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O efeito vinculante nas decisões do Supremo Tribunal Federal

O efeito vinculante nas decisões do Supremo Tribunal Federal

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Sumário: 1. Introdução; 2. Eficácia "erga omnes" vs efeito vinculante; 3. O efeito vinculante no controle concentrado; 3.1. Limites subjetivos; 3.2. Limites objetivos; 4. O efeito vinculante no controle difuso; 4.1. Suspensão pelo Senado; 4.2. Desobediência


1. Introdução

            O efeito vinculante foi introduzido no texto constitucional pela EC nº 3, em 17/03/93. Esta acrescentou o § 2º ao art. 102, estabelecendo este efeito apenas para as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC). Não obstante, a partir de então a jurisprudência do STF passou a conferi-lo também às Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), em razão do caráter dúplice (ambivalente) destas ações.

            Com a edição da Lei nº 9.868, em 10/11/99 e, posteriormente, com o advento da EC. nº 45, de 31/12/2004, o efeito vinculante foi estendido expressamente à ADI. [01]


2. Eficácia "erga omnes" vs efeito vinculante

            Ab initio, faz-se necessário distinguir a eficácia "erga omnes" (força de lei) do efeito vinculante pois, apesar de serem institutos afins, não são idênticos. Segundo Gilmar Ferreira Mendes, a orientação que tem prevalecido é a de que o primeiro se refere à parte dispositiva da decisão, ao passo que o segundo, cujo objetivo é conferir maior eficácia às decisões do STF, assegura "força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos chamados fundamentos ou motivos determinantes". [02]

            No que se refere às normas paralelas, o efeito vinculante tem o condão de impedir a aplicação de uma lei do Estado B ou C se uma lei de conteúdo semelhante do Estado A for declarada inconstitucional. O mesmo já não ocorre com a eficácia "erga omnes". [03]


3. O efeito vinculante no controle concentrado

            3.1. Limites subjetivos

            O efeito vinculante ocorre apenas em relação ao Poder Executivo e aos demais órgãos do Poder Judiciário.

            Não atinge, portanto, o próprio STF que, em determinadas circunstâncias, poderá rever suas decisões. [04] Tampouco se aplica ao legislador que, em tese, poderá editar uma nova lei com conteúdo material idêntico ao do texto normativo declarado inconstitucional. [05]

            O embasamento desta concepção reside na própria idéia de Estado Democrático de Direito, segundo a qual não se pode impedir o legislador de aprovar, a qualquer momento, um novo projeto de lei. As circunstâncias momentâneas podem e devem ser melhoradas, o que significa fazer frente a uma interminável tarefa de adaptação às mudanças sociais e políticas mediante novas decisões. Para isso, é necessário que sejam mantidas abertas todas as vias concebíveis de solução. [06]

            Este entendimento tem ainda por finalidade preservar a relação de equilíbrio existente entre o tribunal constitucional e o legislador, evitando não apenas a sua redução a um papel subalterno, mas também a ocorrência do inconcebível "fenômeno da fossilização da constituição". [07]

            A redação dada ao parágrafo único do art. 28 da Lei n. 9.868/99 ("... e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal") e ao § 2º do art. 102 da Constituição ("... e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal") autoriza o entendimento de não vinculação do STF e do legislador.

            O desrespeito à eficácia vinculante autoriza o uso da reclamação, que poderá ser proposta por todos aqueles que forem atingidos pela decisão contrária ao entendimento firmado pelo STF. [08]

            3.2. Limites objetivos

            A jurisprudência do STF tem admitido a possibilidade de reconhecimento, em nosso sistema de fiscalização abstrata de constitucionalidade, do fenômeno da "transcendência dos motivos" que embasaram a sua decisão, proclamando que o efeito vinculante se projeta para além do dispositivo, estendendo-se à própria ratio decidendi. [09]

            Dessa forma, ocorreria uma transcendência sobre a parte dispositiva dos motivos que embasaram o aresto no âmbito do controle concentrado – seja em sede de liminar, seja na decisão de mérito –, assim como dos princípios por ele consagrados.

            O fenômeno da transcendência reflete uma preocupação doutrinária com a força normativa da constituição – resultante de sua supremacia material e formal –, cuja preservação, em sua integralidade, necessita do reconhecimento de que a eficácia vinculante se refere não apenas à parte do dispositivo, mas estende-se também aos próprios fundamentos determinantes da decisão proferida pela Corte Suprema, especialmente quando consubstanciar uma declaração de inconstitucionalidade em sede de controle abstrato. [10]


4. O efeito vinculante no controle difuso

            Se, no controle concentrado, a extensão dos efeitos vinculantes aos motivos determinantes da decisão e aos princípios por ela consagrados não é exatamente uma novidade, o mesmo não se pode dizer da utilização desta técnica no controle difuso.

            Neste, os ministros do STF vêm aplicando tese fixada em precedente no qual se discutiu a inconstitucionalidade de lei emanada de ente federativo diverso daquele que elaborou a lei objeto do recurso extraordinário sob exame, impondo os fundamentos determinantes de um leading case até mesmo no controle de constitucionalidade de leis municipais. [11]

            Este procedimento está embasado no caput e no § 1º-A do artigo 557 do Código de Processo Civil que possibilita ao relator julgar monocraticamente recurso interposto contra decisão que esteja em confronto com súmula ou jurisprudência dominante da Corte Suprema.

            Ademais, a interpretação dada pelo STF possui especial relevância, na medida em que ele se constitui no "guardião da Constituição" (CRFB/88, art. 102, caput), a quem cabe dar a última palavra na descoberta do conteúdo e na fixação do alcance das normas constitucionais.

            4.1. Suspensão pelo Senado

            A extensão do efeito vinculante ao controle difuso impõe a necessidade de se rediscutir o papel do Senado na suspensão da execução de leis declaradas inconstitucionais em decisão definitiva do STF (CRFB/88, art. 52, X).

            Em artigo publicado na Revista de Informação Legislativa, parcialmente transcrito pelo Min. Celso de Mello na ADI nº 3.345-0/DF, Gilmar Ferreira Mendes defendeu a legitimidade de uma redefinição do papel do Senado no controle difuso, o qual passaria tão-somente a dar publicidade à decisão do STF, uma vez que esta já iria produzir efeitos gerais. [12]

            4.2. Desobediência

            À guisa de encerramento, vale observar que a desobediência à decisão do STF autoriza o uso da reclamação (CRFB/88, art. 102, I, l), cujo efeito será a cassação da decisão. Esta medida poderá ser intentada por qualquer pessoa – particular ou não – que tenha sido atingida na sua esfera jurídica por decisões de magistrados, tribunais ou da Administração Pública.

            Não obstante, cumpre-se advertir que só ocorre uma afronta ao efeito vinculante da "ratio decidendi", quando o provimento jurisdicional ou administrativo impugnado verse sobre a mesma questão jurídica, decidida em sentido oposto ao da decisão invocada como paradigma. Caso as situações sejam distintas, não é cabível a imposição da eficácia vinculante para além dos limites objetivos e subjetivos da ação na qual a decisão foi proferida. [13]


Notas

            01Lei nº 9.868/99, art. 28, Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal. (g.n.)

            CRFB/88, art. 102, § 2º. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (g.n.)

            02 Proposta de Emenda Constitucional n. 130, de 1992. In MARTINS, Ives Gandra da Silva et al. Controle concentrado de constitucionalidade, p. 337.

            03 Ibidem.

            04 STF – ADI nº 2675/PE, rel. Min. Carlos Velloso e ADI nº 2777/SP, rel. Min. Cezar Peluso

            "O Tribunal, embora salientando a necessidade de motivação idônea, crítica e consciente para justificar eventual reapreciação de uma questão já tratada pela Corte, concluiu no sentido de admitir o julgamento das ações diretas, por considerar que o efeito vinculante previsto no § 2º do art. 102 da CF não condiciona o próprio STF, limitando-se aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo".(g.n.)

            05 MARTINS, Ives Gandra da Silva et al. Controle concentrado de constitucionalidade, p. 335. Este o entendimento adotado também pela nossa Corte Suprema (STF – ADI nº 907, rel. Min. Ilmar Galvão; ADI nº 864, rel. Min. Moreira Alves). Em sentido oposto, Alexandre de Moraes entende que a decisão vincula inclusive o Poder Legislativo, que ficaria impedido de editar uma nova lei com preceitos idênticos (Direito constitucional, p. 627).

            06 SIMON, Helmut. La jurisdicción constitucional. In: BENDA, Ernest et alii. Manual de derecho constitucional, p. 842.

            07 STF – Rcl (Agr) nº 2617/MG, rel. Min. Cezar Peluso (informativo 386)

            O Relator menciona que "as constituições, enquanto planos normativos voltados para o futuro, não podem de maneira nenhuma perder a sua flexibilidade e abertura. Naturalmente e na medida do possível, convém salvaguardar a continuidade dos standards jurisprudenciais: alterações de rota, decisões overruling demasiado repentinas e brutais contrastam com a própria noção de jurisdição. A percepção da continuidade como um valor não deve, porém, significar uma visão petrificada da jurisprudência ou uma indisponibilidade dos tribunais para atender às solicitações provenientes do ambiente". (g.n.)

            08 STF – RTJ nº 187/151, rel. Min. Celso de Mello, Pleno.

            09 STF – Rcl nº 1.987/DF, rel. Min. Maurício Corrêa.

            10 STF – Rcl (MC) nº 2.986/SE, rel. Min. Celso de Mello.

            11 STF – RE nº 197.917-8/SP, rel. min. Maurício Corrêa (06/04/2002)

            RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. [...] INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL.

            12 Segundo ele, "se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, esta decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que este publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa ‘força normativa’. Parece evidente ser essa a orientação implícita nas diversas decisões judiciais e legislativas acima referidas. (...) A não-publicação não terá o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia". ( "O Papel do Senado Federal no Controle de Constitucionalidade: Um Caso Clássico de Mutação Constitucional", "in" Revista de Informação Legislativa, vol. 162/149-168, 163-166, 2004, Senado Federal).

            13 Em outras palavras, é imprescindível que "a matéria de direito debatida no pronunciamento, cuja autoridade se alega ofendida, seja em tudo semelhante, senão idêntica, àquela sobre a qual se funda a decisão que teria desembocado em conclusão oposta" (STF – Rcl nº 3.626/PE, rel. Min. Cezar Peluso).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMARGO, Marcelo Novelino. O efeito vinculante nas decisões do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1136, 11 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8769. Acesso em: 28 mar. 2024.