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Incidentes de liberdade e as inovações do pacote anticrime

Incidentes de liberdade e as inovações do pacote anticrime

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Reflexões sobre os incidentes de liberdade, em suas mais diversas modalidades, com abordagens preliminares acerca das ações de impugnação da prisão.

A verdadeira liberdade é um ato puramente interior, como a verdadeira solidão: devemos aprender a sentir-nos livres até num cárcere, e a estar sozinhos até no meio da multidão.

 (Massimo Bontempelli)

RESUMO. O presente texto tem por finalidade principal analisar, sem pretensão exauriente, os incidentes de liberdade nas diversas modalidade de prisões processuais existentes no direito pátrio, com abordagens preliminares acerca das ações de impugnações na prisão em flagrante, prisões preventiva e temporária por meio do relaxamento ou revogação da prisão, e abordagem sucinta acerca da ação de habeas corpus como instrumento de impugnação de prisões ilegais. Visa a, ainda, apresentar as inovações introduzidas no Código de processo penal, com advento da Lei nº 13.964, de 2019, que criou o chamado Pacote Anticrime no Brasil.

Palavras-chave. Prisão; modalidades; incidentes de liberdade.


INTRODUÇÃO.

Na parte exordial deste texto, mister se faz a citação do artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que consigna, expressamente, norma transcendental no sentido de que todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

E assim, teme-se que o tema prisão e liberdade provisória sempre chamou a atenção da sociedade brasileira em seus múltiplos estratos, lançando holofotes de luzes incandescentes, noutras vezes raios de trevas num contraste de lamentações, tristeza, aparecimento de agentes públicos e, assim, corriqueiramente se irradia na atividade acadêmica, midiática, social e econômica.

No mundo jurídico em especial para quem se dedica nas funções penal e processual, claramente perceptível nas suas atividades diárias, se apresentando em grande volume no expediente forense e nas atividades de polícia. Assim, quando o assunto é prisão ou liberdade provisória, o tema passa a ocupar os noticiários das redes sociais, notadamente quando se refere ao envolvimento de personalidades ou autoridades públicas, ou ainda quando se deparam com fatos gravíssimos que mexem com o sentimento da sociedade, e, portanto, também ocupam os espaços sociais, passando a merecer destaque nessa seara.

Outrossim, pode-se afirmar que a prisão mexe com a economia de um país, região ou cidade, considerando que os fatos criminosos afetam as atividades turísticas de determinada região, podendo deixar de atrair o turismo para aquela localidade, afastando as pessoas em razão da violência registrada.

Nesse contexto, importante afirmar que nos países considerados democráticos, tendo o estado de direito relevância significativa, a liberdade sempre foi a regra dessa sociedade, deixando a prisão como exceção, com rigorosa observância dos princípios da excepcionalidade e proporcionalidade, e há quem afirme que a prisão seria a extrema ratio da última ratio.

Para melhor desenvolvimento do tema proposto, serão mencionadas as modalidades de prisão processual existentes no ordenamento jurídico pátrio e as respectivas ações de impugnações de acordo com suas hipóteses de cabimento.


1. DAS MODALIDADES DE PRISÕES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Para fins acadêmicos, a doutrina brasileira, com espeque no direito positivo, classifica a prisão como sendo penal e processual. A primeira é aquela prisão definitiva, que houve esgotamento de todas as instâncias recursais, qual seja, é aquela prisão em que se formou o título executivo e passa agora para a fase da pretensão executória do estado. Em últimas palavras, é aquela que não tem mais cabimento de recursos, aquela que transitou em julgado. 

As demais modalidades de prisão na esfera penal são chamadas de prisões processuais. Assim, a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária são rotuladas de prisões processuais ou provisórias, também conhecidas por prisões cautelares, por serem aquelas que ocorrem no processo penal antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Desta forma, é possível sintetizar tudo isso, com a citação da fórmula geral do artigo 5º, inciso LXI da Constituição da República de 1988, segundo o qual ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

1.1 DA PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO

O instituto da prisão em flagrante é previsto na Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso LXI, e detalhado no artigo 302 ao artigo 310 do Código de Processo penal.  Destarte, logo no artigo 302 do CPP, a prisão em flagrante é considerada a quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

A doutrina classifica os incisos I e II, como modalidades de flagrante próprio, sendo o inciso III, etiquetado como flagrante impróprio e o inciso IV, como flagrante presumido. A prisão em flagrante deve ser efetuada com o rigoroso cumprimento das normas constitucionais e processuais em vigor, sob pena de ser invalidada por meio das ações próprias.

Assim, apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto.

Resultando das respostas fundada suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja.

O Código de Processo penal passa a fornecer uma sequência lógica para a formalização da prisão em flagrante, e, no tocante às testemunhas, prevê que a falta de testemunhas da infração não impedirá o auto de prisão em flagrante; mas, nesse caso, com o condutor, deverão assiná-lo pelo menos duas pessoas que hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade. Da lavratura do auto de prisão em flagrante deverá constar a informação sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência, e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa.

Outras formalidades processuais importantes são extraídas a partir do artigo 306 do CPP, o qual prevê que a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.

No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. Quando o fato for praticado em presença da autoridade, ou contra esta, no exercício de suas funções, constarão do auto a narração deste fato, a voz de prisão, as declarações que fizer o preso e os depoimentos das testemunhas, sendo tudo assinado pela autoridade, pelo preso e pelas testemunhas e remetido imediatamente ao juiz a quem couber tomar conhecimento do fato delituoso, se não o for a autoridade que houver presidido o auto.

Um aspecto importante de controle da prisão em flagrante encontra-se previsto no artigo 310 do CPP, com modificações processadas pelo Pacote Anticrime, que, segundo comando normativo imperativo, após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover a audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:

I - relaxar a prisão ilegal; ou  

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.    

Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato em qualquer das condições acobertadas pelas excludentes de ilicitudes, artigo 23 do Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos processuais, sob pena de revogação.

Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares.

A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de custódia no prazo de 24 horas responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão.

Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo estabelecido para a realização da audiência de custódia, a não realização dessa audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva.  

Outras formalidades atinentes à prisão em flagrante devem ser observadas, obrigatoriamente, dado o seu rótulo de direitos fundamentais, elencados no rol do artigo 5º da Carta Magna, a saber:

LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;

LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária.    

1.2 DO RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE

Como se percebe claramente no tópico anterior, a prisão em flagrante poderá ser relaxada caso se apresente ilegal. Os casos de ilegalidade podem ser retratados em falta de cumprimento das formalidades legais, inexistência de situação flagrancional, atipicidade do fato e excesso de prazo para conclusão da medida extrema.

Portanto, a prisão legal deverá ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciária, conforme previsto no artigo 5º, inciso LXV c/c artigo 310, inciso I, do Código de Processo penal, devendo ser instrumentalizada ao Juiz de direito em casos de ilegalidade praticada pelo Delegado de Polícia, ou ao mesmo Juiz, autor da ilegalidade ou ainda à Instância superior, caso a ilegalidade seja praticada pela Autoridade judiciária.

1.3 APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO

Analisando o artigo 310, I, II e III, do CPP, percebe-se que o juiz, ao receber a comunicação da prisão em flagrante, deverá analisar a observância da legalidade da prisão e sendo o caso, poderá relaxar a prisão. Não sendo caso de relaxamento, considerando então que a prisão foi legal, o magistrado passa a analisar a presença dos pressupostos objetivos e subjetivos da prisão preventiva, artigo 311 e SS do CPP, e, diante da ausência poderá colocar o investigado em liberdade provisória sem aplicação de nenhuma medida cautelar.

Como bem sintetiza NICOLITTI, se presentes os pressupostos e os fundamentos das medidas cautelares, o juiz, aí sim, poderá colocar o indiciado em liberdade, porém, com aplicação de medidas cautelares (art. 319 do CPP), neste caso, não estaremos diante da liberdade plena, e, sim, liberdade provisória.[1]

Em síntese, sendo legal a prisão, ausentes os pressupostos para o decreto da prisão preventiva, poderá o juiz aplicar as medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, a saber:

Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão:             

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;           

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;          

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;         

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;           

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;         

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;           

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;            

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;             

IX - monitoração eletrônica

1.4 DO CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE OU OFENSA AO ESTATUTO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE

Durante mais de cinquenta anos esteve em vigor no Brasil a Lei nº 4898/65, recentemente revogada pela Lei nº 13.869/2019, que criou inúmeras condutas criminosas em caso de violação das normas sobre a prisão.

Senão vejamos:

Art. 9º  Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais:    

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de:

I - relaxar a prisão manifestamente ilegal;

II - substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível;

III - deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível.

Art. 12. Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:

I - deixa de comunicar, imediatamente, a execução de prisão temporária ou preventiva à autoridade judiciária que a decretou;

II - deixa de comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada.

Por sua vez, a Lei nº 8.069/90, que define o Estatuto da Criança e do Adolescente, criou condutas criminosas em casos de violação das medidas de legalidade durante a privação de liberdade das crianças e adolescentes.

Art. 230. Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais.

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Art. 231. Deixar a autoridade policial responsável pela apreensão de criança ou adolescente de fazer imediata comunicação à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Art. 232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Art. 234. Deixar a autoridade competente, sem justa causa, de ordenar a imediata liberação de criança ou adolescente, tão logo tenha conhecimento da ilegalidade da apreensão:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Art. 235. Descumprir, injustificadamente, prazo fixado nesta Lei em benefício de adolescente privado de liberdade:


2. DA PRISÃO PREVENTIVA

Ab initio, há de frisar que CARNELUTTI ensina com autoridade que a prisão preventiva do imputado se assemelha a um daqueles remédios heroicos que devem ser ministrados pelo médico com suma prudência, porque podem curar o enfermo, mas também pode ocasionar-lhe um mal mais grave; quiçá uma comparação eficaz se possa fazer com a anestesia, e sobretudo com a anestesia geral, a qual é um meio indispensável para o cirurgião, mas ah se este abusa dela. [2]

ROXIN assevera que, num Estado de Direito, a regulação dos conflitos sociais não é determinada pela antítese Estado-cidadão; o Estado mesmo está obrigado por ambos os fins: assegurar a ordem por meio da persecução penal e proteção da esfera de liberdade do cidadão. Com isso, o princípio constitucional da proporcionalidade exige restringir a medida e os limites da prisão preventiva ao estritamente necessário. [3]

A prisão preventiva está prevista implicitamente no artigo 5º, inciso LXI, Constituição Federal de 1988, segundo o qual ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, e encontra-se detalhada nos artigos 311 a 316 do CPP, com redação determinada pelas leis nº 12.403, de 2011 e Lei nº 13.964, de 2019 (Pacote Anticrime). No Direito Penal Militar, a prisão preventiva é prevista no artigo 254 a 261 do Decreto-Lei nº 1.002/69 – que define o Código de Processo Penal Militar.

A prisão preventiva pode ser decretada durante a investigação policial ou no curso do processo penal. Destarte, de acordo como o artigo 311 do CPP, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.       

Para o decreto de prisão preventiva há necessidade da presença de indícios suficientes de autoria e prova da materialidade do crime, o que se chama na doutrina de fumus comissi delicti, classificados como elementos objetivos para a medida extrema. Segundo dicção do artigo 312 do CPP, a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.    

Percebe-se claramente, que a prisão preventiva pode ser decretada quando houver a presença desses elementos objetivos e mais os pressupostos subjetivos da garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, além da comprovação de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, o que se chama de periculum libertatis.

A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares, consoante art. 282, § 4º da Código de Processo Penal. A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.   

Os pressupostos de cabimento da prisão preventiva estão previstos no artigo 313 do CPP, sendo admitida a sua decretação nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos, se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa, ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.    

Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena, ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada. Na motivação da decretação da prisão preventiva, ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. 

Acerca da motivação da decisão judicial, artigo 93, inciso IX, CF/88, o Pacote Anticrime, prevê que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:      

I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;     

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;    

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;    

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;      

V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;     

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.     

O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. 

Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.      

Em julgamento do HABEAS CORPUS Nº 589.544 - SC (2020/0144047-4), relatora ministra LAURITA VAZ, concluiu-se:

1. A obrigação de revisar, a cada 90 (noventa) dias, a necessidade de se manter a custódia cautelar (art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal) é imposta apenas ao juiz ou tribunal que decretar a prisão preventiva. Com efeito, a Lei nova atribui ao "órgão emissor da decisão" – em referência expressa à decisão que decreta a prisão preventiva – o dever de reavaliá-la. 2. Encerrada a instrução criminal, e prolatada a sentença ou acórdão condenatórios, a impugnação à custódia cautelar – decorrente, a partir daí, de novo título judicial a justificá-la – continua sendo feita pelas vias ordinárias recursais, sem prejuízo do manejo da ação constitucional de habeas corpus a qualquer tempo. 3. Pretender o intérprete da Lei nova que essa obrigação – de revisar, de ofício, os fundamentos da prisão preventiva, no exíguo prazo de noventa dias, e em períodos sucessivos – seja estendida por toda a cadeia recursal, impondo aos tribunais (todos abarrotados de recursos e de habeas corpus) tarefa desarrazoada ou, quiçá, inexequível, sob pena de tornar a prisão preventiva "ilegal", data maxima venia, é o mesmo que permitir uma contracautela, de modo indiscriminado, impedindo o Poder Judiciário de zelar pelos interesses da persecução criminal e, em última análise, da sociedade.[4]

2.1 DA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

A prisão preventiva se justifica enquanto prevalece os fundamentos pelos quais ela foi decretada, observando-se a cláusula rebus sic stantibus, e, por isso, deve ser revista periodicamente sob pena de tornar a prisão ilegal. A lei de abuso de autoridade, em eu artigo 12, inciso IV, prevê como crime o fato de prolongar a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal.


3. DA PRISÃO TEMPORÁRIA

Modalidade de prisão, introduzida no direito brasileiro pela lei nº 7960 de 21 de dezembro de 1989, mediante conversão da Medida Provisória nº.111 de 24 de novembro de 1989. A Constituição da República de 1988, em seu art. 62, veda de forma expressa que medidas provisórias tratem de matéria de direito penal e processual, consoante §1º, inciso I, alínea b) do art. 62. Nesse sentido, não pode a Presidência da República inovar nestas matérias via medida provisória como já o fez no passado.

Segundo o artigo 1º da Lei nº 7.960/89, caberá prisão temporária quando imprescindível para as investigações do inquérito policial ou quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade. Um desses dois fundamentos deve combinar com o inciso III do mesmo artigo, um rol de delitos onde aparece a possibilidade do decreto dessa modalidade de prisão, lembrando-se que do rol ainda aparecem as figuras delituosas de formação de quadrilha ou bando, atentado violento ao pudor e rapto, tipos penais que desapareceram do direito penal, com deslocamento para outras classificações, como no caso do artigo 288 do CP, que possui o nome hoje de associação criminosa, o rapto que se deslocou para uma das qualificadoras do artigo 148 do CP, e atentado violento ao pudor tratado nos dias atuais no artigo 213 do CP.

A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

Consoante artigo 2º, § 4º, da Lei nº 8.072/90, Lei dos crimes hediondos, a prisão temporária, nos crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

Decorrido o prazo contido no mandado de prisão, a autoridade responsável pela custódia deverá, independentemente de nova ordem da autoridade judicial, pôr imediatamente o preso em liberdade, salvo se já tiver sido comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da decretação da prisão preventiva.    

Inclui-se o dia do cumprimento do mandado de prisão no cômputo do prazo de prisão temporária. Os presos temporários deverão permanecer, obrigatoriamente, separados dos demais detentos.

3.1 RELAXAMENTO OU REVOGAÇÃO DA PRISÃO TEMPORÁRIA

Acerca da prisão temporária, cabível apenas em sede de inquérito policial, prevista na Lei nº 7.960/89, poderão aparecer duas medidas para ensejar a liberdade do preso: relaxamento, se ilegal e, revogação, se desnecessária.

Será considerada como ILEGAL a decretação da prisão temporária e, como tal, deverá ser RELAXADA, quando:

I – A prisão exceder o prazo legal, sem prorrogação ou conversão para a prisão preventiva.

II – A prisão não for expedida em duas vias, sendo uma delas como prova de nota de culpa;

III - A prisão for decretada fora do rol do inciso III, art. 1º, da Lei nº 7.960, de 1989;

IV - Quando o juiz decretar a prisão em face de representação da Autoridade Policial, sem antes ouvir o Ministério Público;

V - O investigado possuir domicilio fixo;

VI – A prisão for decretada durante o processo;

VII - Decretada pelo juiz de ofício;

VIII - Prorrogada pelo juiz de ofício;

IX - Efetuada a prisão, a autoridade policial NÃO informar o preso dos direitos previstos no art. 5° da Constituição Federal.

X - A prisão FOR executada antes da expedição de mandado judicial.

Xi - Os presos temporários permanecerem na mesma cela dos demais detentos.

Entrementes, se a prisão temporária não for imprescindível, ou seja, sendo, desnecessária, logicamente será REVOGADA. Imagine-se o presente caso hipotético. O Delegado de Polícia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, representa pela prisão temporária de um investigado por crime de sequestro e cárcere privado, artigo 148 do CP c/a artigo 1º, inciso III, alínea b) da Lei nº 7.960/89. Decretada a prisão temporária por 05 dias, o autor é preso e no dia da prisão é interrogado, acaba narrando com riquezas de detalhes os fatos, portanto, coadjuvante com a justiça criminal, de forma que não há mais necessidade de prisão, e também não há motivos para um decreto de prisão preventiva.

É claro que, nessa hipótese, desaparecendo a imprescindibilidade da prisão temporária, esta deve ser REVOGADA, inclusive, segundo entendimento, revogação feita pela própria Autoridade policial, que somente assume a obrigação legal de comunicar o fato ao Poder Judiciário, na melhor forma do artigo 2º da Lei nº 12.830/2013.


4. DAS AÇÕES AUTÔNOMAS DE IMPUGNAÇÃO NO PROCESSO PENAL

Como é sabido, o recurso é a via mais comum de impugnar os atos judiciais, tendo o Código de Processo Penal reservado o Livro III, título II, artigos 574 a 667, mas há casos que esses atos judiciais são atacados por ações específicas e especiais. Assim, pode-se afirmar que os meios de impugnação são classificados em recursos e ações autônomas. Nesse estudo, como se trata de analisar os incidentes de liberdade, serão objetos de estudos nesse tópico tão somente as ações de habeas corpus, deixando para outro momento a revisão criminal e o mandado de segurança em matéria criminal.

4.1 DO HABEAS CORPUS

Tome o corpo livre ou exiba o corpo livre, tradução livre da expressão habeas corpus. A doutrina aponta a origem do habeas corpus na Carta de João Sem Terra na Inglaterra, em 1215, ingressando no Brasil no Código de Processo Penal do Império em 1832, exatamente no artigo 340, alcançando nível constitucional com a Constituição Republicana de 1891.[5]

Art. 340. Todo o cidadão que entender, que elle ou outrem soffre uma prisão ou constrangimento illegal, em sua liberdade, tem direito de pedir uma ordem de - Habeas-Corpus - em seu favor.

Art. 341. A petição para uma tal ordem deve designar:

§ 1º O nome da pessoa, que soffre a violencia, e o de quem é della causa, ou autor.

§ 2º O conteúdo da ordem por que foi mettido na prisão, ou declaração explicita de que, sendo requerida, lhe foi denegada.

§ 3º As razões, em que funda a persuasão da illegalidade da prisão.

§ 4º Assignatura, e juramento sobre a verdade de tudo quanto allega.[6]

Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes: 

§ 22. Dar-se-ha o habeas-corpus sempre que alguém soffrer ou se achar em imminente perigo de soffrer violencia por meio de prisão ou constrangimento illegal em sua liberdade de locomoção.[7]                   

Habeas corpus é direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República de 1988, traduzindo expressamente que conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

Trata-se o habeas corpus de ação de impugnação autônoma de índole constitucional para proteção de direito de liberdade de locomoção, quando esse direito fundamental for violado ou ameaçado de violação, ou ainda quando há o efetivo constrangimento à liberdade, mas ainda não houve a prisão.

4.1.1 Natureza jurídica

Embora o habeas corpus esteja expressamente previsto no rol dos recursos no Código de Processo penal, artigo 647 a 667, não possui natureza jurídica de recurso, e sim de ação autônoma de impugnação que tem a finalidade principal de restabelecer a liberdade de locomoção cerceada ou mesmo impedir que essa liberdade seja ameaçada por atos ilegais. Conforme dicção do art. 654, do CPP, o habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, física ou jurídica, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.

Conforme PIMENTEL, no processo penal, o habeas corpus é meio de tutela da liberdade, quando em atos persecutórios, ou na aplicação da lei penal, a liberdade de ir e vir se encontra atingida ou ameaçada ilegalmente. Com o habeas corpus, busca-se o imediato restabelecimento da liberdade ou a cessação da ameaça à liberdade de rir e vir.[8]

4.1.2. Espécies de habeas corpus

A doutrina pátria costuma classificar o habeas corpus em liberatório, preventivo e suspensivo. Na modalidade liberatória, a liberdade fundamental de ir vir e permanecer, já sofreu grave violação por ato ilegal do autor do confinamento e o paciente precisa ter sua liberdade restituída. Na espécie habeas corpus preventivo, aqui o legislador quis evitar que a ameaça de privação de liberdade se concretize, por ato ilegal ou abuso de autoridade.

Por sua vez, no habeas corpus suspensivo, a liberdade de locomoção sobre sérias ameaças porque por ato ilegal o juiz já decretou a prisão do paciente, mandado de prisão em aberto, o nome do paciente e sua foto circulando nas redes sociais, a polícia toda a procura do suposto autor para prendê-lo, e neste caso, concede-se o habeas corpus para suspender a ordem de prisão, que neste caso, existe mais que uma simples ameaça do direito de liberdade do paciente.

Importa ressaltar que em face da especificidade do instituo do habeas corpus, pode entender que vigoram três princípios reitores, o da universalidade, porque qualquer pessoa pode impetrar, inclusive o preso, a seu favor, ou a favor de outrem, o princípio da gratuidade, porque não existe pagamento de custas processuais e o princípio da informalidade, porque não existem formas previamente definidas.

NICOLITTI apresenta como espécies de habeas corpus, o liberatório e preventivo, e nesse sentido ensina:

No habeas corpus liberatório o que se busca é a efetiva restituição da liberdade ao paciente que se encontra ilegalmente preso. No preventivo, o que se busca é evitar que a ameaça de prisão se concretize. Embora o Código de Processo Penal destaque como requisito para a concessão do Habeas Corpus preventivo a iminência de violação ou coação (art. 647 do CPP), sua amplitude constitucional o erige a remédio eficaz para prevenir a possibilidade de prisão mesmo que esta só seja possível a longo prazo, ou seja, é um verdadeiro mecanismo de controle da legalidade de todas as fases da persecução penal, não raro utilizado para obstar o andamento de ação penal, o chamado trancamento da ação penal, ou mesmo do inquérito policial.[9]

4.1.3 HIPÓTESES DE CABIMENTO DO HABEAS CORPUS

O paciente deverá apontar e comprovar em seu pedido a violação ou ameaça do seu direito de liberdade de ir e vir, nos termos do artigo 5º inciso LXVIII, da CF, que neste caso constitui a causa de pedir da ação e indicar um dos incisos do artigo 647 e 648, do CPP, a saber:

Art. 647.  Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.

Art. 648.  A coação considerar-se-á ilegal:

I - quando não houver justa causa;

II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;

III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;

IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação;

V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza;

VI - quando o processo for manifestamente nulo;

VII - quando extinta a punibilidade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acordei hoje com tal nostalgia de ser feliz. Eu nunca fui livre na minha vida inteira. Por dentro eu sempre me persegui. Eu me tornei intolerável para mim mesma. Vivo numa dualidade dilacerante. Eu tenho uma aparente liberdade, mas estou presa dentro de mim. (Clarice Lispector)

Importante texto sobre prisão, medidas cautelares e liberdade provisória é o previsto no artigo 282 do CPP, que, segundo rubrica processual, aduz que essas medidas cautelares deverão ser aplicadas com rigorosa observância de sua imprescindibilidade para a aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais. Deve-se observar, também, a adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. Mais que isso: como guardião das garantias fundamentais, cabe ao juiz a sua decretação a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. 

Nessa perspectiva, com base nas modificações processuais recentes, determinadas pela Lei nº 12.403/2011 e Lei nº 13.964/2019, o presente estudo versou sobre as diversas modalidades de prisões processuais, a saber, prisão em flagrante, prisão preventiva e temporária, e suas respectivas ações de impugnações, desde o relaxamento da prisão ilegal, passando pela revogação, até a ação autônoma de habeas corpus, de acordo com a modalidade de prisão.

Pontos importantes destacados nas mudanças da Lei do Pacote Anticrime foram a impossibilidade da prisão preventiva de ofício pelo juiz, antes permitida, e a necessidade de revisão da mesma prisão preventiva no prazo de 90 dias, pelo órgão emissor da prisão, com a inserção do famoso artigo 316, parágrafo único do CPP, muito citado nos últimos dias pela imprensa brasileira em face da liberação de um criminoso, segundo consta, integrante de um grupo criminoso atuante no Brasil, em decisão monocrática do ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, decisão que causou acirradas discussões junto à sociedade jurídica do país e em todo meio social.

Relevante reproduzir, neste momento, a afirmação do artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, segundo o qual, todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. É certo alimentar a ideia de que o homem se liberta plenamente das amarras individuais e, cegamente, ideológicas, quando passa a entender e analisar os interesses da coletividade como valores supremos de uma sociedade.

De igual valor é saber, suficientemente, que nenhum direito pode ser legitimamente conquistado em detrimento ou prejuízo de outrem. Afinal, existem direitos naturais que nem mesmo o Estado pode subtrair. Assim, muito embora a liberdade seja rotulada como direito fundamental, protegida a nível internacional como norma de direitos humanos, a ninguém pode ceder o capricho amesquinhado de violar as boas normas de convivência . Nem mesmo o estado policialesco, ou estado-prisão, ou ainda professor, ou lente de bússola, porquanto este, considerado o pai de todas as profissões, possui sinal verde para violar as normas de comando postas para garantia da harmonia social.

E, dessa forma, nenhuma função pública ou atividade privada pode ser exercida com o manto de transgredir as liberdades públicas, devendo o Estado possuir um robusto sistema de instrumento de Justiça que seja imparcial e neutro, longe dos discursos ideológicos, interesses pessoais, cargológicos, ascendolátricos pirotécnicos, tudo isso lamentavelmente impregnado nas hodiernas decisões do Estado-Justiça, a fim de garantir como filtro de decisões equânimes a consolidação da verdadeira Justiça.

Como ensinava com maestria e autoridade RUI BARBOSA, ilustre defensor das liberdades públicas, a injustiça, por ínfima que seja a criatura vitimada, revolta-me, transmuda-me, incendeia-me, roubando-me a tranquilidade e a estima pela vida.


REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm, acesso em 02 de novembro de 2020, ás 18:50 horas.

BRASIL, Código Penal. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm, acesso em 02 de novembro de 2020, ás 18:49 horas.

BRASIL, Código de Processo Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm, acesso em 02 de novembro de 2020, ás 18:48 horas.

BRASIL, Lei da prisão temporária. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12830.htm. acesso em 02 de novembro de 2020, ás 18:46 horas.

BRASIL, Lei de Investigação Criminal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12830.htm, acesso em 02 de novembro de 2020, ás 18:47 horas.

BRASIL, Lei dos Crimes Hediondos. Lei nº 8.072/90. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8072compilada.htm. Acesso em 02 de novembro de 2020, às 19h39min.

BRASIL, Código de Processo Penal Militar, Decreto-Lei nº 1.002/69, Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1002.htm, acesso em 02 de novembro de 2020, às 19h41min.

CARNELUTTI, Francesco. Lecciones sobre del Proceso Penal. Trad. Santiago Santis Malendo. Buenos Aires, Editora Bosch, v. II, 1950, p. 75

NICOLETTI, André. Manual de Processo Penal. Atualizado com o Pacote Anticrime e Lei de Abuso de Autoridade. 10ª edição, Editora DPlácito, Belo Horizonte. Pág. 998, 2020.

PIMENTEL, Fabiano. Processo Penal, atualizado com o Pacote Anticrime, editora DPlácido, Belo Horizonte/MG, 2020. Pág. 1203 -1204.

ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Editores Del Puerto 2000, p. 258.


Nota

[1] NICOLETTI, André. Manual de Processo Penal. Atualizado com o Pacote Anticrime e Lei de Abuso de Autoridade. 10ª edição, Editora DPlácito, Belo Horizonte. Pág. 998, 2020.

[2] CARNELUTTI, Francesco. Lecciones sobre del Proceso Penal. Trad. Santiago Santis Malendo. Buenos Aires, Editora Bosch, v. II, 1950, p. 75.

[3] ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Editores Del Puerto 2000, p. 258.

[4] HABEAS CORPUS Nº 589.544 - SC (2020/0144047-4). Relatora MINISTRA LAURITA VAZ. Disponível em https://migalhas.uol.com.br/arquivos/2020/9/CE239DCB5D7306_ACO901.pdf. Acesso em 01 de novembro de 2020.

[5] PIMENTEL, Fabiano. Processo Penal, atualizado com o Pacote Anticrime, editora DPlácido, Belo Horizonte/MG, 2020. Pág. 1203 -1204.

[6] Código de Processo Penal do Império de 1832, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LIM/LIM-29-11-1832. Acesso em 03 de novembro de 2020.

[7] Constituição da República de 1891. Artigo 72, § 22, com redação determinada pela Emenda Constitucional nº 03 de 1926. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao91.htm. Acesso em 03 de novembro de 2020, às 08h11min.

[8] PIMENTEL (2020, pág. 1211)

[9] NICOLITTI (2020, pág. 1144).


Autor

  • Jeferson Botelho Pereira

    Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

    Autor do livro <em>Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: atividade sindical complexa e ameaça transnacional</em> (JH Mizuno). Participação nos livros: "Lei 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia", "Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS 236/2012", e "Atividade Policial" (coord. Prof. Rogério Greco), da Impetus. Articulista em Revistas Jurídicas.

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