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Estudo comparado das ações próprias em controle de constitucionalidade

Estudo comparado das ações próprias em controle de constitucionalidade

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Estudo comparado entre as ações próprias de controle de constitucionalidade, sistematizando as semelhanças e diferenças existentes entre elas e entendendo a razão de ser das particularidades que cada uma traz.

Sumário: 1. Introdução – 2. Ações Próprias em Controle de Constitucionalidade – 3. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) – 4. Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) – 5. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) – 6. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

O art. 102, “a” e §1°, da Constituição Federal de 1988 estabelece três espécies de ações próprias para fins de controle abstrato de constitucionalidade, são elas: (i) ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), que pode ser por Ação (simplesmente ADI) ou por Omissão (ADO); (ii) ADC (Ação Direita de Constitucionalidade); e (iii) ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). Além destas, há, ainda, a chamada ADI interventiva, mas esta não se trata de controle abstrato, e sim concreto, porém exercido de forma concentrada. A ADI (por ação e omissão) e ADC, são reguladas na Lei n. 9868/99, enquanto a ADPF tem previsão na Lei n. 9882/99. Isto é, além dos dispositivos constitucionais, temos atualmente legislação específica regulamentando as ações próprias em controle de constitucionalidade.

Mas a grande questão é: quando cada espécie de ação pode ser manejada? Quais os seus objetos? O que as aproxima e o que as diferencia? Em que hipóteses elas poderão ser utilizadas e quais as repercussões práticas que acarretam? Nesse ponto, a doutrina costuma identificar quatro limites que definem o campo de atuação das ações próprias em controle de constitucionalidade: (i) limite quanto à natureza do objeto; (ii) limite espacial; (iii) limite temporal; (iv) limite quanto ao prisma de apuração. Em cima desses limites, estabeleceremos um estudo comparativo correlacionando cada umas das espécies de ações próprias em controle de constitucionalidade, facilitando a compreensão a partir das suas diferenças e semelhanças e ao final, construirmos um quadro resumo para facilitar a absorção dessas regras fundamentais que marcam o controle de constitucionalidade, tema de importância fundamental dentro do estudo da ciência jurídica constitucional.


2. AÇÕES PRÓPRIAS EM CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

A Constituição Federal, nos seus arts. 102 e 103, que se inserem em capítulo referente à organização do poder judiciário, passa a dispor, dentre outras matérias, sobre os meios pelos quais se pode exercer o controle de constitucionalidade. Temos, no Brasil, um sistema de controle jurisdicional, sendo atribuído ao judiciário a função precípua do controle de constitucionalidade. Por isso é que o estudo do controle, pela teoria da revisão judicial dos atos do legislativo, situa-se tipicamente na esfera do judiciário, sem prejuízo do controle exercido pelos demais poderes, de forma preventiva e repressiva. Contudo, de fato, é no judiciário que se dá precipuamente o controle de constitucionalidade, por que assim foi idealizado pelo legislador constituinte.

Dentro desse sistema jurisdicional, sabemos também que, no Brasil, o controle de constitucionalidade, quanto à competência judicial para o seu exercício, admite o modelo misto, que combina o controle difuso (todos os órgãos do judiciário são competentes, porque a finalidade é a proteção de direito subjetivo) e o concentrado (somente o órgão judiciário guardião da Constituição é competente, porque a finalidade é assegurar a supremacia constitucional). No que se refere ao controle difuso, feito por todos os órgãos do judiciário, é sempre um controle concreto, realizado de forma incidental, o objeto não é a declaração de inconstitucionalidade, mas a defesa de um direito subjetivo. Por isso, não há uma ação própria de controle, não existe uma ação direta, mas o controle é feito por via indireta, oblíqua, por exceção, incidentalmente dentro de um processo subjetivo. Por isso, no que se refere ao procedimento, o controle difuso concreto não exige maior regulamentação constitucional, pois nele preponderam as normas processuais de direito processual civil, justamente porque não há rito e ação própria, podendo-se levantar a questão incidental de inconstitucionalidade em qualquer ação processualmente cabível.

Dessa forma, a Constituição preocupa-se em regular especificamente o controle abstrato, que é sempre feito de forma concentrada, seja pelo STF no que se refere à supremacia da Constituição Federal, seja pelos TJ’s no que se refere à supremacia das Constituições Estaduais. Na verdade, no controle concentrado (STF e TJ’s) até se admite excepcionalmente o controle concreto (ADI interventiva, ADPF incidental), mas a regra geral é que por meio dele se realiza o controle abstrato. Ou seja, o controle concreto é sempre difuso, enquanto o controle abstrato é, em regra, abstrato. Melhor dizendo, todo controle abstrato é concentrado, mas nem todo controle concentrado é abstrato. É exatamente sobre o controle abstrato, feito de forma concentrada pelo STF (Constituição Federal) e pelos TJ’s (Constituição Estadual), que gira o centro do estudo do controle de constitucionalidade.

Isso ocorre porque, no controle abstrato, não se parte de um caso concreto, não há partes materiais envolvidas, não há processo subjetivo, a questão de inconstitucionalidade não é analisada apenas incidentalmente na fundamentação de qualquer processo sob o rito do direito processual civil. Agora, o processo é meramente objetivo, a finalidade é a própria declaração de inconstitucionalidade, por isso se faz necessária a existência de ações próprias de controle, fazendo-se o controle de forma direta, por via de ação, com partes formalmente legitimadas. O que se discute agora é a lei em relação à sua compatibilidade abstrata com a Constituição, e não a aplicação da lei inconstitucional ao caso concreto. Logo, se o controle agora não é mais exercido incidentalmente dentro de uma ação qualquer regulada pelo direito processual civil, é necessário que a Constituição preveja ações típicas constitucionais, com legitimados próprios, para a inconstitucionalidade ser atacada de forma direta.

Por isso, no que se refere ao procedimento, o controle abstrato, que sempre se realiza de forma concentrada (STF ou TJ’s), exige regulamentação própria, com rito, legitimados e ações específicas, ao contrário do controle concreto ou incidental, em que preponderam as normas processuais de direito processual civil. Por isso, então, falamos nas chamadas ações diretas em controle de constitucionalidade. O controle abstrato ou principal é um controle por via de ação, ou por via direta. Só pode haver controle abstrato se por meio de uma ação direta e com legitimados próprios. O estudo do procedimento, legitimados e rito próprio dessas ações diretas em controle abstrato é, portanto, o foco principal do estudo da teoria do controle de constitucionalidade.

Quer dizer, temos o controle jurisdicional (sem prejuízo do controle dos demais poderes) e, dentro dele, o controle concentrado abstrato (sem prejuízo do controle concreto feito em processos subjetivos). É deste tipo de controle, vale dizer, o controle de constitucionalidade concentrado e em abstrato, que a Constituição propriamente cuida de regular. Todas as ações próprias em controle de constituionalidade (ADI, ADC, ADPF) têm a finalidade principal de garantir a supremacia constitucional. Os legitimados para fazê-lo em quaisquer casos são os mesmos, constantes do rol do art. 103 da Constituição Federal. Todavia, essa supremacia pode ser garantida de diferentes formas, seja atacando diretamente uma inconstitucionalidade de lei ou ato normativo (ADI), seja confirmando a contitucionalidade de dispositivo em caso de relevante controvérsia judicial (ADC), seja em qualquer outro caso de violação de preceito constitucional fundamental (ADPF). É sobre estas ações que passaremos a discorrer.


3. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI)

Trata-se-se da principal ação de controle abstrato no exercício do controle jurisdicional repressivo. Já sabemos que as leis gozam de presunção de constitucionalidade. Logo, para que uma lei seja tida por inconstitucional precisa que o judiciário assim a declare. O objetivo da Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) é exatamente retirar uma inconstitucionalidade que esteja presente no ordenamento jurídico. Ora, se todas as leis, em princípio, presumem-se constitucionais, é preciso a sua declaração expressa no sentido contrário para descaracterizar aquela presunçao, que se trata de presunção juris tantum. Desse modo, garantir a supremacia da Constituição e expurgar do ordenamento jurídico uma norma que lhe contraria, temos a ADI, atacando uma inconstitucionalidade existente. Vejamos como isto se dá.

3.1.    Natureza do Objeto da ADI:

Nos termos expressos do art. 102, I, “a”, da Constituição Federal, temos: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual...”. Ou seja, o objeto da ação direta de inconstitucionalidade será uma “lei ou ato normativo”. Esta é a natureza do objeto na ação direta de inconstitucionalidade: só podem ser objeto de ADI lei ou ato normativo. Não é qualquer ato do Poder Público que pode servir de objeto (salvo na ADPF, como veremos), mas na ADI o objeto é exclusivamente um ato do Poder Público de natureza legislativa, isto é, lei ou ato normativo. Os atos de natureza administrativa e judicial ficam fora do alcance da ADI. A natureza do objeto da ADI restringe-se, portanto, aos atos legislativos do Poder Público (leis e atos normativos) e não a qualquer ato do Poder Público, por expresso mandamento constitucional, nos termos do art. 102, I, “a”, da CF/88.

. Por isso é que não se admite como objeto de ADI, por exemplo, atos administrativos (atos do Poder Público com natureza administrativa), ou ainda, precedentes judiciais, como decisões judiciais e súmulas (atos do Poder Público com natureza judicial). Apenas atos do Poder Público com natureza legislativa, isto é, “lei ou ato normativo”, podem ser objeto de ADI. E aqui se entende lei em sentido amplo, abrangendo todas as espécies primárias do art. 59 da Constituição Federal: emendas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, e resoluções. Estes são os atos tipicamente legislativos do Poder Público. Assim, quando se fala em lei, remete-se à ideia das espécies normativas no art. 59 da CF/88.

Vale perceber que até mesmo as emendas constitucionais integram esse conceito de lei, em sentido amplo. Ou seja, uma norma constitucional advinda do poder constituinte derivado pode ser objeto de ADI. O que o STF não admite, obviamente, são as normas constitucionais originárias serem objeto de ADI. O poder constituinte originário não encontra limites no plano jurídico interno. Ele pode colocar, juridicamente, o que bem entender na Constituição, apesar de que, hoje, essa liberdade no plano interno vem sendo, de certa forma, mitigada no plano externo, sobretudo a partir da difusão global dos direitos humanos. De todo modo, no plano interno, as normas originárias não possuem limitação. Já o poder constituinte derivado não. Para se fazer uma emenda há limites explícitos e implícitos, formais e materiais, temporais e circuntanciais, impostos pelo próprio poder constituinte originário. Portanto, uma emenda constitucional pode ser objeto de ADI caso não respeite tais limites, mas se é uma norma originária, prevista originariamente na CF/88, não pode ser impugnada.

Isso decorre justamente do princípio instrumental da unidade, pelo qual não existe hierarquia entre normas constitucionais. E, obviamente, se não há hierarquia, mas todas estão em um mesmo plano, nunca será possível controle de constitucionalidade entre normas constitucionais originárias. Seria absolutamente irrazoável dizer que uma norma constitucional originária é inconstitucional em face da outra, porque o poder do qual emanou ambas é o mesmo. É possível se fazer controle de constitucionalidade de emenda constitucional (normas constitucionais decorrentes) porque, nesse caso, a emenda constitucional inicialmente está fora da Constituição, e o poder constituinte derivado encontra limites no poder constituinte originário, logo, é possível verificar a compatibilidade da emenda com a Constituição, mas nunca poderá haver inconstitucionalidade de norma constitucional originária (não existe controle de constitucionalidade em face de normas constitucionais originárias). Então, somente leis ou atos normativos podem ser objetos de ADI, naqueles entendidas todas as espécies normativas do art. 59 da CF/88, o que inclui as emendas constitucionais.

Vale ressaltar que, atualmente, segundo o entendimento do STF, lei de efeitos concretos também é considerada lei para fins de controle por ADI. Na jurisprudência antiga do STF não cabia ADI em relação à chamada lei formal, de efeitos concretos. A jurisprudência do Supremo era uníssona em dizer que a norma de efeitos concretos não se prestaria a controle abstrato de constitucionalidade, seja porque a norma atacada é lei apenas em sentido formal, mas materialmente revestida de caráter administrativo, seja, ainda, porque o seu papel vai se exaurir após a ocorrência da determinada situação que regula, não havendo abstração, típica do controle abstrato concentrado. Quer dizer, o STF só admitia como objeto de ADI as leis que tivessem a característica da generalidade e da abstração. Então, leis de efeitos concretos, apesar de serem leis, atos normativos primários, como possuem efeitos concretos não gozarim das características da generalidade e abstração, logo, tratar-se-iam de leis apenas no plano formal, não no aspecto material. Daí porque o Supremo tinha posicionamento firmado de que não caberia ADI para impugná-las.

Contudo, a Corte Suprema, nas ADI’s 4048 e 4049, passou a admitir tal possibilidade, entendendo que a lei orçamentária (que se trata de lei de efeitos concretos) poderia trazer em seu bojo dispositivos abstratos e genéricos, dotados de densidade normativa. E ainda, o recente posicionamento do STF evoluiu mais. Agora, nem precisa verificar se a lei de efeitos concretos possui dispositivos com abstração e generalidade, mas se é lei, mesmo formal, caberá ADI, exigindo-se apenas que a controvérsia seja suscitada em abstrato. Assim, tratando-se de lei, em sentido formal, pode ser objeto de ADI. A atual jurisprudência do Supremo, portanto, não exige que a lei seja ato normativo do ponto de vista formal e material. Sendo lei, é passível de controle abstrato de constitucionalidade. Então, hoje o entendimento é que não importa se o ato é geral ou específico, abstrato ou concreto, o importante é que a controvérsia constitucional seja suscitada em abstrato.

3.2.    Limite Espacial na ADI:

Conforme dispõe expressamente o art. 102, I, “a”, da Constituição Federal, cabe ao STF processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo “federal ou estadual”. Ou seja, no que tange ao aspecto espacial do objeto de controle, a ADI admite lei ou ato normativo que seja federal ou estadual, em face de Constituição Federal. Isto é, no âmbito do controle concentrado em nível do Supremo Tribunal Federal, está excluído na ADI eventual objeto municipal. Não poderá, portanto, uma lei ou ato normativo municipal ser impugado em face da Constituição Federal via ADI (será possível apenas na ADPF). Por outro lado, no âmbito estadual, em sede de controle concentrado perante os TJ’s, caberá impugnar em ADI ei ou ato normativo estadual ou municipal. Quer dizer, na esfera estadual não há restrição espacial. Então, em suma, com relação à ADI: no âmbito federal, admite objeto federal ou estadual; no âmbito estadual, admite objeto estadual ou municipal.

Vale destacar, contudo, um ponto interessante: e a lei do Distrito Federal, pode ser objeto de ADI em face da Constituição Federal? A lei do DF tem natureza híbrida. Pode ter conteúdo de lei estadual, quanto de conteúdo municipal. Se tiver conteúdo de lei estadual, será possível ser impugnada via ADI perante o STF. Se tiver conteúdo de lei municipal, não poderá. Nesse sentido, a Súmula do STF nº 642: “Não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei do Distrito Federal derivada da sua competência legislativa municipal”. Na ADC e na ADPF não temos esse problema, porque, como veremos, a ADC só admite objeto federal em face de Constituição Federal, logo, nunca caberá lei do DF ser objeto de ADC. Por outro lado, a ADPF admite objeto federal, estadual e municipal em face de Constituição Federal, logo, sempre caberá lei do DF ser objeto de ADPF. O problema reside na ADI, que permite objeto estadual, mas não municipal. Nesse caso, a lei do DF pode ou não ser objeto de ADI a depender da sua natureza, já que é híbrida.

3.3.    Limite Temporal na ADI:

Quanto ao momento em que ocorre uma inconstitucionalidade, esta pode ser originária ou superveniente. A inconstitucionalidade originária ocorre quando a lei ou ato normativo (objeto) surge após a norma constitucional que lhe serve de paradigma (parâmetro de controle). Já a inconstitucionalidade superveniente ocorre quando a norma constitucional (parâmetro de controle) surge depois da lei ou ato normativo (objeto). A inconstitucionalidade superveniente não é admitida no Brasil. Um objeto anterior ao parâmetro constitucional não é considerado inconstitucional, pois nesse caso, considera-se o objeto como não recepcionado. Ou seja, só há inconstitucionalidade quando uma lei fere posteriormente à Constituição (objeto posterior ao parâmetro), e não o contrário, quando a Constituição torna-se incompatível com a lei (parâmetro posterior ao objeto). Somente no primeiro caso temos inconstitucionalidade, no segundo caso temos hipótese de não recepção.

Como a ADI é uma ação direta de inconstitucionalidade, logo, não se presta para o caso de não recepção (inconstitucionalidade superveniente), mas tão somente para hipótese de inconstitucionalidade originária, isto é, objeto posterior ao parâmetro. Até porque, como se sabe, o controle abstrato de constitucionalidade serve para assegurar a supremacia constitucional. Quando uma norma constitucional é incompatível posteriormente com uma lei, isso não afeta a supremacia da Constituição. A Constituição é suprema, se ela vem posteriormente e alguma lei anterior passa a ser incompatível com ela, subtende-se automaticametne que a lei não foi por ela recepcionada. Na verdade, o problema ocorre ao inverso, quando uma lei vem posteriormente se contrapondo à ordem constitucional vigente. Como a lei veio depois da Constituição, nesse caso não há como ter não recepção, ao contrário, a lei presume-se constitucional. É exatamente por isso que, nessa hipótese, somente em se tratando de inconstitucionalidade originária, caberá açao em controle de constitucionalidade.

Ademais, vale destacar alguns pontos quanto ao limite temporal para fins de ADI. O primeiro deles refere-se ao fato de que o STF não admite como objeto de ADI leis já revogadas. Isso ocorre somente no controle abstrato. É que enquanto no controle concreto a finalidade é proteger direitos subjetivos, no controle abstrato a finalidade é proteger a supremacia constitucional. Logo, uma lei já revogada pode ser perfeitamente um objeto em controle concreto, mas não em controle abstrato. No controle concreto, uma lei já revogada pode ter violado direitos subjetivos, valendo a lei da época em que o fato ocorreu (princípio do tempus regit actum), não interesse se a lei foi revogada ou não, se o fato ocorreu naquela época será cabível controle concreto, ainda que tenha por objeto uma lei já revogada, porque o controle concreto visa proteger direitos subjetivos. Já no controle abstrato, se uma lei já foi revogada, ela não ameaça mais a supremacia constitucional, logo, não se justifica uma lei já revogada ser objeto de ADI, porque nesse caso, agora, a preocupação não é proteger um direito subjetivo, mas tão somente a supremacia constitucional no plano abstrato. Logo, se a lei já foi revogada, se já foi retirada do ordenamento jurídico, se não mais ameaça a supremacia constitucional, não caberá ADI.

E ainda, se uma determinada lei que está sendo objeto de ADI, antes que haja o julgamento da referida ação, vier a vier a ser revogada, obviamente, não terá mais lógica dar continuidade ao processo, justamente porque o objeto do processo é a própria lei. Na verdade, nas ações de controle de constitucionalidade, temos o objeto (lei impugnada) e o parâmetro de constitucionalidade (norma constitucional). Se um dos dois, ou a lei impugnada, ou a norma constitucional, deixar de existir, perde a razão de ser da continuidade da ação de constitucionalidade. O controle abstrato é "principaliter tantum", ou seja, a questão de inconstitucionalidade é a causa principal no processo, é o próprio pedido, a norma em abstrato é o objeto do processo. Logo, conforme entendimento do STF, a revogação de lei ou ato normativo objeto de controle abstrato, assim também como a retirada da própria norma constitucional utilizada como parâmetro do controle, implica perda de objeto da ação. Logo, no que se refere à ADI, por um lado, leis revogadas não podem ser objeto de controle, e por outro lado, a revogação da lei no curso da ação importa na sua extinção.

Há, contudo, uma exceção, quando o STF tem entendido ser excepcionalmente possível uma lei já revogada ser objeto de ADI. Trata-se da chamada “fraude processual” como tem sido denominada a hipótese no âmbito do Supremo. A chamada fraude processual ocorre quando as leis são sucessivamente revogadas com a intensão de burlar a jurisdição constitucional. A lei está sendo revogada, na verdade, para burlar a jurisdição constitucional e impedir o julgamento em sede de controle de constitucionalidade. Nesse caso, é cabível prosseguir na ADI, mesmo em se tratando de lei já revogada. Mas a regra geral é que não cabe ADI em face de lei revogada.

Outro ponto a se destacar é que, pelo mesmo raciocínio, não cabe ADI tendo por objeto uma lei que esteja suspensa pelo Senado, na forma do art. 52, X, CF/88. Assim, uma lei que, embora não tenha sido revogada, mas que esteja apenas suspensa, não poderá abstratamente ser impugnada, porque enquanto assim o estiver, não ameaçará a Constituição. Trata-se do instituto da suspensão da execução da lei pelo Senado, previsto no art. 52, X, da CF/88. Nesse caso, se a lei está suspensa, se não está mais sendo aplicada, se não pode produzir efeitos, obviamente não há ameaça à supremacia constitucional, logo, nesse caso não se justifica a propositura de ADI, sendo incabível controle abstrato. Logo, lei cuja eficácia foi suspensa pelo Senado, não pode ser objeto de ADI.

Um último ponto, também quanto ao limite temporal, é que, igualmente utilizando-se do mesmo raciocínio, não cabe ADI tendo por objeto leis temporárias cujo período de vigência já findou. Enquanto elas estiverem no período de vigência, podem ser objeto. Terminado o período de vigência, não mais. Logo, normas de efeitos já exauridos não podem ser objeto de ADI. Assim como ocorre nas leis não recepcionadas, bem como nas leis já revogadas, e também nas leis suspensas pelo Senado, aqui também, se uma lei já exauriu os seus efeitos, se não está mais produzindo efeitos no ordenamento jurídico, obviamente ela não mais está ameaçando a supremacia da Constituição. É claro que só se fala em impossibilidade de ADI, nesse caso, se a lei temporária não produzir mais efeitos. Contudo, assim como houve a exceção da fraude processual para ADI tendo por objeto lei regovada, aqui também, nessa hipótese de leis temporárias, há exceção à regra.

O Supremo tem admitido, excepcionalmente, ADI tendo por objeto lei temporária de efeitos exauridos quando, cumulativamente, estejam presentes dois fatores: (i) impugnação em tempo adequado e sua inclusão em pauta antes do exaurimento da eficácia; e (ii) quando ainda produzir efeitos para o futuro apesar do fim do lapso temporal fixado para a sua duração. Ou seja, segundo o Supremo (ADI 4426), se a lei produzir efeitos para além do término de sua vigência, será cabível ADI, desde que impugnada antes do exaurimento desses efeitos. Então, se a lei foi impugnada no tempo adequado, ou seja, antes de exaurir a produção dos seus efeitos e, se mesmo sendo temporária, puder produzir efeitos para o futuro, neste caso caberá ADI.

 Portanto, em suma, só cabe ADI em inconstitucionalidade originária. Não caberá ADI: nas leis não recepcionadas; nas leis já revogadas (salvo fraude processual); nas leis suspensas pelo Senado; e nas leis temporárias após o término da vigência (salvo quando produzir efeitos após o término da vigência e for impugnada antes do exaurimento desses efietos). Em qualquer caso, não caberá controle abstrato. Uma lei que não produz efeitos no mundo jurídico, ameaça a ordem constitucional objetiva? Obviamente que não. Logo, não cabe ADI em todos esses casos listados acima (não recepção, revogação, suspensão pelo Senado, exaurimento dos efeitos da lei temporária).

Por fim, importa destacar um entendimento que tem prevalecido no STF: não cabe ADI em norma já declarada constitucional ou inconstitucional pelo Pleno do STF, ainda que em sede de controle difuso (ADI 4071). Quer dizer, se uma determinada lei já foi questionada perante o Supremo e este já decidiu, seja pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade, aquela lei não poderá novamente ser questionada. É que, se o Pleno do STF já disse que uma norma é constitucional ou inconstitucional, obviamente não cabe, de novo, o STF se pronunciar, para repetir o que foi dito antes. Contudo, existem duas exceções: (i) se houver mudanças significativas na situação fática; ou (ii) se houver a superveniência de novos argumentos nitidamente mais relevantes.

3.4.    Prisma de Apuração da ADI:

Já sabemos que o objeto na ADI é necessariamente uma lei ou ato normativo do Poder Público (natureza legislativa do objeto), que seja federal ou estadual em face da Constituição Federal (limite espacial) e, necessariamente, posterior ao parâmetro constitucional de controle vigente (inconstitucionalidade originária). Por fim, resta uma última ressalva, quanto ao prisma de apuração da ADI. Embora a Constituição não fale, o STF entende que a inconstitucionalidade para ser impugnada em controle abstrato deve necessariamente se referir à uma violação direta. Ou seja, a lei ou ato normativo, federal ou estadual, posterior ao parâmetro, deve obrigatoriamente violar diretamente a Constituição, caso contrário a ADI não poderá ser proposta. Não é possível ADI se a lei ou ato normativo violar apenas indiretamente a Constituição, mas na ADI exige-se que a inconstitucionalidade seja necessariamente direta, não pode ser uma violação reflexa, oblíqua, indireta, tem que ser inconstitucionalidade direta, ou antecedente.

Como se sabe, a inconstitucionalidade direta, também chamada de antecedente, ocorre quando o ato impugnado (objeto) viola diretamente à Constituição, isto é, entre a Constituição (paradigma) e o ato legislativo impugnado (objeto) não existe nenhum outro que lhes seja intermediário. Não há, pois, nenhum ato normativo interposto no meio entre o ato impugnado e a Constituição. Em regra, ocorre entre as espécies normativas primárias, nos termos do art. 59 da CF/88, porque estas retiram o fundamento de validade diretamente da Constituição. Nesses casos, havendo ofensa à Constituição pelas espécies normtivas do art. 59 da CF/88, sempre será uma inconstitucionalidade direta, porque são leis com fundamento direto na Constituição. Não existe possibilidade de haver uma inconstitucionalidade em qualquer daquelas espécies normativas do art. 59 da CF/88 e não se tratar de uma ofensa direta.

A contrário sensu, obviamente, aquilo que não integra o rol do art. 59 da CF/88, em regra, não poderá ser objeto de ADI, porque não retirariam o fundamento de validade diretamente da Constituição, logo, não haveria inconstitucionalidade direta. Contudo, existem exceções, sendo possível um ato normativo que não esteja contemplado no art. 59 da CF/88 violar diretamente a Constituição. Mas essa não é a regra. Na verdade, a lógica é a seguinte: sendo uma das leis, em sentido amplo, previstas no art. 59 da CF/88, teremos sempre inconstitucionalidade direta, sendo cabível ADI; sendo outro ato normativo que não conste do rol do art. 59 da CF/88 (atos infralegais), em regra, não teremos inconstitucionalidade direta, sendo incabível ADI, mas é possível excepcionalmente isso ocorrer. Então, atos legais (leis do art. 59 da CF/88) sempre podem ser objeto de ADI; atos infralegais (atos normativos) podem ou não ser objeto de ADI, mas em regra não.

É o caso, por exemplo, dos atos tipicamente regulamentares (que podem se dar por portarias, instruções, decretos, etc), porque se é regulamentar, significa que não está se ligando diretamente à Constituição, mas está regulamentando uma lei, um ato primário, caso contrário não seria regulamentar. Nesse caso, como a Constituição não está sendo violada de forma direta, não cabe ADI, pois existe uma lei entre a Constituição e o ato regulamentar, logo, temos apenas uma inconstitucionalidade indireta, sendo incabível ADI. Assim, por não violar diretamente a Constituição, os atos tipicamente regulamentares não podem ser impugnados em ADI.

Por outro lado, também não se admite como objeto em ADI os atos regimentais e as questões interna corporis, que são aquelas questões que devem ser resolvidas internamente, próprias de regimento interno. Se uma questão é própria do regimento interno, ela tem que ser resolvida no âmbito do próprio poder, não se submete, em regra, à apreciação do Judiciário. Os regimentos e questões interna corporis são atos infralegais que apenas organizam as competências dentro de cada órgão e poder, não se tratam de espécies normativas primárias que violam diretamente à Constituição. Portanto, assim também como os atos tipicamente regulamentares, também os regimentos internos e as questões interna corporis não podem ser objeto de ADI, porque teremos uma inconstitucionalidade apenas reflexa ou oblíqua

Contudo, é possível, excepcionalmente, um ato normativo infralegal retirar o fundamento de validade diretamente da Constituição, mesmo sem ser uma das leis previstas no art. 59 da CF/88. Nesse caso, teríamos uma espécie normativa primária mesmo não fazendo parte do rol do art. 59 da Constituição Federal. É exatamente por isso que, quanto ao objeto de ADI, a Constituição fala expressamente em “lei ou ato normativo”, e não apenas em “lei”. Lei significa, em sentido amplo, todas as espécies normativas do art. 59 CF/88, espécie normativa tipicamente primária. Já ato normativo significa uma ato do Poder Público de natureza legislativa que não seja espécie normativa primária, isto é, trata-se de um ato infralegal. Então, é possível um ato normativo, de natureza infralegal, também ser objeto de ADI, desde que retire seu fundamento de validade diretamente da própria Constituição, mesmo não sendo integrante daquele rol do art. 59 da CF/88. Isso ocorre basicamente em duas hipóteses: (i) no chamado decreto autônomo, que retira o fundamento de validade direto da Constituição (art. 84, VI, CF/88); (ii) quando o ato extrapolar sua competência e, ao invés de regular uma lei ou a matéria a ele reservada, usurpa a competência de lei, dispondo sobre matéria diretamente constitucional. Nesses dois casos, temos atos infralegais atuando como espécies normativas primárias, havendo inconstitucionalidade direta, sando cabível ADI.

No primeiro caso, quanto ao decreto autônomo, sabemos que, via de regra, o decreto do executivo serve para regulamentar a lei. Nesse caso, eventual irregularidade, ao invés de ofender diretamente a Constituição, ofende-a indiretamente. A violação direta será em relação à lei que o decreto regulamenta e apenas indiretamente à Constituição. Nesse caso, trata-se de controle de legalidade, e não controle de constitucionalidade. A jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal entende que não cabe controle abstrato de constitucionalidade em face de ofensa reflexa à Constituição. Entretanto, nem todo decreto é regulamentar, pois o ordenamento brasileiro atualmente admite o chamado decreto autônomo, previsto no art. 84, VI, da CF/88: "Art. 84. Compete ao Presidente da República: VI – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos". Nesses dois, casos, trata-se de decreto autônomo, não é decreto regulamentar, não é norma secundária, mas se trata de norma primária, ao contrário do decreto regulamentar.

Nesse caso, eventual inconstitucionalidade presente no decreto autônomo não atacará a Constituição de modo somente reflexo, indireto, mas será ofensa direta, logo, nesse caso, poderá haver controle abstrato, será cabível ADI. Portanto, em regra, não cabe o controle abstrato de decreto, porque normalmente os decretos inserem-se no conceito de atos tipicamente regulamentares, todavia, nas hipóteses excepcionais admitidas de decreto autônomo, passa a ser equiparável à espécie normativa primária, nesse caso, caberá controle abstrato, sendo possível ser objeto de ADI. De fato, se a essência for realmente regulamentar, nunca caberá ADI, mas sendo um ato infralegal que retira sua validade diretamente da Constituição (decreto autônomo), será possível mover ADI, porque nesse caso não há ato interposto entre o objeto e a Constituição.

Quanto à segunda exceção, diz respeito ao ato infralegal extrapolar sua competência e, ao invés de servir para regular uma lei ou a matéria a ele reservada, dispõe sobre matéria diretamente constitucional. Nesse caso, pode ser qualquer ato infralegal, como portarias, intruções, decretos, regimentos, etc. Ou seja, na primeira exceção, temos uma hipótese legítima consagrada na própria Constituição (decreto autônomo). Já nessa segunda exceção, agora, não temos mais uma hipótese legítima retirada da própria Constituição. Trata-se de inconstitucionalidade porque um ato infralegal está atuando como se espécie normativa primária fosse. Nesse caso, é possível este ato infralegal ser objeto de ADI. A aferição de inconstitucionalidade dos atos infralegais, na via da ação direta, só é vedada quando estes se adstringem ao papel secundário de regulamentar normas legais, cuja inobservância enseje apenas conflito resolúvel no campo da legalidade.

Mas, atenção, a exceção em que cabe ADI tendo por objeto ato infralegal não se refere ao caso em que este simplesmente extrapola o conteúdo da lei que busca regulamentar. Ao contrário, trata-se do caso de não haver lei nenhuma que, mesmo em parte, confira validade ao ato infralegal. Somente neste último caso trata-se de controle de constitucionalidade, no primeiro caso temos controle de legalidade. Nesse sentido, a remansosa jurisprudência da Suprema Corte não reconhece a possibilidade de controle concentrado de atos que consubstanciam mera ofensa reflexa à Constituição, mesmo que parte dele esteja regulando a lei e outra parte extrapolando-a. Se existe uma lei entre o ato e a Constituição, sempre teremos controle de legalidade, e não de constitucionalidade. Quer dizer, se o ato regulamentar vai além do contéudo da lei, pratica ilegalidade. Neste caso, não há falar em inconstitucionalidade. Somente na hipótese de não existir lei que preceda o ato regulamentar, é que poderia este ser acoimado de inconstitucional, assim sujeito ao controle de constitucionalidade.

Do mesmo modo, no que se refere às questões interna corporis. Em regra não cabe ADI, porque se trata de matéria interna de cada poder, não sendo devida a interferência do judiciário. Contudo, se a questão não for exclusivamente interna corporis, mas envolver também um direito consagrado na Constituição, o STF tem relativizado e admitido que, neste caso, pode haver apreciação do Judiciário. Então, a norma constante de um regimento interno de um tribunal pode excepcionalmente ser objeto de controle de constitucionalidade, Se a norma do regimento interno é exclusivamente interna corporis, não pode ser objeto, mas do contrário, admite-se a sua impugnação. Portanto, em qualquer caso, o importante é saber qual é a essência do ato específico, e não apenas o nome que ele recebe. Sendo ato infralegal (portaria, decreto, instrução, regimento, etc.) que viola diretamente à Constituição, excepcionalmente caberá ADI.

 


4. AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE (ADC)

A segunda ação típica em controle abstrato refere-se à Ação Direta de Constitucionalidade (ADC). Tanto ADI quanto ADC estão previstas no mesmo art. 102, I, “a”, da Constituição Federal. “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”. Na verdade, ADI e ADC tem a mesma natureza, apenas são ações com sinal trocado. É o que se chama de “Caráter Dúplice ou Ambivalente da ADI e ADC”, isto é, essas duas ações têm a mesma natureza, o que muda é apenas que uma é o inverso da outra. Uma ADI julgada procedente é a mesma coisa que um a ADC julgada improcedente, e vice-versa. Isso está previsto de forma bastante clara no art. 24, da Lei 9.868/99: “Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória”.

Assim, a natureza da ADI e da ADC é a mesma. A diferença é que na ADI se pede a declaração de inconstitucionalidade e na ADC se pede a declaração de constitucionalidade, mas os efeitos da decisão em ambas são os mesmos, isto é, a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei. Tanto que podemos ter a seguinte situação: uma mesma lei pode ser objeto de ADC e de ADI, por exemplo. Um legitimado propõe uma ADI questionando a inconstitucionalidade de uma lei, e outro legitimado propõe uma ADC dizendo que a lei é constitucional. Nesse caso, o STF vai reunir as ações, a ADC e a ADI, e decidir em conjunto. A decisão vai ser: julgando uma procedente, a outra é improcedente. Por isso, uma ADC julgada improcedente terá o mesmo efeito de uma ADI julgada procedente. Nos dois casos a lei será tida por inconstitucional. Do mesmo modo, uma ADI julgada improcedente terá o mesmo efeito de uma ADC procedente. Nos dois casos a lei será tida por constitucional. Este é o caráter dúplice ou ambivalente da ADI e ADC.

Mas, se a ADC possui a mesma natureza da ADI, pergunta-se: porque existir uma ADC? Não bastaria a ADI? Embora a finalidade de ambas seja a supremacia constitucional, essa garantia pode ocorrer de direfentes formas. Na ADI o objetivo é retirar do ordenamento uma lei supostamente inconstitucional. As leis gozam de presunção relativa de constitucionalidade, logo, para retirá-las do ordenamento jurídico precisa-se da ADI. Já na ADC é o inverso, quer-se manter a norma no ordenamento por ela ser constitucional. Em outras palavras, enquanto na ADI busca-se desconstituir a presunção relativa de constitucionalidade e retirar a norma do ordenamento, na ADC busca-se manter a norma no ordenamento e reforçar a sua constitucionalidade transformando aquela presunção que antes era relativa em uma presunção absoluta de constitucionalidade. Mas como ambas as ações, tanto a ADI como a ADC, possuem a mesma natureza, praticamente tudo o que foi falado na ADI aplica-se também para a ADC. Só existem três diferenças entre ambas: (i) existência de pressuposto de admissibilidade na ADC (controvérsia judicial relevante); (ii) maior restrição ao limite espacial quanto ao objeto na ADC (apenas objeto federal em face de Constituição Federal); (iii) inexistência de participação do Advogado-Geral da União (o AGU só participa na ADI).

4.1.    Pressuposto de Admissibilidade da ADC:

Embora ADI e ADC tenham natureza idêntica, apenas são inversas, é mais fácil, contudo, por uma ADI do que uma ADC, justamente pela necessidade, nesta última, de se observar um pressuposto de admissibilidade, qual seja: existência de controvérsia judicial relevante, característica específica da ADC, nos termos do art. 14, III, Lei 9868/99: “Art. 14. A petição inicial indicará: III - a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória”. Isso ocorre pelo princípio da constitucionalidade das leis. Como sabemos, quando uma lei ingressa no ordenamento jurídico, pressupõe-se que seja constitucional, até que sua inconstitucionalidade seja reconhecida. Trata-se, então, de presunção relativa. Ora, mas se há essa presunção de constitucionalidade, porque propor ADC, se já se pressupõe que a lei seja constitucional? Não faria sentido ficar propondo ADC de todas as leis que surgissem, porque, em princípio, todas já são constitucionais. É muito mais lógico propor ADI quando se quer desconstituir essa presunção para expurgar a lei do ordenamento jurídico, mas a ADC tornar-se-ia desnecessária, justamente pelo princípio da constitucionalidade das leis.

Exatamente por isso é que, na ADC, existe um pressuposto de admissibilidade que não existe na ADI. É necessário, para se propor a ADC, que haja controvérsia judicial relevante. Se a lei já se presume constitucional e se ninguém está discutindo judicialmente a constitucionalidade daquela lei, não se justifica propor ADC. Caso contrário, o STF viraria um órgão de consulta para ratificar a constitucionalidade das leis. Portanto, para que o STF seja provocado em ADC, existe o requisito de admissibilidade da necessária existência de controvérsia judicial sobre a lei em relação a qual se deseja a afirmação expressa de sua constitucionalidade. Já para a ADI, ao contrário da ADC, não precisa, obviamente, desse requisito de admissibilidade, porque a ADI serve exatamente para desconstituir a presunção relativa de constitucionalidade. Para que o STF não vire órgão de consulta, só se justifica a sua provocação se existir uma controvérsia judicial relevante, que justifique a medida judicial. Assim, se houver vários órgãos do Judiciário proferindo decisões divergentes, nesse caso se justifica mover ADC perante o STF.

No resto, fora esse pressuposto de admissibilidade (controvérsia judicial relevante), a ADC se assemelha à ADI quanto à natureza do objeto, aos limites temporais e ao prisma de apuração, só não quanto ao limite espacial. Por isso, deixamos de comentar sobre aquilo que é idêntico entre ADI e ADC, porque todo o exposto para uma serve para a outra, sem ressalvas. Tanto é assim que uma só lei (Lei n. 9868/99) serve ambas. A única diferença, então, reside no pressuposto de admissibilidade e no limite espacial da ADC. Visto o primeiro, siga-se ao segundo ponto de divergência.

4.2.    Limite Espacial na ADC:

No que se refere ao aspecto espacial do objeto no controle abstrato, temos que, quanto ao âmbito federal, a ADI admite lei ou ato normativo federal ou estadual em face de Constituição Federal. Já em relação à ADC a situação muda. É que a ADC só admite lei ou ato normativo federal em face da Constituição Federal. Essa conclusão decorre do art. 102, I, “a”, o qual dispõe expressamente nesse sentido, restringindo a ADC à objeto federal. Ou seja, quanto ao aspecto espacial, a ADI é mais ampla que a ADC. Enquanto a ADI abrange objeto federal e estadual em face da Constituição Federal, a ADC abrange objeto tão sometne federal em face da Constituição Federal. Isso significa que uma lei ou ato normativo estadual que na ADI pode ser impugnado, na ADC isso nao ocorre, porque o objeto da ADC é somente lei ou ato normativo federal, ficando de fora o objeto que seja estadual.

Qual a razão dessa diferença? Quando a ADC foi criada, com a Emenda 03/93, só havia quatro legitimados para propô-la, todas autoridades federais: Presidente, Procurador-Geral da República, Mesa da Câmara e Mesa do Senado. Não havia autoridades estaduais como legitimados. O seu objeto era apenas a lei ou ato normativo federal. Com a EC 45/04, veio a proposta de igualar a ADI e a ADC, tanto com relação aos efeitos da decisão, como também em relação aos legitimados, bem assim também quanto ao objeto. Na proposta que deu origem à Emenda 45, tinha também a previsão de que o objeto da ADC passaria a ter o mesmo limite espacial da ADI, o que abrangeria as leis e atos normativos, também, estaduais. Só que, nesta parte, teve emenda do Senado e teve que retornar para a Câmara. É a PEC 29/2000, que está em votação na Câmara dos Deputados. Essa PEC 29/00 é uma parte da EC-45 que voltou para a Câmara novamente e criou essa distorção no sistema. Na verdade, a intenção da EC-45 era igualar completamente as duas ações (efeitos, legitimados, objeto), salvo no que tange ao pressuposto de admissibilidade da necessária existência de controvérsia judicial relevante e a desnecessidade de participação do Advogado Geral da União na ADC. Contudo, essa proposta ainda não foi aprovada.

Assim, se no que se refere aos legitimados e aos efeitos não há diferença, mas no aspecto espacial do objeto a ADC ainda diverge da ADI. Logo, enquanto a ADC só aceita como objeto lei ou ato normativo federal em face de Constituição Federal, a ADI é mais ampla e permite como objeto lei ou ato normativo federal e também estadual, em face da Constituição Federal. Na verdade, como ADI e ADC são ações com mesma natureza, não há razão para diferença quanto ao objeto. Já no que se refere ao paradigma estadual essa divergência não existe. Assim, ADI e ADC, tendo por objeto lei ou ato normativo em face de Constituição Estadual, todas duas aceitam objeto estadual ou municipal. Portanto, o objeto na ADC pode ser lei ou ato nromativo apenas federal em face de Constituição Federal, ou então, lei ou ato normativo estadual e municipal em face de Constituição Estadual.


5. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF)

Além da ADI e da ADC, temos também a ADPF, prevista no art. 102, §1°, da Constituição Federal: ”A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei”. Enquanto ADI e ADC estão regulamentadas na Lei n. 9868/99, a ADPF está regulada na Lei n. 9882/99. De fato, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fudamental (ADPF) tem muitos características diferentes da ADI e da ADC. Se ADI e ADC são bem próximas, a ADPF já possui várias diferenças em relação àquelas. Não é por outro motivo que existe uma lei específica regulando a ADPF (Lei n. 9882/99), e outra lei que se aproveita para ADI e ADC (Lei n. 9868/99).

Uma primeira grande diferença fundamental para o correto entendimento desta espécie de ação em controle abstrato é que a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) não é uma arguição de descumprimento de “constitucionalidade”, mas sim, uma arguição de descumprimento de “preceito fundamental”. Ou seja, enquanto o parâmetro de controle da ADI e da ADC, como se sabe, é qualquer norma formalmente constitucional, inclusive os princípios implícitos e os tratados de direitos humanos com status constitucional, formando o chamado bloco de constitucionalidade, na ADPF, por sua vez, o parâmetro é um “preceito fundamental”. Na verdade, todo preceito fundamental é uma norma formalmente constitucional, integra o bloco de constitucionalidade, mas nem toda norma constitucional é um preceito fundamental. Logo, não é qualquer norma formalmente constitucional que servirá de parâmetro para a ADPF.

Portanto, isso significa que, no que se refere ao parâmetro de controle, a ADPF é mais restrita que a ADI e a ADC, porque enquanto nestas pode-se impugnar uma lei ou ato normativo em face da Constituição Federal como um todo, considerando todas as normas formalmente constitucionais integrantes do bloco de constitucionalidade, na ADPF, por seu turno, será possível arguir o descumprimento de lei ou ato normativo em face apenas de “preceito fundamental”, parte menor contida no todo das normas constitucionais. Assim, nem toda norma integrante do bloco de constitucionalidade é um preceito fundamental, logo, a ADI e a ADC possuem parâmetro de controle mais abrangente do que a ADPF.

A questão se conloca, então, é: o que é um preceito fundamental? A rigor, não há conceito preciso retirado da Constituição Federal, tampouco da Lei 9882/99 que regula a ADPF. Coube à doutrina e jurisprudência fazê-lo. Consideram-se preceito fundamental as normas imprescindíveis à identidade e ao regime adotado pela Constituição. Quer dizer, é uma parte menor integrante da Constituição que lhe cofere a sua essência. Mas, a rigor, não existe um conceito legal de quais as normas constitucionais são exatamente preceitos fundamentais. Na ADPF n°. 01 julgada no âmbito do STF, inclusive, ficou consignado que somente o próprio STF, como guardião da Constituição, é quem poderia dizer quais são os preceitos fundamentais constitucionais, aquelas normas que conferem identidade e são a essência do regime constitucional.

De todo modo, já existem alguns dispositivos constitucionais que são, inegavelmente, considerados preceitos fundamentais. Seria o caso, por exemplo, dos princípios, objetivos e fundamentos da Constituição, previstos nos arts. 1º a 4º, bem como os direitos e garantias fundamentais espalhados por toda a Constituição, sobretudo do art. 5° até o art. 17, ou ainda, os princípios constitucionais sensívels, previstos no art. 34, VII, da Constituição, assim como as cláusulas pétreas contidas no art. 60, IV. Enfim, todos estes são exemplos claros de preceitos fundamentais, o que não significa que só existam estes, porque cabe ao Supremo definir, mas, obviamente, essas são, sem dúvida alguma, normas constitucionais que se constituem claramente em preceitos fundamentais.

Vale ressaltar que preceito não se confunde com princípio. Preceito é sinônimo de norma. E norma pode ser tanto princípio quanto regra. Então, é perfeitamente possível ter uma norma-regra que seja considerada preceito fundamental. Logo, temos preceitos que são princípios, mas temos também preceitos que são regras. O que importa é que não será cabível uma ADPF em face de dispositivo constiucional que não seja um preceito fundamental. O parâmetro de controle na ADPF é mais restrito que na ADI e ADC, porque apenas a violação de preceito fundamental é passível de ADPF. Partindo desse pressuposto, se o parâmetro de controle da ADPF é mais restrito que na ADI e na ADC, poderia-se, então, indagar: porque criar a ADPF, se já existe ADI e ADC e o parâmetro de controle destas abrange àquela?

Ocorre que, como sabemos, para o exercício do controle de constitucionalidade, precisamos de dois elementos: objeto e parâmetro. No que se refere ao parâmetro, a ADPF é mais restrita do que a ADI e ADC, porque o parâmetro são apenas as normas constitucionais que revelam preceitos fundamentais. Contudo, no que se refere ao objeto, a lógica se inverte, a ADPF é mais abrangente do que a ADI e a ADC. Quer dizer, outros objetos que não podem ser impugnados via ADI ou ADC, poderão sê-lo via ADPF. Então, temos na ADI e na ADC menos objetos podendo ser impugados em face de um parâmetro maior (todas as normas formalmente constitucionais), já na ADPF, é o inverso, mais objetos podem ser impugnados em face de um parâmetro menor (somente preceitos fundamentais). Daí reside a razão de existir da ADPF: objetos que não poderiam ser impugnados via ADI e ADC, poderão ser levados ao STF por meio de ADPF.

Isso ocorre porque a ADPF é uma arguição de “descumprimento”, e não de “constitucionalidade ou inconstitucionalidade”. Quer dizer, enquanto a ADI é uma ação direta de “inconstitucionalidade” e a ADC é uam ação direta de “constitucionalidade”, a ADPF é uma arguição de “descumprimento” de preceito fundamental. Não é uma “AIPF” (arguição de “inconstitucionalidade” em face de preceito fundamental), mas “ADPF” (arguição de “descumprimento” de preceito fundamental). Na verdade, descumprimento é um conceito mais amplo do que inconstitucionalidade, abrangendo esta última. Quer dizer, toda inconstitucionalidade vai ser necessariamente um descumprimento, mas a recíproca nem sempre será verdadeira, isto é, nem todo descumprimento será uma inconstitucionalidade. É possível descumprir a ordem constitucional sem necessariamente incidir em uma inconstitucionalidade

. Para se ter uma inconstitucionalidade, em principio, sabemos que somente um ato legislato do Poder Público pode ser utilizado como objeto, ou seja, só uma lei ou ato normativo pode ser considerado inconstitucional, porque a inconstitucionalidade, como vimos na análise da natureza do objeto da ADI e ADC, pressupõe um objeto cuja natureza seja legislativa (atos normativos primários constantes do rol do art. 59 da CF/88). Já no descumprimento isso não ocorre. Não estamos falando mais de inconstitucionalidade, mas de descumprimento, e qualquer ato do Poder Público (inclusive com natureza não legislativa) pode descumprir a ordem constitucional, sem que incida propriamente em inconstitucionalidade. Por outro lado, a inconstitucionalidade abrange só objetos federais e estaduais em face da Constituição Federal, já no descumprimento isso não ocorre. Um ato do Poder Público municipal pode descumprir a ordem constitucional. Ademais, para se ter inconstitucionalidade, sabemos que esta tem que ser originária, porque não existe no direito brasileiro inconstitucionalidade superveniente, nesse caso há não recepção, já para descumprimento não há essa restrição, uma norma anterior ao parâmetro, embora não possa ser considerada inconstitucional, pode estar descumprindo a ordem constitucional.

Portanto, de tudo isso se percebe que o objeto da ADPF é muito mais amplo do que o da ADI e da ADC, pelo simples fato de que a ADPF é uma Arguição de “Descumprimento” e não uma Ação Direta de “Inconstitucionalidade”. O objeto é mais amplo no que se refere à três limites vistos atrás: natureza do objeto, limite espacial e limite temporal. Só não há diferença quanto ao prisma de apuração, porque o controle abstrato, inclusive em ADPF, exige ofensa direta à Constituição. Mas a ADPF abrange mais situações que a ADI e ADC, daí a sua razão de existência. Tanto ADI, ADC e ADPF, têm por finalidade assegurar a supremacia da Constituição, mas possuem enfoques distintos. Vejamos, pois, as particularidades da ADPF:

5.1.    Pressuposto de Admissibilidade da ADPF:

Assim como ocorre na ADC, onde temos pressuposto para a sua admissibilidade (controvérsia judicial relevante), também na ADPF temos um requisito prévio para a ação ser admitida. É que, como o objeto da ADPF é bem mais amplo, é necessário que seja observado, como pressuposto de admissibilidade para esta ação, o seu caráter subsidiário, como previsto na Lei n. 9882/99, no seu art. 4º, §1º: “Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”. Trata-se do chamado princípio da subsidiariedade na ADPF, fundamental para se entender quando será cabível ADC, ADI ou ADPF. Esse caráter subsidiário vai determinar quando a ADPF será cabível ou não.

Por esse pressuposto do necessário caráter subsidiário da ADPF, temos que este tipo específico de ação só é cabível quando não existir outro meio igualmente eficaz para sanar a lesividade. Na verdade, o caráter subsidiário não significa a inexistência de outro meio, mas a inexistência de outro meio eficaz para sanar a lesividade. Então, para o exame de admissibilidade da ADPF não basta verificar a mera existência, em tese, de outro meio para sanar a lesividade, mas ainda, que esse meio seja igualmente eficaz, só assim não caberá ADPF. Se existir outro meio, mas este for ineficaz, ou tiver eficácia insuficiente, então caberá a ADPF. Atualmente, o STF vem entendendo que esse outro meio processual, para ser igualmente eficaz, tem que ter a mesma efetividade, amplitude e imediaticidade da ADPF. Não é simplesmente a existência de outro meio processual cabível à hipótese que elimina o cabimento de ADPF, mas o caráter de subsidiariedade desta, segundo o entendimento do STF, deve ser visto sob dois fatores: existência de outro meio processual e igual eficácia deste (efetividade, amplitude, imediaticidade).

Obviamente, levando em conta a ADI e a ADC, se qualquer uma das duas couberem, descabe ADPF, porque aquelas possuem a mesma eficácia (efetividade, amplitude e imediaticidade) que esta. Na verdade, quando se fala em outro meio igualmente eficaz geralmente está-se falando praticamente da possibilidade de ADI ou ADC. Quer dizer, via de regra, o meio para ser igualmente eficaz, tem que ser também uma ação de controle abstrato (efeito erga omnes, vinculante). Dificilmente outro meio processual (habeas corpus, mandado de segurança, etc.) terá a mesma efetividade, amplitude e imediaticidade da ADPF, que não seja um instrumento de controle abstrato (ADI ou ADC). Isso não significa, contudo, que seja impossível encontrar outro meio igualmente eficaz. A rigor, o STF não exige que o instrumento seja de controle abstrato concentrado para ser considerado eficaz de forma a afastar o cabimento da ADPF. O que o STF entende é que tem que ter a mesma efetividade, imediaticidade e amplitude da ADPF.

Aliás, há um exemplo na jurisprudência do Supremo de um mecanismo que é cabível e igualmente eficaz (mesma amplitude, efetividade, imediaticidade) e que já chegou a afastar o cabimento da ADPF por faltar-lhe o requisito de admissibilidade da subsidiariedade, mas que não se trata de outra ação própria de controle de constitucionalidade. Foi o caso em que o objeto da ADPF envolvia uma súmula vinculante, pediu-se que a súmula vinculante fosse considerada incompatível com a Constituição, por meio de ADPF. Porém, na Lei 11417/06, que regula o instituto da súmula vinculante, há expressa previsão de outro meio processual específico para se combatê-la, que se trata do pedido de revisão ou cancelamento da súmula. Como na lei existe um meio tão eficaz, não cabe ADPF, porque para esta se exige o requisito de admissibilidade da subsidiariedade (art. 4°, §1°, Lei 9882/99). Assim, o STF entendeu que súmula vinculante não pode ser objeto de ADPF. Assim, embora essa seja uma hipótese rara de ser observada, se algum outro meio, diverso de ação de controle abstrato, em determinado caso tiver a mesma efetividade, imediaticidade e amplitude de uma ADPF, então esta não será cabível, por faltar-lhe o pressuposto da subsidiariedade.

5.2.    Natureza do Objeto da ADPF:

Vimos atrás que, tanto na ADI como na ADC, por força do art. 102, I, “a”, da Constituição Federal, o objeto dessas ações não é qualquer ato do Poder Público, mas exclusivamente um ato de natureza legislativa, isto é, “lei ou ato normativo”. Ocorre que na ADPF é diferente, o objeto é mais amplo quanto à sua natureza. Para fins de ADPF, o objeto não precisa ser necessariamente lei ou ato normativo, sendo possível a impugnação de qualquer ato do Poder Público. Portanto, o objeto da ADPF pode ser uma lei ou um ato normativo, mas também pode ser qualquer ato do Poder Público, mesmo que não tenha natureza legislativa, isto é, ainda que não seja uma lei ou ato normativo. Qualquer ato do Poder Público, portanto, pode ser objeto de ADPF.

Isso ocorre justamente porque na ADPF não se impugna uma inconstitucionalidade, esta sim exigiria como objeto um ato de natureza legislativa, mas aqui combate-se um descumprimento, nesse caso qualquer ato do Poder Público pode descumprir a Constituição. Ademais, diferentemente da ADI e ADC, no que se refere à ADPF a Constituição não regula expressamente o seu objeto, mas tão somente se limita, no art. 102, §1°, a dispor que: “A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei”. Ou seja, coube à Lei n. 9882/99, que trata da ADPF, regulamentar o seu objeto. E nos termos do art. 1°, caput, da referida Lei, temos que o objeto da ADPF pode ser qualquer ato do Poder Público, não se restringindo apenas aos atos de natureza legislativa (lei ou ato normativo), dispondo-se nos seguintes termos: “A argüição prevista no §1° do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público”. Observe-se, portanto, que a parte final do dispositivo é clara ao dispor que o “ato do Poder Público“ poderá ser arguido mediante ADPF se causar lesão à preceito fundamentao.

A natureza do objeto na ADPF, então é qualquer ato do Poder Público, e não apenas os atos do Poder Público de natureza legislativa (lei ou ato normativo). A consequência prática disso é que, se na ADI e ADC somente os atos legislativos do Poder Público (leis e atos normativos) poderiam ser objeto de controle, logo, os atos do Poder Público de natureza administrativa e judicial nunca poderiam ser impugnados em sede de ADI ou ADC. Já na ADPF isso, em tese, é possível. Atos administrativos e decisões judiciais, como são atos do Poder Público, podem ser objeto de ADPF, embora sejam destituísdos de natureza de ato legislativo. Exemplo disso foi a ADPF n°. 101, que questionava a importação de pneus usados, julgada procedente sob o fundamento de violação do direito fundamental à saúde, considerado um preceito fundamental. O objeto impugnado nesta ADPF foi uma decisão judicial. É, inclusive, muito comum se encontrar ADPF que tem por objeto decisões judiciais, o que seria inimaginável em ADI ou ADC. Portanto, o objeto na ADPF (ato do Poder Público) é muito mais amplo que na ADI e na ADC (lei ou ato normativo). Contudo, vale ressaltar que, apesar de “ato do Poder Público” se tratar de uma expressão bastante ampla, o que inclui também atos de natureza administrativa e judicial, o Supremo Tribunal Federal vem afastando alguns objetos, os quais, no entendimento da Corte Maior, não poderiam ser impugnados em ADPF.

São exemplos em que o cabimento de ADPF é inadmitido pelo STF: (a) Súmulas: no que se refere às súmulas vinculantes, como já visto, falta o requisito da subsidiariedade, já com relação às súmulas comuns, entende o STF que, como elas são apenas uma consolidação de um entendimento judicial no tempo, é o próprio judiciário que deve verificar se aquele entendimento deve ou não ser abandonado, não sendo cabível em ADPF, diferente do que ocorre nas decisões judiciais; (b) Proposta de Emenda Constitucional (PEC): a proposta de emenda não é um ato do Poder Público completo e acabado, trata-se ainda de ato que está em formação, por isso não pode ser objeto de controle abstrato; (c) Veto: nesse caso, já em duas decisões (ADPF nºs. 01 e 73) o STF expressamente fixou entendimento no sentido de que o veto não pode ser objeto de ADPF, por ser ato de natureza política, discricionária do Chefe do Executivo; (d) Atos Tipicamente Regulamentares: em duas decisões (ADPF nºs. 169 e 192) o STF já se posicionou contra o recebimento de ADPF tendo por objeto um ato tipicamente regulamentar, porque se exige ofensa direta à Constituição, inclusive em ADPF (prisma de apuração idêntico à ADI e ADC), salvo se um ato administrativo incidir excepcionalmente em violação direta.

Ressalte-se, ainda, que a jurisprudência do STF e parte da doutrina prevêem duas hipóteses de cabimento para a ADPF, a partir da leitura do art. 1° da Lei 9882/99, que assim diz: “Art. 1° A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental: I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição”. Daí se conclui que são duas as suas hipóteses de cabimento: ADPF autônoma (Lei 9.882/99, art. 1º, caput) e ADPF incidental (Lei 9.882/99, art. 1º, § único). A rigor, o Supremo Tribunal Federal não faz distinção entre os objetos das duas ações (lei, ato normativo ou ato do poder público federal, estadual ou municipal, anterior ou posterior). Ou seja, embora existam duas espécies, podemos compreender como se fosse uma só, porque o objeto é o mesmo para ambas. A subdivisão é muito mais acadêmica e didática, do que propriamente jurídica. Na prática, são idênticos o objeto, os legitimados, o processamento e os efeitos da ADPF autônoma e ADPF incidental.

5.3.    Limite Espacial na ADPF:

No que se refere ao aspecto espacial do objeto no controle abstrato, temos que, quanto ao âmbito federal, a ADI só admite lei ou ato normativo federal ou estadual em face de Constituição Federal, enquanto a ADC ainda é mais restrita, só admite lei ou ato normativo federal em face de Constituição Federal. No que se refere à ADPF, porém, a situação muda. É que a ADPF também admite objeto (ato do Poder Público) municipal em face de preceito fundamental da Constituição Federal. Quer dizer, poder ser impugnado em ADPF um ato do Poder Público federal, estadual ou municipal em face da Constituição Federal. Aqui, entra o caráter subsidiário da ADPF, porque um objeto municipal não pode ser objeto de ADC ou ADI, mas pode sê-lo em sede de ADPF. O próprio art. 1°, §único, da Lei 9882/99, afirma expressamente que caberá argüição de descumprimento de preceito fundamental sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal. Por ouro lado, tanto ADI como ADC admitem lei ou ato normativo estadual ou municipal em face de Constituição Estadual. Já a ADPF não se admite em face de Constituição Estadual, em nenhuma hipótese.

5.4.    Limite Temporal na ADPF:

A ADPF, como já se sabe, não combate uma inconstitucionalidade, cuidando de arguir um descumprimento, conceito mais amplo que aquele. Isto Toda inconstitucionalidade vai ser necessariamente um descumprimento, mas nem todo descumprimento será inconstitucionalidade. Por exemplo, uma lei anterior à Constituição não pode ser considerada inconstitucional, porque não há inconstitucionalidade superveniente, trata-se de caso de não recepção. Mas se há a aplicação de uma lei anterior à Constituição, considerando-se ser essa lei recepcionada, quando na verdade trata-se de uma lei incompatível com a Constituição, nesse caso ocorrerá um descumprimento. Não é inconstitucionalidade, mas é descumprimento. Essa lei anteror não poderá ser objeto de ADI e ADC, mas será excepcionalmente possível na ADPF.

Por isso, a ADPF é uma exceção à regra geral de que, para fins de controle abstrato de constitucionalidade, o objeto tem que ser posterior ao parâmetro, como ocorre na ADI e ADC. Na verdade, como na ADPF falamos de arguição de descumprimento, e não inconstitucionalidade, nesse caso podemos ter um descumprimento de um objeto anterior ao parâmetro, O que não há no direito brasileiro é inconstitucionalidade superventiente, mas agora estamos falando de descumprimento. Portanto, cabe perfeitamente ADPF impugnando um objeto precedente ao parâmetro de controle. Enquanto a inconstitucionalidade só existe se o objeto for posterior ao parâmetro, o descumprimento pode ocorrer com o objeto anterior ou posterior ao parâmetro. Só não existe descumprimento, obviamente, em face de norma constitucional já foi revogada, logo, o parâmetro de controle necessariamente tem que ser referente à ordem constitucional vigente. Mas em se tratando de um objeto supostamente não recepcionado, será cabível ADPF, o que significa que este meio processual é hábil a ser manejado para impugnar um objeto que seja tanto anterior como posterior a um parâmetro de controle vigente.

Nesse sentido, o próprio art. 1°, §único, da Lei 9882/99, afirma expressamente que caberá argüição de descumprimento de preceito fundamental inclusive de normas anteriores à Constituição. Por isso é que, enquanto ADI e ADC possuem como limite temporal uma inconstitucionalidade originária (objeto necessariamente posterior ao parâmetro), já que não há inconstitucionalidade superveniente, e sim não recepção, na ADPF, por sua vez, será possível o objeto ser também anterior ao parâmetro, porque nesse caso temos descumprimento (e não inconstitucionalidade), que pode ocorrer com objeto anterior ao parâmetro. Então, por exemplo, uma lei de 1990 só poderá ser impugnada via ADPF em face de uma norma incluída no texto constitucional pela Emenda Constitucional de 1993. Uma ADI ou ADC não se presta à hipótese, porque nesses casos o objeto tem que ser posterior ao parâmetro, seja este norma constituinte originária ou derivada. Somente na ADPF é possível objeto que seja anterior ao parâmetro. Se naquele exemplo anterior fosse proposta uma ADI, não seria possível a continuidade da ação nessas condições, cabendo ao STF invocar o princípio da fungibilidade para transformá-la em ADPF, sempre que possível. Na verdade, ADI, ADC e ADPF, são ações consideradas fungíveis, desde que respeitados os requisitos de cada espécie.


6. CONCLUSÃO

Por todo o exposto, buscamos apresentar neste breve trabalho um estudo comparado entre as ações próprias de controle de constitucionalidade, facilitando a compreensão deste tema de fundamental importância no direito constitucional contemporâneo. Compilando tudo o que foi analisado, podemos estabelecer o seguinte quadro resumo, conforme segue abaixo:

Limites/Ações

ADI

ADC

ADPF

Pressuposto de Admissibilidade

-

controvérsia judicial relevante

inexistência de outro meio igualmente eficaz

Parâmetro de Controle

Normas formalmente constitucionais integrantes do bloco de constitucionalidade

Normas constitucionais de preceito fundamental

Legitimados

Todos os legitimados do rol do art. 103 da Constituição Federal

Natureza do Objeto

Somente atos de natureza legislativa do Poder Público (lei ou ato normativo)

qualquer ato do Poder Público

Limite Espacial

Lei ou ato normativo federal ou estadual em face da Constituição Federal; e lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da Constituição Estadual

Lei ou ato normativo federal em face da Constituição Federal; e lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da Constituição Estadual

Lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal em face da Constituição Federal

Limite Temporal

Somente inconstitucionalidade originária (objeto posterior ao parâmetro)

Cabível também para normas anteriores à Constituição (objeto posterior ou anterior ao parâmetro de controle

Prisma de Apuração

Somente violação direta à Constituição Federal (espécies normativas do art. 59 da CF/88 e atos normativos infralegais que violem diretamente a CF/88)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27ª ed. Atlas, 2011.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6ª ed. Método, 2012.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34ª ed. Malheiros, 2011.


Autor

  • Francisco Gilney Bezerra de Carvalho Ferreira

    Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Direito Público pela Faculdade Projeção e MBA em Gestão Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Engenharia Civil pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Procurador Federal em exercício pela Advocacia-Geral da União (AGU) e Professor do Curso de Graduação em Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF-Sobral/CE).

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Francisco Gilney Bezerra de Carvalho. Estudo comparado das ações próprias em controle de constitucionalidade . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3812, 8 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26029. Acesso em: 28 mar. 2024.