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Lei Maria da Penha: Do descumprimento das medidas protetivas de urgência

Lei Maria da Penha: Do descumprimento das medidas protetivas de urgência

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Com a inovação legal, a mulher vítima de violência doméstica não ficará sem tutela jurídica de emergência nos casos em que o agressor descumprir medida protetiva de urgência anteriormente imposta, mesmo sem a ocorrência de um novo episódio de violência.

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, para proteger as mulheres da violência doméstica e familiar, foi criada a Lei n. 11.340/2006 nomeada como Lei Maria da Penha - LMP, que introduziu no ordenamento jurídico uma série de ferramentas que visam a proteger os aspectos físicos, psicológicos e patrimoniais das vítimas de violência, prevendo dois tipos de medidas protetivas de urgência: as que obrigam o agressor a não praticar determinadas condutas e as medidas que são direcionadas à mulher e seus filhos, visando protegê-los (BRASIL, 2006).

No art. 22, a Lei n. 11.340/2006 traz um rol de providências a serem tomadas de forma a obrigar o agressor a cumpri-las, com a finalidade de cessar a violência. Dentre elas as mais comuns são o afastamento do lar, a proibição de aproximação de vítima e a fixação de alimentos provisionais ou provisórios. Tais medidas visam à proteção da integridade física e psicológica da agredida (BRASIL, 2006).

Ocorre que a LMP não tipificava os casos de descumprimento das medidas protetivas, o que gerou várias decisões conflitantes acerca da medida a ser tomada no caso do descumprimento, visto que algumas decisões consideravam a ocorrência do crime de desobediência previsto no art. 330 do CP: “Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa”, e outras, por sua vez, chegavam a considerar o descumprimento como fato atípico. Essa controvérsia no judiciário trazia insegurança jurídica para as partes e não protegia a mulher de forma eficaz.

Diante desse cenário, foi publicada a Lei n. 13.641, em 2018, que alterou dispositivos da LMP e tipificou o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência impostas em razão de violência contra mulheres, o que trouxe maior segurança jurídica para as partes, bem como maior proteção para a vítima (BRASIL, 2018).

Contudo, torna-se necessário um estudo para identificar os aspectos jurídicos do crime de descumprimento das medidas protetivas, afim de identificar se os agressores estão sendo devidamente punidos.


2 VIOLÊNCIA DE GÊNERO

2.1 Conceito

Em relação à preocupação internacional com a violência de gênero, é possível destacar a Convenção Americana de Direitos Humanos, assinada em San José, Costa Rica, em 1969, que reconheceu e assegurou um catálogo de direitos civis e políticos, como impulsionador da promoção dos direitos humanos. Destaca-se, também, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), de 1979, em vigor desde 1981. Trata-se de um tratado internacional que dispõe amplamente sobre os direitos humanos da mulher.

Em seu art. 1º, define que: “[...] a expressão ‘discriminação contra a mulher’ significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher independentemente de seu estado civil com base na igualdade do homem e da mulher [...]”. (CEDAW, 1981, p. 1) Ainda no âmbito internacional, tem-se a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – a Convenção de Belém do Pará, aprovada pela 4º Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos – OEA – em 1994. O seu art. 1º define a violência contra a mulher: “[...] entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”. (BRASIL, 1994, p.1)

Diversos países da América Latina foram influenciados por essas Convenções que impulsionaram a aprovação de legislações direcionadas a erradicar a violência contra a mulher e a promover a igualdade de gênero. Segundo Veia (2019, p. 1), “ o ativismo contra a violência de gênero, em todos os campos, ainda se faz necessário”.

No Brasil, foi aprovada,, em 2006, a Lei n.11.340, que, em seu art. 5°, define a violência de gênero como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause a morte da mulher, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (BRASIL, 2006, p. 1). De acordo com Silva e Nascimento: no Brasil, com o sancionamento da LMP, passou-se a ter uma certa proteção para as mulheres vítimas de violência doméstica, mas essa efetiva lei só passou a ter proporções notórias a partir do caso que estourou na mídia chamado de ‘Caso Maria da Penha Maia Fernandes’, história da cearense que ao contrair matrimônio e conviver com marido agressivo e hostil foi vítima de tentativa de assassinato em 1983, e ficou paraplégica. Essa vítima, cansada dos abusos sofridos, recorreu à justiça e passaram-se mais de 15 anos para que a justiça deliberasse medidas contra o agressor. (SILVA; NASCIMENTO, 2018, p. 4-5)

No país, a violência doméstica e familiar contra a mulher não vinha recebendo, por parte das autoridades, a devida atenção até a entrada em vigor da LMP, para além do fato de ter a CF/1988, proclamada em 1988, no seu § 8º do art. 226, repúdio à violência doméstica e familiar contra a mulher. Diante disso, a LMP surge como forma de dar cumprimento aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, e de corrigir os institutos penais já existentes. A violência contra a mulher possui elevados índices e um padrão de impunidade frente aos crimes cometidos contra as mulheres, que variam nas formas: física, emocional, psicológica, sexual, patrimonial, causando-lhes danos irreparáveis e até mesmo a morte (BRASIL, 2006).

No Brasil, o Atlas da Violência, organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2019), que analisa o Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, indica um crescimento nos homicídios femininos no país. O estudo analisa dados colhidos desde o ano de 2007 até 2017, com sua última publicação no ano de 2019 (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2019). Segundo o Atlas da Violência (2019), entre 2007 e 2017 houve aumento de 20,7% na taxa nacional de homicídios de mulheres, quando a mesma passou de 3,9 para 4,7 mulheres assassinadas por grupo de 100 mil mulheres. Diz, ainda, que a significativa maioria das mortes violentas intencionais que ocorrem dentro das residências são perpetradas por conhecidos ou íntimos das vítimas. O Atlas da Violência enumera que, “apenas em 2017, mais de 221 mil mulheres procuraram delegacias de polícia para registrar episódios de agressão (lesão corporal dolosa) em decorrência de violência doméstica, número que pode estar em muito subestimado, dado que muitas vítimas têm medo ou vergonha de denunciar” (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2019, p. 42).

Em suma, a LMP tem por objetivo resguardar a mulher e readaptá-la nas vivências em sociedade, onde sua igualdade jurídica é assemelhada ao homem (SILVA; NASCIMENTO, 2018, p. 5). A lei criou um conjunto de mecanismos para coibir e erradicar a violência doméstica, para tratar e reeducar o autor do fato, bem como para responsabilizá-lo, mais duramente, quando for o caso. Entretanto, a sua efetivação ainda é um grande desafio em todo o País. Desse modo, seguindo os ensinamentos de Romagnoli (2015, p. 121): “Devemos estar atentos a como favorecer saídas construtivas para essas mulheres e esses homens, auxiliando na sustentação de intervenções que minimizem esse grave problema social e de saúde pública”.

O Poder Público precisa adotar medidas necessárias que dêem suporte suficiente às vítimas, implantando ações voltadas ao combate à violência doméstica, com vista a garantir o exercício pleno da cidadania e o reconhecimento dos direitos humanos, através de ações que fortaleçam o vínculo entre os casais, preparando-os para a prevenção da violência no lar.

2.2 Os tipos de violência contra a mulher

A Lei n. 11.340/2006, em seu art. 5º, faz referência à violência doméstica, violência familiar e violência conjugal, além de criar estratégias para reprimir a violência doméstica contra a mulher. De acordo com Bitu, Mendes e Nóbrega (2017, p. 2): “a referida Lei surge com o objetivo não apenas de proteger a mulher vítima de violência doméstica e familiar, bem 6 como, prevenir futuras situações de agressão e consequentemente punir os verdadeiros responsáveis por tais atrocidades”. De acordo com a LMP, a agressão à mulher deve ser analisada em seu contexto, ou seja, se há relação doméstica/familiar e/ou a existência de uma relação íntima de afeto.

De acordo com Vargas: é imprescindível que a ação ou a omissão do agente, materializada nas violências, esteja baseada no “gênero”. O gênero, portanto, é o núcleo da Lei. Uma lei que se apropria de um conceito não jurídico e, em consequência, impõe o diálogo com outras ciências, como a sociologia, a antropologia, a psicologia, com a finalidade de compreender esse fenômeno, que é a violência intra-familiar, que expressa dinâmicas de poder e afeto, nas quais estão presentes relações de subordinação e dominação. (VARGAS, 2017, p. 100)

A LMP trouxe inovações importantes no campo da violência contra a mulher. Segundo Alves: é nítida a preocupação de proporcionar realmente a máxima proteção às mulheres vitimadas e também às possíveis futuras vítimas desta forma de violência, como a Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, cujo objetivo é combater, prevenir, assistir e garantir os direitos das mulheres frente a um fenômeno tão complexo como é a violência. Assim, a lei atua realmente da maneira a que se propôs, fazendo o uso de seus mecanismos no combate da violência nos casos já existentes e, consequentemente, agindo de forma inibidora e repressiva contra aqueles que, porventura, poderiam tornar-se agressores, verificando-se, assim, seu efeito preventivo. (ALVES, 2017, p. 53-54)

O art. 6º da LMP prevê que “a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”. Os autores Bitu, Mendes e Nóbrega (2017), reiteram que a violência doméstica e familiar perpetrada face à mulher representa uma grave violação aos direitos humanos. Para os autores, o problema decorre de uma cultura conservadora que ainda mantem a mulher em situações de opressão e violência ante a disparidade de direitos e deveres entre os sexos (BITU; MENDES; NÓBREGA, 2017).

A LMP reconhece como violência doméstica e familiar cinco formas de violência: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Estas formas podem ser cometidas conjunta ou isoladamente (BRASIL, 2006). Segundo o art. 7º, inc. I, da LMP, “a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal” (BRASIL, 2006, p. 2).

Assim, Oliveira (2015) assevera que ocorre a violência física mesmo que essa agressão não tenha deixado marcas aparentes, o uso da força física que ofenda a saúde ou o corpo da mulher. Caracteriza-se por ser uma espécie de contato físico que provoque dor, podendo ou não resultar em lesão ou causar marcas no corpo. O caput do art. 129 do CP, vislumbra a proteção jurídica da saúde corporal e integridade física e classifica os atos atentatórios a este bem jurídico como lesão corporal. O CP já qualificava a lesão corporal proveniente de violência doméstica desde 2004, quando a Lei n.10.886/2004 inseriu o § 9º ao art. 129 do CP. No entanto, com o advento da LMP, houve a alteração da pena desse crime, diminuindo a pena mínima e aumentando a pena máxima, que passou de seis meses a um ano, para três meses a três anos (BRASIL, 2006).

Importante ressaltar que, se caso houver a contravenção penal de vias de fato, prevista no art. 21 do Decreto n. 3.688/41 (LCP), praticada contra a mulher no âmbito das relações familiares ou domésticas, também será aplicada a LMP.

A violência psicológica foi incorporada no art. 7º, inc. II, da LMP, através da Convenção de Belém do Pará. In verbis: II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018) (BRASIL, 2006, p. 2)

A violência psicológica ou agressão emocional pode ser vislumbrada de diversas formas. Segundo Oliveira: trata-se da agressão emocional, podendo esta ser através de ameaças, humilhações ou discriminações, bem como, do momento em que o agente sente prazer em ver a vítima sentindo-se amedrontada, aterrorizada, diminuída e inferiorizada. Ou seja, trata-se de qualquer ação que provoque dano emocional e diminuição da autoestima intencionalmente, como por exemplo: controlar decisões e comportamentos da vítima, por meio de ameaça, manipulação, chantagem, humilhação, ridicularização, insulto, exploração ou através de qualquer outro meio que cause prejuízo à autodeterminação ou à saúde psicológica, podendo ser através de atos como os de proibição de usar determinadas roupas, proibição de trabalhar fora de casa, proibição de sair de casa e, até mesmo, ser forçada a retirar a queixa e outras situações semelhantes. (OLIVEIRA, 2015, p. 21)

Em relação à violência sexual, essa também foi reconhecida pela Convenção de Belém do Pará e foi inserida no art. 7°, inc. III, da LMP: Art. 7º III, a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, 8 mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. (BRASIL, 2006, p. 2)

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a violência sexual é definida como qualquer ato sexual ou tentativa do ato não desejada, ou ainda, atos para traficar a sexualidade de uma pessoa, utilizando repressão, ameaças ou força física, praticados por qualquer pessoa independente de suas relações com a vítima, qualquer cenário, incluindo, mas não limitado ao do lar ou do trabalho.

A relação sexual nesses casos é permeada por ameaças e repressões (ALVES, 2017). Já a violência patrimonial está elencada no art. 7°, inc. IV, da LMP. Essa é “entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”. (BRASIL, 2006, p. 2) 

Faz-se necessário enfatizar que tais condutas, além de constituírem crimes quando praticados contra a mulher com quem o agressor mantém vínculo familiar ou afetivo, leva ao agravamento da pena (ALVES, 2017).

A violência moral está prevista no art. 7º, inc. V, da LMP. Trata de qualquer conduta que configure um dos crimes contra a honra, calúnia, difamação ou injúria. Configura-se violência moral quando o autor do delito pratica atos que estão tipificados como crimes contra a honra, quais sejam: calúnia, difamação e injúria.

De acordo com Alves: o bem jurídico que esta tipificação penal visa a proteger é a honra, porém constitui objeto de nosso estudo quando este delito é praticado no seio familiar em decorrência de vínculo entre autor e vítima, configurando-se assim a violência moral.

Ocorre a calúnia quando o fato atribuído pelo agressor à vítima é definido como crime. Na prática da injúria não há atribuição de fato determinado, porém, na difamação há atribuição de fato ofensivo à reputação ou boa fama da vítima. A calúnia e a difamação atingem a honra objetiva; a injúria atinge a honra subjetiva. A calúnia e a difamação consumam-se quando terceiros tomam conhecimento da imputação; a injúria consuma-se quando o próprio ofendido toma conhecimento da imputação. É pacífico o entendimento de que a violência não se consuma somente na forma físico, uma vez que somente a sua visibilidade pode ser mais evidente nessa forma. Observa-se que violências como omissão, ironia e indiferença não recebem da sociedade as mesmas restrições, punições ou limites, que os atos de violência físicos recebem.

Contudo, esses artifícios que agridem de forma psicológica e emocional podem gerar danos muito mais profundos que os da violência física, que agridem e ferem o corpo, posto que a violência psicológica atinge um valor precioso do ser humano, qual seja, a autoestima. (ALVES, 2017, p. 26- 27) 9

Portanto, se o crime for cometido em decorrência do vínculo familiar ou afetivo, passa a configurar como violência doméstica. Quando isso ocorre, é instituído o agravamento da pena, conforme o art. 61, inc. II, letra f do CP. 2.3

2.3. Das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor

Em relação a proteção das mulheres vítimas desses tipos de violência, os art. 22, 23 e 24 da LMP prevêem medidas de proteção de urgência. São medidas cautelares e de bastante utilidade nos casos de violência doméstica. Dessa forma, “o Juiz deve analisar a conveniência da adoção de tais medidas, verificar a existência dos pressupostos, podendo designar audiência de justificação, prevista no art. 300, § 2°, do CPC” (MELLO, 2017, p. 112).

As medidas de proteção de urgência previstas na LMP possuem caráter meramente exemplificativo, não esgotando o rol de medidas passíveis de adoção, conforme o art. 22, § 1º, e caput dos arts. 23 e 24. Sua finalidade é preservar a integridade física e psicológica das mulheres, e, na maioria das vezes, preservar também a integridade física dos filhos, contra qualquer espécie de violência de que trate o art. 5º da lei (MELLO, 2017).

Ao prever as medidas de proteção de urgência, a LMP inovou no sentido de proporcionar maior liberdade ao juiz, que antes da sua entrada em vigor, estava adstrito à aplicação de apenas algumas medidas cautelares.

Com a lei, o rol de medidas cautelares foi ampliado, cabendo ao julgador a verificação da medida mais adequada e necessária à situação em análise, em conformidade com as peculiaridades de cada caso (MELLO, 2017).

Assim, o art. 22, a Lei n. 11.340/2006 traz um rol de providências a serem tomadas de forma a obrigar o agressor a cumpri-las, com a finalidade de cessar a violência, dentre elas as mais comuns são o afastamento do lar, a proibição de aproximação de vítima e a fixação de alimentos provisionais ou provisórios, resguardando a proteção da integridade física e psicológica da agredida.

Ocorre que a LMP não tipificava os casos de descumprimento das medidas protetivas, o que gerou várias decisões conflitantes acerca da medida a ser tomada no caso do descumprimento, visto que algumas decisões consideravam a ocorrência do crime de desobediência previsto no art. 330 do CP e outras chegavam a considerar o descumprimento como fato atípico. Essa controvérsia no judiciário trazia insegurança jurídica para as partes, bem como não protegia a mulher de forma eficaz.


3 DO DESCUMPRIMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS

No dia 4 de abril de 2018, foi publicada a Lei n. 13.641, que altera dispositivos da LMP e tipifica o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência impostas em razão de violência contra mulheres. In verbis: Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. §1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas. §2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. §3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis. (BRASIL, 2018, p. 1) O núcleo do tipo penal, ou seja, o verbo que descreve a conduta proibida pela lei penal é “descumprir”, o que denota que somente é admitido o dolo, a vontade livre e consciente para a caracterização do delito, visando o agente ao abalo à integridade física e psicológica da ofendida (AMARAL, 2018, p. 1).

De acordo com o texto, em caso de descumprimento das medidas, será aplicada de três meses a dois anos de detenção. A norma ainda estabelece que a configuração do crime independe de competência civil ou criminal do juiz que deferir a medida, e que em casos de prisão em flagrante, somente a autoridade judicial poderá conceder o direito à fiança (BRASIL, 2018).

De acordo com Amaral: na prática, sabe-se que a vigência e desenvolvimento das medidas protetivas de urgência envolvem a complexa discussão e acerto de muitas matérias relacionadas ao juízo de família. Não é raro a própria ofendida, ignorando a vigência da medida protetiva a seu favor, manter contato com o agressor para debater acerca da pensão alimentícia, guarda de filhos menores, divisão de bens etc. Nesses casos, os juízes terão muito trabalho para aplicar a nova lei, dada a diversidade das próprias medidas de proteção. (AMARAL, 2018, p. 1)

A Lei n. 13.641/2018, apesar de prever uma pena branda para o crime de descumprimento de medida protetiva de urgência (três meses de detenção), autorizando o regime aberto, em alguns casos, a condenação poderá importar no regime fechado se o agressor já tiver sido condenado pela violência doméstica com trânsito em julgado, caracterizando-se, assim, sua reincidência para fins do art. 33, § 2º, “c”, do CP. De acordo com Amaral (2018), isso pode fazer com que aumente o número de apelações contra a sentença condenatória por lesões corporais e ameaça, obstaculizando a formação do prematuro trânsito em julgado. 11

De acordo com a lei em comento, descumprida a medida protetiva de urgência deferida pelo juízo cível, o caso será de prisão em flagrante do agressor, com o seu encaminhamento à autoridade policial para lavratura do auto de prisão (BRASIL, 2018).

A fiança poderá ser arbitrada pelo delegado de polícia nos crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher, como autoriza o art. 322 do CPP, mas somente poderá ser concedida pelo juiz no crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência.

O art. 24-A, §2º, da Lei 13.641/2018, prevê que a imputação do crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis (BRASIL, 2018). Segundo Amaral (2018), isso autoriza a dizer que o agressor, mesmo autuado em flagrante por esse delito, poderá, de outro lado, ver sua prisão preventiva decretada nos autos da violência doméstica anteriormente praticada.

Por fim, cabe ressaltar que a violência contra a mulher é uma realidade constante. É fato que o descumprimento de medidas protetivas de urgência não poderia ficar impune, pois suas consequências podem chegar à morte da vítima protegida. Agora, além das sanções de natureza civil (multa), administrativa (força policial) e penal (prisão preventiva), existe uma figura criminal específica que garante a punição do agressor com pena de prisão. 


4 CONCLUSÃO

Através do estudo realizado, chega-se à conclusão de que, visando a inibir condutas violentas praticadas pelo agressor, a LMP elencou medidas de proteção. As medidas protetivas servem justamente para proteger a vítima. Percebe-se, que a lei não é omissa, mas que, em alguns casos, os agressores acabam tendo que cumprir apenas serviços comunitários à sociedade ou cumprindo a pena em regime aberto.

Tendo em vista o descumprimento das medidas impostas, foi publicada a Lei 13.641/2018, que alterou a Lei 11.340/2006, tipificando o crime de descumprimento de medida protetiva de urgência por meio da inserção do art. 24- A, que trouxe maior segurança jurídica para as partes, bem como maior proteção para vítima.

Com a inovação legal, a mulher vítima de violência doméstica não ficará sem tutela jurídica de emergência nos casos em que o agressor descumprir medida protetiva de urgência anteriormente imposta, mesmo sem a ocorrência de um novo episódio de violência, possibilitando uma punição mais severa ao agente, bem como a sua prisão em flagrante, e, dessa forma, garantindo maior efetividade às medidas protetivas de urgência aplicadas em favor das mulheres em situação de violência.


REFERÊNCIAS

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PEREIRA, Brenda. Lei Maria da Penha: Do descumprimento das medidas protetivas de urgência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6385, 24 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87423. Acesso em: 28 mar. 2024.