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Liberdade provisória em crimes hediondos

Liberdade provisória em crimes hediondos

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INTRODUÇÃO

Com o advento da Lei 8072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), mais precisamente do art. 2°, II, vedou-se a possibilidade de concessão de liberdade provisória nos casos de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo.

Ocorre que, desde a sua edição, a referida lei vem instigando o ânimo crítico dos doutrinadores, principalmente no que tange à incompatibilidade entre o dispositivo limitador e os princípios consagrados pela Constituição Federal de 1988.

Concernentes a esta questão existem diversas linhas de pensamento, mas todas voltadas para dois posicionamentos divergentes: o daqueles que acreditam que a vedação da liberdade provisória não contraria a Constituição e, contrapartida, o dos que vêem o dispositivo como uma verdadeira afronta aos princípios constitucionais e ao caráter de exceção das prisões cautelares.

O presente trabalho tem por objetivo realizar uma análise crítica do dispositivo da Lei de Crimes Hediondos que veda a concessão de liberdade provisória, buscando encontrar a sua contrariedade ao ordenamento jurídico nos princípios constitucionais, na essência do instituto da liberdade provisória e na natureza exceptiva das prisões cautelares.


1 NOÇÕES GERAIS ACERCA DA LIBERDADE PROVISÓRIA

A prisão processual é um mal irreparável, causadora de sofrimentos morais, físicos e materiais, que atinge um homem ainda não definitivamente condenado e que só se justifica nos casos de absoluta necessidade. [01]

A liberdade provisória, por sua vez, é um instrumento de substituição da prisão processual, em que o acusado aguarda o julgamento em liberdade, mediante a observância de regras determinadas pelo juiz, não precisando sofrer com as mazelas do cárcere. A sua origem remonta a Grécia e Roma Antiga; no Brasil, por sua vez, os sucedâneos das prisões cautelares, já existiam ao tempo da legislação colonial. [02]

Seja com maior ou menor intensidade, é perceptível que sempre se preocupou com o direito do acusado só vir a ser preso após o trânsito em julgado de uma sentença condenatória, principalmente em razão da possibilidade de se imputar uma verdadeira sanção, que é a prisão processual, a um inocente.

Tendo por base essa idéia de que só a condenação justifica o cárcere, a prisão processual, também por representar uma aflição injusta, tem de ser entendida como verdadeira exceção, enquanto a liberdade provisória, ao contrário, como regra processual.

Alguns doutrinadores, entre os quais Alberto Silva FRANCO [03], defendem que provisória é a prisão e jamais a liberdade, sendo esta definitiva até a irrevogabilidade de eventual condenação; razão pela qual seria mais correto falar-se em liberdade limitada ou vinculada, ao invés de provisória.

Contudo, antes da edição da Lei 6416/1997 e da promulgação da Constituição Federal de 1988 vigorava uma inversão de valores, pois a liberdade provisória é que era considerada medida de exceção.

Porém, já com a inserção do parágrafo único ao artigo 310 do Código de Processo Penal, pela citada Lei 6416/1997, e, posteriormente, com a consagração constitucional dos princípios da presunção de inocência, devido processo legal, dignidade da pessoa humana, entre outros; a liberdade provisória passou definitivamente a ser a regra, sobrepondo-se à prisão processual, segregada esta aos casos de justificada necessidade.

É importante perceber, outrossim, que a produção legislativa que versa sobre prisão processual e liberdade provisória sofre "a carga emotiva do momento político, social e econômico do País, gerando normas casuísticas, medidas provisórias e leis (e até normas constitucionais), o que dificulta ainda mais uma formulação sistemática e coerente do tema". [04]

Justamente por essa desestruturação sistemática da legislação é que a liberdade provisória deve sempre ser abordada à luz dos princípios constitucionais informativos.

1.1.CONCEITO

Para se entender a extensão de um instituto e a sua compatibilidade com outros institutos do ordenamento jurídico é necessário, em primeiro lugar, conceituá-lo.

Em síntese pode-se dizer que a liberdade provisória é o direito que o acusado tem de responder ao processo penal em liberdade, observados os requisitos legais, em substituição antecedente à prisão processual, quando esta não se justificar como instrumento processual necessário.

O doutrinador Vicente GRECO FILHO ensina que [05]:

Os casos de liberdade provisória, portanto, têm, sempre, como antecedente, uma hipótese de prisão provisória, que é substituída por ela, por que a lei considera a prisão processual desnecessária. Da mesma forma que os casos de prisão provisória trazem a presunção de necessidade, os de liberdade provisória trazem a de desnecessidade. Em princípio, como se disse para a prisão, essas presunções não são absolutas.

Na verdade, é a liberdade provisória instrumento apto a evitar que uma prisão cautelar se realize de forma indevida, sem qualquer fundamento legal; servindo também para impedir que uma pessoa seja levada ao cárcere sem razão, o que acarretaria um sofrimento injustificado e muitas vezes irreparável. É, ainda, regra afirmativa de princípios constitucionais como os da legalidade, presunção de inocência e devido processo legal.

Interessante citar o conceito de liberdade provisória dado pelo doutrinador Julio Fabrinni MIRABETE [06]:

[...] Por esse instituto, o acusado não é recolhido à prisão ou é posto em liberdade quando preso, vinculado ou não a certas obrigações que o prendem ao processo e ao juízo, com o fim de assegurar a sua presença ao processo sem o sacrifício da prisão provisória. É, pois, um estado de liberdade que pode estar gravado nas condições e reservas que tornam precário e limitado o seu gozo.

Importante frisar, ademais, que a liberdade provisória é um direito e não um mero benefício sujeito à discricionariedade do juiz. Neste sentido leciona Alberto Silva FRANCO [07]:

Por outro lado, não é possível considerar a liberdade provisória como um mero benefício, como aquela "melhoria do ‘status subjetivo’ decorrente da ‘passagem de uma situação de completa custódia e isolamento para uma outra de liberdade, embora limitada´." (Bellavista, ob. cit., p. 565). Na verdade, se falta título para a mantença da custódia cautelar e se o agente atende às exigências expressas em lei, a liberdade conseqüente deve ser encarada antes como um direito à soltura do que como um simples benefício a critério exclusivo do juiz.

Como visto, em essência, a liberdade provisória é o direito que tem o acusado de não ser preso cautelarmente, desde que não haja, no caso concreto, causa legal justificadora da necessidade da prisão.

Relevante ressaltar mais uma vez que a regra a ser observada é a de manutenção da liberdade, enquanto as hipóteses de prisão processual devem ser entendidas como medidas legais de exceção.

1.2.MODALIDADES

Em regra, as hipóteses de liberdade provisória podem ser classificadas em: liberdade provisória com fiança e liberdade provisória sem fiança, podendo ser esta última: vinculada ou não vinculada.

Considerando-se os dispositivos do Código de Processo Penal, têm-se as seguintes hipóteses de liberdade provisória: a) em que o réu se livra solto, garantindo-se a liberdade sem fiança e sem vinculação (art. 321); b) vinculada sem fiança (arts. 310, parágrafo único; 408, § 2° e 594); c) com fiança (arts. 322 a 349).

Outra classificação doutrinária separa as hipóteses de liberdade provisória em: obrigatória e permitida; mas parece que tal classificação não possui valor prático, pois partindo-se do pressuposto de que a liberdade provisória é um direito do acusado e não um mero benefício, ela sempre será obrigatória, restando prejudicada a classificação. [08]

Para o presente estudo faz-se desnecessária a análise minuciosa de cada uma das hipóteses de liberdade provisória, porém indispensável analisar o disposto no art 310, parágrafo único do Código de Processo Penal, que instituiu a liberdade do acusado, sem fiança e vinculada, como regra substitutiva da prisão processual.

Como já dito, sempre que a prisão processual, no caso a preventiva, não se justificar e, ainda, o réu não se livrar solto ou pagar fiança, deve ser colocado em liberdade provisória vinculada e sem a necessidade de pagar fiança, nos termos do artigo 310, parágrafo único.

Assim, com a disposição do referido artigo, tem-se a liberdade como situação a ser garantida e a prisão como uma possibilidade nos casos em que for necessária, sempre devendo ser fundamentada pelo juiz.

É óbvio, diante dessas considerações, que o parágrafo único do art. 310 do Código de Processo Penal criou, de um lado, para o indivíduo privado de sua liberdade, o direito subjetivo processual de readquiri-la, desde que não ocorra nenhuma das hipóteses autorizadoras da prisão preventiva, e de outro, para o juiz, o dever de verificar – e, quando necessário, pesquisar – se a prisão em flagrante é necessária, não podendo eximir-se da motivação dessa necessariedade. Assim, num rigor lógico, não pode o magistrado fugir à alternativa. OU a prisão em flagrante não é necessária e, nesse caso, deve ser reconhecido ao preso o direito à liberdade provisória, haja ou não requerimento expresso neste sentido do autuado. OU a prisão em flagrante é necessária e, nessa situação, o juiz deve mantê-la, motivando sua necessariedade. [09]

1.3.PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INFORMATIVOS

Diversos são os princípios constitucionais que informam o instituto processual da liberdade provisória; podendo esta, por si só, também ser considerada um verdadeiro princípio, haja vista o art. 5°, LXVI da Constituição Federal de 1988 estabelecer que "ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança", estando assim incluída no rol de direitos fundamentais. [10]

Analisando-se a liberdade provisória no contexto constitucional, é fácil perceber a sua ligação com três princípios: dignidade da pessoa humana, devido processo legal e presunção de inocência.

Importante se faz a breve análise do conteúdo jurídico de cada um desses princípios e da ligação que possuem com a liberdade provisória.

A dignidade da pessoa humana deve ser entendida como um princípio constitucional basilar, haja vista que todos os outros princípios e normas componentes do ordenamento jurídico se voltam de forma mediata para o fim de garantir a todos uma vida digna. Ou seja, este princípio funciona como um suporte de todos os direitos fundamentais consagrados na Constituição.

Assim, é importante considerar que a privação indevida da liberdade pessoal, não justificada por uma condenação ou por qualquer razão legal, é uma afronta manifesta à dignidade da pessoa humana. Primeiro, em razão das condições subumanas do cárcere e, segundo, por representar a prisão indevida um verdadeiro apenamento de alguém que se encontra em estado de inocência.

Desta forma, deve-se observar que qualquer prisão processual injustificada, bem como a vedação de liberdade provisória, vai de encontro ao princípio da dignidade da pessoa humana.

O princípio do devido processo legal, por sua vez, informa que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5°, LIV da CF/88). Extrai-se daí que a liberdade individual é uma garantia fundamental que só pode cessar após condenação resultante do devido processo. Ou seja, é possível entender que a garantia da liberdade provisória é uma expressão deste princípio constitucional.

Por fim, tem-se o princípio da presunção de inocência ou estado de inocência. Tal princípio visa impedir a adoção de medidas restritivas da liberdade pessoal antes do reconhecimento da culpabilidade, salvo nos casos de absoluta necessidade. [11]

Facilmente se percebe que a presunção de inocência é compatível com a liberdade provisória como regra processual e, contrapartida, vai de encontro às regras de vedação desta.

Entender a indissociável ligação entre a liberdade provisória e os princípios constitucionais acima descritos é extremamente importante a fim de se evitar que as construções doutrinárias e legislativas se realizem em sentido contrário.


2 VEDAÇÃO À LIBERDADE PROVISÓRIA EM CRIMES HEDIONDOS

A Lei 8072/90 que dispõe acerca dos crimes hediondos trouxe uma série de inovações nas esferas penal e processual penal, tornando mais severa a abordagem dos crimes nela referidos.

Entre as suas disposições encontra-se a vedação à concessão de fiança e liberdade provisória nos casos de crime hediondo ou assemelhado.

Por sua vez, o objeto central do presente estudo é a análise crítica da potencial inconstitucionalidade desta vedação e da sua contrariedade ao caráter exceptivo das prisões processuais.

2.1 A REDAÇÃO DO ART. 2°, II DA LEI DE CRIMES HEDIONDOS

O artigo 2°, II da Lei 8072/90 estabelece que "os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: fiança e liberdade provisória".

É de se acreditar que o objetivo do legislador foi o de estabelecer maior rigor ao procedimento criminal referente aos crimes hediondos e assemelhados, buscando evitar a qualquer custo que o acusado se furte da aplicação da lei penal e gere um sentimento de impunidade.

Na verdade, o referido dispositivo, ao vedar a liberdade provisória, funciona como um demonstrativo de que o Estado trata com o rigor devido os crimes que causam maior ojeriza social.

Contudo, como será proposto a seguir, não se pode aceitar, em nome da repressão penal, que um dispositivo ordinário limitador de um direito fundamental como o da liberdade,vá de encontro aos valores processuais e aos princípios constitucionais. Tal situação permite a sobreposição da lei ordinária à Constituição, o que se revela inadmissível.

Claro está que a Constituição permitia a vedação de fiança para os crimes hediondos, mas de forma alguma tal permissivo poderia ter sido interpretado extensivamente para se vedar a concessão de liberdade provisória.

Em crítica à postura legislativa, Alberto Silva FRANCO leciona que:

Antes de mais nada, porque não tem cabimento sua pretensão de estabelecer o sentido de uma norma constitucional atinente a um direito ou garantia, de caráter fundamental. Não tem ele o poder de dispor, a seu bel prazer, do conteúdo de um direito fundamental, nem lhe é atribuída a capacidade de, automaticamente, interpretá-lo. [12]

Na verdade, a lei ordinária pode, sem maiores óbices, prever situações de admissão ou não da liberdade provisória, desde que as hipóteses observem circunstâncias concretas. O que não se pode aceitar é a vedação em caráter genérico e absoluto para certa tipologia de crimes. [13]

2.2 INCONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO

Frente a tudo o que foi exposto nos itens anteriores, resta perceptível que a vedação à concessão de liberdade provisória vai de encontro à norma constitucional, não só desrespeitando o conteúdo de preceitos fundamentais, como afrontando a idéia geral, de liberdade como regra, trazida pela Constituição Federal de 1988.

Como já visto, alguns princípios constitucionais informam o instituto da liberdade provisória, quais sejam: liberdade em si, dignidade da pessoa humana, devido processo legal e presunção de inocência.

A vedação genérica e absoluta do artigo 2°, II da Lei de Crimes Hediondos fere todos estes princípios, pois o conteúdo da lei ordinária não encontra respaldo constitucional.

Ao se analisar cada um dos princípios tem-se que:

a)A idéia geral de liberdade como regra, estabelecida na Constituição e, também, no Código de Processo Penal, permite apenas que medidas privativas ou restritivas de liberdade sejam previstas, em caráter de exceção, quando estritamente necessárias. No caso do dispositivo que veda a possibilidade de liberdade provisória, há uma completa inversão do valor constitucional, pois a prisão processual tornou-se a regra e a liberdade, nem mesmo exceção, mas verdadeira impossibilidade concreta. Ou seja, o dispositivo que veda a liberdade provisória fere claramente o direito fundamental à liberdade;

b)Quanto ao princípio do devido processo legal, este também resta violado com a vedação da liberdade provisória, pois a prisão processual se perfaz em todos os casos [14], atingidos pela Lei de Crimes Hediondos e, o que é pior, sem a observância de qualquer requisito de necessidade. Em síntese, o indiciado ou acusado é mantido na prisão sem que se verifique nenhum procedimento para tal. Ou seja, há uma privação da liberdade, sem o devido processo legal, restando inobservada a regra do artigo 5°, LIV da CF/88. Ademais, bem se sabe que as prisões processuais se fundam em procedimentos justificadores da sua necessidade, o que não ocorre na vedação da liberdade provisória;

c) A prisão processual, em si, não fere o princípio da presunção de inocência, pois é uma medida de cautela, caracterizada pela estrita necessidade, além de não imputar culpa ao acusado. Contudo, a partir do momento em que uma prisão cautelar passa a ser a regra, não precisando mais ser fundamentada na necessidade, aquele a quem se imputa a medida passa a cumprir uma pena injustificada, sem fundamento nenhum, daí restando ferida a presunção de inocência. Isto principalmente porque o acusado estará condenado desde a flagrância e, quem sabe, só após a instrução criminal, possa vir a ser considerado inocente e deixar de cumprir a sua pena.

d)Por fim, levar alguém ao cárcere sem justificativa, sem necessidade e, ainda, sem a observância de qualquer procedimento, simplesmente porque potencialmente cometeu um delito denominado pela lei como sendo hediondo, é impingir um sofrimento físico e psicológico desmedido a esta pessoa. Tal situação chega a ser kafkiana e afronta violentamente a dignidade da pessoa humana.

Traz-se à colação, sobre este assunto, a valiosa lição do doutrinador Alberto Silva FRANCO:

Depois, porque a Lei 8.072/90 afronta a Constituição Federal, sob a ótica do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais correlacionados do devido processo legal, da presunção de inocência e da liberdade provisória. Na medida em que o texto da lei ordinária obsta sem prévia autorização constitucional, a concessão do direito fundamental à liberdade provisória, nos crimes hediondos e a eles equiparados, e na medida em que o mesmo texto transforma o caráter instrumental das medidas cautelares em formas aflitivas de privação da liberdade para atingir objetivos de prevenção penal, a dignidade da pessoa humana, que serve de base a todos os direitos fundamentais, fica em xeque: a prisão cautelar transforma-se numa penalização desnecessária, sem observância do "dues process of law", passível de censura constitucional e, numa condição de culpado, ofendendo-se claramente o princípio da presunção de inocência. [15]

A conclusão a que se chega é a de que o artigo 2°, II da Lei de Crimes Hediondos, ao vedar a concessão de liberdade provisória, vai de encontro aos princípios constitucionais.

O legislador ordinário criou uma regra que contraria a própria estrutura libertária da Constituição Federal de 1988.

2.3 POSTURA DOS TRIBUNAIS

Desde a edição da Lei dos Crimes Hediondos já foram proferidas decisões, acerca da vedação de liberdade provisória, nos mais variados sentidos, umas entendendo pela perfeita regularidade e constitucionalidade da vedação e outras com entendimento em sentido diametralmente oposto.

Infelizmente o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, por diversas vezes, pela constitucionalidade da medida.

Mesmo assim, alguns juízes e tribunais entendem que o dispositivo da Lei de Crimes Hediondos é inconstitucional ou, ainda, que a simples vedação legal não é motivo suficiente para a não concessão da liberdade provisória, devendo ser aplicado o artigo 312 do Código de Processo Penal.

Parte do Superior Tribunal de Justiça já têm decidido neste sentido, que parece ser o mais acertado, podendo-se citar as seguintes decisões:

Exige-se concreta motivação para o indeferimento do benefício da liberdade provisória, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante. O simples fato de se tratar de crime hediondo não basta, por si só, para impedir a liberdade provisória do réu. Precedentes. Deve ser concedida a liberdade provisória ao paciente, determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas pelo Julgador de 1º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta. [16]

O simples fato de se tratar de crime hediondo ou equiparado, in casu, tráfico de entorpecentes, não impede a concessão de liberdade provisória, uma vez constatada a inexistência dos requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva. [17]

É de se acreditar que a liberdade provisória deve ser concedida em todos os casos em que a prisão processual não se justificar necessária, não devendo prevalecer a simples justificativa da vedação legal, pois, como demonstrado, tal vedação fere a estrutura libertária da Constituição de 1988 e diversos outros princípios constitucionais.

No caso concreto os juízes devem atuar com razoabilidade e sempre, que verificarem a desnecessidade da prisão processual, devem conceder os benefícios da liberdade provisória.


CONCLUSÃO

Com o presente estudo constatou-se que a vedação da liberdade provisória, estabelecida no artigo 2°, II da Lei de Crimes Hediondos vai de encontro aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, devido processo legal e presunção de inocência, muito embora o Supremo Tribunal Federal não siga este entendimento.

Ademais, pôde ser verificado que a referida vedação também não encontra respaldo na estrutura libertária da Constituição Federal de 1988 e no caráter de exceção que deve informar as prisões processuais cautelares.

Desta forma, é imperioso concluir que a liberdade provisória pode ser concedida nos casos de crime hediondo, não servindo a simples vedação legal como justificativa suficiente para a não concessão.

No caso, o julgador deve decidir de maneira razoável, pautando-se pela necessidade da prisão cautelar, não ficando adstrito a uma presunção legal absoluta e genérica.

Em síntese, a prisão processual não merece prosperar se não ficar demonstrada a real necessidade, devendo, então, ser concedida a liberdade provisória.

Infelizmente este não é o entendimento majoritário, mas parece ser o mais compatível com a Constituição Federal de 1988 e com as regras processuais atinentes à liberdade provisória e às prisões cautelares.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos : notas sobre a lei 8072/90 . 3.ed. rev. e ampl. São Paulo: RT, 1994.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 6. ed São Paulo: Saraiva, 1999.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 14. ed. rev. e atual São Paulo, Atlas, 2003.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HC 40.932/RR. Rel. Ministro Gilson Dipp - QUINTA TURMA - julgado em 07.04.2005, publicado no DJ em 09.05.2005. p. 445.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. HC 37.445/RJ. Rel. Ministro Paulo Gallotti - SEXTA TURMA - julgado em 01.03.2005, publicado no DJ em 24.10.2005 p. 383.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Pratica de processo penal. 24. ed. rev. aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002.


NOTAS

01 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Pratica de processo penal. 24. ed. rev. aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 404

02 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 14. ed. rev. e atual São Paulo, Atlas, 2003. p. 402

03 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos : notas sobre a lei 8072/90 . 3.ed. rev. e ampl. São Paulo: RT, 1994. p. 78.

04 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 6. ed São Paulo: Saraiva, 1999. p. 261.

05 Idem. p. 280.

06 MIRABETE, Julio Fabrinni. op. cit. p. 405

07 FRANCO, Alberto Silva, op. cit. p. 78.

08 GRECO FILHO, Vicente. op. cit. p. 280.

09 FRANCO, Alberto Silva. op. cit. p. 83.

10 Idem. p. 83.

11 FRANCO, Alberto Silva. op. cit. p. 88.

12 FRANCO, Alberto Silva. op. cit. p. 92.

13 Idem. p. 93.

14 A não ser os casos excepcionados por lei posterior especial, como, defende a maioria da doutrina, ocorreu nos casos de tortura.

15 FRANCO, Alberto Silva. op. cit. p. 93.

16 Superior Tribunal de Justiça. HC 40.932/RR. Rel. Ministro Gilson Dipp - QUINTA TURMA - julgado em 07.04.2005, publicado no DJ em 09.05.2005. p. 445.

17 Superior Tribunal de Justiça. HC 37.445/RJ. Rel. Ministro Paulo Gallotti - SEXTA TURMA - julgado em 01.03.2005, publicado no DJ em 24.10.2005 p. 383.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PELLIZZARO, André Luiz. Liberdade provisória em crimes hediondos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1077, 13 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8522. Acesso em: 29 mar. 2024.