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As técnicas de reprodução humana assistida frente às lacunas do ordenamento jurídico brasileiro

As técnicas de reprodução humana assistida frente às lacunas do ordenamento jurídico brasileiro

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Já é hora de o Estado sistematizar o tratamento jurídico relacionado às técnicas de reprodução humana assistida.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico tem como tema as técnicas de Reprodução Humana Assistida frente às lacunas do ordenamento jurídico brasileiro e tem por objetivo principal alavancar reflexões sobre os problemas jurídicos oriundos desse tema. A problemática se verifica principalmente na concepção do filho concebido por fertilização em vidro, sem autorização do genitor.

Assim, a presente pesquisa se justifica por tratar de problemática relacionada a uma das esferas mais importantes do ser humano, qual seja a procriação. Neste viés, é necessário que os operadores do Direito se interem das técnicas de Reprodução Humana Assistida, bem como de sua classificação no mundo científico, para que possam inferir de forma justa nos litígios relacionados à bioética.

Na abordagem do tema proposto, serão observados os princípios norteadores do direito, em uma análise conceitual e interdisciplinar, para tentar minimizar os questionamentos relacionados ao tema. A metodologia utilizada na presente pesquisa se deu com base em análise de leis, doutrinas, artigos jurídicos e documentos monográficos relacionados ao tema. 

E, com intuito de desenvolver o tema, esse estudo será dividido da seguinte forma:

No primeiro capítulo descreve-se sobre a Reprodução Humana Assistida e sua evolução histórica.

No segundo capítulo, delineia-se sobre o planejamento familiar.

No terceiro capítulo, discorre-se sobre a diferença entre inseminação artificial e fertilização in vitro (FIV).

No quarto capítulo apresenta-se a classificação científica das técnicas de reprodução humana assistida.

No quinto capítulo apresenta-se o Código Civil e a Inseminação Artificial

E por último as considerações finais.


2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Atualmente graças à bioética, é possível a criação de um ser humano sem a necessidade de haver um relacionamento entre pessoas. Isso foi uma benesse do avanço da medicina e essa evolução veio sob a denominação de Reprodução Humana Assistida. 

Karla ferreira de Camargo Fischer, (2017) corrobora:

Com os avanços biotecnológicos nesta área, as técnicas de reprodução humana assistidas estão cada vez mais próximas do cidadão comum, não podendo mais ser considerada uma prática de poucos. O próprio texto constitucional (art. 226, § 7º, CF), acompanhado da legislação especial (Lei n. 9.263/1996 – Lei do Planejamento Familiar), vem estabelecer normas para o acesso às técnicas de reprodução humana assistida buscando possibilitar a qualquer cidadão o livre acesso ao planejamento familiar. (FISCHER, 2017, p.9).

Embora as técnicas de Reprodução Humana Assistidas estejam presentes no planejamento familiar de inúmeras famílias brasileiras, é possível averiguar no ordenamento pátrio a falta de legalização e de preparo para resolver os eventuais litígios oriundos das novas técnicas de Reprodução Humana Assistida. Desta forma, é notório que “os reflexos dos avanços tecnológicos nessa área refletem-se no mundo jurídico, fazendo-se necessário uma releitura do texto constitucional estabelecida à luz da tecnociência”. (FISCHER, 2017 p.1).

Neste sentido, Fischer, (2017) ressalta que:

Com os avanços tecnológicos na área de biotecnologia, desde o século passado, mais especificamente com relação às técnicas de reprodução humana assistida, iniciou-se uma importante discussão acerca dos impactos trazidos por tais técnicas à sociedade e, por conseqüência, ao direito. (FISCHER, 2017 p.9).

Destarte, é imperioso ressaltar que, as técnicas de Reprodução Humana Assistida transformam o planejamento familiar NA sociedade contemporânea, uma vez que têm, como objetivo principal, solucionar as hipóteses de esterilidade. Assim, no próximo tópico faremos um breve relato da evolução da Reprodução humana Assistida e seus marcos na sociedade.

2.1 A Evolução histórica da Reprodução Humana Assistida

A civilização humana, desde o início de sua existência, busca encontrar mecanismos de controle da procriação. Janice Bonfiglio Santos (2012) confirma que:

Na Antiguidade, houve época em que a esposa estéril poderia ser repudiada pelo marido em razão da sua impossibilidade para procriar, o que tornava menos digna sob o prisma social e gregário. E tal busca, impulsionada pelo enorme desejo de procriação, conduziu as ciências da vida a desenvolverem métodos e técnicas, objetivando solucionar a impossibilidade de algumas pessoas procriarem naturalmente. (SOUZA, 2012, p.9)

A ciência, em busca de solucionar os problemas relacionados à impossibilidade de procriação desenvolveu métodos e técnicas para auxiliar na reprodução humana. Inicialmente a reprodução assistida foi testada em animais e vegetais, e posteriormente em seres humanos. O primeiro relato histórico sobre reprodução assistida que se tem notícia é no ano de 1332, sendo realizada pelos árabes, utilizando equinos. A reprodução assistida em animais teve seu primeiro registro em 1779 quando um italiano chamado Lázaro Spalanzani colheu o sêmen de um cachorro e o aplicou em uma cadela em cio, a qual pariu três filhotes.

Janice Bonfiglio Santos Souza (2012) corrobora:

Aponta-se a Idade Média como sendo o período histórico em que ocorreu a primeira inseminação artificial humana, sob a modalidade homóloga, sendo a heteróloga exitosa somente no final do século XIX. A partir de 1950, as técnicas de inseminação artificial se difundiram com imensa rapidez a ponto de apenas nos Estados Unidos da América mais de vinte mil crianças nascerem anualmente, concebidas através de inseminação artificial. (SOUZA, 2012, p.09).

O médico inglês Jhon Hunter, no final do século XVIII, obteve os primeiros resultados em seres humanos com a inseminação de sêmen no útero. O ano de 1878 deu início às pesquisas da fertilização in vitro (FIV). Já em 1944, biologistas obtiveram quatro embriões normais de óvulos humanos colocados na presença de espermatozóides, e, a partir de 1947, quando se descobriu a possibilidade de congelamento de pré- embriões em fase de pré-implantação, compatíveis com o desenvolvimento normal de ovos de mamíferos, a técnica ganhou consistência. O marco histórico da reprodução assistida se deu em 1978, com o nascimento do primeiro “bebê de proveta”, ou seja, fertilizado in vitro, em que a técnica consistiu na fecundação de um ou mais óvulos em laboratório e, posteriormente, na transferência dos embriões ao útero da mulher.

O nascimento do primeiro “bebê de proveta” foi fruto do casal Lesley e John Brown sonhavam em conseguir ter um filho. Lesley, um jovem com vinte e nove anos na possuía uma obstrução tubária que impedia que seus óvulos encontrassem os espermatozoides. E há nove anos, Lesley já tentava engravidar. Após diversas tentativas frustradas de engravidar, Lesly e seu marido resolveram procurar um embriologista, encontrando Robert Edwards e o ginecologista Patrick Steptoe, pesquisadores que estavam desenvolvendo um novo método de fertilização. O caminho percorrido por Lesly para conseguir engravidar foi árduo, e após 50 tentativas ela consegue realizar a tão sonhada maternidade; no final do ano de 1977 estava grávida de Louise.

Tal acontecimento foi um marco histórico e científico no mundo, principalmente para a medicina. Porém, naquela época, foi alvo de diversas críticas. O nascimento da primeira criança utilizando técnica de reprodução assistida causou grande alvoroço e diversas manchetes foram veiculadas em jornais impressos e telejornais de todo o mundo. Os questionamentos ocorriam tanto em torno da ética, quanto também do cunho legal da técnica de fertilização utilizada, a fertilização in vitro, que, até então, era algo novo no campo da medicina. Ressalta-se que a segunda criança oriunda de fertilização in vitro nasceu também em 1978, na Ìndia, e no início de 1979, na Escócia, nasceu o terceiro bebê de proveta, Alastair Montgomery.

Destaca-se que o primeiro bebê fecundado sob esse método veio a nascer no Brasil em 1984, sendo, inclusive, o primeiro bebê de proveta da América Latina.

Assim, com o passar dos anos, o nascimento dos bebês de proveta deixou de ser um caso espantoso e ganhou foros de normalidade, devido à força da repetição.

Dessa forma, a partir da década de 1980, a reprodução assistida de fertilização “in vitro”, depois de ocorrer diversos casos com obtenção êxito, deixou de ser um ato extraordinário para a sociedade e começou-se a levantar a necessidade de regulamentação das práticas das novas técnicas surgidas. Frisa-se que, na década de 80, além do nascimento dos bebês de proveta, surgiram também as barrigas de aluguel, sendo, então, aperfeiçoadas as técnicas de reprodução artificial com o surgimento das novas tecnologias.

Como é cediço, a Fecundação In Vitro consiste na técnica de fecundação extracorpórea, na qual o óvulo e o espermatozóide são previamente retirados de seus doadores e são unidos em um meio de cultura artificial localizado em vidro especial. Com tamanha evolução da medicina, hoje é mais fácil realizar procedimentos de inseminação artificial. Por outro lado, juntamente com essa evolução, surgiram diversos questionamentos jurídicos, sobre os quais, Pessini e Barchifontanie (2000) advertem que:

É necessário observar, contudo, que a aplicação dessas tecnologias a determinadas situações trouxe muitas interrogações filosóficas e éticas fundamentais sobre a natureza e dignidade da pessoa humana, sobre o tipo de ser humano que queremos plasmar para o futuro, sobre os limites a impor aos novos poderes que a ciência nos dá, sobre a unidade e estabilidade da família, bem como sobre o respeito à realidade científica e tecnológica da sociedade em que vivemos. (PESSINI e BARCHIFONTANIE, 2000, p.194).

Assim, como mencionado acima, é possível verificar que o Código Civil abrange a fecundação homóloga e hierólogas, sendo que essas fertilizações serão tratadas separadamente e detalhadamente em momento oportuno. A sociedade vem apresentando um enorme avanço, como já é cediço, sendo um caminho que não se admite retrocesso, e, para que possa existir limites nesse avanço é que existe a bioética.

2.2 Bioética

O termo bioética é oriundo da palavra bioethos. A palavra bio significa vida, e ethos é a ética no modo de ser. A Bioética é uma ramificação da Biologia e da ética que abrolhou na década de setenta, com o desenvolvimento das pesquisas relacionadas aos genes. Assim, Bioética encontra-se conectada de forma transdiciplinar com a Biologia, a Ética, a Medicina, o Direito e, até mesmo, com a moral e a religião.

Neste sentido, Karla Ferreira de Camargo Fischer ressalta que:

A bioética se mostra um instrumento capaz de “mediar” a incessante discussão acerca da interação entre desenvolvimento tecnológico, direito e ética, principalmente no que tange as questões relacionadas à biomedicina, visto que são de grande relevância por terem como propósito pesquisas atinentes a vida humana. (FISCHER. 2017, p.5)

Desta forma, verifica-se que a bioética visa a discutir limites e parâmetros éticos e morais para o avanço das pesquisas científicas.

Assim, compreende-se que a Bioética é a ciência destinada ao estudo do “comportamento moral do homem em relação às ciências da vida” (CONTI, 2004. p. 5).

A bioética é, portanto a ciência que direciona e limita as atividades relacionadas às técnicas de Reprodução Humana Assistida.

2.3 Planejamento familiar

O termo planejamento vem de planejar: é o mesmo que plano, isto é, programa de realizações fixado para ser cumprido dentro de um certo prazo ou período.( SILVA, 2004 )

O planejamento familiar é um projeto, por intermédio do qual todo e qualquer cidadão brasileiro tem a liberdade, sem interferências do Estado, de idealizar a sua prole. Neste sentido, é imperioso resaltar que a família é considerada como um a base da sociedade e é protegida pela Constituição da república vigente. Corrobora-se:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Regulamento)

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Regulamento

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

No ordenamento jurídico brasileiro, a livre decisão sobre o planejamento familiar é defendida como direito fundamental pela Constituição Federal de 1988 (art. 226, §7º), e pelo Código Civil de 2002, (art. 1565, §2º).

Art. 226 (...) § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou provadas. (BRASIL, 1988)

É possível verificar que, conforme o contexto constitucional, cada família é autônoma para decidir a quantidade e o tempo de nascimento de sua prole.

Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. (Brasil, 1988)

A Lei do Planejamento Familiar, Lei 9.263/96, regula o dispositivo constitucional do artigo 226, § 7º, da Constituição Federal de 1988, a qual promove a saúde reprodutiva:

Art. 1º O planejamento familiar é direito de todo cidadão, observando o disposto nesta lei; (BRASIL, 1996).

Art. 2º Para fins desta Lei entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. (BRASIL, 1996)

Na contemporaneidade, vivenciamos uma reformulação do conceito de família. O modelo tradicional foi substituído por uma definição moderna, em decorrência da evolução e da aquisição de valores introduzidos na sociedade contemporânea. Com a globalização do mundo, o conceito clássico de família vem sendo modificado, tendo em vista as diversas formas de filiação advindas da reprodução humana assistida, apresentada pela evolução na medicina.

A reprodução das espécies que, até bem pouco tempo, dependia da conjunção carnal entre homem e mulher, passou a ser possível através de métodos artificiais, ampliando, assim, a variedade da constituição familiar. Observa-se que a sociedade moderna passa por uma revisão do conceito de família e princípios tradicionais, principalmente com relação ao direito de família. Analisando fatos e acontecimentos polêmicos decorrentes da reprodução assistida, é possível vislumbrarmos os rumos que vêm sendo tomados pela legislação, doutrina e jurisprudência brasileiras.

É provável, pois, que estejamos participando de uma mudança profunda em conceitos acerca do vínculo familiar e, inclusive, da própria vida, de modo que ao menos devemos tentar acompanhar, conscientemente, este processo único pelo qual a sociedade está passando.

Segundo Janice Bonfiglio Santos Souza (2002):

O antigo modelo patriarcal e hierarquizado, centrado no casamento, evoluiu para um modelo de família moderno, onde a liberdade de escolha fica evidente, já que lhes é permitido o planejamento familiar. Muitas vezes este projeto não pode ser realizado, pois o filho tão esperado não vem, restando à busca em uma forma alternativa de procriação, a artificial. (SOUZA, 2012, p.29).

Desta forma, é possível observar que as técnicas de Reprodução Humana Assistida auxiliam muitas famílias brasileiras no planejamento familiar, como uma alternativa de procriação. Faz-se, portanto, necessário discorrer sobre a diferenças das técnicas bem como suas consequências no mundo jurídico.

2.4 Diferença entre inseminação artificial e fertilização in vitro (fiv)

A Reprodução Humana Assistida poderá ser dividida em duas espécies: a fertilização in vitro e inseminação artificial. A priori, é indispensável ressaltar a diferença entre ambas, utilizadas para auxiliar na reprodução humana. Nesta esteira, Nelson Rosenvald e Cristina farias (2010) apontam a diferença:

Enquanto que a inseminação artificial é o procedimento em que se realiza a concepção in vivo, no próprio corpo da mulher. Nesse caso, o médico irá preparar o material genético a ser implantado no corpo da mulher onde irá ocorrer a fecundação. Em contrapartida, temos a fertilização artificial, na qual a concepção é realizada de forma laboratorial, ou seja, fora do corpo feminino, onde apenas irá ocorrer a implantação dos embriões já fecundados. A inseminação artificial e a fertilização in vitro (FIV) são devidamente realizadas com acompanhamento médico, e existe diferença entre as duas, o que poderá ser observado de forma detalhada a seguir.

2.4.1 A Técnica da Inseminação Artificial

A inseminação artificial consiste em diminuir o caminho percorrido pelo espermatozóide até o óvulo. É um procedimento mais simples do que a FIV. A técnica é eficaz em diversos casos, como quando o homem possui alterações leves no sêmen ou se a mulher apresenta um muco no colo uterino que impede a subida dos espermatozoides, além dos casos em que a mulher não ovula adequadamente.

Reinaldo Pereira e Silva (2002) infere sobre o conceito de inseminação artificial:

A inseminação artificial consiste em técnica de procriação assistida mediante a qual se deposita o material genético masculino diretamente na cavidade uterina da mulher, não através de um ato sexual normal, mas de maneira artificial. Trata-se de técnica indicada ao casal fértil com dificuldade de fecundar naturalmente, quer em razão de deficiências físicas (impotentia coeundi, ou seja, incapacidade de depositar o sêmen, por meio do ato sexual, no interior da vagina da mulher; má-formação congênita do aparelho genital externo, masculino ou feminino; ou diminuição do volume de espermatozóides [oligoespermia], ou de sua mobilidade [astenospermia], dentre outras), quer por força de perturbações psíquicas (infertilidade de origem psicogênica). (SILVA, 2002, p.40).

É possível observar que, na técnica de Reprodução Humana Assistida denominada inseminação artificial, o sêmen é depositado diretamente na cavidade do útero na época em que a mulher estiver ovulando para ser fecundado na tuba uterina. Para realização deste procedimento, o sêmen é coletado por intermédio da masturbação do homem e separado em laboratório, com o intuito de selecionar os espermatozoides com maior potencial. Nos casos em que há alteração nas trompas ou que há alterações importantes do sêmen, o tratamento indicado é a fertilização in vitro como se analisa a seguir:

2.4.2 A Técnica de Fertilização in vitro (FIV)

A fertilização in vitro já é um tratamento mais complexo, realizado totalmente em laboratório. Na técnica, o óvulo é retirado do ovário através de uma punção por via transvaginal e é fecundado pelo espermatozóide no laboratório, fora do corpo feminino. Após alguns dias de desenvolvimento o embrião no laboratório é transferido para o útero, que foi previamente preparado para aceitar o embrião.

A Fecundação In Vitro consiste na técnica de fecundação extracorpórea na qual o óvulo e o espermatozóide são previamente retirados de seus doadores e são unidos em um meio de cultura artificial localizado em vidro especial.

Alexandre Gonçalves Frazão esclarece que:

A técnica da FIVET nasceu com a tentativa de se desenvolverem, em meios de cultura, embriões de ratos e coelhos que foram fecundados naturalmente. Esses embriões eram transferidos para o meio de cultura e, depois de crescidos, eram reimplantados no útero das fêmeas. Em 1959, o cientista M. C. Chang expôs com orgulho o sucesso da utilização desse método no nascimento de coelhos. (FRAZÃO,2002)

O primeiro a começar este tipo de experiência em seres humanos foi o doutor R. G. Edwards, que, por volta de 1965 realizava experimentos tentando a maturação de ovócitos retirados de ovários em qualquer estágio de desenvolvimento.

Segundo Frazão:

Após Numerosos estudos, o cientista e sua equipe viram nascer, em1978, no Oldham General Hospital, em Manchester, Luise Brown, o primeiro bebê de proveta a vir à luz na história da humanidade. O mundo, então, ficava perplexo diante do poderio tecnológico a que tinha chegado a Ciência. O homem, finalmente, estava apto a vencer a barreira natural da infertilidade. (FRAZÃO,2002).

A fertilização in vitro está indicada para casais em que a mulher apresenta esterilidade de origem tubária, ou nos casos do homem ter uma alteração importante no sêmen, como baixa concentração de espermatozoides ou baixa motilidade. No entanto, apesar de ser uma técnica de reprodução humana que auxilia muitas famílias em seus planejamentos familiares, é necessário ressaltar que esta técnica apresenta questões éticas e jurídicas que o ordenamento jurídico brasileiro não está apto a resolver como:

Uma grande polêmica que se cria a partir da Fecundação In Vitro, diz respeito ao destino dos embriões formados e que não foram utilizados para a concepção. Como sabemos, em um programa que utilize essa técnica de reprodução assistida, muitas vezes o médico cria vários embriões do casal para suprir em eventual problema que ocorra com o embrião selecionado para o processo ou mesmo para ser utilizado em futuras concepções. (FRAZÃO, 2002).

E acrescenta que:

Contudo, tal fato pode acarretar problemas jurídicos incríveis. Supondo que o casal resolva congelar embriões para um futuro uso e que, repentinamente, os membros do casal se divorciem, quem terá a "tutela" dos embriões? Será que a mãe tem direito de implantar alguma de suas reservas sem o consentimento do marido, ou será que este, caso não permita o referido implante, tem o direito de ver os embriões destruídos? (FRAZÃO, 2002).

Diante de tamanha polêmica, é imperioso ressaltar que as técnicas de reprodução assistida produzem litígios inesperados para o Código Civil, bem como para todo o ordenamento pátrio, uma vez que se observa que os diplomas legais brasileiros, não acompanharam as aceleradas mudanças e evolução das famílias, da sociedade e da medicina contemporânea.

As técnicas de reprodução assistida, em especial a Fertilização In Vitro, são de utilização bastante recente no cenário nacional. Isso posto, não há lei específica que regule por completo todas as implicações que estas técnicas podem acarretar. Contudo, dada a importância da matéria, existem algumas disposições normativas que tentam, dentro de seus limites, controlar as práticas médicas relacionadas ao tema. Tais disposições encontram-se reunidas basicamente em três diplomas: o Código de Ética Médica, a resolução do Conselho Federal de Medicina CFM n0 1.358/92 e a lei 8.974/95 que disciplina os processos de manipulação genética. (FRAZÃO, 2002).

É possível observar que o Código de Ética Médica de 1988 apenas disciplina vagamente a questão relacionado ao tema:

Art. 42. "É vedado ao médico praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação";

Art. 43. "É vedado ao médico descumprir legislação específica nos casos de transplantes de órgãos e tecidos, esterilização, fecundação artificial ou abortamento";

Art. 68. "É vedado ao médico praticar fecundação artificial sem que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecido sobre o problema"

Neste viés, é necessário que os operadores do Direito se interem das técnicas de reprodução humana assistida, bem como de sua classificação no mundo científico para que possam inferir de forma justa nos litígios oriundos da mesma.

2.5 A classificação científica das técnicas de reprodução humana assistida

Em termos simples, compreende-se como Reprodução Humana Assistida o auxílio à fertilização humana, pois aproxima espermatozóides dos óvulos, favorecendo a procriação. Importante mencionar que o termo “reprodução assistida” é adotada pelo Conselho Federal de Medicina, portanto, a terminologia utilizada é baseada conforme dispõe do referido órgão, assim a Resolução 1.358/92 elenca:

“CONSIDERANDO a importância da infertilidade humana como um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio de superá-la;

CONSIDERANDO que o avanço do conhecimento científico já permite solucionar vários dos casos de infertilidade humana;

CONSIDERANDO que as técnicas de Reprodução Assistida têm possibilitado a procriação em diversas circunstâncias em que isto não era possível pelos procedimentos tradicionais;

CONSIDERANDO a necessidade de harmonizar o uso destas técnicas com os princípios da ética médica;

CONSIDERANDO, finalmente, o que ficou decidido na Sessão Plenária do Conselho Federal de Medicina realizada em 11 de novembro de 1992;

RESOLVE:

Art. 1º - Adotar as NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA, anexas à presente Resolução, como dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos.

Art. 2º - Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação.” (g.n.)

Importante mencionar a distinção entre as Ante o exposto, verifica-se que falar em reprodução assistida, conforme orientação demonstrada acima é sinônimo de análise do tema infertilidade, que segundo a Organização Mundial de Saúde, tem definido a infertilidade como a ausência de concepção depois de pelos menos dois anos de relações sexuais não protegidas. O atual Código Civil não conseguiu acompanhar as diversas mudanças da sociedade contemporânea, sendo previstas algumas hipóteses em caso de reprodução assistida, assim podemos verificar no artigo Art. 1.597

Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

2.6 Tratamento dos embriões no ordenamento jurídico

O embrião é a entidade em desenvolvimento a partir da implantação no útero até oito semanas depois da fecundação. (NYS,2002, p. 177) A priori, será mencionado o conceito de embrião na visão de alguns autores. Segundo Heman Nys:

O embrião é a entidade em desenvolvimento a partir da implantação no útero até oito semanas depois da fecundação; no começo da nona semana começa a ser denominado feto e conservará essa denominação até nascer. Os termos doação de embriões, transferência embrionária e experimentação embrionária são, portanto, inapropriados, já que em todos esses casos estamos falando do zigoto e não do embrião, segundo o autor.( NYS,2002, p. 177.)

Já na visão de Fábio Ulhoa Coelho (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil.Vol.I. São Paulo: Saraiva. p.148-149)

A partir da fecundação, o que sucede é apenas a evolução do processo biológico. Em outros termos, para tais argumentos, não há nenhuma diferença essencial entre o embrião (mesmo fecundado in vitro) e um ser humano adulto, em termos de dignidade. A mesma proteção conferida pelo direito a este deve estender-se àquele, por conseguinte. A conclusão de tais argumentos é a de que os embriões in vitro são sujeitos de direito e merecem, como nascituros, tutela da lei” (g.n.).

Contudo, percebe-se o assunto é sensível de ser tratado, e ornamento jurídico deixou diversas lacunas quando trata de fertilização humana.

2.7 O código civil e a inseminação artificial,verificamos que a reprodução assistida é dividida em duas espécies, sendo elas, homóloga e heteróloga, e nos próximos tópicos trataremos de tal questão.

2.7.1 Da paternidade
2.7.1.1 Da presunção da paternidade na fecundação homóloga

Na reprodução assistida homóloga, a presunção da paternidade é de que o marido é o pai da criança, tendo em vista que embrião utilizado é havido com o espermatozoide do marido e o óvulo da mulher. O art. 1.597 do Código Civil nos traz que:

Art. 1.597 Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

III- Havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido.

IV – havidos a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga.

2.7.1.2 Da presunção da paternidade na fecundação heteróloga

Segundo Maria Berenice Dias, a fecundação artificial heteróloga ocorre por meio de doação de sêmen de um homem que não seja o marido, contando com a sua concordância. (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 335.)

Dessa forma, é importando mencionar que a I Jornada de Diereito Civil nos traz um enunciado para nortear a questão da paternidade nos casos de reprodução assistida heteróloga, sendo o Enunciado 104:

104 – Art. 1.597: no âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) da vontade no curso do casamento.

Destaca-se que, com o passar do tempo, a evolução da medicina nos trouxe diversas possibilidades de reprodução assistida, vejamos:

Com isso, é indispensável a criação de uma legislação específica que abranja as possibilidades já apresentadas pela medicina, pois, como é cediço, o nosso ordenamento jurídico não abrange essas possibilidades.

2.7.1.3 Da fertilização artificial post mortem

Neste tópico, iremos tratar de um tema de extrema importância, pois não poderíamos deixar de falar da inseminação artificial Post Mortem.

Karla Ferreira DE Camargo Fischer,(2017) elucida que:

A fertilização artificial post mortem torna-se possível em razão das modernas técnicas de criopreservação do material genético do marido ou do companheiro, possibilitando à sua esposa ou companheira, mesmo após o seu falecimento, inseminar seu sêmen, vindo a gerar um filho de pai pré-moriente. Tal situação era inimaginável na metade do século passado, tornando-se possível atualmente graças à fantástica evolução da medicina, mais especificamente da engenharia genética. (FISCHER, 2017, p.11).

E acrescenta que: ’No que tange ao sêmen criopreservado do marido ou companheiro falecido, defende-se o entendimento de que a mulher apenas poderá proceder a fertilização quando houver consentimento expresso do marido, autorizando a referida prática” FISCHER, 2017, p.12). O professor Eduardo Oliveira Leite, (1955) defende que a inseminação artificial Post mortem é totalmente desaconselhável:

A resposta negativa a um pedido desta natureza se impõe. E isto, por diversas razões. Inicialmente, vale lembrar que tal pedido sai do plano ético reconhecido à inseminação homóloga; ou seja, se não há mais casal solicitando um filho, nada mais há que justifique a inseminação. Num segundo momento, tal solicitação provoca perturbações psicológicas em relação à criança e em relação à mãe. Nada impede que nos questionemos se esta criança desejada pela mãe viúva não o é, antes de tudo, para preencher o vazio deixado pelo marido. Além disso, a viuvez e a sensação de solidão vividas pela mulher podem hipotecar pesadamente o desenvolvimento psico-afetivo da criança. Logo, a inseminação “post-mortem” constitui uma prática fortemente desaconselhável. (LEITE,1955).

“Conclui-se que a progressão do Direito não acompanha as aceleradas relações humanas, que cada vez se encontram mais complexas, tornando a legislação muitas vezes ultrapassada e desraigada de solução, haja vista, a falta de norma regulamentadora específica”

2.7.1.4 Da inseminação artificial homóloga sem autorização do marido

Conforme verificamos nos tópicos anteriores, para a inseminação artificial homóloga o nosso ordenamento jurídico não fala de necessária autorização do cônjuge para realização desse tipo de inseminação artificial, para relembrar vale destacar novamente o que dispõe o Código Civil em seu artigo 1597, sendo:

“Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido” .(BRASIL, 2002).

Podemos perceber quer o presente artigo não dispõe sobre autorização em caso de fecundação artificial homóloga; somente no caso da heteróloga. Pois bem. É possível entender a lacuna, tendo em vista que na fecundação artificial homóloga, o material genético que será utilizado será os dos pais; ao contrário da heteróloga, que o doador será um terceiro anônimo. Com isso, indaga-se a seguinte questão: caso os cônjuges durante o matrimonio realizem um processo de inseminação artificial homóloga, e desse processo existam embriões excedentários, sendo estes congelados na clínica e, posteriormente, os cônjuges venham se separar de fato, e se a mulher resolver realizar por conta própria uma nova inseminação, sem autorização prévia do ex-cônjuge, ou falsificar a autorização? E dessa inseminação nascer uma criança. No caso indagado acima, o ex-cônjuge será presumido pai mesmo sem autorização para realização da inseminação artificial? Para esclarecer tal questão iremos trabalhar determinados pontos. Segundo Ana Claudia Silva:

Há a necessidade de autorização prévia, escrita e expressa – consentimento livre e esclarecido informado (Resolução CFM, art. I, inciso 4), de todos os envolvidos, para a reprodução assistida homóloga. Para a submissão às técnicas reprodutivas, deverá haver o consentimento de todos os envolvidos no projeto parental, devendo o consentimento ser livre, esclarecido, escrito e expresso (SCALQUETTE, Ana Claudia Silva. Estatuto da Reprodução Assistida. Tese de Doutorado da USP).

E casos os requisitos mencionados acima não sejam observados:

Caso tais requisitos não sejam satisfeitos, referida presunção de paternidade deixa de existir, o que não afastará a possibilidade de investigação de paternidade para o reconhecimento da filiação com base no critério biológico[6] (ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de direito das famílias. 8ª ed. Juspodivm. p. 596-598).

No presente trabalho é importante mencionar o Enunciado105 da I Jornada de Direito Civil, sendo:

I Jornada de Direito Civil - Enunciado 105

As expressões "fecundação artificial", "concepção artificial" e "inseminação artificial" constantes, respectivamente, dos incs. III, IV e V do art. 1.597 deverão ser interpretadas como "técnica de reprodução assistida". Pois bem.

Nessa I Jornada de Direito Civil houve a elaboração de um importante enunciado, vejamos:

I Jornada de Direito Civil - Enunciado 107

Finda a sociedade conjugal, na forma do art. 1.571, a regra do inc. IV somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges para a utilização dos embriões excedentários, só podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões. Á luz do enunciado apresentado, averiguamos que ao fim da sociedade conjugal os embriões excedentários só poderão ser utilizados caso haja autorização prévia, por escrito, dos ex-cônjuges, e essa autorização só poderá ser revogada até o início da implantação dos embriões.

No caso explanado, o ex-cônjuge será presumido pai? Mesmo a criança havida por meio dessa fecundação sem a autorização? Poderia falar-se então da paternidade socioafetiva? E se o pai biológico não criar um vínculo afetivo com a criança?

2.7.2 Da paternidade socioafetiva

Na ótica do direito de família, a afetividade é vista como fundamento para toda e qualquer discussão que envolva os vínculos familiares e é utilizada para a se construir um novo direito de família como extensão do princípio da dignidade da pessoa humana. Compreende-se que o princípio da afetividade é corolário do respeito da dignidade da pessoa humana, como norteador das relações familiares e da solidariedade familiar. (DINIZ, 2015)

Segundo Maria Berenice Dias:

A filiação socioafetiva corresponde à verdade aparente e decorre do direito à filiação. O filho é titular do estado de filiação, que se consolida na afetividade. Não obstante, o art. 1.593 evidencia a possibilidade de diversos tipos de filiação, quando menciona que o parentesco pode derivar do laço de sangue, da adoção ou de outra origem, cabendo assim à hermenêutica a interpretação da amplitude normativa previsto pelo CC de 2002. ( DIAS, 2007, p. 334.)

É possível observar que o princípio da afetividade é corolário do respeito da dignidade da pessoa humana, como norteador das relações familiares e da solidariedade familiar. Faz-se, assim, necessário averiguar sobre a regulamentação jurídica brasileira existente com relação às técnicas e procedimentos relacionados à reprodução humana assistida.


3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

O ordenamento jurídico brasileiro não conta com nenhuma regulamentação infraconstitucional específica no que diz respeito às técnicas de Reprodução Humana Assistida existentes.

A resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) nº 2.121, de 24/09/2015 é a única resolução que trata de maneira ética os métodos a serem utilizados por clínicas que lidam com às técnicas de Reprodução Humana Assistida, embora no Congresso Nacional existam projetos relacionados ao tema, muitos deles não receberam aprovação.

Faz-se imperioso ressaltar que a resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) nº 2.121, de 24/09/2015 não tem força de lei, ou seja não tem eficácia jurídica, além de apresentar diversas lacunas com relação a problemática que envolve as técnicas de Reprodução Humana Assistida já existentes.

Compreende-se que, enquanto não há uma legislação específica relacionada às técnicas de Reprodução Humana Assistida devem ser observadas as Resoluções do Conselho Federal de Medicina e os profissionais da área da saúde deve observar o Código de Ética Médica, nos seguintes termos:

“É vedado ao médico:

Art.67 – Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre os métodos contraceptivos ou conceptivos, devendo o médico sempre esclarecer sobre a indicação, a segurança, a reversibilidade e o risco de cada método.

Art.68 – Praticar fecundação artificial sem que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o procedimento.

Art. 122 _ Participar de qualquer tipo de experiência no ser humano com fins bélicos, políticos, raciais ou eugênicos”. (Grifo nosso).

Compreende-se, assim, que os médicos e os profissionais da área da saúde que lidam com as técnicas de Reprodução Humana Assistida, frente à falta de leis específicas que versam sobre o tema, devem pautar-se no senso ético e profissional para que os seus procedimentos e técnicas relacionadas à reprodução humana não sejam alvejados por lides judiciais e responsabilizados na esfera cível. Neste viés, é possível observar que, por falta de leis que lidam sobre o tema, ao legislar sobre as técnicas de Reprodução Assistida, os profissionais do Direito devem partir dos princípios constitucionais básicos de respeito à dignidade da pessoa humana que será tema do próximo tópico, como se versa a seguir: Faz-se, portanto necessário discorrer sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e sua função de elucidar a justiça nas demais questões existentes referentes ao tema proposto neste ensaio.

3.1 O princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se no rol dos princípios fundamentais e foi consagrado no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988, como o princípio fundamental da República e valor unificador dos direitos e garantias fundamentais. O princípio da dignidade da pessoa humana é o princípio norteador do ordenamento jurídico brasileiro.

Cabe destacar que foi depois da segunda guerra mundial que houve uma verdadeira consideração pelo decoro da pessoa humana. Com relação ao conceito de Dignidade o Dicionário Aurélio apresenta o seguinte significado: decência; decoro; respeito a si mesmo; amor-próprio, brio, pundonor. Silva, De Plácido (2004, p. 458) ensina que Dignidade, Derivado do latim dignitas (virtude, honra, consideração), em regra se entende a qualidade moral, que possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida.

Ingo Wolfgang Sarlet compendiou a dignidade da pessoa humana como:

“A qualidade intrínseca e distinta reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.( SARLET,2005, p. 37).

O princípio da dignidade da pessoa humana se mostra como o corolário da análise dos avanços biotecnológicos na sociedade contemporânea, especialmente quando se destinam a atingir o ser humano, afetando o que lhe é mais precioso, sua dignidade. (FISCHER, 2017, p.05).

Ingo Wolfgang Sarlet,(2001) ensina que:

(...) a dignidade da pessoa humana, parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão-somente de sua condição humana e independente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado. Da mesma forma, acabou sendo recepcionada, especialmente a partir e por meio do pensamento cristão e humanista, uma fundamentação metafísica da dignidade da pessoa humana, que, na sua manifestação jurídica, significa uma última garantia da pessoa humana em relação a uma total disponibilidade por parte do poder estatal e social. (SARLET, 2001).

O princípio da dignidade da pessoa humana “serve como justificativa para a imposição de restrições a direitos fundamentais, acabando, neste sentido, por atuar como elemento limitador destes” (SARLET, 2002, p. 123). Gabriella Nogueira Tomaz e Henrique Batista de Araújo Neto, (2012):

A dignidade humana é universal e pautada na humanidade empregada no teor de sua essência. Sendo imprescindível para a instituição do ordenamento jurídico. Tem fundamento no Estado democrático e no cunho social que permeia as mais variadas relações jurídicas. A bioética estabelece valores que devem ser respeitados pela ingerência da inseminação artificial, bem como outras técnicas de reprodução humana. O valor ético deve prevalecer no respeito à vida, compondo-se de limites a evolução da medicina, não podendo ter condutas que reduzam a sua dignidade. Sendo assim, institui-se o sentido humanístico, preservando a dignidade e garantindo a efetividade dos direitos inerentes ao ser humano. (DA SILVEIRA e DE ARAÚJO NETO, 2012, p.09).

Neste viés, observa-se que o princípio da dignidade da pessoa humana auxilia nos julgamentos com relação às novas técnicas de Reprodução Humana Assistida utilizada pela sociedade contemporânea.

Novelino (2010, p. 339) lembra que as terríveis experiências com seres humanos feitos pelos nazistas fizeram abrir a consciência sobre a necessidade de amparar a pessoa, com o intuito de evitar que seja reduzida à condição de objeto. O ordenamento jurídico brasileiro apresenta lacunas que precisam ser preenchidas, com novas normas, diretrizes leis e princípios, para que os operadores do Direito possam interferir, de forma justa, nas novas questões oriundas das técnicas de reprodução que vieram para auxiliar o planejamento familiar das famílias brasileiras.

Assim, diante das lacunas existentes, o princípio da dignidade humana configura-se como princípio norteador dos métodos e procedimentos referente às técnicas Reprodução Humana Assistida utilizada pela sociedade contemporânea até que o Estado crie as normas que sejam eficazes no sentido de legitimar as referidas técnicas. O ser humano, sua dignidade deve prevalecer em qualquer avanço tecnológico da ciência e da medicina, uma vez que todas as normas existentes no ordenamento jurídico brasileiro devem estar fundamentadas nos direitos fundamentais defendidos pela Constituição vigente. Desta forma, averigua-se que a dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda ordem constitucional.


4. CONCLUSÃO

O presente ensaio objetivou alavancar reflexões sobre os problemas jurídicos oriundos das questões referentes às técnicas de Reprodução Humana Assistida no ordenamento jurídico brasileiro, com ênfase nas lacunas deixadas pela legislação vigente. A problemática se verificou principalmente na concepção do filho por fertilização in vitro sem a autorização do genitor, frente à falta de leis específicas que versam sobre as técnicas e procedimentos relacionados a este método de Reprodução Humana Assistida.

Foi possível observar que o ordenamento jurídico brasileiro, especificamente o Código Civil, não acompanhou as aceleradas transformações da família brasileira contemporânea, principalmente no que tange às novas técnicas de reprodução humana assistida que, embora tenham vindo para auxiliar no planejamento familiar das famílias brasileiras. É notório que, com as inovações na área médica e, especificamente, na área da reprodução humana, vieram também as questões jurídicas dela provenientes.

Destarte, observou-se que o princípio da dignidade da pessoa humana ampara ajuizamentos com relação às novas técnicas de Reprodução Humana Assistida utilizadas pela sociedade contemporânea. Faz-se, portanto, necessário que o Estado, frente à falta de leis que versam sobre o tema e diante das lacunas que existam em consequência disto, assuma o papel institucional que lhe compete e sistematize o tratamento jurídico relacionado às técnicas de Reprodução Humana assistida no Direito contemporâneo.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Lei n0 8.974, de 5 de janeiro de 1995. Regulamenta os incisos II e V do artigo 225 da Constituição Federal, estabelece normas para uso das técnicas de engenharia genética (...) prov. Diário Oficial da União, Brasília, p. 337, 6 jan.1995.Col.1.

BRASIL. Resolução n0 1.358/92, de 11 de novembro de 1992. Adotar as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, n. 16053, p. 17, 12 nov. 1999. Seção I.

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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 5: Direito de Família. 30 ed. São Paulo. Saraiva, 2015, p. 38

FARIAS, Cristina Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª Edição. Rio de Janeiro: 2010, Editora Lumen Juris.

DA SILVEIRA, Gabriella Nogueira Tomaz; DE ARAÚJO NETO, Henrique Batista. Inseminação artificial post mortem e suas implicações no âmbito sucessório. 2012.

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LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Método, 2010, p. 339. NYS, Herman, Experimentação com embriões. In: CASABONA, Carlos Maria Romeo (org). Biotecnologia, direito e bioética. Belo Horizonte: PUC-MINAS e Del Rey, 2002.

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