as dificuldades podem e devem ser levadas em conta na decisão que implementar um plano de cumprimento.

Essa revalorização das ações coletivas, que resolveriam as questões jurídicas de forma mais célere e democrática, implicaria, necessariamente, no óbice ao ajuizamento de milhares de ações individuais. Porém, para que isso possa ser alcançado, o descumprimento da decisão coletiva tem que receber forte sanção, sob pena de se tornar inócua.

Por isso, outra mudança em busca de soluções práticas é a tomada de postura em prol de mecanismos de real efetividade das ordens judiciais. Muitos deles já são amplamente utilizados por parte do Judiciário, em especial o trabalhista. Veja-se, por exemplo, a ampla eficácia da execução trabalhista que adota a penhora "on-line" e os instrumentos de convênios como o "bacenjud" e o depósito recursal.

2.6 A efetivação do comando judicial – repensando as técnicas e ritos executórios.

Além desses mecanismos, é necessário ter em mente que o cumprimento espontâneo das decisões judiciais tem que ser a regra. Para isso, é necessário impor sanções, principalmente econômicas, àquele que voluntariamente e sem razão opõe resistência, especialmente após o trânsito em julgado. Ora, se após o processo de conhecimento ficar decidido que fulano deve mil reais a beltrano e aquele perceber que pagará os mesmos mil reais se opuser resistência (forçando penhora de bens, leilão etc.), resta evidente que a sua decisão será pela postergação. Não é necessário se valer de teorias de jogos ou de raciocínios abstratos para concluir que devem ser criadas desvantagens para quem posterga o cumprimento da lei. Por isso, uma primeira medida necessária é que a simples deflagração de ação de execução tem que implicar imposição de multa, como uma espécie de cláusula penal legal pelo não cumprimento voluntário [40]. Ora, se já decidido que a dívida existe e que deve ser paga, não há porque submeter o credor aos caprichos do devedor que, podendo, não paga.

Outro fator importante é o cumprimento voluntário das decisões liminares. Pela sistemática atual, mesmo se configurada a desobediência à ordem judicial, é necessário aguardar o trânsito em julgado da decisão principal. Ora, imagine-se a situação em que, no curso de ação de indenização por dano moral decorrente de equivocada inclusão em cadastro de proteção ao contribuinte, é determinada a exclusão do nome do falso devedor sob pena de multa diária; o destinatário da ordem não recorre da decisão liminar e não a cumpre; resta claro que este valor da multa deveria ser exigível de imediato. Neste caso, a sanção imediata inverte a lógica do lucro com a mora: se imposta a coerção de imediato, a parte descumpridora das ordens judiciais terá maior interesse na rápida solução do litígio; caso contrário, se a exigibilidade só vier com o trânsito em julgado da ação principal, o particular estará economicamente orientado a utilizar de todos os meios e chicanas processuais para postergar o fim do processo. Por isso, a sanção imediata reverte o ônus pela demora na solução do litígio, tornando mais justa a distribuição dos encargos econômicos.

Por outro lado, é necessário criar tipos legais penais, com sanções claras e duras, não só para o descumprimento de ordens judiciais (tanto por particulares quanto por servidores públicos), mas também para as fraudes processuais "lato sensu", como o falso testemunho, a fraude processual, o favorecimento real ou pessoal etc. Além disso, mudar a concepção de que tais delitos não permitem a prisão em flagrante, mas sim perceber que, por exemplo, o crime previsto no art. 330, do CP, é crime do tipo permanente, cujo estado de flagrância de protrai no tempo. Tornar tal delito inafiançável ou modificar o sistema de imposição de fiança para exigir valores compatíveis com a realidade econômica implicaria trazer ao sistema brasileiro a "contempt of court", que, no direito saxão, garante a efetividade das decisões judiciais.

No plano da execução civil, quando necessária (pois a regra deveria ser o cumprimento voluntário incentivado pela não imposição de multas e juros progressivos), pode ser simplificada, para admitir adjudicação imediata dos bens penhorados ou a extinção da vedação do pacto comissório [41].

Não basta prever ritos efetivos. É necessário criar a possibilidade de o detentor do direito buscá-lo, com responsabilidade. Na prática atual, as camadas mais pobres da população não têm um atendimento jurídico adequado, pois raros são os Estados da federação que implementaram uma defensoria pública razoável. A própria União tem uma estrutura ínfima para as necessidades reais dos jurisdicionados. Na outra ponta, pessoas e empresas que não precisariam acabam recebendo gratuidade de justiça e nada arcam com despesas processuais [42]. Há uma perversa redistribuição ao contrário da assistência judiciária e da renda ! Por isso, de um lado, há que se propiciar um efetivo auxílio, com ampliação dos serviços de defensoria pública; de outro, atingir quem realmente precisa destas benesses.

A idéia de acesso à justiça não pode ser deturpada para criar uma porta de entrada para o abuso no direito de ação, pela utilização de lide para demandas temerárias, contra enunciados de súmulas ou manifestamente improcedentes, prejudicando a tramitação dos feitos das parcelas mais carentes da população.

Para evitar isso, é necessário otimizar a execução das sanções processuais, com alteração da sistemática da gratuidade de justiça para permitir execução de sanções processuais por litigância de má-fé, mediante simples ordem de pagamento e constrição de bens ou descontos em folha de pagamento.

Outra medida é uma reforma no instituto da assistência judiciária gratuita, com definição legal do critério de hipossuficiência para efeitos de isenção de custas que afaste ME, EPP, servidores públicos ou particulares com renda superior ao teto limite de isenção do Imposto de Renda. Alternativamente, se ultrapassado este critério objetivo, que se exija a demonstração comprovada da necessidade do benefício, mediante requisitos para comprovação dessa situação, como juntada de comprovante de renda, residência e documentos que comprovem despesas essenciais periódicas etc.


3. Considerações finais

Sobrevoando o texto apresentado, é possível traçar algumas premissas que, embora não conclusivas no sentido de uma verdade inalcançável, permitem supor que os processos de formação de "reformas" processuais não podem ficar restritos a juristas, que, além dos interesses corporativos, se submetem a um círculo vicioso de repetição de soluções atreladas a paradigmas formais e burocráticos; devem, sim, ser democráticas e abertas não só na formulação dos projetos, mas também no modo de produzir as decisões judiciais de cunho coletivo. Nesse contexto, a ideologia jurídica dominante fecha os olhos ao problema de que sua missão é pacificação dos conflitos e não produção industrial de decisões judiciais. Por isso, há a necessidade de alterar tanto o modo de fazer o direito nas cortes superiores quanto dos ritos individuais e coletivo para a solução da lide e estas modificações devem prever formas que impliquem fortes desvantagens, econômicas e de privação da liberdade, para quem não cumpre voluntariamente a norma legal.


4. Bibliografia utilizada.

ALVIM, José Eduardo Carreira. Justiça: Acesso e descesso. Direito Federal: Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil, v. 73, jan./jun. 2003, pp. 165/184.

BOLLMANN, Vilian. Juizados Especiais Federais: Comentários à Legislação de Regência. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1997.

MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994.

REALE, Miguel. Fontes e Modelos do Direito. São Paulo: Saraiva, 1994.

STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5ª ed., rev e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

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VIANNA, Luiz Werneck; REZENDE DE CARVALHO, Maria Alice; MELO, Manuel Palácios Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.


Notas

01 Bem lembra ALVIM que: "[...] o problema do acesso à Justiça não é uma questão de "entrada", pois, pela porta gigantesca desse templo chamado Justiça, entra quem quer, seja através de advogado pago, seja de advogado mantido pelo Poder público, seja de advogado escolhido pela própria parte, sob os auspícios da assistência judiciária, não havendo, sob esse prisma, nenhuma dificuldade de acesso. O problema é de "saída", pois todos entram, mas poucos conseguem sair num prazo razoável, e os que saem, fazem-no pelas "portas da emergência", representadas pelas tutelas antecipatórias, pois a grande maioria fica lá dentro, rezando, para conseguir sair com vida" (cf. ALVIM, José Eduardo Carreira. Justiça: Acesso e descesso, p. 167-183).

02 Ao revés, é natural e previsível que diversas das propostas aqui apresentadas sejam criticadas e, com isso, aperfeiçoadas ou até mesmo rejeitadas.

03 CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia, p. 90-95.

04 Tais como o já citado pacto republicano entre os poderes.

05 Vide www.cnj.gov.br. Nele é possível encontrar o texto da pesquisa Justiça em Números, contendo os indicadores estatísticos do Poder Judiciário em 2004.

06 Vide, por exemplo, o Banco Nacional de dados do Poder Judiciário, disponível no site do Supremo Tribunal Federal (http://www.stf.gov.br/bndpj/stf/ClasseProc.asp).

07 Esta equivocada percepção leva a uma hipertrofia do próprio Poder Judiciário, com necessidade constante de criação de novas Varas e cargos, sem que haja uma solução definitiva para a morosidade do processo cível.

08 O que, à evidência, não é a praxe forense, sendo comuns as petições com dezenas e até centenas de páginas.

09 No caso do Recurso Extraordinário, por exemplo, uma das possíveis e principais origens para a hipertrofia do STF é a incorreta importação do modelo norte-americano de controle de constitucionalidade, que trouxe a possibilidade de declaração incidental da invalidade da lei sem trazer a doutrina do respeito ao precedente ("stare decisis") que implica a vinculação de todos ao que foi decidido. Outro fator importante (mas que poderia ser superado se desde o início qualquer decisão do STF tivesse efeito vinculante para todos, com eficácia subjetiva universal), é a forma analítica da Constituição Brasileira, que a tudo pretende regular em toda a extensão possível.

10 E, em vários casos, pelas próprias cortes.

11 Por exemplo, uma questão de revisão de benefício previdenciário por correção dos salários-de-contribuicao utilizados por seu cálculo, por conta de um determinado plano econômico, ser julgado como se fosse a revisão do benefício em manutenção, atingido pelo mesmo plano.

12 Um exemplo concreto deste tipo de questão é o referente ao Benefício de Prestação Continuada, previsto na Lei 8742/92. Apesar de a questão não ser mais tratada pelas instâncias inferiores como constitucionalidade, ou não, da previsão legal de renda per capita como requisito para a concessão do benefício assistencial, mas sim como revogação dos limites legais e interpretação de o quê pode ser considerado como renda (ou seja, interpretação legal, e não constitucional), o Supremo Tribunal Federal, em várias reclamações e decisões monocráticas em sede de Recurso Extraordinário, continua a apreciar a questão como simples aferição de validade da mencionada lei.

13 Foi o caso, por exemplo, da exigência de contribuição pelo segurado para averbação de tempo de serviço rural anterior à Lei 8213/1991. A redação original da lei permitia a averbação sem a indenização pelo segurado. Porém, com a MP 1523 (depois 1596-14), foi alterado o §2º do art. 55 da Lei 8213/1991 para passar a exigir a indenização. Esta alteração não foi repetida quando da sua conversão em lei (LEI 9528/98), tanto que a redação atual do art. 55 é a mesma original, sendo expressa ao admitir a contagem do tempo anterior sem necessidade de contribuição, vedando apenas o uso como carência. Ocorre que, durante a vigência daquela alteração por Medida Provisória, diversos precedentes do STJ (REsp’s 202580-RS, 236402-SC, 286184-RS, RESP 297568, RESP 270499-SP e o ROMS 10428-SC) trataram do tema exigindo a contribuição – alguns deles confundindo a matéria com a ADI 1664, julgada pelo STF, que tratava da contagem entre o sistema do RGPS e o sistema de aposentadorias públicas. O problema ocorrido foi que, mesmo mantido o texto original da lei, julgados posteriores do STJ continuaram a aplicar os precedentes fundados naquele texto provisório, sem se atentar à alteração quando da conversão em lei. Para a análise da matéria, vide: "AGRAVO REGIMENTAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. CONTAGEM RECÍPROCA. SOMA DO TEMPO DE ATIVIDADE RURAL AO TEMPO DE SERVIÇO PÚBLICO. CONTRIBUIÇÕES. ART. 55, § 2º E ART. 96, V, AMBOS DA LEI 8.213/91. I - Estão em vigor o § 2º do art. 55 e o inciso V do art. 96 da Lei nº 8.213/91, ambos em sua versão original, porque a Lei n.º 9.528, de 1997, não aprovou a nova redação dada ao primeiro desses dispositivos pela MP n.º 1.523-13/97, nem revogou o segundo. Esses dois artigos da Lei n.º 8.213/91 asseguram o cômputo do tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desse diploma legal, independentemente do pagamento das contribuições a ele correspondentes. II - Essas regras, contudo, dizem respeito ao Regime Geral de Previdência Social, concernente à atividade privada, urbana e rural, aí restringindo sua abrangência, não alcançando a hipótese de contagem recíproca para fins de somar o tempo de atividade rural ao tempo de serviço público, para o qual a Constituição exige prova de contribuição efetiva. III - Agravo desprovido. (STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 437487/SC - QUINTA TURMA – j. 05/09/2002, DJ, 07/10/2002, p. 287).

14 Exemplo do verbete 263 da súmula do STJ, que dizia: "A cobrança antecipada do valor residual (VRG) descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a prestação". O verbete foi cancelado porque, embora emitido com base nos julgados da Segunda Seção do STJ (Direito Privado), a Primeira Seção, tendo em vista o Direito Tributário, tinha entendimento contrário, que prevaleceu na Corte Especial (confira-se o informativo do STJ, n. 183, REsp 443.143-GO, j. 10/9/2003).

15 Expressão utilizada pelo Min. Gilmar Ferreira Mendes para explicar os paradoxos do sistema judiciário brasileiro. Confira-se: http://conjur.estadao.com.br/static/text/43103,1 e http://www.radiobras.gov.br/anteriores/2001/sinopses_2111.htm

16 Por exemplo, com ampla divulgação na mídia e inclusão e participação ativa com debates entre interessados na forma de "amicus curiae". Tal perspectiva não só democratiza o processo de formação das decisões vinculativas, legitimando-a, como também implica uma aproximação da decisão jurídica final aos valores sentidos pela comunidade política.

17 Nunca é demais lembrar que, de um único dispositivo legal (como o art. 273, do CPC, ou o art. 128, do CTN) surgem inúmeras teses e dissertações, envolvendo, com razão, teorias aprofundadas sobre o tema.

18 Para isso, conferir, dentre outras obras, STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito.

19 Construído sobre a tradição normativa de um estado português feudal e de considerações pretensamente científicas de origem italiana.

20 Incluindo guias e resumos de poucas páginas que supostamente formarão um jurista, a pretexto de fazê-lo lograr êxito em provas que permitam exercer a profissão de advogado.

21 Exceções, belas e raras, que comprovam a regra, além das demais citadas neste texto, podem ser encontradas em CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988.

22 Outras honrosas exceções podem ser observadas em VIANNA, Luiz Werneck; REZENDE DE CARVALHO, Maria Alice; MELO, Manuel Palácios Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999 e DIAS, Maria da Graça dos Santos. A Justiça e o Imaginário Social. Florianópolis: Momento Atual, 2003. Na primeira obra, descortina-se a judiciliazação da política pelo estudo de classificação, análise e estatística sobre a prática das ADIs no STF. Os autores também estudaram a prática dos Juizados Especiais Estaduais do Rio de Janeiro, descrevendo os atores sociais que participam das lides (incluindo as figuras dos conciliadores, juízes leigos e outros), os tipos de lide real velada pela lide processual etc. Na segunda obra, após ser estudada a concepção filosófica sobre a idéia de Justiça, a autora, com base em pesquisa de campo, aborda a prática e o imaginário social de comunidades faveladas, com entrevistas e análises sobre o tema.

23 Em termos práticos, o juiz decidia aplicar uma súmula. A parte descontente recorre. O desembargador entende que realmente a súmula foi aplicada e que o recurso não é necessário. Apesar de dois juízes já terem dito o óbvio, inseriu-se a possibilidade de recurso desta última decisão para que os outros desembargadores confirmassem aquilo que o relator e o juiz de primeiro grau já disseram.

24 "No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

25 Daí a expressão jocosa no meio forense de que a razão no mérito é inversamente proporcional ao número de preliminares argüidas ou de que a petição com mais de duas laudas não tem direito líquido nem certo...

26 Por exemplo, o grande número de ações envolvendo as concessionárias de telefonia reflete, por certo, uma inoperância completa das instâncias administrativas reguladoras – notadamente a ANATEL – que, por omissão, permitem o reiterado abuso e descumprimento das normas protetivas dos usuários. Outro exemplo é o imenso número de ações versando sobre questões previdenciárias, que também são reflexo do mal atendimento pela autarquia previdenciária, que, dentre outras falhas, se recusa a implementar administrativamente os critérios de concessão e revisão de benefícios já consagrados pela jurisprudência. De uma forma geral, é possível concluir que a ineficiência dos mecanismos estatais e paraestatais de controle e fiscalização – como PROCON, Órgãos ambientais, DRT etc. – produzem uma busca judicial daquilo que administrativamente já deveria ter encontrado solução. O estudo das causas deste fenômeno merece uma atenção especial, que, no entanto, não cabe no presente, até porque demanda exame por outros ramos do saber, notadamente a Ciência Política e a Sociologia. O que importa considerar é que a assunção pelo Judiciário de papéis que não lhe se são próprios leva não só ao seu inchamento, como também a uma pior prestação de serviços por ele. Não fosse somente a consideração de que, num país com evidentes necessidades sociais e poucos recursos para saná-las, é contraproducente selecionar, treinar e remunerar condignamente o Juiz para exercer tarefa que dez agentes administrativos poderiam fazer (como contabilizar tempo de serviço para aposentadorias ou verificar se uma avaliação de um televisor está condizente com o preço de mercado), deve-se ter em mente que isso retira aqueles agentes políticos do foco daquilo que deveria ser a sua missão fundamental: resolver questões jurídicas objetivando a pacificação social.

27 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica, p. 58.

28 Art. 5º, LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

29 Este dogma, muito presente em teses (in)constitucionalistas esquece que não existem direitos absolutos. Aliás, "(..) OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros" (STF – MS 23452-1/RJ - Rel. Min. CELSO DE MELLO – Pleno - RTJ 173/805-810).

30 Art. 5º, LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação

31 Art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

32 A inclusão do já citado inciso LXXVIII revela a preocupação ainda maior com a efetividade da jurisdição. Se antes o equilíbrio entre os princípios da segurança jurídica e a efetividade da jurisdição pendia em favor daquela, agora, tem-se que resta evidenciada a intenção constitucional de ampliar o alcance desta. Vale lembrar que segurança jurídica extremada era característica dos regimes liberais nos quais a perda da propriedade só poderia ocorrer depois de longa e ampla marcha processual indicando a certeza absoluta sobre o direito da parte prejudicada, constituindo um título executivo, mas também em seguida a um processo de execução no qual fossem dadas novas e seguidas oportunidades de defesa ao devedor. Esta postura, privilegiando o "status quo", se levada ao extremo, implica, por certo, na demora para proteção dos direitos de quem foi lesado. É bom que se alerte, por outro lado, que não se pode, também, passar para o outro extremo, isto é, processos sumários que extraiam de um suposto devedor seus bens. A virtude, como bem lembra a postura aristotélica, está no meio termo, ou seja, na ponderação caso a caso que evite a ofensa ao núcleo essencial de cada um dos direitos em jogo.

33 Ver, dentre outras, MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica; e REALE, Miguel; Fontes e Modelos do Direito.

34 Recentemente, por conta da denúncia apresentada perante o STF sobre o chamado "escândalo do mensalão", o ministro Joaquim Barbosa, de forma ponderada e acertada, apontou os entraves processuais e as conseqüências práticas da prerrogativa de foro, alcunhada de "racionalização da impunidade". Vide repercussões sobre a discussão em http://oglobo.globo.com/online/pais/plantao/2006/04/19/246877682.asp.

35 Confira-se http://www.jfsc.gov.br/index.php3?vtitulo=Notícias do mês de Abril/2006&varquivo=http://consulta.jfsc.gov.br/jfsc/comsoc/noticias_internet/mostranoticia.asp?vcodigo=5848.

36 Apenas a título exemplificativo, imagine-se a situação de duas pessoas se encontrando na rua e uma dizendo: "- e aí mané?". Sem o tom de voz, não é possível dizer se se trata de uma fala jocosa, com intuito de desprezar o ouvinte, ou se se trata de dois amigos que se encontram, um brincando com o outro. Essa informação relevantíssima é perdida quando se reduz o diálogo ao papel, especialmente se for feita por um terceiro, que dita aquilo que entendeu para uma quarta pessoa.

37 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, p. 89.

38 À exceção da cultura jurídica tradicional, nada impede que se adote sistema similar ao alemão, pelo qual a demanda seja deduzida em uma petição inicial pequena, como uma denúncia do CPP brasileiro, apontando o pedido e os fatos, num sentido afirmativo, com indicação das provas que entende necessárias. Com a distribuição pela Secretaria e o réu é citado contestar, fazendo-o de forma concisa como a inicial, já que tudo deve ser discutido em detalhes na audiência quando serão fixados os pontos e provas necessárias. Na audiência, após produção da prova (sem transcrição, apenas gravação), é proferida sentença imediata, com a declaração de que o julgado pode ser executado provisoriamente mediante caução do autor.

39 Uma democratização do processo de ação coletiva sugere, por exemplo, que o relator oficie a entidades representativas de eventuais interessados a fim de colher suas opiniões. Abre-se a discussão para argumentos que possibilitem uma decisão afinada com os ditames de ordem social que estejam sob a influência deste julgamento. Por exemplo, em ações que envolvam matéria previdenciária, é possível cogitar-se de manifestações de associações de aposentados; nas que envolvam créditos do sistema financeiro de habitação, permite-se sejam apresentadas razões por associações de mutuários e também pelas instituições financeiras envolvidas direta ou indiretamente.

40 Muito embora a Lei 11232 tenha previsto uma multa de 10 % pelo não cumprimento voluntário da sentença, é evidente que tal percentual não tem a expressão necessária para tal finalidade, especialmente se com a transformação dos embargos em impugnação incidental implicar a ausência de condenação em honorários sucubenciais específicos para a fase de execução.

41 Foge do senso comum e do razoável admitir que, por exemplo, alguém adquira um bem, não pague por ele e o credor não possa reaver o bem. A irracionalidade deste sistema gera dois efeitos práticos evidentes. O primeiro é a multiplicação de arrendamentos mercantis, nos quais existe a possibilidade de busca e apreensão do bem, e até a criação de arrendamentos residenciais com a "sui generis" configuração automática de esbulho pelo inadimplemento (numa clara desconsideração pelas características do fenômeno possessório). A outra conseqüência é a incorporacao dos custos das execuções infrutíferas pelo inadimplemento no valor dos bens vendidos; ou seja, na linguagem popular, o bom pagador acaba pagando pelo mau. A irracionalidade é flagrante: ao argumento de "proteger o devedor", o sistema beneficia o ilícito e pune o lícito !

42 Lides envolvendo milhões de reais pagam valores irrisórios de taxas processuais com o uso do expediente forense do chamado "valor da causa para efeitos fiscais". Pessoas jurídicas de cunho lucrativo recebem a assistência judiciária gratuita diante da jurisprudência permissiva. Profissionais liberais com remuneração considerável recebem o mesmo benefício mediante simples declaração de que não podem arcar com os custos do processo.


Autor

  • Vilian Bollmann

    Vilian Bollmann

    Juiz Federal. Mestre em ciência jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (2007). Bacharel em Ciências da Computação (UFSC, 1993). Bacharel em Direito (UNIVALI, 2000). Autor de quatro livros: [1] Hipótese de Incidência Previdenciária; [2] Juizados Especiais Federais; [3] Novo Código Civil: Princípios, inovações na Parte Geral e Direito Intertemporal e [4] Previdência e Justiça: o Direito Previdenciário no Brasil sob o enfoque da Teoria da Justiça de Aristóteles.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOLLMANN, Vilian. Mais do mesmo: reflexões sobre as reformas processuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1037, 4 maio 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8351. Acesso em: 28 mar. 2024.