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A progressividade do IPTU e a destinação do imóvel.

Afinal, a destinação do imóvel ou suas características intrínsecas admitem a progressividade do imposto?

A progressividade do IPTU e a destinação do imóvel. Afinal, a destinação do imóvel ou suas características intrínsecas admitem a progressividade do imposto?

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            A presente anotação não tem o mérito de ser um estudo pronto e acabado a respeito do tema, mesmo porque outros com mais, propriedade, já discorreram sobre o assunto. O objetivo desta, anotação, repita-se, é apenas trazer algumas informações "pinçadas" aqui e ali, durante estudo que fizemos sobre decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o tópico.

            Restringimos a apreciação do tema ao período que antecede a vigência da Emenda Constitucional nº 29/00, vez que a progressividade de alíquota do IPTU posterior a esta Emenda aguarda decisão do Plenário do STF.

            A jurisprudência do STF tem se assentado na constitucionalidade da lei que estabelece a existência de mais de uma alíquota de IPTU para imóveis residenciais e não residenciais e os precedentes são inúmeros, desde o RE 229.233, de Relatoria do Ministro Ilmar Galvão.

            Entretanto, em análise feita recentemente, pôde-se perceber que o precedente que serviu de espeque às decisões posteriores, apreciou o tema da existência de mais de uma alíquota de IPTU levando em conta, apenas e tão-somente, o fato do imóvel estar edificado e não a sua destinação (residencial ou não residencial), como se fazia crer.

            Estes comentários são elaborados ante a necessidade de se esclarecer se a destinação do imóvel também legitima a existência de mais de uma alíquota, sem que caracterize a progressividade fiscal vedada constitucionalmente.

            Tomemos, para exemplo, a legislação do município do Rio de Janeiro que, de resto, ilustra bem a situação de diversos outros municípios.

            Até 1999, o Código Tributário Municipal (Lei nº 691/84 e alterações), classificava o imposto sobre a propriedade imobiliária a partir dos seguintes critérios:

Imposto

Predial (edificado)

residencial

não residencial

junto à orla (residencial ou não)

Territorial (não edificado)

            O artigo 67 definia uma variação diretamente proporcional de alíquotas (de 0,6% a 1,2%) que levava em consideração, apenas, a área do imóvel (50 a 301 m²). Assim, na medida em que aumentava sua área, a alíquota incidente sobre a base de cálculo elevava-se. Tal variação ocorria para todos os imóveis, independentemente de serem edificados (residenciais ou não residenciais) ou não.

            Em 1999, nova legislação entra em vigor (Lei nº 2.955) dando novo tratamento à incidência do imposto sobre a propriedade imobiliária.

            A partir desta lei deixa de haver uma variação de alíquota em função da metragem do imóvel, levando-se em conta, apenas, a destinação do imóvel. Vejamos:

Imposto

Edificado

residencial

não residencial

Não edificado

            De acordo com esta Lei, independentemente da área do imóvel, há uma só alíquota. A única distinção restante referiu-se à destinação dada ao mesmo, ou seja, a alíquota varia a depender da característica e destinação do imóvel ser residencial (1,2%), não residencial (2,8%) ou não edificado (3,5%).

            Como dissemos anteriormente, está sedimentado no STF que a mera distinção de alíquotas para imóveis residenciais e não residenciais não caracteriza a progressividade do IPTU [01]. Logo, quer-nos parecer que, pelo menos o município do Rio de Janeiro adapta-se aos precedentes existentes nesta Corte.

            Contudo, o RE 229.233-7, de Relatoria do Ministro Ilmar Galvão - leading case que teria debatido o assunto num primeiro momento - o fez sob um ângulo aparentemente diverso.

            No seu Relatório, o Ministro Ilmar Galvão informa que o extinto Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo reformou decisão de primeira instância que julgou inexigível o IPTU do Município de São José do Rio Preto ao do exercício de 1995, "...em razão de haverem sido previstas alíquotas distintas para terrenos vazios e para terrenos edificados". O Tribunal a quo, no entanto, entendeu que não haveria de se falar em progressividade de alíquotas, mas apenas em alíquotas diferenciadas para terrenos edificados e não edificados. Tal distinção atenderia ao critério constitucional relativo à função social da propriedade:

            "...O terreno vazio, inútil, assim mantido para fins exclusivamente especulativos, é apenado, o que é legítimo,legal e moral...."

            O Ministro Ilmar Galvão, apreciando a decisão impugnada extraordinariamente, entendeu que não se poderia confundir diversidade de alíquotas em função de o imóvel encontrar-se edificado ou não, com a progressividade vedada pela CF (se vinculada à capacidade econômica do contribuinte, ou tida por inconstitucional se não tivesse finalidade extrafiscal, a teor do art. 156, § 1º c/c os §§ 2º e 4º do art. 182 da CF).

            Em que pese não ter sido ventilado no acórdão, a conclusão a qual chegou o Relator parece ter-se fundamentado em decisão anterior de lavra do Ministro Moreira Alves, por ocasião do julgamento do RE 153.771/MG, que discutiu a progressividade do IPTU ainda em 1996. O voto vista do Ministro Moreira Alves, que deu provimento ao recurso extraordinário interposto pelo contribuinte declarando a inconstitucionalidade de progressividade de alíquotas do IPTU do Município de Belo Horizonte, dissentiu do voto do Relator, Ministro Carlos Velloso, que entendia legítima a progressividade fiscal instituída pela Lei municipal vazado, na parte que interessa, nos seguintes termos:

            "No caso, conforme está no acórdão recorrido ‘o imposto variou de alíquota, levando-se em consideração o valor venal, a zona de situação, e o fato de existir ou não edificação.

            Não praticou, portanto, o Município de Belo Horizonte, ao instituir a progressividade fiscal inscrita na Lei municipal nº 5.641, de 1989, inconstitucionalidade. Ao contrário, a lei mencionada está na linha do que dispõem os artigos 145, § 1º, e 156, § 1º, da Constituição Federal."

            Permitindo-se discordar, o Ministro Moreira Alves fez profunda análise da questão vindo a chegar a algumas conclusões que passamos a compartilhar.

            Entendeu Moreira Alves que, por definição, os impostos são classificados em reais e pessoais, sendo estes últimos vinculados à capacidade econômica do contribuinte, caso em que será graduado (ex: progressivo) em função desta capacidade. Já no caso dos impostos reais não ocorre tal graduação porque são considerados na sua objetividade, não levando em conta a condição pessoal do sujeito passivo do imposto. Citando Victor Uckmar (Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário, trad. Márco Aurélio Greco, § 12, p. 82, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1976), afirma ser evidente absurdo a existência de alíquotas progressivas para os impostos reais.

            Moreira Alves entende que a progressividade de alíquotas é fundada sobre o conceito de capacidade contributiva (que o imposto real não tem) e que tal capacidade é intrinsecamente relacionada à pessoa do contribuinte e, portanto, subjetiva.

            O imposto real, a seu turno, agrava igualmente, os rendimentos de um prédio, seja qual for a situação econômica e social do proprietário, seja rico ou posses médias, nacional ou estrangeiro etc., se estabelecendo sem levar em conta as qualidades pessoais do sujeito passivo da obrigação tributária, ou seja, sua capacidade contributiva.

            O IPTU é inequivocadamente um imposto real porque tem como fato gerador a propriedade, não levando em consideração, repita-se, a pessoa do proprietário, tanto que o CTN, no artigo 130 estabelece que "os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis,..., sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação".

            Quanto à progressividade prevista na Constituição Federal (art. 156, § 1º), há de se admiti-la somente sob a forma extrafiscal e, ainda, assim, em atenção à coisa, não permitindo a possibilidade de se impor uma progressividade vinculada a situações pessoais do contribuinte. É dizer, permanece o caráter real ainda quando utilizado para finalidade extrafiscal. Neste aspecto, importa dizer que a única progressividade admitida para o IPTU é a extrafiscal e para assegurar o cumprimento da função social da propriedade. É cristalino o voto vista do Ministro Moreira Alves, naquele julgamento:

            "Assim, a Constituição de 1988, ao estabelecer, no artigo 156, § 1º, que o IPTU "PODERÁ SER PROGRESSIVO NOS TERMOS DA LEI MUNICIPAL, DE FORMA A ASSEGURAR O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE", só admitiu essa progressividade extrafiscal em atenção à coisa (a função social do direito de propriedade sobre o imóvel), não permitindo sequer a possibilidade de, com relação a esse imposto, se impor uma progressividade vinculada a situações pessoais do contribuinte, o que demonstra inequivocamente – e isso decorre até da circunstância de ter sido esse dispositivo colocado no capítulo concernente ao sistema tributário nacional – a exacerbação do caráter real desse imposto, o qual passou a alcançá-lo ainda quando utilizado para finalidade extrafiscal."

            ...

            "Portanto, sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, §1º, porque esse imposto tem, como disciplinado no sistema tributário brasileiro, caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico), pela singela razão de que este último dispositivo, por admitir a progressividade para fins extra fiscais (" de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade"), não pode, obviamente, servir de esteio para justificar a progressividade fiscal."

            Moreira Alves encerra seu pensamento entendendo que a interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal do inciso II, do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada do IPTU com finalidade extrafiscal do artigo 156, § 1º. Portanto, será inconstitucional qualquer progressividade que não atenda ao artigo 156, § 1º com as limitações dos § 2º e 4º do artigo 182.

            Posteriormente a essa decisão outras mais vieram em decisões turmárias ou monocráticas que traziam implícitos os mesmos fundamentos:

            - Ministro Ilmar Galvão, no RE 229.233, afirmando que a aplicação de alíquotas diferenciadas com fundamentos em critérios que não levam em consideração a capacidade contributiva do sujeito passivo, não constitui progressividade;

            - Ministro Sepúlveda Pertence, no AI 528.939-AgR, entendendo que o IPTU tem caráter real, incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte. Qualquer progressividade que leve em conta área e localização dos imóveis revela capacidade contributiva;

            - Ministro Eros Grau, no RE 460.776-AgR, afirmando que a existência de alíquotas diferenciadas com fundamento em critérios que não levam em consideração a capacidade contributiva não constitui progressividade.

            A inevitável conclusão a que se pode chegar é a de que o IPTU por ser um imposto real, não pode levar em conta qualquer critério vinculado à capacidade contributiva do sujeito passivo, sendo necessário que sejam estabelecidos critérios outros (objetivos) autorizadores da diferenciação de alíquotas.

            No início desta anotação, afirmamos que os precedentes que julgaram constitucional a existência de alíquotas diferenciadas pelo fato do imóvel ser residencial ou não lastrearam-se em precedente que apreciou a constitucionalidade de diferenciação de alíquotas de imóveis edificados ou não.

            Ao fim deste breve comentário, entendemos que se legitima a adoção de tal precedente, principalmente se levarmos em conta os critérios aqui discutidos, quais sejam, a objetividade de critério no estabelecimento e diferenciação das alíquotas, dada a natureza do imposto de que se trata, pois o IPTU tem natureza real (seu fato gerador é a propriedade, domínio útil ou posse). Assim, tal natureza veda a graduação em função da capacidade econômica do sujeito passivo da obrigação tributária, só cabível para impostos que tenham natureza pessoal (que leva em conta as condições do sujeito passivo). Enfim, o estabelecimento de critérios objetivos (seja sua característica ou destinação) ou qualquer outro que desconsidere a capacidade contributiva não caracteriza progressividade fiscal não violando, assim, a Carta de 88.

            Por tudo isso, temos firme convicção de que no momento em que o STF, com arrimo no RE 229.233, entendeu que a criação de alíquotas diferenciadas para imóveis residenciais e não residenciais não fere a Constituição – inobstante se refira às suas características - o fez considerando as premissas de natureza real do IPTU e a objetividade de critério para a diferenciação de alíquotas.


Notas

            01 RE 432.758 e AI 472.937, Relator Min. Sepúlveda Pertence; RE 460776 e AI 552333, Relator Min. Eros Grau e RE 405882, Relator Min. Carlos Britto.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KLAYM, Ricardo J.. A progressividade do IPTU e a destinação do imóvel. Afinal, a destinação do imóvel ou suas características intrínsecas admitem a progressividade do imposto?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1144, 19 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8834. Acesso em: 28 mar. 2024.