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A Construção Jurisprudencial na Concretização do Direito ao Esquecimento

Reflexões a partir do Tema 786, em Repercussão Geral no Supremo Tribunal Federal

A Construção Jurisprudencial na Concretização do Direito ao Esquecimento. Reflexões a partir do Tema 786, em Repercussão Geral no Supremo Tribunal Federal

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O presente trabalho tem como escopo delinear o Direito ao Esquecimento, como garantia da dignidade da pessoa humana, defronte aos demais direitos da personalidade, sobretudo em face da sociedade predominantemente tecnológica.

RESUMO

O presente artigo discutirá o direito ao esquecimento, resume-se no direito de ser deixado em paz, conforme tradução livre do inglês, de forma a garantir aos cidadãos o direito de resguardar-se de qualquer comportamento anterior que lhe remeta algum tipo de constrangimento posterior. O tema é controverso, pois não há disposição legislativa, tampouco posição consolidada dos magistrados, tornando-se tema de repercussão geral no Superior Tribunal Federal. Portanto, é imprescindível analisar o direito ao esquecimento pelas decisões judiciais em trâmite, em busca de delinear qual tem sido o entendimento dos tribunais superiores quanto ao tema, objetivando uma harmonização jurisprudencial no ordenamento jurídico brasileiro. O tipo de pesquisa a ser abordada neste projeto será a bibliográfica e documental, sendo os instrumentos e fontes escolhidas para a coleta de dados consistentes na legislação, doutrina, jurisprudência, artigos, entre outros.

Palavras-chave: Liberdade de informação. Direito a privacidade. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Direitos da Personalidade. Colisão entre direitos fundamentais. Ponderação. 

ABSTRACT

This article will discuss the right to be forgotten, the right to be left in peace, according to a free translation of English, in order to guarantee the citizens the right to protect themselves from any previous behavior that sends back some kind of later embarrassment . The issue is controversial, since there is no legislative provision, nor consolidated position of the magistrates, becoming subject of general repercussion in the Superior Federal Court. Therefore, it is essential to analyze the right to oblivion by the judicial decisions in process, in order to delineate what has been the understanding of the superior courts regarding the subject, aiming at a jurisprudential harmonization in the Brazilian legal system. The type of research to be addressed in this project will be the bibliographical and documentary, being the instruments and sources chosen for the collection of data consistent with legislation, doctrine, jurisprudence, articles, among others.

Key words: Right to forget. Right of privacy. Principle of the Dignity of the Human Person. Rights of the Personality. Collision between fundamental rights. Weighting.

SUMÁRIO

1. Introdução

2. Desenvolvimento

2.1 O princípio da dignidade da pessoa humana e sua aplicabilidade quanto aos direitos da personalidade.

2.1.1 Direitos da personalidade: direito à honra, à vida privada, à intimidade e à imagem.

2.2. Tipificação na legislação brasileira e a delimitação constitucional

2.2.1. Princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais

2.2.2. A colisão de direitos fundamentais e o exercício de ponderação de direitos e aplicação do princípio da proporcionalidade

2.2.3. O limite à liberdade de expressão e o direito à informação

2.3. Recepção do direito ao esquecimento no Brasil

2.3.1 Caso Aída Curi

2.3.1.1. Voto do Ministro Luis Felipe Salomão (Relator)

2.3.1.2. Voto vencido Ministra Maria Isabel Gallotti

2.3.1.3. Voto Ministro Marco Buzzi

2.3.1.4. Resultado do Julgamento do Recurso Especial  REsp 1.335.153/RJ

2.3.1.5. Recurso Extraordinário RE 1.010.606/RJ

2.3.2. Caso Chacina da Candelária

2.3.2.1. Recurso Especial (REsp 1.334.097/RJ – (2012/0144910-7)

2.3.2.1.1. Voto do Ministro Luis Felipe Salomão

2.3.2.1.1. Resultado do Julgamento do Recurso Especial  REsp 1.334.097/RJ

2.3.2.2. Recurso Extraordinário RE 595.676-RG/RJ

3. Considerações Finais

Referências Bibliográficas

  1. INTRODUÇÃO

O direito ao esquecimento é a possibilidade de uso das informações e de sua divulgação no tempo correto, de forma que não serão atemporais frente ao fato ocorrido, podendo assumir dois aspectos distintos: direito de ser esquecido e o direito a esquecer. O primeiro conceito é dirigido a terceiros e o segundo é para se resguardar de um fato passado. Parte dos direitos constitucionais como o direito à personalidade, à honra, à vida privada e se entrelaçam com o direito à informação.

O presente trabalho tem como escopo delinear o Direito ao Esquecimento, como garantia da dignidade da pessoa humana, defronte aos demais direitos da personalidade, sobretudo em face da sociedade predominantemente tecnológica.

A disponibilidade e proliferação de informações proporcionada pela era digital, além do alcance dos meios de comunicação, permitem agregar valor comercial aos dados pessoais ou acontecimento, transformando-os em moeda de troca. Gerando, portanto, a necessidade de atenção à proteção desses dados e de ressignificar o direito de liberdade de imprensa e de informação.

Diante desse cenário, tem-se de um lado a liberdade de imprensa, a liberdade de informação e de expressão, direitos ínsitos da sociedade contemporânea e globalizada, sendo restrita qualquer censura e, por outro lado, os direitos da personalidade, dentre eles o direito ao esquecimento, corolário do direito à intimidade, privacidade, honra e à imagem, todos também garantidos pela Carta Magna.

Dessa forma, o objetivo deste trabalho é abordar o direito à dignidade humana em face do direito à informação e de divulgação, utilizar dos precedentes na concretização do direito geral de personalidade, apresentar uma tendência de posicionamento sobre o tema pelos tribunais superiores e, por fim, analisar a concretização do direito ao esquecimento, através do estudo do tema 786, de repercussão geral quanto ao direito constitucional arguido, em busca de estabelecimento de possíveis precedentes e linearidade das decisões quanto a possíveis causas relacionadas ao Direito ao Esquecimento.

  1. DESENVOLVIMENTO

A controvérsia discutida diz respeito à celeuma de valores e direitos de personalidade, todos acolhidos pelo mais alto diploma do ordenamento jurídico, mas que ao longo das transformações sociais, culturais e tecnológicas receberam uma nova feição. Neste campo, o Judiciário foi instado a harmonizar a liberdade de informação/expressão, exteriorizada pela liberdade de imprensa e os direitos inerentes à personalidade.

  1. O princípio da dignidade da pessoa humana e sua aplicabilidade quanto aos direitos da personalidade.

            No Estado Democrático de Direito, os direitos da personalidade detém o papel de defender os valores existenciais do homem, edificando um núcleo intangível de proteção.  

            Salomão (STJ) (BRASIL, REsp 1.334.097, 2017) leciona que a Constituição Federal mostrou sua vocação antropocêntrica ao estabelecer os direitos da personalidade, de forma explícita ou implícita, tutelados constitucionalmente como direitos fundamentais. Dentre eles, a dignidade da pessoa humana, tornou-se um fundamento da República, portanto um prisma para os demais direitos.  

  1. Direitos da personalidade: direito à honra, à vida privada, à intimidade e à imagem.

O direito geral da personalidade é construído na Alemanha com o Código de Napoleão e o código civil[3], a partir da interpretação do princípio da dignidade humana e do desenvolvimento da personalidade, que se subdivide em direito à autodeterminação, autopreservação e autoapresentação.

De acordo com Moreira e Fonseca (2016), a autodeterminação é a configuração de sua própria identidade, de não ser massivamente moldado pelos dogmas sociais. Já a autopreservação, é a possibilidade de proteger suas informações pessoais, direito à privacidade e à imagem no seu aspecto defensivo. Por outro lado, a autoapresentação é o direito de escolher como será exposta ao público, englobando o direito à imagem e a honra pessoal.

Importante reiterar que os direitos da personalidade decorrem da dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, III e no artigo 5º, X, ambos da Constituição Federal de 1988.

Portanto, conforme prevê a Constituição Federal a personalidade é inerente à pessoa, nasce-se com o sujeito. Apesar de o ordenamento jurídico não definir objetivamente personalidade, fixa-se o início da tutela com o nascimento com vida para as pessoas naturais, conforme art. 2º, do Código Civil “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (BRASIL, Código Civil, 2002).

Segundo Bittencourt e Veiga (2015), com base nas diretrizes pela dignidade da pessoa humana, modelou-se uma tripartição clássica dos próprios direitos fundamentais, a) tutela física da personalidade, prevista nos artigos 13 a 15, do Código Civil; b) tutela moral da personalidade, prevista nos artigos 16 a 21, sendo eles direito à imagem, vida privada e ao nome, do Código Civil; c) tutela intelectual da personalidade, a qual não tem previsão no Código Civil. Em termos de classificação, o direito ao esquecimento encontra-se na tutela moral da personalidade.

Ainda no âmbito dos direitos da personalidade, o conceito de honra, segundo Farias (1996), está diretamente relacionado com o prestígio do indivíduo na sociedade, busca proteger o titular de fatos inverídicos que atentem contra sua personalidade e possa-o prejudicar em face do restante dos indivíduos, sendo inerente a todos os seres humanos.

Ademais a honra em seu aspecto objetivo refere-se ao conceito externo, o que a coletividade pensa de uma pessoa, o juízo de valor atribuído ao titular, à medida que no seu aspecto subjetivo, é o conceito interno, aquilo que a pessoa pensa de si mesma, sentimento que possui sobre sua própria dignidade moral, sua autoestima. Vale ressaltar que ambas são suscetíveis de violação (FARIAS, 1996).

Este direito é relativamente novo, de acordo com Farias (1996), apareceu pela primeira vez na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e, posteriormente, na Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948.

A intimidade, por sua vez, é o conjunto das particularidades do indivíduo, do seu ínfimo, Farias (1996) cita três esferas em que o direito à intimidade pode existir: a) esfera da vida privada, tudo que a pessoa quer excluir do conhecimento de terceiros; b) esfera da vida confidencial, notícias compartilhadas estritamente em um grupo de pessoas; c) esfera da vida secreta, nada é compartilhado, apenas do interesse do sujeito.

Nesse diapasão, Farias destaca quatro possibilidades de invasão à intimidade, sendo elas a) violação ao âmbito pessoa, a solidão; b) divulgação ao público de fatos privados; c) divulgação ao público de fatos falsamente imputados; c) utilização do nome, imagem e outros direitos da personalidade a fim de lucrar e sem seu consentimento. No intuito de proteção à intimidade, o Código Civil no seu artigo 21 sua inviolabilidade, “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” (BRASIL, Código Civil, 2002).

Por fim, o promotor do Rio de Janeiro Guilherme Magalhães Martins, autor do Enunciado 531, preleciona que:

É necessário que haja uma grave ofensa à dignidade da pessoa humana, que a pessoa seja exposta de maneira ofensiva. Porque existem publicações que obtêm lucro em função da tragédia alheia, da desgraça alheia ou da exposição alheia. E existe sempre um limite que deve ser observado (MARTINS. 2013 apud RADIO.2013).

E por fim, quanto ao direito de imagem, o autor Pablo Stolz Gagliano (2014) define que “[...] a imagem, em definição simples, constitui a expressão exterior sensível da individualidade humana, digna de proteção jurídica” (GAGLIANO, 2014, p. 167). Assim, não se trata tão somente da integridade física, mas de traços identificadores da pessoa, sua fisionomia, suas características comportamentais, personalidades, sensações.

  1.  Tipificação na legislação brasileira e a delimitação constitucional
    1. Princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais

O princípio da não tipificação dos direitos fundamentais possibilita a ampliação do catálogo de direitos fundamentais materiais, que não se encontram topograficamente localizados no Título II, mas possuem a mesma importância institucional.

Há de se ressaltar que todas as Constituições brasileiras, exceto a de 1824, sempre reconheceram a natureza material dos direitos fundamentais.

Com efeito, a Constituição de 1891 estipulava, no seu art. 78 “a especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não exclui outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna”. (BRASIL, Constituição Federal, 1891, grifo nosso).

A Constituição de 1934, no art. 114 predispunha que “a especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros, resultantes do regime e dos princípios que ela adota.” (BRASIL, Constituição Federal, 1934, grifo nosso).

A Constituição de 1937, no art. 123 fixou que “a especificação das garantias e direitos acima enumerados não exclui outras garantias e direitos, resultantes da forma de governo e dos princípios consignados na Constituição.” (BRASIL, Constituição Federal, 1937, grifo nosso).

A Constituição de 1946, no art. 144, retomou o texto da Constituição de 1934, assim como fez a Constituição de 1967, no seu artigo 150, §35. 

Por fim, a Constituição de 1988, no art. 5º, § 2º adotou a normativa que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” (BRASIL, Constituição Federal, 1988, grifo nosso). Portanto, a Constituinte admite outros direitos além daqueles nela expressamente previstos.

Isso evidencia que a enumeração dos direitos fundamentais é um rol meramente exemplificativo, dessarte dispensam a inclusão taxativa na Constituição ou declaração formalizada, para que sejam respeitados, basta que ostentem a natureza de fundamentalidade material. Essa é a verdadeira inteligência do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, explica Cunha Júnior (2015), ao reconhecer direitos implícitos, decorrentes do regime e dos princípios que a Constituição adota e os direitos fundamentais previstos em tratados internacionais (ou seja, aqueles decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte), todos protegidos pela Constituição, logo, não podem ser abolidos, nem mesmo por emenda constitucional e vinculam imediatamente os poderes públicos.

  1. A colisão de direitos fundamentais e o exercício de ponderação de direitos e aplicação do princípio da proporcionalidade

Há controvérsia se os direitos fundamentais seriam princípios ou normas, sendo que a escolha de sua natureza influenciará na dinâmica normativa em caso de colisão ou incompatibilidade com outros princípios.

É certo que os direitos fundamentais são direcionados a um objetivo, comprometidos com seu contexto de aplicação. Se forem considerados como normas, seriam revogáveis e absolutos, seriam uma contradição em si mesmos, visto que seria impossível a convivência com outros direitos do ordenamento jurídico, logo, podem ser objeto de restrição.

Em vista à Constituição brasileira, rica em princípios sociais e fundamentais, é incabível a adoção do parâmetro regrativo dos princípios. Dado que, estes precisam ser flexíveis e adaptáveis e prima facie, podendo sofrer restrições no caso concreto, ante os outros princípios.

Acrescenta Marmelstein (2008) que “as normas constitucionais são potencialmente contraditórias, já que refletem uma diversidade ideológica típica de qualquer Estado democrático de Direito.” (MARMELSTEIN, 2008, p. 365).

Ultrapassada essa questão, é necessário o exercício da ponderação dos direitos fundamentais, no intuito de compreender, nas palavras de Virgílio Afonso da Silva, “1) o que é protegido?; 2) contra o quê?; 3) qual é a consequência jurídica que poderá ocorrer?; 4) o que é necessário ocorrer para que a consequência possa também ocorrer?.” (SILVA, 2010, p. 71).

Conforme Nakamura (2016), a solução deve ser a aceitação de um núcleo principiológico variável dos princípios fundamentais, a partir do princípio norteador da proporcionalidade, desdobrado em adequação, necessidade e proporcionalidade em stricto sensu.

Segundo Willis Santiago Guerra Filho (2010), “pode-se dizer que uma medida é adequada, se atinge o fim almejado; exigível, por causar o menor prejuízo possível; e, finalmente, proporcional em sentido estrito, se as vantagens que trará superarem as desvantagens.” (FILHO, 2010, p. 262).

Dessa forma defende o Ministro Alexandre de Moraes (2003), “os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela carta Magna (princípio da relatividade)”. (MORAES, 2003, p. 61).

E de fato, devem-se sopesar os direitos fundamentais e respeitar seus limites, afinal “não existe hierarquia em abstrato entre princípios, devendo a precedência relativa de um sobre o outro ser determinada à luz do caso concreto”[4], no intuito de buscar a máxima otimização da norma e no que for possível, atingir ao máximo a expectativa constitucional.

  1. O limite à liberdade de expressão e o direito à informação

           

            A atual sociedade da hiperinformação gera riscos evidentes à privacidade e à autonomia individual, emanados da ampla abertura da arena pública aos interesses privados – além do inverso -. Completa Ribeiro, Santos e Sousa (2018) que as questões públicas passam a serem preenchidas pelas questões privadas, podendo essas ser expropriadas ou entregues voluntariamente.

            A liberdade de expressão e imprensa foi consagrada na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), promulgada no Brasil pelo Decreto 678/92.

            Portanto, as liberdades de imprensa e de expressão constituíram-se como direitos fundamentais, garantidos constitucionalmente como cláusulas pétreas, sendo pilares do Estado Democrático de Direito.

            Apesar de atualmente não possuir lei infraconstitucional que discipline a liberdade de imprensa, o §1º do artigo 220, da Constituição Federal dispõe que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”. (BRASIL, Constituição Federal, 1988).

            Quanto ao tema, o Ministro Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, ressaltou a importância de observar se há um interesse público atual na publicação daquela informação: “[...] ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos – historicidade essa que deve ser analisada em concreto – cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo.” (REsp) 1.334.097 (BRASIL, REsp 1.334.097,2012, grifo nosso).

            Dessa forma, é notória a proibição de qualquer limitação à liberdade de informação jornalística. Em contrapartida, o inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal dispõe como invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

            Nessa perspectiva, é evidente que, a despeito de as liberdades de informação, expressão e de imprensa serem importantes para constituição da democracia, não podem ser arbitrárias e ilimitadas, prevalecendo sobre outros valores também constitucionalmente garantidos (FARIAS, 1996).

  1. Recepção do direito ao esquecimento no Brasil

            É evidente que a história da sociedade é patrimônio imaterial do povo e nela se inserem os mais variados acontecimentos e cidadãos, possíveis de se revelarem, no futuro, traços políticos, sociais ou culturais.

Nessa linha de raciocínio, a recordação de crimes ou acontecimentos passados pode significar uma análise de como a sociedade - e o próprio ser humano - evolui ou regride.

Em contrapartida, diante da antiguidade da informação, esta pode imputar ao sujeito desconforto ou ofensa, como ocorreram com os casos judiciais em trâmite no Supremo Tribunal Federal.

A tese do direito ao esquecimento ganha força na doutrina jurídica brasileira com o Enunciado 531 na VI Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF/STJ, em 2013, cujo teor é transcrito in verbis:

ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.

Artigo: 11 do Código Civil

Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do exdetento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados. (CJF) (BRASIL, 2013, grifo nosso)

           

            Como desdobramento da dignidade da pessoa humana, Ferreira (2019) aponta que o direito ao esquecimento como instrumento jurídico estabiliza o passado e antecipa parcialmente o futuro, através dos institutos da prescrição, decadência, irretroatividade da lei, respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito, perdão judicial, anistia, graça, indulto e coisa julgada material e formal.

            Por tal razão, é mister a fixação do entendimento jurisprudencial acerca do direito ao esquecimento. Afinal, o precedente fornece uma regra universalizável, uma ratio decidendi, com base no princípio da igualdade e segurança jurídica, que pode ser aplicada como critério de decisão, por meio do exame da identidade dos fatos ou por analogia. A vinculação dos precedentes é chamada de stare decisis et non quieta movere, que por sua vez possui uma vinculação horizontal e vertical, a primeira consiste na determinação que o precedente deve ser seguido pela corte que proferiu a decisão. Ao passo que a vertical parte do pressuposto que as cortes e juízos de hierarquias inferiores devem seguir os pressupostos proferidos por juízos de cortes superiores (MOREIRA e FONSECA, 2016).

Contudo nem sempre o caso concreto é amoldado ao precedente invocado, ocorrendo o que Moreira et. al, 2016 intitula distinguishing, logo não é possível transpor a ratio decidendi criada pelo precedente e aplica-la ao caso.

Por fim, o novo Código de Processo Civil trouxe expressamente a importância dos precedentes formalmente vinculantes que complementam as fontes do Direito e dos julgados.

Dessa forma, apesar de o Direito ao Esquecimento ser reconhecido como direito da personalidade protegido constitucionalmente, não há a fixação de sua delimitação e sua aplicação pelos Tribunais Superiores, inclusive os casos reconhecidos de repercussão geral encontram-se aguardando posicionamento da Suprema Corte.

  1. Caso Aída Curi

Aida Jacob Curi de 18 anos foi vítima de abuso sexual e posterior homicídio, em 1958 no Rio de Janeiro. De acordo com a perícia, estima-se que a vítima foi submetida a pelo menos trinta minutos de tortura e luta intensa e após, na vã tentativa de encobrir o crime, Ronaldo Castro e Cássio Murilo arremessaram a jovem do décimo segundo andar do prédio no Rio de Janeiro, causando seu falecimento.

O caso Aída Curi foi um dos mais célebres casos da história do país, não somente pelas circunstâncias em que os fatos aconteceram, mas, sobretudo porque se estendeu por três julgamentos pelo Tribunal do Júri.

Cinquenta anos após o ocorrido, a TV Globo Ltda veiculou novamente a vida, a imagem e a morte de Aida Curi no programa “Linha Direta-Justiça”.

Inconformados, os irmãos da vítima, Nelson Curi, Roberto Curi, Waldir Cury e Maurício Curi ajuizaram ação de reparação de danos morais, materiais e à imagem em face da TV Globo Ltda. Os Autores sustentam que houve exploração ilícita do caso pela emissora, em razão do tempo transcorrido.

O Juízo de Direito da 47ª Vara Cível da Comarca da Capital/RJ julgou improcedentes os pedidos dos autores, tendo a sentença sido mantida mesmo após a apelação.

Em sede de recurso especial (REsp 1.335.153 – RJ (2011/0057428-0), os recorrentes (Nelson Curi e outros) arguiram nulidade dos acórdãos e da sentença, por falta de fundamentação, omissão, má apreciação das provas e indeferimento de outras imprescindíveis, e por óbvio, violação do direito ao esquecimento do ocorrido a Aida Curi, no momento da veiculação da reportagem não autorizada.

  1. Voto do Ministro Luis Felipe Salomão (Relator)

O Ministro reconheceu o inegável conflito entre a liberdade de expressão/informação e a liberdade de imprensa e os direitos de personalidades inerentes a pessoa humana – intimidade, privacidade, honra – ambos protegidos constitucionalmente.

Inicialmente, elucida o Relator que apesar de o Recurso Especial restringir-se à análise das normas infraconstitucionais, o tema é interdisciplinar, delimitando a análise aos artigos 11, 12, 17, 20 e 21 do Código Civil. Afastando a alegação de omissão, contradição ou obscuridade no acórdão proferido.

Continua o Min. explicitando o desafio de transpor o direito ao esquecimento para o caso de publicações na mídia televisiva, devido à possibilidade de compartilhamento de informações e circulação internacional do conteúdo.

Defende o Min. que a melhor postura é o equacionamento com as particularidades do caso concreto, e em caso de conflito entre a liberdade de informação e os direitos de personalidade, após realizada a necessária ponderação, não se consubstancia, em si, censura à liberdade de informação/expressão/de imprensa.

Noticia o Min. que segundo Schreiber, o programa valia-se das seguintes técnicas:

1. Em primeiro lugar, pontua flashes das cenas violentas protagonizadas por atores (apenas flashes da reconstituição dramatizada dos fatos, retratando o momento exato do cometimento do crime, pois a reconstituição integral será apresentada ao longo do programa) e a apresentação da vítima, sua biografia, geralmente através de depoimentos de seus parentes e amigos, e naturalmente ressaltando suas qualidades e seus sonhos, dramaticamente interrompidos pela tragédia ocorrida.

2. A estória começa a ser contada através de dramatização, conjugada com depoimentos das testemunhas (estas reais). Aquele que é apontado como autor do fato criminoso raramente é ouvido e quando o é, sua versão dos fatos é imediatamente colocada em dúvida pelos esquetes de dramatização. O ator que desempenha o papel de criminoso, além de guardar sempre traços físicos parecidos com os do próprio, semelhança que é acentuada pela constante transposição entre os arquivos jornalísticos e a dramatização, geralmente é apresentado como uma pessoa cruel, fria, qualidades destacadas pelo sorriso irônico, pelo olhar, pela fala, e ainda pelos recursos sonoros utilizados.

3. A principal técnica utilizada pelo Linha Direta é a conjugação de jornalismo e dramatização. A transposição de imagens e dados jornalísticos (fotos dos suspeitos, depoimentos dos familiares da vítima e de testemunhas, depoimentos de policiais e promotores responsáveis pelo caso) para o ambiente de dramatização se faz muitas vezes de maneira bastante sutil, de modo a criar no telespectador a certeza de que os fatos se passaram exatamente da maneira como estão sendo mostrados pelos esquetes de simulação.

Ao final do programa, o telespectador estará convencido da versão apresentada, não restando qualquer dúvida de que os fatos se passaram daquela forma. A culpa do criminoso está definitivamente comprovada. Saltam aos olhos, entretanto, os riscos que podem advir de tal certeza. Não é difícil verificar em alguns casos a fragilidade da versão dos fatos apresentados na televisão (SALOMÃN apud SCHREIBER, Simone. Op. cit., p. 362-363).

Conclui o Ministro, quanto à historicidade do crime, que a permissão ampla e irrestrita que um crime seja retratado indefinidamente, pode significar um segundo abuso à dignidade da pessoa humana, sendo o direito ao esquecimento um corretivo – tardio, mas possível -, das vicissitudes do passado.

Em outro aspecto, parte ao interesse público subjacente ao delito, esclarece que nos crimes de ação penal pública, existe uma lesão aos interesses da própria sociedade ou no mínimo uma ameaça, portanto é legítimo o interesse público na resposta estatal ao delito. Confrontando com o disposto na Constituição Federal, que prevê o sacrifício da publicidade, “[...] quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.” (BRASIL, art. 5º, LX Constituição Federal, 1988).

O Ministro perfaz que a solução para harmonização dos dois interesses, a preservação da pessoa, com a restrição à publicidade do processo, porém dando publicidade à sentença ou do julgamento.

Reconhece no Direito Penal, a maior presença do direito ao esquecimento, por meio do instituto da reabilitação, previsto no artigo 93 do Código Penal e no artigo 748 do Código de Processo Penal, revelando o direito ao esquecimento como o direito à esperança.

No caso concreto, o Ministro subdividiu a demanda em duas: a primeira, pleito de indenização pela lembrança das dores passadas e a segunda, uso comercial da imagem da vítima falecida.

Apesar de reconhecer o direito das vítimas ao esquecimento, reconhece que a figura do ofendido é indissociável ao delito, inviabilizando a narrativa do crime de repercussão nacional, sem a vítima, exemplifica a frívola tentativa de retratar o caso Vladmir Herzog, sem Vladimir Herzog.

De fato, esclareceu ainda que o reconhecimento do direito ao esquecimento não conduz necessariamente ao dever de indenizar, não sendo o caso dos autos, haja vista que não fora reconhecida a “artificiosidade ou o abuso antecedente na cobertura do crime”[5], nas palavras do ilustre Ministro.

Por final, analisa a questão do uso indevido da imagem da vítima, conforme preceitua a Súmula 403 do Superior Tribunal de Justiça, “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. (STJ) (BRASIL, 2009)”.

Porquanto, dotado de dois aspectos: moral e patrimonial, sendo o valor moral da imagem ofendido, quando utilizado de forma degradante e desrespeitoso, enquanto o valor patrimonial é vulnerado, quando ocorre a exploração comercial direta da imagem de forma inconsentida. Dessa forma, havendo utilização para fins econômicos ou comerciais (aspecto patrimonial) é dispensada a prova do dano moral.

Por conseguinte, in casu, o Ministro não reconhece a exposição da imagem da vítima de forma vexatória ou desrespeitosa, completa ainda que o cerne do programa foi retratar o crime em si e não a vítima ou a sua imagem. Por todas as razões expostas, vota pelo não provimento ao recurso especial.

  1. Voto vencido Ministra Maria Isabel Gallotti

           

            A Ministra discordou do relator Min. Luis Felipe Salomão. Ressalta que a controvérsia em exame não se trata de censura, pois a apresentação do programa não foi inibida, cuida-se, somente, de fato consumado. Completa ainda que não ocorra o questionamento acerca da veracidade dos fatos, e sim, do direito à imagem do morto e seus familiares que sofreram os fatos.

            Defende que a família tem o direito de autorizar ou não a reprodução do programa televisivo de natureza comercial, visto que teve por base o delito verdadeiro que envolveu o parente morto, com exibição de foto do corpo da vítima e de seus irmãos, autores da ação, junto ao corpo da vítima.

            Continua a Ministra que houve destinação comercial na exibição da notícia, inerente à atividade empresarial da Recorrida, porém que não há atualidade necessária para configuração de programa jornalístico, e que tampouco há o interesse público na divulgação do crime encerrado já encerrado há longa data.

            Conclui a Ministra que a circunstância de ser exibida a foto da vítima foi contra a vontade expressa da família, em conformidade com o dispositivo previsto no art. 20 do Código Civil[6], que permite a não exibição da imagem para fins comerciais.

            Sustenta ainda que não há uma finalidade histórica ou investigativa na reprodução dos fatos, após tanto tempo, retratando somente constrangimento aos autores da ação e violação na intimidade e privacidade da vítima. Por isso, vota pelo provimento ao recurso especial e reconhece o direito de indenização dos autores.

  1. Voto Ministro Marco Buzzi

           

            O Ministro acompanha a divergência do voto do Relator. Sustenta que o fato não está envolvido em nenhuma atividade política, social ou sociológica, portanto não há interesse público latente a autorizar a divulgação atemporal do ocorrido.

            Completa ainda, que o dever de informar não equivale a uma autorização de explorar economicamente um fato há muito ocorrido, que não envolveu pessoas notórias. Considerando principalmente a forma de reprodução do ocorrido, com encenações e reproduções apelativas. Visto que não detém nenhuma natureza jornalística, ou relevância social.        Pelos fatos expostos, acompanha a divergência e vota pelo provimento do Recurso.

            O Ministro Raul Araújo e o Antônio Carlos Ferreira acompanharam o voto do Relator nos argumentos por ele já expostos e votaram pelo não provimento do Recurso.

  1. Resultado do Julgamento do Recurso Especial  REsp 1.335.153/RJ

           

            A Quarta Turma, por maioria, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Votaram vencidos os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti e Marco Buzzi. Em suma, os Ministros priorizaram o direito de expressão e comunicação, sem nenhuma censura, “franqueando a obrigação e indenizar apensa quando o uso da imagem ou informações é utilizada para denegrir ou atingir a honra da pessoa retrata, ou ainda, quando essa imagem/nome foi utilizada para fins comerciais” (STJ) (REsp 1.335.153 – RJ (2011/0057428-0).

Elucidaram ainda que os fatos eram de conhecimento público e, no passado, já haviam sido divulgados pela imprensa, por outro lado, reconheceu que a ré é uma pessoa jurídica com finalidade lucrativa, mas que no caso específico não verificou que a reprodução midiática dos acontecimentos trouxe de fato aumento lucrativo.

  1. Recurso Extraordinário RE 1.010.606/RJ

Irresignados, os Recorrentes (Nelson Curi e outros) arguiram que o acórdão proferido pela 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em sede de apelação, sob o argumento de contrariedade à Constituição Federal.

Em 11/12/2014, o Plenário Virtual da Suprema Corte reconheceu, por maioria, a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada no apelo, erigindo-o como paradigma do Tema 786[7].

            Em parecer (n° 178/2018)[8], a Procuradoria Geral da República rechaçou os argumentos dos Recorrentes, sob os fundamentos de carecem elementos capazes de suportar as alegações de proveito econômico e deturpação da imagem da vítima, mantendo a recorrida no livre exercício do direito de imprensa e expressão. Opinando pelo não provimento do recurso extraordinário e, propôs a fixação da tese que “o direito ao esquecimento, por ser desdobramento do direito à privacidade, deve ser ponderado, no caso concreto, com a proteção do direito à informação e liberdade de expressão.” (SDHDC/GABPGR-RJMB) (BRASIL, Parecer n.º 178/2018, 25/09/2018).

            Após a manifestação, os autos foram conclusos ao Relator (05/10/2018), aguardando a decisão do Tema de Repercussão Geral 786.

  1. Caso Chacina da Candelária

As circunstâncias fáticas do caso da Chacina da Candelária tratam-se da veiculação da imagem de Jurandir Gomes de França, um dos envolvidos na Chacina da Candelária em 1993, em uma reportagem no programa televisivo Linha Direta, em 2006.

A Chacina da Candelária ocorreu na madrugada do dia 23/07/1993, quando policiais à paisana abriram fogo contra mais de 40 meninos de rua que dormiam nas escadarias da Igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro, no qual oito crianças morreram e dezenas ficaram feridas.

Três policiais foram condenados pelo crime e dois foram absolvidos, sendo um deles, Jurandir Gomes de França, absolvido no Tribunal do Júri por unanimidade de votos. Em curta síntese, narra o Autor na ação indenizatória que seu cunhado, policial militar, foi equivocadamente reconhecido por alguns menores sobreviventes e chamado para prestar depoimento, sendo o Autor seu álibi. Contudo, durante a investigação policial ocorreram erros procedimentais que culminaram na prisão de dois policiais inocentes, além do Autor.

Somente três anos após o crime e dias antes do julgamento, um ex-soldado da Polícia Militar que estava, de fato, envolvido no crime, confessou o crime e inocentou os três indiciados e indicou o nome dos reais envolvidos. O depoimento obviamente gerou uma completa reviravolta no julgamento, na qual o recorrido e os outros inocentes foram absolvidos e liberados.

Procurado à época da reportagem recusou dar entrevista e demonstrou desinteresse em vincular sua imagem ao fato. Alegou ainda que, apesar de inocentado, a veiculação forçou-o a desfazer-se de todos os seus bens e abandonar a comunidade em que residia por ameaças a si e aos seus familiares.

Apesar da proibição do uso de sua imagem, o Autor entendeu que a menção de seu nome como um dos partícipes do crime, mesmo esclarecendo que ele foi absolvido, causou danos à sua honra, já que ele teve o direito de ser esquecido reconhecido. Por isso, pugnou pela indenização no valor de 300 (trezentos) salários-mínimos, em razão da vinculação ilícita de sua imagem.

O Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca da Capital/RJ entendeu por bem mitigar o direito ao anonimato e ao esquecimento em função do interesse público, julgando improcedente o pedido indenizatório do requerente.

Em grau de apelação, a sentença foi reformada. Opostos embargos infringentes, também por maioria, foram rejeitados, sob o fundamento do direito à ressocialização, visto que o Autor fora inocentado pelo Tribunal do Júri, sob o argumento que o autor não é pessoa pública, portanto a revelação de sua imagem não detém relevância jornalística, pois longínqua a data dos fatos. Sobrevieram os recursos especial e extraordinário.

  1. Recurso Especial (REsp 1.334.097/RJ – (2012/0144910-7)

Em sede de recurso especial, a Recorrente (Globo Comunicações e Participações S/A), arguiu inexistir o dever de indenizar por ausência de ilicitude, aduz não ter havido invasão à privacidade/intimidade do Recorrido, tendo a emissora se limitado a narrar os fatos, tais como ocorridos, sem dirigir nenhuma ofensa. Assim, alega ser incabível o sobrepujamento ao direito de informar da recorrente, informa ainda que não é possível retratar a trágica história dos homicídios sem mencionar o ocorrido e os envolvidos.

  1. Voto do Ministro Luis Felipe Salomão

Com efeito, nos mesmos termos do REsp. 1.335.153/RJ (Caso Aida Curi) fora analisado o presente caso.

Desviando-se o ilustre Ministro no que concerne aos acontecimentos específicos da Chacina da Candelária, que se tornou símbolo da precária proteção estatal às crianças e adolescentes em situações de risco.

Reconhecendo ainda que a liberdade de imprensa não seria tolhida, tampouco a honra do autor maculada, se ao retratar os acontecimentos, o nome e a fisionomia do recorrido fossem ocultados.

Esclarece o Ministro que a despeito de nas instâncias ordinárias o recorrido ter sido inocentado pelo Tribunal do Júri, a nova veiculação do recorrido aos acontecimentos, reacende o sentimento de desconfiança no seu âmbito social, ao passo que a notícia reforçou a imagem de indiciado da autoria do ocorrido e não a de absolvido.

Portanto, permitindo uma segunda ofensa ao recorrido, além de evidenciar o opróbrio que foi o inquérito policial realizado à época do crime.

Segue o acórdão questionando a real necessidade de vincular a imagem e nome do recorrido à notícia.  Contudo, não identifica a ofensa ao interesse público, nem ao direito privado do veículo de comunicação ao omitir o nome e imagem do Recorrido. Visto que a omissão do nome e da imagem do recorrido não compromete o conteúdo informativo da matéria jornalística, mas, lado outro, somente o prejudica no seu círculo de convivência. Por fim, o ilustre Ministro vota pelo não provimento ao recurso especial.

            A Ministra Maria Isabel Gallotti e o Ministro Marco Buzzi acompanham o voto do Relator, para negar provimento ao recurso especial.

  1. Resultado do Julgamento do Recurso Especial  REsp 1.334.097/RJ

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator.

  1. Recurso Extraordinário RE 595.676-RG/RJ

Em sede de recurso extraordinário, o Recorrente (Globo Comunicação e Participações S/A) arguiu que o acórdão proferido pela 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em sede de apelação, é contrário à Constituição Federal.

Após a inadmissão do Recurso Extraordinário, por ausência de ofensa à Constituição Federal, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral no caso.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito ao esquecimento no Brasil é pouco considerado frente a outros direitos já positivados, em 2017, o Supremo Tribunal Federal, por meio do julgamento da ADI n° 4815, aprovou, com unanimidade, a publicação de biografias não autorizadas. Em outras palavras, o direito à informação esteve acima do direito ao esquecimento. Por óbvio, o indivíduo que se sentir lesado poderá recorrer à Justiça para reparar e cessar o dano, mas após ocorre-lo.

A informação ubíqua e hiperconectada atrai a dificuldade da restrição de informação, do sigilo da informação e da cultura compulsiva de devorar os dados, em um ciclo neoliberalista comunicacional.

Ao colocar o direito ao esquecimento como barreira para o conhecimento público dos “fatos”, intende-se a ressignificação do passado com filtro, restringindo apenas as partes relevantes do conteúdo e enclausurar o perfil dos possíveis indivíduos ofendidos.

A sociedade contemporânea permeada e escrutinizada pela cibercultura, e o indivíduo, como seu elo mais frágil, seguem destituídos do controle das informações divulgadas, ressignificadas e publicadas da forma que melhor convier.

Nos casos analisados, os Ministros e Magistrados optaram pela ponderação dos direitos, além da análise da prejudicialidade da informação divulgada e da consequência social de sua restrição.

Portanto, a colisão de princípios constitucionais ou de direitos fundamentais não se resolve mediante o emprego dos critérios tradicionais de solução de conflitos de normas, como o hierárquico, o temporal e o da especialização.

Deve o intérprete constitucional recorrer à técnica de ponderação de normas, valores ou interesses, pela qual deve fazer concessões recíprocas entre as pretensões em disputa, de forma a preservar o melhor interesse para ambas as partes. Contudo, de certo que em situações extremas de antinomia, haverá a escolha e presunção de um direito sob outro sacrificado, devendo essa decisão ser racionalmente fundamentada e seguir os preceitos constitucionais.

Dessa forma, no campo legal, o hiato jurídico precisa ser preenchido por leis que priorizem o modelo de ponderação dos direitos fundamentais, de imprensa e de intimidade. Nesse mesmo sentido a doutrina há anos sustenta que o art. 20 do Código Civil deveria ser interpretado à luz da Constituição, de modo a evitar hierarquizações entre os direitos envolvidos, e permitir uma ponderação mais adequada à luz dos elementos constitucionais pertinentes e das circunstâncias do caso concreto.

Nesse sentido, o estabelecimento de parâmetros serve como norteadores no exame das circunstâncias do caso concreto em busca da decisão que melhor atenda a colisão dos direitos constitucionais expostos.

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_______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 403. Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. Diário de Justiça. Segunda Seção, em 28.10.2009 DJe 24.11.2009, ed. 486.

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_______. Virgílio Afonso da. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª edição, 2010


[3] BGB (Bürgerliches Gesetzbuch).

[4] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.

[5] (STJ) (BRASIL, RESP 1.335.153/ RJ).

[6] Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.            

[7] “Tema 786 – Aplicabilidade do direito ao esquecimento na esfera civil quando for invocado pela própria vítima ou pelos seus familiares.” (STF) (BRASIL. Tema 786, 2014).

[8] (SDHDC/GABPGR-RJMB) (BRASIL, Parecer n.º 178/2018, 25/09/2018).


Autores

  • Bruno Torquato de Oliveira Naves

    Bruno Torquato de Oliveira Naves

    Doutor (2007) e Mestre (2003) em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas); graduado em Direito (2000) pela PUC Minas. Professor do Mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara; Professor Adjunto IV na PUC Minas, membro e pesquisador do CEBID - Centro de Estudos em Biodireito; autor de livros, capítulos e artigos de Direito Civil, Direito Ambiental, Bioética e Biodireito.

    Prof. [2]

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  • Ane Laura Rios Gouvea

    Graduanda em Direito, em curso 10º (décimo) período pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas)

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