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Contribuição social dos agentes políticos.

Reflexos da Emenda Constitucional nº 20/98

Contribuição social dos agentes políticos. Reflexos da Emenda Constitucional nº 20/98

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Após a Emenda Constitucional nº 20/98, a contribuição incidente sobre os agentes políticos galgou nova configuração, em fenômeno de mutação em recepção constitucional derivada.

Sumário: 1. Introdução. 2. A declaração de inconstitucionalidade e a prescrição do pedido de restituição. 3. Emenda Constitucional n. 20/98 e implicações quanto à competência tributária. 4. Lei Complementar e exercício do poder de tributar em relação às contribuições sociais para a seguridade social 5. Contribuições de agentes políticos não exercentes de mandato eletivo 6. Conclusões 7. Bibliografia


1. Introdução

O presente estudo trata da instituição da contribuição social para a seguridade social incidente sobre a remuneração dos agentes políticos, em sua feição pré-Emenda Constitucional n. 20/98 e pós-Emenda Constitucional n. 20/98, assim como trata dos reflexos tributário-constitucionais da alteração constitucional no que tange à exigibilidade do crédito tributário.

A Lei n. 9.506, de 30 de outubro de 1997, que extinguiu o Instituto de Previdência dos Congressistas, definiu nova situação jurídica aos agentes políticos, estabelecendo em seu art. 13 a qualidade de segurado obrigatório do regime geral de previdência social aos referidos agentes públicos, quando não enquadradados em regime próprio de previdência social.

Art. 13. O Deputado Federal, Senador ou suplente em exercício de mandato que não estiver vinculado ao Plano instituído por esta Lei ou a outro regime de previdência participará, obrigatoriamente, do regime geral de previdência social a que se refere a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.

§ 1º O inciso I do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar acrescido da seguinte alínea h:

"Art. 12. (...)

I – (...)

h) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social;"

Embora constantemente haja referência quanto à instituição da contribuição sobre a remuneração dos agentes políticos enquanto produto da Lei n. 9.506/97, esta somente se referiu aos agentes políticos exercentes de mandato eletivo federal, estadual e municipal. A Lei n. 9.876, de 26 de novembro de 1999, que alterou a Lei n. 8.212/91, estatuiu, no que tange aos agentes políticos ocupantes de cargos de Ministro de Estado, Secretário Estadual ou Distrital e Secretário Municipal, a pertinência obrigatória destes ao regime geral de previdência social, desde que sem vínculo efetivo com os entes federativos em questão. Verifica-se assim, inicialmente, diversidade de tratamento jurídico-tributário aos agentes políticos, conforme seja sua condição peculiar nos quadros estatais.

Em celeuma judiciária, questionou-se pela inconstitucionalidade da alteração legal procedida pela Lei n. 9.506/97, afirmando-se, em tese contrária à imposição tributária aos agentes políticos, que a União extrapolara em seu poder de tributar, instituindo contribuição social em prol da seguridade social para além dos limites das fontes de custeio previstas na Constituição.

O Supremo Tribunal Federal, no exercício do controle de constitucionalidade difuso, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 13 da Lei n. 9.506/97, que acrescentara a alínea ‘h’ ao inciso I, do art. 12, da Lei n. 8.212/91, fixando jurisprudência quanto à matéria.

EMENTA: Contribuição previdenciária de agentes políticos instituída pelo § 1º do art. 13 da L. 9.506/97, que acrescentou a alínea h no inciso I do art. 12 da L. 8.212/91: inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal no julgamento do RE 351.717 (Pleno, Carlos Velloso, DJ 21.11.2003), por afronta ao artigo 195, II, CF sem a EC 20/98. (STF - RE-AgR 344571 / PR – PARANÁ AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 30/03/2004 Órgão Julgador: Primeira Turma Publicação: DJ 30-04-2004 PP-00046 EMENT VOL-02149-10 PP-01961)

Em exercício da competência constitucional prevista no art. 52, inciso X, da Constituição da República, procedeu o Senado à suspensão da execução do dispositivo reputado como inconstitucional pelo STF, por meio da Resolução 26/2005, extirpando assim a alínea ‘h’ do inciso I, art. 12, Lei n. 8.212/91 do ordenamento jurídico.

BASE DA LEGISLAÇÃO FEDERAL DO BRASIL

RSF 26/2005 (RESOLUÇÃO DO SENADO FEDERAL) 21/06/2005

Fonte: D.O.U. DE 22/06/2005, P. 5

Ementa: SUSPENDE A EXECUÇÃO DA ALÍNEA "H" DO INCISO I DO ART. 12 DA LEI FEDERAL Nº 8.212, DE 24 DE JULHO DE 1991, ACRESCENTADA PELO PAR. 1º DO ART. 13 DA LEI FEDERAL Nº 9.506, DE 30 DE OUTUBRO DE 1997.

Referenda: SENADO FEDERAL - SF

Em primeira análise, superficial por sinal, a Resolução superaria todas as possibilidades que o tema acarreta. Entretanto, percepção mais profunda na matéria acarreta divesidade consequencial quanto ao tema, revelando o real âmbito de produção de efeitos da decisão de inconstitucionalidade. Em que medida a Resolução do Senado, acolhendo a decisão definitiva do STF reflete nas contribuições dos agentes políticos? Em que medida revela-se por viável a restituição de eventuais valores pagos em razão da obrigação tributária originada na referida norma? Necessária a utilização de lei complementar para instituir a contribuição social sobre a remuneração dos agentes políticos após a Emenda Constitucional n. 20/98? Estas e demais questões conexas é que se pretende abordar no presente estudo.


2. A declaração de inconstitucionalidade e a prescrição do pedido de restituição

A declaração de inconstitucionalidade da alínea h, inciso I, do art. 12 da Lei n. 8.212/91, acrescida pelo §1º, do art. 13 da Lei n. 9.506/97 foi objeto de controle de constitucionalidade difuso, redundando posteriormente na suspensão do dispositivo por meio de Resolução do Senado da República. Não obstante discussões ácidas quanto ao termo inicial da prescrição, a tese que fixava a prescrição pela data da publicação da Resolução do Senado, que ocasionara a extirpação do dispositivo inconstitucional do ordenamento, foi superada pelo Superior Tribunal de Justiça:

PRAZO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TERMO INICIAL.

Na hipótese de lançamento tributário por homologação em que o fisco permaneceu inerte em fazê-la, o prazo de decadência somente começa a fluir após decorridos cinco anos da ocorrência do fato gerador, acrescidos de mais cinco anos a partir da homologação tácita do lançamento. Assim, não há que se falar em prazo prescricional a contar da declaração de inconstitucionalidade pelo STF ou da Resolução do Senado Federal. (STJ - REsp 610.560-PI, Rel. Min. José Delgado, julgado em 23/3/2004. – Informativo 203-STJ)

Desta forma, a contagem do prazo prescricional seguiria a tese denominada cinco mais cinco, transcorridos os cinco anos referentes à homologação tácita somados a cinco anos de consolidação estaria situada delimitação prescricional. Nesta ótica, a ocorrência da Resolução n. 26/2005, do Senado da República, não afetaria o prazo prescricional dos valores eventualmente pagos em razão da Lei n. 9.506/97.

Não obstante, adveio ao ordenamento jurídico a Lei Complementar n. 118, de 9 de fevereiro de 2005, com vacatio legis de 120 dias. A norma, consoante seu art. 4º, afirma-se com cunho interpretativo, em verdadeiro uso da interpretação autêntica apregoada na doutrina kelseniana. Assim, para efeito da data de extinção do crédito tributário, fixou a lei a data do pagamento antecipado do crédito, nos termos do art. 150, §1º, CTN. Reza o art. 3º da Lei Complementar n. 118:

Art. 3º. Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei.

A prescrição para restituição é assim delimitada pelo prazo fixado no art. 168, inciso I, CTN, contando-se cinco anos a partir da data da antecipação de pagamento efetivada pelo contribuinte, em tributos cujo lançamento é por homologação, ao que a homologação em si é fator não relevante para o prazo prescricional.

Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I - nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário;

A Lei Complementar 118 possui caráter interpretativo, ao que, já na lição do célebre Wilson de Souza Batalha, aplica-se para com a lei interpretada desde seu nascedouro, tratando-se, segundo Kelsen, da denominada interpretação autêntica. Não obstante não se deva recair nos excessos da Escola Exegética Francesa, não se pode olvidar da supremacia democrática traduzida pela formação da lei, através do corpo Legislativo, ao que o Poder Judiciário está igualmente encarregado da nobre tarefa de aplicação da interpretação autêntica, fruto do processo legislativo democrático.

Nestes termos, é o próprio CTN que dispõe:

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;

Não há qualquer inovação, o art. 3º, da Lei Complementar n. 118, simplesmente expressou o que o CTN já estatuia desde sua edição, embora contrastado por celeumas interpretativas. Luciano Amaro destaca:

"O art. 3º da Lei Complementar n. 118/2005, à guisa de norma interpretativa (art. 4º, in fine), reiterou o que o art. 150, §1º, já dizia, ao estatuir que, para efeito do referido art. 168, I, ‘a extinção do crédito tributário ocorre no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o §1º do art. 150.’" (AMARO, 2005:428)

Nestes termos, a partir da entrada em vigor da Lei Complementar n. 118/2005, restou-se inquestionável que o prazo de prescrição para a restituição de tributos, mesmo que sob alegação de inconstitucionalidade de seu recolhimento, é contado a partir do pagamento do tributo, findando após o transcurso de cinco anos. Conclui-se assim que eventual pedido de restituição de valores recolhidos a título de contribuição social fundada na remuneração do agente político, em espeque à apregoada inconstitucionalidade da Lei n. 9.506/97, tem prazo prescricional de cinco anos contados do recolhimento, não interferindo no fato a data de publicação da Resolução do Senado.

Consta mesmo em Acórdão no Superior Tribunal de Justiça:

"(...) 18. Consectário desse raciocínio é que a Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro de 2005, aplica-se, tão somente, aos fatos geradores pretéritos ainda não submetidos ao crivo judicial, pelo que o novo regramento não é retroativo mercê de interpretativo. (...)" (Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Classe: ERESP - EMBARGOS DE DIVERGENCIA NO RECURSO ESPECIAL – 539212 Processo: 200400334441 UF: RS Órgão Julgador: PRIMEIRA SEÇÃO Data da decisão: 08/06/2005 Documento: STJ000620747 Fonte DJ DATA:27/06/2005 PÁGINA:216 Relator(a) LUIZ FUX)


3. Emenda Constitucional n. 20/98 e implicações quanto à competência tributária

A declaração de inconstitucionalidade da alínea h, inciso I, do art. 12 da Lei n. 8.212/91, acrescida pelo §1º, do art. 13 da Lei n. 9.506/97, foi objeto de controle de constitucionalidade difuso, incidental, efetivado pelo Supremo Tribunal Federal, diante da redação originária da Constituição da República. O controle difuso de constitucionalidade fundamenta-se na vinculação do caso concreto para com a aplicação da norma jurídica imputada de vício validade, conferindo assim ao Judiciário, em fase de adequação normativa, o poder-atribuição de afastar o regramento dissonante para com a Constituição em favor da supremacia desta. A declaração incidental é elemento necessário a fim de que o jurisdicionado galgue o fundamento fim da demanda, ao que aborda a matéria temática perante o quadro constitucional que ocasionou a imposição tributária. Não se trata desta forma de controle abstrato do ordenamento jurídico, matéria reservada ao próprio STF, mas em sede de controle concentrado.

Em verdade, portanto, a decisão do Supremo não repeliu a conformação constitucional da contribuição social incidente sobre os agentes políticos, mas sim, afastou a constitucionalidade da contribuição segundo o quadro constitucioal do caso concreto levado a julgamento, o qual era alheio à Emenda Constitucional n. 20/98, e sim vinculado à redação originária da Carta Constitucional. A declaração de inconstitucionalidade deve ser situada no tempo e no espaço, inviabilizando assim ilações expansionistas de sentido da decisão para além da própria situação concreta.

A decisão do Supremo Tribunal Federal fundou-se na redação atribuída originalmente ao art. 195 da Carta, constando em suas disposições originais:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

Texto anterior

I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;

II – dos trabalhadores

Trata-se assim de verdadeiro corte no tempo e no espaço, fração situada na qual a Suprema Corte apreciou a Lei n. 9.506/97 em relação à configuração constitucional prévia à Emenda Constitucional n. 20/98, ou seja, perante a redação original da Constituição da República. O controle de constitucionalidade difuso, em sua essência de análise concreta do ato normativo, remonta ao direito norte-americano (judicial review), tendo encontrado no Brasil sua acolhida a partir do Decreto 848, de 1890. Ao contrário do controle abstrato, de origem européia e em liame ao direito austríaco, o controle difuso foca o caso concreto, ao que, logicamente, a decisão proferida está adstrita à disciplina normativo-constitucional pertinente ao próprio caso concreto, não enfeixando-se análise abstrata do ordenamento.

A decisão do Supremo Tribunal Federal restringe-se ao período anterior à Emenda Constitucional n. 20/98, pois esta alterou o ordenamento jurídico constitucional, modificando o disposto no art. 195 da Carta, e nesta seqüência modificando a previsão constitucional da fonte de custeio da seguridade social. O fundamento da inconstitucionalidade do dispositivo analisado situa-se no exercício da competência residual, confrontando, conforme próprio ao processo de controle difuso, a situação concreta de tributação determinada pela Lei n. 9.506/97 para com a redação original da Constituição. Por conseguinte, afirmando o Supremo Tribunal que a imposição de tributação em prol da seguridade social, na redação original da Constituição, somente poderia basear-se em fonte de custeio prevista na Constituição, ou seja, contribuições dos trabalhadores e dos empregadores, exigia a Constituição Lei Complementar a fim de legitimar a imposição de contribuição sobre fonte de custeio nova, assim considerada a remuneração dos agentes políticos. A exigência de lei complementar para criação de fonte de custeio nova da seguridade social encontra-se no art. 195, §4º, combinado com o art. 154, inciso I, ambos da Constituição da República:

Art. 195. (...)

§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.

Art. 154. A União poderá instituir:

I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;

Considerando que a Lei n. 9.506/97 é lei ordinária, não seguindo assim a diretriz constitucional que exigira Lei Complementar, revela-se a inconstitucionalidade daquela, por exercício inconstitucional da competência residual. Desenvolvendo-se o controle de constitucionalidade difuso com foco no caso concreto e igualmente na disposição constitucional pertinente em tempo e espaço, a inconstitucionalidade foi tratada tão somente perante a redação originária da Constituição.

Entretanto, a Emenda Constitucional n. 20/98 atribuiu nova redação ao diploma constitucional:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98):

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

Houve assim clara alteração das bases de incidência de contribuições para a seguridade social, o que faz por abranger o campo da competência tributária e exercício do poder de tributar, retirando matéria antes afeta ao âmbito residual.

O STF afirmara que a Constituição da República em sua redação originária não comportava, enquanto fonte de custeio, a contribuição dos agentes políticos, ao que necessário seria o uso da competência residual. Entretanto, conforme expressamente observado pelos próprios Julgados da Suprema Corte, a Emenda Constitucional n. 20/98 modificou a fonte de custeio da seguridade social, ao que, após a Emenda em questão, não se trata de nova fonte de custeio, pois a própria Carta já prevê serem fonte de custeio da seguridade a remuneração a qualquer título, seja ou não oriunda de vínculo empregatício. A tributação em questão, após a Emenda Constitucional n. 20/98, não se caracteriza enquanto exercício de competência residual, pelo contrário, é mero exercício do Poder-Dever de Tributar constitucionalmente estabelecido.

Observa-se nos Julgados da Corte Suprema a expressa referência à Emenda Constitucional n. 20/98, enquanto marco definidor interpretativo da decisão prolatada em sede de controle difuso:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. DETENTORES DE MANDATO ELETIVO. LEI 9.506/97. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 351.717/PR, rel. Min. Carlos Velloso, unânime, declarou a inconstitucionalidade do art. 13, § 1º da Lei 9.506/97 - que instituiu contribuição social para o custeio da previdência de agentes políticos -, por contrariedade aos artigos 195 (redação original) e 154, I da Constituição. 2. A alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 20/98 no referido art. 195 da CF/88, portanto, não está em causa. 3. Agravo regimental improvido. (STF RE-AgR 344393 / RS - RIO GRANDE DO SUL AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. ELLEN GRACIE Julgamento: 23/11/2004 Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação: DJ 10-12-2004 PP-00046 EMENT VOL-02176-03 PP-00390)

"(...)

A instituição dessa nova contribuição, que não estaria incidindo sobre "a folha de salários, o faturamento e os lucros" (C.F., art. 195, I, sem a EC 20/98), exigiria a técnica da competência residual da União, art. 154, I, ex vi do disposto no art. 195, § 4º, ambos da C.F. É dizer, somente por lei complementar poderia ser instituída citada contribuição. (...) (STF RE-AgR 334794 / PR – PARANÁ AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 10/02/2004 Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação: DJ 05-03-2004 PP-00028 EMENT VOL-02142-07 PP-0123)

A Emenda Constitucional n. 20/98 estabeleceu assim um marco divisório interpretativo quanto à contribuição dos agentes políticos, ao que após a modificação constitucional procedida junto ao art. 195 CR não se há que falar em inviabilidade da tributação em questão, a qual guarda total sintonia com a nova diretriz constitucional.

A Emenda Constitucional n. 20/98, que reestruturou as bases contributivas da seguridade social está em plena sintonia com preocupação mundial com o sustento da previdência pública, não se encontrando o Brasil solto no espaço ou distante do caminhar jurídico internacional. Pelo contrário, a reestruturação tributária contributiva pátria revela sintonia com diplomas alienígenas, como o Code de La Sécurité Sociale, norma francesa cuja leitura revela a proximidade de fundamentos e desígnios para com a norma brasileira:

CODE DE LA SECURITE SOCIALE

(Partie Législative)

Chapitre 1er : Organisation de la sécurité sociale

Article L111-1

(Loi nº 99-641 du 27 juillet 1999 art. 2 I Journal Officiel du 28 juillet 1999 en vigueur le 1er janvier 2000)

(Loi nº 2001-1246 du 21 décembre 2001 art. 55 VIII Journal Officiel du 26 décembre 2001)

L''organisation de la sécurité sociale est fondée sur le principe de solidarité nationale.

Elle garantit les travailleurs et leur famille contre les risques de toute nature susceptibles de réduire ou de supprimer leur capacité de gain. Elle couvre également les charges de maternité, de paternité et les charges de famille.

Elle assure, pour toute autre personne et pour les membres de sa famille résidant sur le territoire français, la couverture des charges de maladie, de maternité et de paternité ainsi que des charges de famille.

Cette garantie s''exerce par l''affiliation des intéressés et le rattachement de leurs ayants droit à un (ou plusieurs) régime(s) obligatoire(s).

Elle assure le service des prestations d''assurances sociales, d''accidents du travail et maladies professionnelles, des allocations de vieillesse ainsi que le service des prestations familiales dans le cadre des dispositions fixées par le présent code. Verifica-se a extensão da fonte de custeio:

Article L111-2-2

(inséré par Loi nº 2005-882 du 2 août 2005 art. 90 I Journal Officiel du 3 août 2005)

Sous réserve des traités et accords internationaux régulièrement ratifiés ou approuvés, sont affiliées à un régime obligatoire de sécurité sociale dans le cadre du présent code, quel que soit leur âge, leur sexe, leur nationalité ou leur lieu de résidence, toutes les personnes exerçant sur le territoire français, à titre temporaire ou permanent, à temps plein ou à temps partiel :

- une activité pour le compte d''un ou de plusieurs employeurs, ayant ou non un établissement en France, et quels que soient le montant et la nature de leur rémunération, la forme, la nature ou la validité de leur contrat ;

- une activité professionnelle non salariée.

Não há dúvidas de que a própria Constituição, por meio do Poder Constituinte Derivado, estendeu fonte de custeio. Assim, a partir da Emenda Constitucional n. 20/98, inquestionável ser devida a contribuição social para a seguridade por parte dos agentes políticos. Os efeitos da Emenda Constitucional n. 20/98 enquanto fundamento constitucional para a tributação são tratados em elucidativo Acórdão do Tribunal Regional Federal da 4a Região:

"O entendimento desta Corte (Argüição de Inconstitucionalidade n.º 1998.04.01.080564-6, sessão de 05.09.2000, Relator Juiz José Luiz B. Germano da Silva) de que o agente político pode ser considerado trabalhador, devendo ser incluído entre os contribuintes da Previdência Social, restou superado pela manifestação do Excelso STF, no sentido da inconstitucionalidade da alínea "h" do inc. "I" do art. 12 da Lei 8.212/91, introduzida pelo § 1º do art. 13, IV, da Lei 9.506/97 (Recurso Extraordinário 351717/PR, Relator Ministro Carlos Velloso, julgado em 08.10.2003, publicado no DJU de 21.11.2003). No entanto, a posterior alteração constitucional promovida pela EC 20/98 convalidou a referida contribuição, conforme entendimento adotado por esta Corte quando do julgamento do AI nº 2004.04.01.029507-5/RS, em 14.09.2004, relator o eminente Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira." (Origem: TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO Classe: AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO Processo: 200404010070971 UF: PR Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Data da decisão: 09/11/2004 Documento: TRF400103704 Fonte DJU DATA:26/01/2005 PÁGINA: 420)

Em linha de seqüência, a Emenda Constitucional n. 20/98 explicitou de forma solar que, a partir de sua entrada em vigor, as contribuições sociais para a seguridade social estariam plenamente amparadas nas fontes de custeio estabelecidas no art. 195 CR, ao que a imposição tributária sobre os agentes políticos é pura decorrência da norma constitucional derivada, que passa a albergar os diplomas normativos impositivos da tributação. Assim, consta do art. 12 da EC 20/98:

Art. 12. Até que produzam efeitos as leis que irão dispor sobre as contribuições de que trata o art. 195 da Constituição Federal, são exigíveis as estabelecidas em lei, destinadas ao custeio da seguridade social e dos diversos regimes previdenciários.

Destarte, até que disposta a matéria em lei posterior à Emenda, continuaram, por força de norma constitucional derivada, a prevalecer as contribuições estabelecidas em lei à data da edição da própria EC 20/98. Deve-se aqui salientar a distinção entre lei e norma jurídica. A lei é simplesmente a formalização jurídica do adentramento da norma no ordenamento, a essência deontológica não se encontra presente na lei, mas na norma jurídica, conforme seculares ensinamentos de Hans Kelsen.

A lei n. 9.506/97 não foi tida por inconstitucional pelo STF em razão da norma que ditava, mas sim em causa da roupagem normativa que lhe foi dada: lei ordinária, ao invés de lei complementar. O art. 12 da EC 20/98, perfilhando por si a validade e exigibilidade DA NORMA JURÍDICA, determinou a exigibilidade das contribuições sociais então existentes, dentre as quais se incluem as contribuições sociais incidentes em razão do exercício da atividade de agente político, ao que, A NORMA JURÍDICA que definiu a contribuição encontrou amparo e fundamento de validade na própria Emenda Constitucional, e não na roupagem lei.

Neste sentido é que a exigibilidade das contribuições sociais em questão, antes fundada na lei, ganhou novo espeque, a própria Constituição, em sua feição derivada. Ou seja, após 16 de dezembro de 1998, data da publicação da EC 20 no Diário Oficial, houve verdadeira mutação em recepção da norma pertinente às contribuições dos agentes políticos, a qual auferiu nova matriz de imposição e validade, até que aprovada nova lei, permaneceria a norma antes existente.

E tal ocorreu, seguiu-se: a lei n. 10.887, de 18 de junho de 2004, em pleno cumprimento à prescrição constitucional derivada, acrescentando a alínea j, ao inciso I, art. 12, da Lei n. 8.212/91:

Art. 11. A Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 12.. ..............................................

I -. ......................................................

j) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social;

A Lei n. 10.887/04 foi seguida com posterior edição da Resolução n. 26 do Congresso Nacional em 21 de junho de 2005, extirpando do ordenamento o dispositivo constante no art. 13 da lei n. 9.506/97, afinal, tendo em conta que a essência normativa já havia sido perfilhada pela Emenda Constitucional n. 20/98, em seu art. 12, com sequencial explicitação na Lei n. 10.887/04, a qual assim assumiu a imposição da norma, o texto da Lei n. 9.506/97, que já tivera sua força normativa afastada até a Emenda Constitucional n. 20/98, perdera igualmente sua sustentação constitucional derivada, ocasionando assim sua exclusão pelo comando da Resolução. Em verdade, a Lei n. 10.887/04 não instituiu contribuições novas, mas sim implementou diretriz constitucional derivada que, esta sim, acolheu a contribuição incidente sobre os agentes políticos. Houve plena efetivação do comando constitucional derivado, ao que: «até que produzam efeitos as leis que irão dispor sobre as contribuições de que trata o art. 195 da Constituição Federal, são exigíveis as estabelecidas em lei, destinadas ao custeio da seguridade social e dos diversos regimes previdenciários». Assim, a ditretriz constitucional derivada determina que: até que produza efeitos a Lei n. 10.887/04, sao exigíveis as contribuições constantes na Lei n. 9.506/97. Gera-se dois marcos de interpretação: antes da Emenda Constitucional n. 20/98 a contribuição não é exigível por ausência de fundamento constitucional; após a Emenda Constitucional há exigibilidade, assumindo a Lei n. 10.887 a força normativa prevista no art. 12 da EC 20/98 a partir de sua publicação. Não há quebra do sistema, pelo contrário, a postura é frequentemente adotada pela Constituição pátria, como ocorreu com o FINSOCIAL e o art. 56 do ADCT:

Art. 56. Até que a lei disponha sobre o art. 195, I, a arrecadação decorrente de, no mínimo, cinco dos seis décimos percentuais correspondentes à alíquota da contribuição de que trata o Decreto-Lei nº 1.940, de 25 de maio de 1982, alterada pelo Decreto-Lei nº 2.049, de 1º de agosto de 1983, pelo Decreto nº 91.236, de 8 de maio de 1985, e pela Lei nº 7.611, de 8 de julho de 1987, passa a integrar a receita da seguridade social, ressalvados, exclusivamente no exercício de 1988, os compromissos assumidos com programas e projetos em andamento.

Tanto assim é que o STF expressamente se manifestou quanto aos limites de seu julgamento, referindo-se tão somente ao dispositivo de lei, e não à norma, que após a EC 20/98, conforme sustentamos, fora objeto de mutação em recepção constitucional derivada, delimitando que a decisão não se encontrava em referência à Emenda Constitucional n. 20/98:

EMENTA: Contribuição previdenciária de agentes políticos instituída pelo § 1º do art. 13 da L. 9.506/97, que acrescentou a alínea h no inciso I do art. 12 da L. 8.212/91: inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal no julgamento do RE 351.717 (Pleno, Carlos Velloso, DJ 21.11.2003), por afronta ao artigo 195, II, CF sem a EC 20/98

(STF - RE-AgR 344571 / PR – PARANÁ AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 30/03/2004 Órgão Julgador: Primeira Turma Publicação: DJ 30-04-2004 PP-00046 EMENT VOL-02149-10 PP-01961)

O fenômeno não é novo no ordenamento jurídico tributário brasileiro, já tendo ocorrido alteração do fundamento constitucional de exações tributárias outras, tal como o PIS, em sua reconfiguração pela Constituição de 1988, quando tal fenômeno constitucional foi plenamente reconhecido pelo STF.

STF RE 169091 / RJ - RIO DE JANEIRO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 07/06/1995 Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO Publicação: DJ 04-08-1995 PP-22522 EMENT VOL-01794-19 PP-04110

EMENTA: PIS: LC 7/70: RECEPÇÃO, SEM SOLUÇÃO DE CONTINUIDADE, PELO ART. 239 DA CONSTITUIÇÃO. DISPONDO O ART. 239 CF SOBRE O DESTINO DA ARRECADAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS, A PARTIR DA DATA MESMA DA PROMULGAÇÃO DA LEI FUNDAMENTAL EM QUE SE INSERE, E EVIDENTE QUE SE TRATA DE NORMA DE EFICACIA PLENA E IMEDIATA, MEDIANTE A RECEPÇÃO DE LEGISLAÇÃO ANTERIOR; O QUE, NO MESMO ART. 239, SE CONDICIONOU A DISCIPLINA DA LEI FUTURA NÃO FOI A CONTINUIDADE DA COBRANÇA DA EXAÇÃO, MAS APENAS - COMO EXPLICITO NA PARTE FINAL DO DISPOSITIVO - OS TERMOS EM QUE A SUA ARRECADAÇÃO SERIA UTILIZADA NO FINANCIAMENTO DO PROGRAMA DE SEGURO-DESEMPREGO E DO ABONO INSTITUIDO POR SEU PAR. 3.


4. Lei Complementar e exercício do poder de tributar em relação às contribuições sociais para a seguridade social

A Lei Complementar é identificada, conforme sólida jurisprudência, por exigência específica e expressa da Constituição da República, ao que esta elege quais matérias são submetidas à disciplina da Lei Complementar, contornos estes que identificam o viés material da mesma.

A vinculação de disciplina na Lei Complementar está afeta ao caráter nacional da mesma, ao que a doutrina a nomeia como uma lei nacional. Assim, o que fundamenta a existência da Lei Complementar sob o ângulo jurídico é a explicitação constitucional de sua previsão.

A necessidade de lei complementar em matéria tributária quanto às contribuições sociais para a seguridade somente se revela quando visar o legislador a instituir nova fonte de custeio, no exercício de competência tributária residual, consoante está previsto no artigo 195, §4º, CR, o qual dispõe:

§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.

Destarte, somente se exige lei complementar quando se tratar de instituição de nova fonte de custeio a partir de ato infraconstitucional, ou seja, quando a legislação infra-constitucional pretender efetivar novo parâmetro contributivo para a seguridade social não previsto na própria Constituição. Entretanto, a partir da Emenda Constitucional n. 20/98 há previsão constitucional da fonte de custeio que ampara a tributação sobre os agentes políticos, o que torna desnecessária qualquer lei complementar. Fundando-se a contribuição social para a seguridade social em fonte de custeio já prevista na Constituição, não há exercício de competência tributária residual, ao que a sujeição passiva dos agentes políticos à tributação é consectário constitucional e legal.

Neste sentido, ressalta Leandro Paulsen:

"A referência à possibilidade de instituição de outras fontes, claramente, remete ao futuro, ou seja, a instituição de fontes novas de custeio que não as já previstas nos incisos I, II e III, deste art. 195, excluídas da sua incidência, ainda, as que já existiam quando do advento da CF/88 e que foram por ela recepcionados." (Paulsen, 2004:541/542)

Se há a previsão constitucional da fonte de custeio, torna-se claro que nada foi instituído pela legislação ordinária, mas sim pela própria Constituição. A necessidade de lei complementar restringe-se às hipóteses em que a Constituição não arrola a fonte de custeio pretendida como base de incidência da tributação. Considerando que a própria Carta expõe enquanto fonte de custeio da seguridade a contribuição sobre rendimentos pagos ou creditados a qualquer título, assim como daquele segurado pela previdência social a qualquer título, a operacionalização normativa da contribuição exige tão somente lei ordinária, e não complementar, pois trata-se de fonte de custeio já existente.

Portanto, tendo em vista que a própria Constituição institui a fonte de custeio, por meio do poder constituinte derivado, materializado na EC 20/98, seria contrário ao princípio da supremacia constitucional desconsiderá-la, havendo apenas exercício da capacidade e competência tributária já explicitada na Constituição. Por decorrência, considerando que não se trata criação de fonte de custeio, inexiste obrigação de lei complementar quanto à matéria, ao que a partir da EC 20 a imposição de contribuições sociais para a seguridade que incidam sobre a remuneração dos agentes políticos é consectário constitucional.

Quanto ao artigo 146, III, alínea ‘a’, da Constituição, necessário salientar: as contribuições sociais para a seguridade social são espécies tributárias próprias, sendo que a Constituição somente exige lei complementar para identificar fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes de impostos, e não das denominadas contribuições especiais, dentre as quais, as contribuições sociais para a seguridade social. Não é de menor importância lembrar que os impostos são tributos de imposição possível por todos os entes federativos, logicamente, cada um destes dentro de seu âmbito de competência e capacidade tributária. Assim, a fim de evitar-se conflitos de competência na imposição de impostos, necessária uma lei que delimite o âmbito e essência dos mesmos, donde há que ser uma lei nacional, figura que remete à lei complementar. Já as contribuições para a seguridade social são de instituição exclusiva por parte da União. Ora, não há possibilidade de conflito de competência quanto ao seu exercício. Por via lógica, não há necessidade de lei complementar, dispondo a lei ordinária quanto à matéria do fato gerador ou contribuintes, por absoluta ausência de possibilidade de distúrbios federativos no exercício da capacidade e competência tributárias. A necessidade de lei complementar não é exigência formalística romana, mas consectário da lógica própria do sistema jurídico.

A Constituição é límpida ao exigir a lei complementar somente no que tange fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos, e não das contribuições sociais ou demais tributos:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

A questão encontra-se solidificada pelo Supremo Tribunal Federal:

As contribuições de seguridade social - inclusive aquelas que incidem sobre os servidores públicos federais em atividade -, embora sujeitas, como qualquer tributo, às normas gerais estabelecidas na lei complementar a que se refere o art. 146, III, da Constituição, não dependem, para o específico efeito de sua instituição, da edição de nova lei complementar, eis que, precisamente por não se qualificarem como impostos, torna-se inexigível, quanto a elas, a utilização dessa espécie normativa para os fins a que alude o art. 146, III, a, segunda parte, da Carta Política, vale dizer, para a definição dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Precedente: RTJ 143/313-314.» ADI-MC 2010 / DF - DISTRITO FEDERAL MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 30/09/1999 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ 12-04-2002 PP-00051 EMENT VOL-02064-01 PP-00086


5. Contribuições de agentes políticos não exercentes de mandato eletivo

Embora haja referência constante na jurisprudência e doutrina à Lei n. 9.506/97 como origem da contribuição dos agentes políticos, em verdade, esta restringe-se a determinada categoria de agentes políticos, quais sejam os ocupantes de mandato eletivo, em âmbito federal, estadual e municipal. A norma em questão não abrangeu os agentes públicos em seu gênero, nem mesmo a totalidade dos agentes políticos. Os agentes públicos, na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, são classificados em três categorias: agentes políticos; servidores estatais; particulares em colaboração com o Poder Público:

"Agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os Governadores de Estado, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes de Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e os Vereadores.

O vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é de natureza profissional, mas de natureza política." (MELLO, 2005:229)

A contribuição social para a seguridade social incidente sobre a remuneração dos agentes políticos que não exerçam mandato eletivo não se funda na Lei n. 9.506/97, mas sim no art. 12, §6º, da Lei n. 8.212/91, em redação conferida pela Lei n. 9.876/99:

Art. 12. (...)

§ 6º Aplica-se o disposto na alínea g do inciso I do caput ao ocupante de cargo de Ministro de Estado, de Secretário Estadual, Distrital ou Municipal, sem vínculo efetivo com a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, ainda que em regime especial, e fundações. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

A alínea g, inciso I, do art. 12 estatui:

Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

I - como empregado:

g) o servidor público ocupante de cargo em comissão, sem vínculo efetivo com a União, Autarquias, inclusive em regime especial, e Fundações Públicas Federais; (Alínea acrescentada pela Lei nº 8.647, de 13.4.93)

Destaque-se ainda o disposto no art. 15:

Art. 15. Considera-se:

I - empresa - a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional;

Portanto, havendo fundamento legal diverso de imposição, a contribuição de referidos agentes políticos não foi objeto de controle de constitucionalidade difuso pelo STF, quanto mais abrangida pela Resolução n. 26 do Senado, sendo inclusive a norma em questão posterior à Emenda Constitucional n. 20/98, ao que presente plenamente a previsão de fonte de custeio pela própria Carta. A imposição tributária em face dos agentes políticos não eletivos emerge assim como contribuição diversa, incidente igualmente sobre agentes políticos, mas agentes políticos não ocupantes de mandato eletivo e ainda tratando como condição que não exerçam cargo efetivo na União, Estados e Municípios.


6. Conclusões

Em conclusão, tem-se que a Emenda Constitucional n. 20/98 configura-se como marco interpretativo para incidência da contribuição social para a seguridade social incidente sobre agentes políticos. A exigibilidade com fundamento na Lei n. 9.506/97, até o advendo da Emenda Constitucional n. 20/98 revela-se indevida. Não obstante, as normas regentes para a verificação da prescrição pautam-se pelos critérios constantes na Lei Complementar n. 118, ao que a declaração de inconstitucionalidade pelo STF ou a Resolução n. 26/2005, do Senado, não interferem no termo prescricional, considerado como momento da extinção do crédito tributário, sendo este a data do pagamento antecipado do mesmo.

Após a Emenda Constitucional n. 20/98, a contribuição incidente sobre os agentes políticos galgou nova configuração constitucional, em fenômeno tido como mutação em recepção constitucional derivada. Além, a Emenda instituiu novas fontes de custeio dentro do próprio quadro constitucional, ao que a tributação fundada nas referidas fontes prescinde de lei complementar, não se afigurando enquanto exercício de tributação residual, ao que para tanto basta a lei ordinária.

Ultrapassar limites de uma interpretação jurídica oitocentista, amarrada a grilhões centenários, a fim de galgar-se verdeiramente uma prática científica ao Direito, com o reconhecimento da superação de padrões seculares em prol de uma compreensão sempre aberta às inovações normativas e institutos jurídicos, é condição elementar para a plena supremacia constitucional, seja em sua feição originária, seja em sua feição derivada. Agarrar-se a feições hermenêuticas incompatíveis ao paradigma do Estado Democrático do Direito é deturbar a luta constante na construção de uma ciência jurídica em prol do entendimento do Direito enquanto instrumento reacionário e de conservação, mera repetição, sem engendrar novas teses e concepções. Enquanto o cientista físico ou biológico realiza-se na superação de interpretações e teorias passadas em busca da evolução da ciência, por vezes o intérprete jurídico ainda se pauta em critérios ancestrais e paleosóicos, confundindo a segurança jurídica com inércia reacionária. A força constitucional da Emenda Constitucional é banhada com o princípio da Supremacia da Constituição, ao que negar-se a novas configurações de institutos jurídicos é negar conjuntamente a progressão evolutiva do Direito e a própria Supremacia da Constituição em prol da manutenção conceitual do passado, tal como se o Direito estivesse condenado à fossilização hermenêutica.

Nestes termos, visualizar a integridade do Direito em prol da Supremacia da Constituição é assumir o caráter científico do próprio Direito, alargando a apreensão do ordenamento para além de critérios do passado, e passando a assumir uma hermenêutica contemporânea e radicada na contextualização presente, sem grilhões que afastem a função prospectiva do ordenamento jurídico.


7. Bibliografia

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005

BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito intertemporal. Rio de Janeiro: Forense, 1980.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. Jéferson Luiz Camargo. Sao Paulo: Martins Fontes, 1999

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 4a Edição. São Paulo: Martins Fontes, 1994

MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 19a Edição. São Paulo: Malheiros, 2005

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004


Autor

  • Marcelo Kokke Gomes

    Mestre e Doutorando em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC - Rio. Pós-graduado em Processo Constitucional. Aperfeiçoamento em Introduction to Philosophy - University of Edinburgh; Constitutional Struggles in the Muslim World - University of Copenhagen. Professor de Direito Constitucional - Escola Superior Dom Helder Câmara. Professor de pós-graduação PUC-MG e Instituto para o Desenvolvimento Democrático - IDDE. Professor Colaborador da Escola da Advocacia-Geral da União. Procurador Federal. Procurador-Chefe da Procuradoria Especializada junto ao IBAMA em Minas Gerais.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Marcelo Kokke. Contribuição social dos agentes políticos. Reflexos da Emenda Constitucional nº 20/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1093, 29 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8578. Acesso em: 28 mar. 2024.