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Genocídio sanitário no Brasil

Por que Jair Bolsonaro deve ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional?

Genocídio sanitário no Brasil: Por que Jair Bolsonaro deve ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional?

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Superando eventuais pressões políticas que recaiam sobre os organismos judiciários nacionais, o objetivo formalizado no estatuto do TPI é prover instrumento internacional contra arbitrariedades e barbáries cometidas contra a pessoa humana.

Introdução

A conduta omissiva e comissiva de Jair Messias Bolsonaro, Presidente da República Federativa do Brasil, tem sido determinante para o alastramento do vírus Covid-19 e para o elevado grau de letalidade da doença em território brasileiro[1], especialmente entre pessoas economicamente desassistidas e desamparadas de serviços públicos essenciais, como, por exemplo, serviços de saúde e de saneamento básico[2]. Mais do que simples negligência e inércia do chefe do Poder Executivo, identifica-se um conjunto de atos específicos, dissonantes das recomendações médicas e científicas mais confiáveis, que contribuem, diretamente, para a inocuidade das necessárias medidas de isolamento social, de conscientização do público e de coordenação de esforços entre autoridades públicas e agentes privados na contenção da pandemia e no tratamento digno de pessoas infectadas. A política deliberadamente anticientífica do Presidente do Brasil tem resultado no contágio descontrolado e no elevado número de óbitos na população brasileira.

O arcabouço legal constituinte do sistema criminal internacional tem, como um de seus objetivos precípuos, investigar, processar e punir indivíduos que praticam atrocidades contra grupos humanos, inclusive contra sua própria população. Superando eventuais pressões políticas que recaíam sobre os organismos judiciários nacionais, o objetivo formalizado no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, conhecido como Estatuto de Roma, é oferecer instrumento internacional contra arbitrariedades e barbáries violadoras de direitos básicos, bem como punir, criminalmente, indivíduos responsáveis por graves crimes internacionais, independentemente do cargo e da posição que ocupam[3].

Neste artigo, o objetivo do autor é demonstrar que a conduta de Jair Bolsonaro, a despeito das atenuações discursivas e da inércia danosa do Poder Judiciário brasileiro, constitui crime internacional tipificado no Estatuto de Roma. Em razão disso, os atos de Bolsonaro ensejam a investigação e o julgamento pelo TPI, mediante aplicação do instituto da entrega (surrender) do mandatário brasileiro à jurisdição da corte internacional, conforme compromisso convencional assumido pelo Estado brasileiro[4]. Se, em termos práticos, a realização da entrega de mandatário em exercício é medida improvável, a natureza imprescritível dos crimes enumerados no Estatuto de Roma torna mais realista a punição de Bolsonaro após sua saída do cargo, seja em decorrência de cumprimento do mandato ou em razão de interrupção deste por motivo de renúncia ou impedimento.

O artigo está dividido em três partes, que se somam a esta introdução. Na primeira parte, discorre-se sobre a sistemática de funcionamento do direito penal internacional, desde suas origens, com os tribunais de Nuremberg e Tóquio, até a constituição do Tribunal Penal Internacional. Em seguida, discorre-se especificamente sobre os fatos delituosos cometidos pelo Presidente do Brasil durante a pandemia de Covid-19, em 2020. A terceira parte é dedicada à análise da aplicação dos dispositivos do Estatuto de Roma aos atos praticados por Jair Bolsonaro e por seus subordinados na condução da política de combate e controle da pandemia no Brasil, com destaque especial para discussão dos elementos psicológicos inerentes às condutas tipificada no Estatuto.


1. Sistema penal internacional: de Nuremberg à Haia

A alegação de existência de um sistema penal internacional é ideia relativamente recente, a despeito de suas premissas remontarem aos tribunais de guerra e, mais remotamente, aos preceitos de direito humanitário. O reconhecimento de um sistema penal internacional, cujo ápice foi a criação do Tribunal Penal Internacional, constitui inovação jurídica dos últimos decênios, porque a criminalização de práticas individuais, conforme direito internacional clássico, deveria, respeitado o princípio da soberania, ser objeto de jurisdição dos Estados nacionais. Fatos históricos específicos, nos quais se evidenciou a incapacidade dos Estados em exercer o jus puniendi em situações de vigência de estado não democrático de direito, ensejaram a necessidade de conceber instâncias internacionais de persecução penal de indivíduos acusados de cometerem graves crimes, muitos dos quais autorizados por sua legislação nacional ou inalcançáveis pelas instâncias judicantes domésticas, seja por causa da politização dos magistrados, devido à corrupção de juízes e de promotores ou em decorrência de simples ineficiência do processo penal, decorrência de temor excessivo ou de negligência do Poder Judiciário[5].

A celebração do Estatuto de Roma e a criação do Tribunal Penal Internacional tiveram a finalidade de instituir, de maneira permanente e juridicamente formalizada, um sistema de persecução criminal, isento desses problemas que, periodicamente, acometem as jurisdições nacionais, sem a necessidade de recorrer a soluções temporárias e pontuais, as quais, com frequência, com base em princípios importantes do direito penal pós-iluminista, tinham sua legitimidade questionada e, por isso, tinham alcance limitado. 

Os antecedentes mais importantes do sistema penal internacional contemporâneo são os tribunais ad hoc concebidos após a Segunda Guerra Mundial. Embora se possa vislumbrar a tipicidade dos crimes internacionais nas normas de direito humanitário formuladas no século 19, foi o estabelecimento do Tribunal de Tóquio e, principalmente, do Tribunal de Nuremberg, que julgou políticos e militares nazistas, o marco mais relevante para o direito penal internacional. Os dois organismos judicantes apresentaram determinadas características que, posteriormente, seriam adotadas por outros tribunais internacionais de natureza penal.

Os magistrados de ambos os tribunais alegaram basear sua atuação em duas fontes distintas do direito: costume internacional e princípios gerais do direito, ambas formalizadas no Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional. Em razão de sua natureza ad hoc, e de sua congênita e problemática relação institucional com os vencedores do conflito, esses tribunais, na perspectiva dos réus e de seus patronos, teriam violado os princípios básicos do processo penal, como, por exemplo, o princípio do juiz natural, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Adicionalmente, ao se basearem em normas consuetudinárias e em princípios abstratos e indefinidos, os julgamentos violariam o princípio do nullum crimen, nulla poena sine lege praevia, expresso também na forma do princípio da legalidade, que vigora na maior parte dos ordenamentos jurídicos ocidentais, como forma de garantia individual contra arbitrariedades do Estado.

A despeito da contestação das bases jurídicas desses tribunais, ambos foram modelos para criação dos tribunais ad hoc para ex-Iugoslávia, para Ruanda e para Serra Leoa, os quais também foram constituídos após a prática de atos graves, violadores de direitos elementares dos seres humanos. O forte amparo da sociedade internacional, a existência de normas convencionais de direitos humanos aplicáveis aos casos e o antecedente de Tóquio e de Nuremberg foram aspectos importantes de legitimação dos tribunais.

No ano de 1998, foi celebrado o Estatuto de Roma, que, ao tipificar crimes, estabelecer penas e conceber procedimento de investigação e de processamento, bem como esquemas de cooperação entre os Estados, formaliza o sistema penal internacional. A aprovação do Estatuto e a criação do TPI atendem a demandas por punição efetiva a indivíduos responsáveis por crimes graves, de repercussão internacional, bem como consiste em instrumento efetivo de amparo aos direitos humanos[6].

O texto do Estatuto de Roma é relativamente longo e divide-se em treze capítulos e cento e vinte e oito artigos. Aspectos processuais e materiais são igualmente disciplinados no documento, bem como elementos atinentes ao sistema investigatório, acusatório e de cooperação entre o Estado o TPI.

A jurisdição do TPI é complementar à jurisdição interna dos Estados, conforme disposto no Preâmbulo e no art. 1 do Estatuto de Roma. Em outros termos, significa que o Tribunal deve atuar após esgotamento dos recursos internos ou em caso de denegação de justiça, sem constituir, portanto, instância revisora de processos nacionais. O princípio da complementariedade, que também é observado nos tribunais internacionais de direitos humanos, corrobora a ideia de respeito à soberania dos Estados, os quais tem a prerrogativa de investigar, processar e apenar os indivíduos que cometem crimes tipificados no Estatuto, os quais, em sua maioria, também são consagrados como condutas criminosas na legislação nacional dos Estados.

O Capítulo I trata de aspectos atinentes à criação do Tribunal. A relação do Tribunal com as Nações Unidas (Artigo 2o), a localização da sede do tribunal e o regime jurídico e os poderes do TPI (Artigo 3o) são alguns dos temas disciplinados no Capítulo 1 do Estatuto. Importante destacar que, consoante o art. 2, a sede do Tribunal é a cidade de Haia, assim como a o Corte Internacional de Justiça, órgão judicante vinculando à Organização das Nações Unidas (ONU).

Competência, admissibilidade e direito aplicável são objeto do Capítulo II. Um dos dispositivos mais relevantes do Estatuto de Roma é o art. 5, que contém os quatro tipos de crimes passíveis de apreciação pelo TPI: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e agressão. Esses são os quatro gêneros de crimes abarcados pela jurisdição do TP. Nos dispositivos seguintes do Estatuto de Roma, os crimes são especificados e exemplificados.

O crime de genocídio é estipulado no art. 6 do Estatuto de Roma. Seu texto é o seguinte:

Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "genocídio", qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal: a) Homicídio de membros do grupo; b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.

Os crimes contra a humanidade estão previstos no art. 7 do Estatuto de Roma. Eles consistem em um conjunto diverso de atos que podem ser praticados alternativamente ou cumulativamente. Os atos enumerados são os seguintes: a) homicídio; b) extermínio; c) escravidão; d) deportação ou transferência forçada de uma população; e) prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) tortura; g) agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) desaparecimento forçado de pessoas; j) crime de apartheid; k) outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental. As definições dos termos enumerados estão contidas no parágrafo segundo.

O art. 8º trata dos crimes de guerra, os quais concernem à violação de normas de direito humanitário, em especial aquelas contidas nas Convenções de Genebra, bem como outras condutas adotadas durante conflitos armados. Os crimes do art. 8 ocorrem em situações específicas de deflagração entre entidades Estatais, ou entes juridicamente constituídos para fins de direito humanitário. O tratamento de prisioneiros, a vedação de tortura de combatentes capturados, a preservação da população civil e de localidades como templos religiosos e hospitais são alguns dos crimes de guerra internacionalmente consagrados.

O crime de agressão, incialmente, não fora definido no texto do Estatuto de Roma. Na Conferência das Partes, realizada em 2010, em Kampala, definiu-se agressão como “uso da força armada por parte de um Estado contra a soberania, a integridade territorial ou a independência política de outro Estado”[7]. Essa inclusão textual no Estatuto não foi aceita pela integridade dos Estados que ratificaram o texto original, o que torna o dispositivo referente à agressão apenas parcialmente aplicável às partes do tratado.

Conforme o art. 11, ainda no Capítulo II, as disposições do Estatuto de Roma não são aplicáveis retroativamente (competência ratione temporis). A jurisdição do TPI, portanto, deve ser exercida ex nunc, tomada como data fundamental a ratificação do tratado pelo Estado. Essa previsão, coerente com a lógica das normas penais internas, tem, adicionalmente, o objetivo de incentivar a ratificação do Estatuto, mesmo por Estados que tiveram passado autoritário, no qual, provavelmente, foram cometidos os crimes tipificados no documento internacional.

Os art. 12 e 13 referem-se, respectivamente, às condições prévias ao exercício da jurisdição do TPI e à jurisdição efetiva do TPI. O art. 13 é relevante, pois enumera as três situações nas quais o TPI é efetivamente acionado. Embora sejam situações distintas, todas elas contam com a participação do Procurador, o qual, por analogia com os processos penais nacionais, tem a titularidade da ação perante o TPI:

Artigo 13 (Exercício da Jurisdição)

O Tribunal poderá exercer a sua jurisdição em relação a qualquer um dos crimes a que se refere o artigo 5o, de acordo com o disposto no presente Estatuto, se: a) Um Estado Parte denunciar ao Procurador, nos termos do artigo 14, qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes; b) O Conselho de Segurança, agindo nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, denunciar ao Procurador qualquer situação em que haja indícios de ter ocorrido a prática de um ou vários desses crimes; ou c) O Procurador tiver dado início a um inquérito sobre tal crime, nos termos do disposto no artigo 15. (destaques do autor)

O dispositivo prevê três situações distintas em que o TPI é acionado pelo Procurador: notitia criminis de Estado parte, pedido do Conselho de Segurança, nos termos do Capítulo VII da Carta da ONU, e após conclusão de inquérito, nos termos do art. 15 do Estatuto. No primeiro caso, trata-se de mecanismo de denúncia de outro Estado parte, de maneira similar ao funcionamento dos tribunais de direitos humanos. Por razões políticas e diplomáticas, inclusive temor de retaliação, o mecanismo costuma ser pouco utilizado. A segunda situação estabelece o vínculo funcional, não subordinado, entre o TPI e o sistema da ONU, mais especificamente entre o Tribunal e o Conselho de Segurança, órgão internacional mais relevante no tratamento de problemas referentes à guerra e paz. A terceira hipótese para o exercício de jurisdição consiste no prosseguimento da investigação conduzida pelo Procurador.

Este, após ser informado de situação potencialmente violadora dos preceitos do Estatuto, pode proceder investigação criminal e, posteriormente, iniciar ação penal no TPI.

O art. 17 contém conjunto de questões relativas à admissibilidade da ação penal no TPI. A ideia de subsidiariedade do TPI é reforçada no art. 17. Este, no parágrafo primeiro, determina que não será iniciada ação penal no TPI em casos nos quais a investigação e processos estiverem em curso no Estado que tem jurisdição sobre o caso. Não haverá processamento da ação penal se o indivíduo acusado tiver sido absolvido, em instância interna, pelo ato supostamente criminoso. Importante destacar a alínea d do parágrafo, que estabelece a necessidade incontornável de gravidade do ato.

O parágrafo segundo, por sua vez, determina os requisitos para identificar a vontade do Estado em não punir o indivíduo acusado de praticar os crimes tipificados no Estatuto. A demora injustificada do processo, a instauração de ação penal com finalidade protelatória ou desviante do objetivo punitivo e a ausência de condução independente do processo são, alternativamente, pressupostos para exercício da jurisdição do TPI.  

Os princípios gerais regentes do sistema penal internacional estão previstos no Capítulo III do Estatuto de Roma. Essas normas retomam princípios tradicionais do direito penal, consolidados nos ordenamentos nacionais e corroborados pelas práticas dos tribunais nacionais e internacionais. O princípio da legalidade, expresso pelo brocado nullum crimen, nulla poena sine praevia legis, está contido nos art. 22 e 23 do Estatuto de Roma. A irretroatividade ratione personae consta do art. 24. A reponsabilidade criminal individual é objeto do art. 25. A inimputabilidade de menores de dezoito anos, previsão também frequente nas diversas jurisdições nacionais, consta do art. 25.

Destacam-se, entretanto, os princípios especiais instituídos na sistemática do Estatuto de Roma. Esses princípios, diferentemente dos anteriores, foram consolidados pela evolução do direito penal internacional. No art. 27 está contido o princípio da irrelevância da qualidade oficial do indivíduo. O dispositivo apresenta o seguinte texto:

Artigo 27 (Irrelevância da Qualidade Oficial)

1. O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per se motivo de redução da pena. 2. As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa, nos termos do direito interno ou do direito internacional, não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa. (destaques do autor)

Outro importante princípio está previsto no artigo 28 do Estatuto de Roma, acerca da responsabilização de superiores hierárquicos. Conforme esse dispositivo os chefes militares e políticos serão responsabilizados pelas condutas criminosas de seus subordinados hierárquicos.

A imprescritibilidade, os elementos psicológicos e as causas de exclusão da responsabilidade criminal estão previstas, respectivamente, nos art. 29, 30 e 31 do Estatuto de Roma. A imprescritibilidade decorre da extrema gravidade dos crimes tipificados no Estatuto. Constituindo, simultaneamente, crime internacional e violação explicita aos direitos humanos, o indivíduo praticante dos tipos penais estipulados pelo Estatuto não pode ser beneficiado pelo decurso do tempo, ainda que se alegue a necessidade de segurança jurídica. A certeza de punição dos graves crimes é valor que se sobrepõe, portanto, a estabilidade das relações sociais e jurídicas.

Os elementos psicológicos, que se referem a intencionalidade do agente em relação à conduta e ao resultado desta, serão tratados, com mais detalhes, mais adiante, antecipando-se, entretanto, que eles são fundamentais na caracterização das condutas delituosas previstas pelo Estatuto. O art. 31, em consonância com os ordenamentos nacionais, menciona a incapacidade mental do agente, a atuação sob coação, a legitima defesa e o estado de necessidade como excludentes de responsabilidade do indivíduo que incorre nos atos delituosos tipificados no Estatuto.

Disposições sobre erro (de fato e de direito) e sobre conduta criminosa em cumprimento de decisão hierárquica ou determinação legal estão contidas nos art. 32 e 33. O erro de fato, se prejudicar o dolo do agente, considerado os termos do art. 30, pode afastar a responsabilização do agente. O erro de direito, por sua vez, considerada a extrema gravidade dos crimes previstos no Estatuto, bem como a repulsa amplamente disseminada dessas condutas, não afasta a responsabilização do agente.

O Capítulo IV prescreve os elementos de composição e de administração do Tribunal. Os órgãos do Tribunal, as características do exercício das funções dos juízes e as qualificações para candidatura e eleição dos magistrados são regulados, respectivamente, nos art. 34, 35 e 36. As vagas de magistrados, a presidência e os juízos figuram, respectivamente, nos art. 37, 38 e 39. O gabinete do Procurador, a Secretaria e o pessoal administrativo estão disciplinados, respectivamente, nos art. 42, 43 e 44. Medidas disciplinares aplicáveis aos funcionários do tribunal, privilégios e imunidades dos magistrados e do Procurador e vencimentos e subsídios de todo pessoal da organização constam dos art. 47, 48 e 49. Aspectos procedimentais e processuais são prescritos nos artigos seguintes: línguas de trabalho (art. 50), regulamento processual (art. 51) e regimento do tribunal (art. 52).

O inquérito e o procedimento criminal estão contidos no Capítulo V do Estatuto de Roma. Abertura do inquérito, funções e poderes do Procurador durante o inquérito e direito das pessoas no decurso da investigação são matérias disciplinadas, respectivamente, nos art. 53, 54 e 55. Aspectos atinentes ao juízo de instrução figuram nos três artigos subsequentes (art. 56, 57 e 58). O procedimento de detenção cautelar e o início da fase instrutória constam dos art. 59 e 60. Tanto o processo de investigação pelo procurador como as atividades do juízo de instrução dependem de constante cooperação dos Estados, os quais devem prestar informações requeridas pelo juízo e garantir a veracidade de dados e de documentos entregues ao TPI.

O julgamento pelo TPI é disciplinado no Capítulo VI. O local do julgamento (art. 62), a presença do acusado na sessão de julgamento (art. 63), as funções e poderes do juízo de julgamento em primeira instância (art. 64), os procedimentos em caso de confissão (art. 65), a presunção de inocência (art. 66) e os direitos do acusado (art. 67) são aspectos regrados no Capítulo VI, o qual disciplina também a proteção das vítimas e das testemunhas, a produção de provas e as sanções por desrespeito ao Tribunal.

As penas estão previstas no Capítulo VII do Estatuto de Roma. O art. 77 enumera as penas aplicáveis aos condenados pelo Tribunal:

Artigo 77 (Penas Aplicáveis)

1. Sem prejuízo do disposto no artigo 110, o Tribunal pode impor à pessoa condenada por um dos crimes previstos no artigo 5o do presente Estatuto uma das seguintes penas: a) Pena de prisão por um número determinado de anos, até ao limite máximo de 30 anos; ou b) Pena de prisão perpétua, se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem,

2. Além da pena de prisão, o Tribunal poderá aplicar: a) Uma multa, de acordo com os critérios previstos no Regulamento Processual; b) A perda de produtos, bens e haveres provenientes, direta ou indiretamente, do crime, sem prejuízo dos direitos de terceiros que tenham agido de boa-fé. (destaques do autor)

Os artigos seguintes do Capítulo VII regulam a determinação da pena, o estabelecimento de fundo financeiro em favor das vítimas e a não interferência no regime de aplicação de penas nacionais e nos direitos internos.

O Capítulo VIII trata dos recursos e de revisões do processo tramitado no TPI. Conforme o art. 81:

1. A sentença proferida nos termos do artigo 74 é recorrível em conformidade com o disposto no Regulamento Processual nos seguintes termos: a) O Procurador poderá interpor recurso com base num dos seguintes fundamentos: i) Vício processual; ii) Erro de fato; ou iii) Erro de direito; b) O condenado ou o Procurador, no interesse daquele; poderá interpor recurso com base num dos seguintes fundamentos: i) Vício processual; ii) Erro de fato; iií) Erro de direito; ou iv) Qualquer outro motivo suscetível de afetar a equidade ou a regularidade do processo ou da sentença. 2. a) O Procurador ou o condenado poderá, em conformidade com o Regulamento Processual, interpor recurso da pena decretada invocando desproporção entre esta e o crime; b) Se, ao conhecer de recurso interposto da pena decretada, o Tribunal considerar que há fundamentos suscetíveis de justificar a anulação, no todo ou em parte, da sentença condenatória, poderá convidar o Procurador e o condenado a motivarem a sua posição nos termos da alínea a) ou b) do parágrafo 1o do artigo 81, após o que poderá pronunciar-se sobre a sentença condenatória nos termos do artigo 83; c) O mesmo procedimento será aplicado sempre que o Tribunal, ao conhecer de recurso interposto unicamente da sentença condenatória, considerar haver fundamentos comprovativos de uma redução da pena nos termos da alínea a) do parágrafo 2o. (destaques do autor)

Em relação à manutenção da prisão do réu durante a apreciação do recurso, o mesmo artigo 81 prevê: 

3. a) Salvo decisão em contrário do Juízo de Julgamento em Primeira Instância, o condenado permanecerá sob prisão preventiva durante a tramitação do recurso; b) Se o período de prisão preventiva ultrapassar a duração da pena decretada, o condenado será posto em liberdade; todavia, se o Procurador também interpuser recurso, a libertação ficará sujeita às condições enunciadas na alínea c) infra; c) Em caso de absolvição, o acusado será imediatamente posto em liberdade, sem prejuízo das seguintes condições: i) Em circunstâncias excepcionais e tendo em conta, nomeadamente, o risco de fuga, a gravidade da infração e as probabilidades de o recurso ser julgado procedente, o Juízo de Julgamento em Primeira Instância poderá, a requerimento do Procurador, ordenar que o acusado seja mantido em regime de prisão preventiva durante a tramitação do recurso; ii) A decisão proferida pelo juízo de julgamento em primeira instância nos termos da sub-alínea i), será recorrível em harmonia com as Regulamento Processual. (destaques do autor)

Os recursos de decisões interlocutórias, a revisão da sentença condenatória ou da pena e a indenização do detido ou do condenado constam, respectivamente, dos art. 82, 84 e 85 do Estatuto de Roma.

Sob a perspectiva do Estado, um dos capítulos mais relevantes do Estatuto é o IX, que trata da cooperação internacional e do auxílio judiciário, pressupostos para o adequado exercício da jurisdição do tribunal e garantia do respeito à soberania dos Estados. A obrigação de cooperar e as disposições gerais sobre cooperação estão previstas, respectivamente, nos art. 86 e 87. O art. 88, por sua vez, determina que os procedimentos internos devem ser adequados à obrigação internacional de cooperar com o Tribunal. Um dos dispositivos mais relevantes é o art. 89, que trata da entrega:

Artigo 89 (Entrega de Pessoas ao Tribunal)

1. O Tribunal poderá dirigir um pedido de detenção e entrega de uma pessoa, instruído com os documentos comprovativos referidos no artigo 91, a qualquer Estado em cujo território essa pessoa se possa encontrar, e solicitar a cooperação desse Estado na detenção e entrega da pessoa em causa. Os Estados Partes darão satisfação aos pedidos de detenção e de entrega em conformidade com o presente Capítulo e com os procedimentos previstos nos respectivos direitos internos. (destaques do autor)

Em caso de utilização dos tribunais nacionais para impugnação da entrega, prescreve-se:

2. Sempre que a pessoa cuja entrega é solicitada impugnar a sua entrega perante um tribunal nacional com base no princípio ne bis in idem previsto no artigo 20, o Estado requerido consultará, de imediato, o Tribunal para determinar se houve uma decisão relevante sobre a admissibilidade. Se o caso for considerado admissível, o Estado requerido dará seguimento ao pedido. Se estiver pendente decisão sobre a admissibilidade, o Estado requerido poderá diferir a execução do pedido até que o Tribunal se pronuncie. (destaques do autor)

Os Estados devem autorizar medidas de captura e de detenção, em conformidade com a legislação interna, a qual deverá ser adaptada a esses procedimentos:

3. a) Os Estados Partes autorizarão, de acordo com os procedimentos previstos na respectiva legislação nacional, o trânsito, pelo seu território, de uma pessoa entregue ao Tribunal por um outro Estado, salvo quando o trânsito por esse Estado impedir ou retardar a entrega; b) Um pedido de trânsito formulado pelo Tribunal será transmitido em conformidade com o artigo 87 (...); c) A pessoa transportada será mantida sob custódia no decurso do trânsito; d) Nenhuma autorização será necessária se a pessoa for transportada por via aérea e não esteja prevista qualquer aterrissagem no território do Estado de trânsito; e) Se ocorrer, uma aterrissagem imprevista no território do Estado de trânsito, poderá este exigir ao Tribunal a apresentação de um pedido de trânsito nos termos previstos na alínea b). O Estado de trânsito manterá a pessoa sob detenção até a recepção do pedido de trânsito e a efetivação do trânsito. Todavia, a detenção ao abrigo da presente alínea não poderá prolongar-se para além das 96 horas subsequentes à aterrissagem imprevista se o pedido não for recebido dentro desse prazo. 4. Se a pessoa reclamada for objeto de procedimento criminal ou estiver cumprindo uma pena no Estado requerido por crime diverso do que motivou o pedido de entrega ao Tribunal, este Estado consultará o Tribunal após ter decidido anuir ao pedido. (destaques do autor)

O conteúdo do pedido de entrega, a prisão preventiva e outras formas de cooperação estão previstos, respectivamente, nos artigos 91, 92 e 93 do Estatuto de Estatuto de Roma. Importante destacar que o art. 102 do Estatuto, a fim de evitar problemas com Estados que vedam determinadas formas de retirada compulsória de nacionais de seu território, estabelece clara distinção entre a entrega e a extradição, formalizando a diferenciação entre os dois conceitos penais.


2. Os crimes de Jair Messias Bolsonaro

O Presidente do Brasil, eleito no pleito de 2018, tem governado o país de maneira controversa desde o começo de seu mandato. Embora mantenha minoritária base de apoio[8], caracterizada por eleitores declaradamente radicais, o mandatário brasileiro é objeto de muitas críticas por parte importante dos atores sociais. Os mais relevantes órgãos de imprensa nacionais e internacionais, independentemente do posicionamento político editorial, têm apresentado duras críticas a múltiplos aspectos de sua gestão. A politização de pastas ministeriais importantes, como, por exemplo, educação, cultura, relações exteriores[9] e meio ambiente, tem sido, especialmente, objeto de críticas e de preocupações de atores nacionais e estrangeiros.

A esses atos controversos, soma-se a condução da política nacional de combate e de controle da pandemia de Covid-19, problema de alcance internacional, mas que tem afetado os países de maneira diversa, inclusive no que concerne ao potencial de letalidade do vírus. A conduta comissiva e omissiva do Poder Executivo, em especial do Presidente Jair Bolsonaro, na gestão da pandemia, constitui conjunto problemático de atos que, ao resultarem no agravamento letal da situação de saúde pública, podem representar grave crime, tipificado internacionalmente, e atribuível, diretamente, à sua autoridade máxima.

Nos itens seguintes, serão apresentados três conjuntos de atos, cujo efeito principal é prejudicar os esforços coletivos (dos entes federados, da sociedade civil, das empresas e mesmo de órgãos técnicos do governo federal) no controle da pandemia e, por consequência, agravar a velocidade e o volume de contágio e os óbitos decorrentes das morbidades causadas pelo vírus. Considerando que ainda não há vacina e tratamento adequado para os pacientes infectados, o isolamento social, nas mais diversas medidas de quarentena, constitui maneira tecnicamente adequada de conter a propagação descontrolada do vírus, conforme recomendado pelas mais relevantes autoridades nacionais, estrangeiras e internacionais de saúde.

Apresentar conduta contrária ao isolamento social, portanto, constitui direto favorecimento à propagação do vírus, ao agravamento das pressões sobre os sistemas de saúde e, por conseguinte, à elevação da mortandade decorrente do Covid-19 e de outras morbidades em razão da falta de leitos hospitalares suficientes no sistema de saúde.

2.1. Atos discursivos

Por meio de atos discursivos frequentes, o Presidente Jair Bolsonaro dificultou e, em certos casos, inviabilizou a execução do conjunto de medidas administrativas que objetivavam o controle da pandemia. Muitas de suas falas públicas, seja em entrevistas, em pronunciamentos periódicos ou em conversas com simpatizantes (mas replicadas em redes sociais), contribuíram para prejudicar a eficácia das políticas oficiais adotadas no próprio âmbito federal. Outras delas afetaram especialmente os atos de controle adotados pelos governos estaduais e municipais.

O discurso adotado pelo Presidente causou, pelo menos, dois tipos de empecilhos ao êxito de políticas direcionadas ao controle da pandemia: desorientação e desinformação. A desorientação resultou na baixa adesão das populações dos Estados às medidas de isolamento. A desinformação, que de certa forma acompanhava a desorientação, introduziu um conjunto de falsos argumentos que foram usados para contestar as bases científicas das medidas administrativas e das recomendações dos governos, sejam aquelas direcionadas ao isolamento social ou as voltadas para a disseminação de práticas de higiene e segurança (e.g. uso de máscara).

Na cronologia do discurso presidencial, verifica-se que, inicialmente, havia a estratégia dúplice de desqualificar os alertas de especialistas sobre a gravidade da situação (amparada no contra exemplo estrangeiro e na recomendação da comunidade científica internacional), de desautorizar as medidas de restrição a circulação adotadas pelos governadores estaduais (muitos dos quais importantes rivais políticos, como, por exemplo, João Dória, governador de São Paulo e Wilson Witzel, governado do Rio de Janeiro) e de convencer que os males econômicos do isolamento superariam os benefícios sanitários.

Subjacente ao discurso do Presidente, estava a ideia de que as medidas de isolamento, recomendadas pelos técnicos sanitários e implementada pelos governadores, causariam consequências econômicas e sociais mais graves do que o lastramento do vírus. Em discurso de 24 de março de 2020, Bolsonaro, em seu característico discurso truncado, afirma:

Espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro-chefe o anúncio do grande número de vítimas na Itália. Um país com grande número de idosos e com um clima totalmente diferente do nosso. O cenário perfeito, potencializado pela mídia, para que uma verdadeira histeria se espalhasse pelo nosso país. Devemos sim voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada. A proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos sim voltar a normalidade. Deve abandonar conceito de terra arrasada. Confinamento em massa[10]. (destaques do autor)

A despeito da aparente inocuidade do discurso e do primarismo de suas ideias, a fala de Jair Bolsonaro tem força e impactos importantes na realidade nacional, pois ampara-se na posição de autoridade elevada e no contexto econômico difícil do país. Em outros termos, o discurso presidencial tem elevado alcance e capilaridade, porquanto repercute intensamente nos meios de comunicação do país, além de ter público ampliado, em razão do uso exaustivo das redes sociais, principalmente por simpatizantes do Presidente. Dessa forma, o conteúdo de sua fala é repetido à exaustão nas mais diversas mídias. Além disso, o discurso cria oposição interessante, que, sem embargo o falacioso raciocínio que a sustenta, dialoga com a realidade social e econômica vivida cotidianamente pelos brasileiros.

Bolsonaro opõe o isolamento ao trabalho e à busca diária pela renda. O mandatário contrapõe isolamento à sobrevivência, invertendo a semântica que sustentaria o discurso científico do isolamento, que condiciona a sobrevivência ao isolamento. A artificial oposição semântica concebida pelo discurso bolsonarista soa como verdade inelutável especialmente aos milhões de brasileiros que trabalham sem emprego formal e são remunerados, em bases diárias, conforme os serviços prestados durante as horas efetivas de trabalho.

Para essas pessoas, de fato, o isolamento social pode representar falta de recursos econômicos necessários à sobrevivência. Entregadores e motoristas de aplicativos, taxistas, comerciantes de rua, doceiros, costureiras e diversos outros profissionais, dependem de trabalho diário para obter o sustento individual e de suas famílias, muitas das quais compostas por crianças e idosos, sem fontes próprias de remuneração.

Mais do que direcionar-se à intelecção dos cidadãos, a aparente lógica do discurso de Bolsonaro afeta a constituição emocional dos indivíduos e, especialmente, aciona o instinto de sobrevivência contra o perigo da iminente da situação famélica. O risco de faltarem gêneros de primeira necessidade, somado à atenuação dos efeitos da doença (também reiterada pelos discursos presidenciais), induz as pessoas, primeiramente, à confusão de ideias diante de informações e comandos conflitantes e, em um segundo momento, a se insurgirem contra as medidas de isolamento, seja mediante réplica do discurso presidencial ou por meio do simples descumprimento das recomendações das autoridades políticas e sanitárias dos estados.

No dia dois de abril, em discurso pronunciado, em frente ao Palácio da Alvorada, para apoiadores, Bolsonaro enfatiza o elemento de inevitabilidade de medidas contra alastramento do vírus, bem como ridiculariza posturas preventivas contra a pandemia. No começo de abril, o Presidente escarnece:

Tá com medinho de pegar vírus? Tá de brincadeira. O vírus é uma coisa que 60% vai ter ou 70%. Não vai fugir disso. A tentativa é de atrasar a infecção para os hospitais poderem atender[11]. (destaques do autor)

A força dessa fala presidencial decorre da proposital mistura de dados e de argumentos corretos com a implícita recomendação cientificamente incorreta. Estratégia discursiva comumente utilizada por apoiadores de Bolsonaro e por seguidores do escritor Olavo de Carvalho, como demonstrado pelo Professor João Cezar de Castro Rocha, Bolsonaro faz uso de confusões semânticas, dotadas de falsos silogismos e da justaposição de premissas verdadeiras e falsas, para influenciar o público, desqualificar argumentos contrários e proteger-se de adversários políticos[12].

A fala presidencial está correta ao afirmar que parte significativa da população contrairá o vírus. Verídica também é a asserção segundo a qual os esforços de controle da pandemia buscam retardar a velocidade de contaminação, para que os sistemas de saúde não sejam sobrecarregados. No entanto, exatamente por serem corretas ambas as asserções, é desarrazoada a desqualificação das medidas de isolamento.

Alguns dias depois, Bolsonaro articula novo confronto às medidas de isolamento, com base em referência à direito fundamental, constitucionalmente garantido e de conhecimento bastante disseminado, inclusive entre indivíduos menos escolarizados[13]. Bolsonaro, no interior de estabelecimento comercial, durante novo passeio por Brasília, referindo-se às determinações de fechamento do comércio e de restrição à circulação, declara: “ninguém vai tolher meu direito de ir e vir”. O Presidente faz uso de argumento aparentemente jurídico, com a finalidade de desqualificar as medidas de isolamento social, as quais, por conseguinte, seriam antijurídicas.

Bolsonaro cria oposição fictícia entre as medidas restritivas à circulação de pessoas e o direito de fundamental de locomoção, consagrado no garantido inciso XV do art. 5 da Constituição Federal. Ocorre que o mencionado direito fundamental pode ser gozado pelas pessoas se não houver determinação jurídica contrária, nem justificativa legalmente aceitável de restrição, com objetivo de preservar direitos e valores relevantes e igualmente amparados pelo ordenamento jurídico brasileiro. As medidas restritivas determinadas por autoridades técnicas sanitárias, e por governos estaduais, têm amplo amparo jurídico e, por isso, não contrariam o direito fundamental citado por Bolsonaro. Apesar da incorreção técnica do argumento presidencial, sua fala, além de confundir a população, oferece falso argumento jurídico a favor do descumprimento das medidas de isolamento.

Os atos discursivos de Jair Bolsonaro, e de pessoas próximas que, sabidamente, compartilham o mesmo posicionamento do Presidente, são combinados com um conjunto importante de atos normativos, que, igualmente, contribuem para esvaziar a eficácia das medidas de isolamento social.

2.2. Atos normativos

O governo de Jair Bolsonaro adotou medidas normativas contraditórias. Se alguns de seus atos, mesmo que sob pressão da opinião pública, aparentavam contribuir para as medidas de combate à pandemia, outros tinham sentido contrário, enfraquecendo o isolamento social e estimulando o tratamento de pacientes da Covid-19 com métodos e medicamento inócuos não recomendados pela comunidade médica internacional. Criou-se, com parte substancial desses atos, a ilusão da existência de soluções alternativas à restrição de circulação e às medidas preventivas.

Valendo-se da competência e das prerrogativas do Poder Executivo, Jair Bolsonaro, por exemplo, interferiu na lista de serviços considerados essenciais, os quais ficariam dispensados de fechamento durante as medidas de quarentena[14]. Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito da ADI 6.341[15], decidiu que as regras de isolamento poderiam ser determinadas nas esferas estadual e municipal, sem necessidade de alinhamento com as determinações federais. A decisão presidencial, no entanto, ainda que precária, foi suficiente para causar confusão no comércio e, especialmente, entre consumidores.

Importante destacar que, posteriormente, a decisão do STF, coerente com os preceitos federalistas do Brasil, favorável à possibilidade de estados e de municípios disciplinarem as medidas de isolamento foi utilizada por Bolsonaro, com o objetivo de afastar-se dos previsíveis efeitos econômicos negativos da política de controle da pandemia. Distorcendo o conteúdo da decisão do STF, o Presidente, com frequência, passa a afirmar que não tem participação na malsucedida política nacional de combate à Covid-19.

O Presidente, ardilosamente, busca desvincular-se do crescente número de infectados e de óbitos, responsabilizando prefeitos e governadores tanto pela situação sanitária quanto econômica. Mais uma vez, o Presidente, com a finalidade de confundir o público geral, baseia-se em fato verdadeiro (decisão judicial), para formular conclusões equivocadas.  

Outro conjunto de atos normativos problemáticos, nesse caso emanados do Ministério da Saúde, mas em cumprimento expresso da posição declarada da Presidência da República, referem-se ao uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para fins de tratamento de pacientes. Divulgada por Bolsonaro como remédio adequado e eficaz para o tratamento dos pacientes com Covid-19, o Presidente defendeu, publicamente, seu uso em doentes nos mais variados estágios da doença e, em seguida, o Ministério da Saúde publica, em 17 de junho, novo protocolo para o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina nos infectados, inclusive em pacientes no estágio inicial da doença e em pessoas pertencentes a grupos mais vulneráveis, como, por exemplo, crianças e gestantes[16].

No mesmo dia, a OMS disponibiliza em seu sítio eletrônico documento cujas conclusões reafirmam ausência de evidências acerca da eficácia da cloroquina no tratamento da covid-19. No documento constam as seguintes conclusões de estudos científicos:

As evidências atuais sobre a eficácia e segurança da hidroxicloroquina para o tratamento de COVID-19 são limitadas e de certeza muito baixa. A hidroxicloroquina não foi associada a uma diferença na mortalidade geral quando comparada ao tratamento padrão para o tratamento de COVID-19. Evidências limitadas sugerem que a hidroxicloroquina pode resultar em mais eventos adversos do que o tratamento padrão para o tratamento com COVID-19. A certeza geral da evidência para todos os resultados foi muito baixa, portanto, esses resultados precisam ser interpretados com cautela.[17] (tradução e destaques do autor)

Dois dados são fundamentais no texto publicado pela OMS. Primeiramente, por meio de estudos clínicos verificou-se que o tratamento de infectados pelo covid-19 com hidroxicloroquina apresentou melhores resultados do que o tratamento padrão dispensado a esses pacientes. Em segundo lugar, os indivíduos tratados com hidroxicloroquina apresentaram maior frequência de eventos adversos do que aqueles submetidos ao tratamento padrão. Em termos leigos, a hidroxicloroquina, além de não ter efeito curativo potencializa eventos danosos aos pacientes.

          A despeito da oposição quase consensual da comunidade científica, o governo brasileiro, seguindo especificamente a vontade de Jair Bolsonaro, recomenda publicamente o uso da substância e, em certos momentos, atua como propagandista e vendedor do tratamento baseado na hidroxicloroquina. Mais do que recomendar medicamento ineficaz e adotar medidas administrativas protocolares para seu uso, Bolsonaro concebe, para o público geral, a ilusão de cura para doença incurável. A falsa promessa de cura, por sua vez, prejudica o entendimento do público quanto à gravidade da doença e, por conseguinte, enfraquece recomendações e determinações de prevenção.

2.3. Atos econômicos

Para conferir materialidade ao discurso de ataque às medidas de isolamento, tornou-se fundamental o conjunto de medidas econômicas adotadas na pandemia. Essas medidas devem ser analisadas com parcimônia, pois devem ser compreendidas em comparação com políticas econômicas emergenciais similares adotadas em outros países.

Primeiramente, verifica-se que foram adotadas medidas econômicas de dois tipos distintos, ambas com a finalidade declarada de manutenção da renda das pessoas[18]. O primeiro grupo de medidas refere-se à flexibilização do contrato de trabalho e das regras que disciplinam as relações de trabalho, com objetivo de reduzir e de evitar dispensas e de diminuir custos das empresas com folha de pagamento (Medida Provisória n° 927, de 2020 e Medida Provisória nº 936/2020, convertida na Lei nº 14.020/2020). O segundo grupo de medidas concerne à garantia de renda mínima emergencial a desempregados, subempregados e outras pessoas necessitadas.

O sentido das medidas econômicas, no discurso oficial, parece ser correto, pois, em tese, contribuiriam para execução da política nacional de enfrentamento da pandemia, mediante diminuição de custos correntes para empresas, manutenção de empregos e, por consequência, manutenção da renda e da demanda efetiva das famílias.

No entanto, verifica-se que o primeiro grupo de medidas econômicas consistia em parte importante da agenda de flexibilização trabalhista do Ministério da Economia, e, portanto, foram realizadas com objetivo primário de desconstrução do arcabouço legal trabalhista. Seu intuito original, portanto, extrapolava à política de controle da pandemia, ainda que, na prática, possam ter contribuído para mitigar parte dos efeitos econômicos da doença. O segundo grupo de medidas, por sua vez, nos montantes em que foram estipulados, principalmente considerada a proposta inicial do governo[19], teria mais efeito cosmético do que consequências práticas positivas.

Mesmo após a revisão dos valores pelo Congresso Nacional, a ajuda emergencial mostrou-se aquém do necessário para sustentar medidas recomendatórias e compulsórias de isolamento social. Soma-se ao montante insuficiente, problemas organizacionais e logísticos de distribuição dos rendimentos, que deveriam chegar às pessoas mais necessitadas, muitas das quais e destituídas de documentação pessoal, de contas bancárias e de acesso à internet.

As medidas econômicas adotadas, principalmente quando comparadas com as políticas executadas por outros países[20], caracterizam-se pela insuficiência, pela distribuição desigual de custos e pelo velado oportunismo do governo na aprovação de reformas favoráveis a empresários e prejudiciais aos trabalhadores. A insuficiência, verificada principalmente no auxílio pecuniário mensal direcionado aos trabalhadores de baixa renda, evidenciou-se notadamente na proposta inicial do governo e, em seguida, nas dificuldades práticas de obtenção do benefício.

A distribuição desigual dos custos verifica-se, por exemplo, na comparação entre o tratamento dispensado às pequenas e médias empresas e aquele direcionado às grandes empresas no que concerne à oferta de crédito subsidiado e suspensão de cobrança de tributos. O oportunismo da área econômica do governo evidenciou-se na escolha das medidas impopulares a serem usadas na contenção dos efeitos econômicos da pandemia.

Em vez de privilegiar medidas fiscais expansionistas, insistiu-se na inócua política monetária de queda na taxa de juros básicos, no insuficiente fomento à concorrência no setor bancário e, principalmente, na derrogação temporária de direitos trabalhistas. Com objetivo declarado de manter o nível de emprego, acentuou-se a precarização das relações trabalhistas, com efeitos especialmente danosos aos trabalhadores de baixa renda.           


3. A aplicabilidade das disposições do Estatuto de Roma à conduta de Jair Messias Bolsonaro e as obrigações internacionais do Brasil

A tipicidade dos atos comissivos e omissivos de Jair Bolsonaro tem sido aventada frequentemente. Além do discurso parcial dos partidos políticos, órgãos de imprensa, acadêmicos e magistrados têm interpretado como grave a conduta do mandatário brasileiro e de governantes que assumiram postura negligente em relação ao controle da pandemia[21]. Verifica-se, como será explicado adiante, que o conjunto de atos (discursivos, normativos e econômicos), ao resultarem em potencialização do contágio e da letalidade da pandemia, constituíram fato delituoso, tipificado no art. 6 (genocídio) e no art. 7 (crimes contra a humanidade), e atribuível ao Presidente Jair Bolsonaro.

O crime de genocídio está previsto no art. 6 do Estatuto de Roma. Conforme o dispositivo,

Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "genocídio", qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal: a) Homicídio de membros do grupo; b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo (destaque do autor).

Os atos de Jair Bolsonaro na sua condução da política pública de controle e de combate da pandemia estão tipificados nos itens a) e b) do art. 6 do Estatuto de Roma. Embora tenham sido causados indiretamente, por omissão do mandatário, o homicídio e as ofensas graves à integridade física e mental do grupo, pelo menos no número e no grau verificado no país, resultaram da forma de condução da política central de combate e de controle da pandemia.

Elemento importante na configuração do genocídio é o direcionamento das ofensas a grupo nacional, étnico, racial ou religioso. No caso dos atos presidenciais de enfraquecimento ao combate à pandemia, verifica-se que, em um primeiro momento, se direcionaria a toda população brasileira, indiscriminadamente. No entanto, conforme a pandemia avançou no mundo e estudos foram publicados em múltiplas áreas do conhecimento, verificou-se que alguns grupos, dentro da sociedade nacional, seriam proporcionalmente mais afetados pelo covid-19. Os estratos economicamente e socialmente mais vulneráveis seriam mais afetados pela disseminação do vírus e, provavelmente, seriam mais vitimados por mortes decorrentes da doença, uma vez que teriam menores condições de prática do isolamento social, inclusive no interior de suas residências, de acesso à tratamento hospitalar de qualidade, bem como a materiais básicos de higiene, como, por exemplo, máscaras, álcool gel, desinfetantes e outros produtos de limpeza para as casas.

Outro grupo especialmente vulnerável ao avanço da pandemia são grupos indígenas[22] e outros grupos tradicionais isolados (e.g. quilombolas). Esses grupos compartilham das deficiências coletivas das pessoas socialmente e economicamente vulneráveis, com o agravante de terem também menor acesso às notícias e informações, inclusive aquelas de natureza científica preventiva, necessárias à prevenção e ao tratamento adequado de pessoas infectadas pelo vírus.

Os crimes contra a humanidade estão previstos no art. 7 do Estatuto de Roma. O parágrafo primeiro assim prescreve:

1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d) Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental. (destaques do autor)

Nas diversas alíneas do parágrafo primeiro do art. 7, enumeram-se os atos que configurariam crimes contra a humanidade. A alínea k contém ato genérico, cuja característica seria causar grande sofrimento humano ou afetar, gravemente, a integridade física ou a saúde física ou mental de grupo de pessoas. A inserção de conjunto genérico de atos tem a finalidade de abarcar o mais amplo possível espectro de condutas danosas ao ser humano. Para o caso em tela, referente à conduta de Jair Bolsonaro, a menção à saúde física e mental é relevante, pois contempla, precisamente, o resultado do conjunto de atos presidenciais direcionados à pandemia.

Para configuração dos crimes tipificados no Estatuto, o elemento psicológico é importante. Na descrição legal do crime de genocídio, o elemento psicológico é expressamente mencionado: “praticado com intenção”. O agente promotor do genocídio deve, portanto, agir dolosamente. Os crimes contra a humanidade, considerado o trecho textual “havendo conhecimento desse ataque”, também pressupõem a conduta dolosa do agente, a qual, entretanto, deve ser apreciada, de forma distinta, com relação ao ato e às consequências do ato.

Os elementos textuais indicadores do dolo do agente, e que variam conforme o ato delituoso específico, devem ser interpretados em conjunto com o art. 30 do Estatuto de Roma, que dispõe sobre o elemento psicológico de maneira geral:

Artigo 30 (Elementos Psicológicos)

1. Salvo disposição em contrário, nenhuma pessoa poderá ser criminalmente responsável e punida por um crime da competência do Tribunal, a menos que atue com vontade de o cometer e conhecimento dos seus elementos materiais. 2. Para os efeitos do presente artigo, entende-se que atua intencionalmente quem: a) Relativamente a uma conduta, se propuser adotá-la; b) Relativamente a um efeito do crime, se propuser causá-lo ou estiver ciente de que ele terá lugar em uma ordem normal dos acontecimentos. 3. Nos termos do presente artigo, entende-se por "conhecimento" a consciência de que existe uma circunstância ou de que um efeito irá ter lugar, em uma ordem normal dos acontecimentos. As expressões "ter conhecimento" e "com conhecimento" deverão ser entendidas em conformidade. (destaques do autor)

Primeiramente, o dispositivo do Estatuto afasta, expressamente, a criminalização de condutas culposas (decorrentes de negligência, imprudência ou imperícia do agente), embora o restante do texto introduza complexidades interpretativas. Os elementos psicológicos disciplinados no art. 30 concernem à conduta (em si) e aos efeitos da conduta. A forma como são tratados é diferente nos dois casos.

Em relação à conduta do agente, deve haver intenção de praticar aquele ato específico que materializou o tipo penal contido in abstrato no Estatuto. Quanto aos resultados, no entanto, basta que o agente tenha ciência de que os efeitos serão produzidos, seguindo-se o curso normal dos acontecimentos. Despicienda, dessa forma, é a intenção na produção dos resultados em determinados tipos penais contidos no Estatuto de Roma.

De modo geral, no direito penal, a palavra "intenção" ou o adjetivo "intencionalmente" não se limitam, tradicionalmente, à definição restrita de propósito, objetivo ou desígnio. De acordo com a tradição do direito consuetudinário, considera-se que pessoa pretende a consequência não apenas se (i) seu objetivo consciente é causar essa consequência, mas também (ii) se ela age com o conhecimento de que a consequência é virtualmente certa como resultado de sua conduta. O termo “intenção”, conforme estabelecido no Artigo 30, tem dois significados diferentes, dependendo se o elemento material está relacionado à conduta ou consequência. Uma pessoa tem intenção em relação à conduta, se ela “deseja praticar a conduta”, enquanto que, em relação à consequência, diz-se que a pessoa tem intenção se “essa pessoa pretende causar essa consequência “ou” está ciente de que ela ocorrerá no curso normal dos eventos”.[23] (tradução e destaques do autor)

A conduta de Jair Bolsonaro, na prática do crime de genocídio e de crime contra a humanidade, é abarcada pelo art. 30, porquanto desnecessária a intenção determinada quanto aos resultados. Seus atos (discursivos, normativos e econômicos), inclusive os praticados por seus subordinados, foram intencionalmente praticados, ainda que reste dúvida quanto pretensão dos resultados. Dessa forma, o ponto é pacífico acerca da existência da intenção imediata (dolo direto) em relação à conduta.

No que concerne aos eventos consequentes, havia, dada a racionalidade dos agentes envolvidos e a disponibilidade de informação sobre a existência de amplos consensos científicos acerca do tema da pandemia, plena ciência sobre os efeitos decorrentes do curso natural dos eventos, inclusive acerca da heterogeneidade dos impactos do alastramento da pandemia, que vitimaria com mais força grupos socialmente e economicamente vulneráveis. Ainda que despida, portanto, de intencionalidade explícita em relação ao resultado morte, a conduta de Bolsonaro era adequadamente informada acerca dos prováveis desdobramentos.

A aplicabilidade dos conceitos de dolo indireto e de dolo eventual, diante do texto legal do art. 30, parece ser indubitável, sem embargo opiniões doutrinárias contrárias[24]. Se é evidente, com igual fulcro no art. 30, que o Estatuto afasta o cometimento culposo de crimes, resta igualmente claro que as formas não diretas de dolo são contempladas pelo Estatuto, consideradas as particularidades de cada ato tipificado nas alíneas dos art. 6, 7 e 8 do Estatuto de Roma.

No caso específico da alínea k do art. 7 e das letras a e b do art. 6 do Estatuto de Roma, exige-se dolo direto apenas para a conduta, admitindo-se o dolo eventual para o resultado. Ao descoordenar, voluntariamente, os esforços de combate ao covid-19, e dadas as informações amplamente disseminadas sobre as consequências do aprofundamento da pandemia, conclui-se que Bolsonaro incorreu nas condutas criminosas tipificadas na alínea k do art. 7 e das letras a e b do art. 6 do Estatuto de Roma. Juridicamente cabível, portanto, é a investigação, o processamento e a eventual condenação de Bolsonaro pelo Tribunal Penal Internacional.


4. Considerações finais

O arcabouço jurídico constituinte do sistema penal internacional tem, como objetivo precípuo, investigar, processar e punir indivíduos que praticam atrocidades (muitas vezes contra sua própria população), independentemente do cargo que ocupam. Superando eventuais pressões políticas que recaiam sobre os organismos judiciários nacionais, o objetivo formalizado no Estatuto do TPI é prover instrumento internacional contra arbitrariedades e barbáries cometidas contra a pessoa humana, bem como punir, criminalmente, indivíduos responsáveis por graves crimes internacionais, com a possibilidade de atingir líderes militares e políticos.

O comportamento de Jair Bolsonaro na condução das políticas nacionais de contenção e de redução de danos da pandemia revelou-se problemático, sob a perspectiva ética, e criminosa, sob a perspectiva jurídica. A previsibilidade de que a oposição discursiva, normativa e econômica, às recomendações científicas, poderia resultar em elevada contaminação e mortandade da população brasileira é elemento suficiente para ensejar a investigação, o julgamento e a provável condenação do mandatário brasileiro, por crime contra a humanidade e genocídio, pelo Tribunal Penal Internacional.


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Notas

[1] Até o começo de agosto de 2020, em números oficiais (provavelmente subnotificados) o Brasil caminhava para 3 milhões de pessoas infectadas e 100.000 mortos por Convid-19. Ver: https://www.worldometers.info/coronavirus/#countries

[2] Esse padrão é inferido do número do Sistema Único de Saúde do Brasil. Ver, por exemplo, SOARES, Marcelo. Dados do sus revelam vítima-padrão de covid-19 no brasil: homem, pobre e negro. In Época. Disponível em:

https://epoca.globo.com/sociedade/dados-do-sus-revelam-vitima-padrao-de-covid-19-no-brasil-homem-pobre-negro-24513414. Acesso em 1 de agosto de 2020.

[3] Ver, por exemplo, LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. O Tribunal Penal Internacional: de uma cultura de impunidade para uma cultura de responsabilidade. Estudos avançados, São Paulo, v. 16, n. 45, p. 187-197, agosto de 2002. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142002000200012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 18 de julho de 2020.

[4] O Brasil internalizou o Estatuto de Roma por meio do Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002.

[5] LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. O Tribunal Penal Internacional: de uma cultura de impunidade para uma cultura de responsabilidade. Estudos avançados, São Paulo, v. 16, n. 45, p. 187-197, agosto de 2002. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142002000200012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 18 de julho de 2020. Cf. CASSESE, Antonio. International Criminal Law. Oxford University Press, 2008.

[6] Para uma perspectiva histórica e dogmática bastante completa, ver: CASSESE, Antonio. International Criminal Law. Oxford University Press, 2008.

[7] Ver: INTERNATIONAL CRIMINAL COURT (ICC). Crime of Aggression - Amendments Ratification. Disponível em: https://asp.icc-cpi.int/en_menus/asp/crime%20of%20aggression/Pages/default.aspx. Acesso em Cf. BARRIGA, Stefan, e GROVER, Leena. A historic breakthrough on the crime of aggression. American Journal of International Law. Vol. 105, n.º 3, 2011, pp. 517-533.~BARRIGA, Stefan, e KREB, Claus. The Travaux Préparatoires of the Crime of Aggression. Cambridge University Press, 2012.

[8] Ver: ZUCCO, César. Bolsonaro e a ilusão 30%. In Piauí. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/bolsonaro-e-ilusao-dos-30/. Consulta em 20 de julho de 2020.

[9] Sobre política exterior, ver:  KALOUT, Hussein. Bolsonaro’s Failed Diplomacy Leaves Brazil Isolated as Pandemic Rages. Disponível em: https://foreignpolicy.com/2020/07/07/bolsonaro-failed-diplomacy-brazil-isolated-coronavirus/. Consulta em 20 de julho de 2020.

[10] Ver: BARRUCHO, Luís. Coronavírus: O Que Diz A Ciência Sobre 6 Pontos Do Discurso De Bolsonaro. In Época. Disponível em: <https://epoca.globo.com/brasil/coronavirus-que-diz-ciencia-sobre-6-pontos-do-discurso-de-bolsonaro-24327913>. Acesso em 30 de julho de 2020.

[11] Ver CURY, Teo. Bolsonaro volta a atacar governadores e desafia: 'Tá com medinho do vírus?' Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/04/02/bolsonaro-volta-a-atacar-governadores-em-pandemia-e-desafia-ta-com-medinho. Acesso em 29 de julho de 2020.

[12] Para mais detalhes sobre a interpretação do discurso de Jair Bolsonaro e Olavo de Carvalho, ver entrevista concedida por João Cezar de Castro Rocha a Ciro Barros em: <https://apublica.org/2020/05/quanto-maior-o-colapso-do-governo-maior-a-virulencia-da-guerra-cultural-diz-pesquisador-da-uerj/>

[13] Ver: PORTINARI, Natália e TRINDADE, Naira. Tenho o direito constitucional de ir vir, diz Bolsonaro ao circular em Brasília. Disponível em: <https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/04/10/tenho-o-direito-constitucional-de-ir-e-vir-diz-bolsonaro-ao-circular-em-brasilia.ghtml>. Acesso em 29 de julho de 2020.

[14] Ver: ÉPOCA NEGÓCIOS. Decreto de Bolsonaro amplia lista de serviços essenciais que podem funcionar. In Época Negócios. Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2020/04/pegn-decreto-de-bolsonaro-amplia-lista-de-servicos-essenciais-que-podem-funcionar.html. Acesso em 29 de julho de 2020.

[15] Ver: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícias: ADI 6341. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf. Acesso em 29 de julho de 2020.

[16] Ver: MINISTËRIO DA SAÚDE. Orientações do Ministério Da Saúde para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19. Disponível em: https://saude.gov.br/images/pdf/2020/June/17/ORIENTA----ES-D-PARA-MANUSEIO-MEDICAMENTOSO-PRECOCE-DE-PACIENTES-COM-DIAGN--STICO-DA-COVID-19.pdf. Acesso em 30 de julho de 2020.

[17] No original: The current evidence on the efficacy and safety of hydroxychloroquine for the treatment of COVID-19 is limited and of very low certainty. Hydroxychloroquine was not associated with a difference in overall mortality when compared to standard care for the treatment of COVID-19. Limited evidence suggested that hydroxychloroquine may result in more adverse events than standard care for treatment of COVID-19. The overall certainty of the evidence for all outcomes was very low, therefore these results need to be interpreted with caution. Ver: WORLD HEALTH ORGANIZATION. Targeted Update: Safety and efficacy of hydroxychloroquine or chloroquine for treatment of COVID-19. Disponível em: https://www.who.int/news-room/q-a-detail/q-a-hydroxychloroquine-and-covid-19. Consulta em 20 de julho de 2020.

[18] FORBES. Medidas para coronavírus de 200 bi serão oficializadas amanhã. Disponível em: https://forbes.com.br/last/2020/04/medidas-para-coronavirus-de-r-200-bi-serao-oficializadas-ate-amanha-diz-guedes/. Consulta em 23 de julho de 2020.

[19] SENADO FEDERAL. Notícias: Senado aprova auxílio emergencial de R$ 600,00. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/30/coronavirus-senado-aprova-auxilio-emergencial-de-r-600. Consulta em 20 de julho de 2020.

[20] Ver comparativo de medidas em https://www.oecd.org/coronavirus/country-policy-tracker/

[21] HEIECK, John. Trump’s Coronavirus Response: Genocide By Default? Disponível em: http://opiniojuris.org/2020/05/15/trumps-coronavirus-response-genocide-by-default/. Acesso em 30 de julho de 2020.

[22] TEIXEIRA, Matheus. Gilmar cita genocídio de índios e volta a criticar excesso de militares no Ministério da Saúde. Folha de São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/07/gilmar-fala-em-genocidio-de-indios-e-volta-a-criticar-excesso-de-militares-no-ministerio-da-saude.shtml. Acesso em 29 de julho de 2020.

[23] O texto original é o seguinte: Generally speaking, in criminal law the word “intent” or the adjective “intentionally” have traditionally not been limited to the narrow definition of purpose, aim, or design. According to common law tradition, a person is considered to intend the consequence not only if (i) his conscious objective is to cause that consequence, but also (ii) if he acts with knowledge that the consequence is virtually certain to occur as a result of his conduct. The term “intent” as set out in Article 30 has two different meanings, depending upon whether the material element related to conduct or consequence. A person has intent in relation to conduct, if he “means to engage in the conduct”, whereas in relation to consequence, a person is said to have intent if “that person means to cause that consequence “or” is aware that it will occur in the ordinary course of events. Ver: BADAR, Mohamed. (2008). The Mental Element In The Rome Statute Of The International Criminal Court: A Commentary From A Comparative Criminal Law Perspective. Criminal Law Forum. 19. 473-518. 10.1007/s10609-008-9085-6.

[24] Ver discussão em: BADAR, Mohamed. The Mental Element In The Rome Statute Of The International Criminal Court: A Commentary From A Comparative Criminal Law Perspective. Criminal Law Forum. 19, 2008. 473-518. 10.1007/s10609-008-9085-6.


Autor

  • Mauro Kiithi Arima Junior

    Bacharel em Direito e Relações Internacionais pela USP. Especialista em Direito Político, Administrativo e Financeiro pela FD USP. Especialista em Política Internacional pela FESPSP. Mestre em Direito Internacional pela USP. Doutor em Direito Internacional pela USP. Advogado, professor e consultor jurídico.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KIITHI, Mauro Kiithi Arima Junior. Genocídio sanitário no Brasil: Por que Jair Bolsonaro deve ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6244, 5 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/84408. Acesso em: 4 maio 2024.