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Atividade econômica do OGMO e contribuição para o SAT

Atividade econômica do OGMO e contribuição para o SAT

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1) Identificação do tema

            A alíquota da contribuição destinada ao Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) é fixada de acordo com o grau de risco da atividade econômica preponderante da empresa, consoante o disposto no art. 22, inciso II, alíneas "a", "b" e "c", da Lei n.º 8.212/1991, c/c os §§ 3º a 5º do Regulamento da Previdência Social (RPS) aprovado pelo Decreto n.º 3.048/1999:

            "[Lei n.º 8.212/1991] Art.22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: (...)

            II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 11/12/98)

            a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;

            b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;

            c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave."

            "[RPS] Art. 202. (...)

            § 3º Considera-se preponderante a atividade que ocupa, na empresa, o maior número de segurados empregados e trabalhadores avulsos.

            § 4º A atividade econômica preponderante da empresa e os respectivos riscos de acidentes do trabalho compõem a Relação de Atividades Preponderantes e correspondentes Graus de Risco, prevista no Anexo V.

            § 5º O enquadramento no correspondente grau de risco é de responsabilidade da empresa, observada a sua atividade econômica preponderante e será feito mensalmente, cabendo ao Instituto Nacional do Seguro Social rever o auto-enquadramento em qualquer tempo."

            Embora opiniões bastante abalizadas defendam a inconstitucionalidade dessa contribuição por afronta a variados princípios jurídicos, dentre os quais o da legalidade, o Superior Tribunal de Justiça vem, sistematicamente, reconhecendo a legitimidade de sua exigibilidade, o que é corroborado, exemplificativamente, pela seqüente ementa:

            "ADMINISTRATIVO - (...) SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO (SAT) - ART. 22, II, DA LEI 8.212/91.

(...)

            2.Questão da legalidade da contribuição ao SAT decidida em nível infraconstitucional – art. 22, II, da Lei 8.212/91.

            3. Atividades perigosas desenvolvidas pelas empresas, escalonadas em graus pelos Decretos 356/91, 612/92, 2.173/91 e 3.048/99.

            4. Plena legalidade de estabelecer-se, por decreto, o grau de risco (leve, médio ou grave), partindo-se da atividade preponderante da empresa.

            5. Recursos especiais do INSS e da empresa improvidos."

            (REsp 415269/RS - (2002/0017892-4) - 2ª Turma - Relatora Ministra Eliana Calmon - DJ 01/07/2002 - p. 333)

            No Anexo V ao dito Regulamento da Previdência Social, estabelece-se a correlação entre as atividades catalogadas pela Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) e os respectivos graus de risco de acidente do trabalho.

            O grau 1 corresponde a um risco leve de acidente do trabalho; o grau 2, risco médio; e o grau 3, risco grave.

            Conquanto o CNAE contemple mais de 500 tipos de atividades, algumas atividades específicas não são descritas nessa extensa lista.

            Nesses casos, o enquadramento nessa classificação nacional é feito pela atividade genérica que mais se aproxime da atividade específica sob investigação.

            Uma das atividades que não está catalogada explicitamente no CNAE é a do Órgão Gestor de Mão-de-Obra (OGMO).

            Via de regra, os OGMOs se auto-enquadram no código n.º 91.99-5 (outras atividades associativas, não especificadas anteriormente). Contudo, a fiscalização previdenciária, comumente, os encaixa sob o código n.º 74.99-3 (outras ativ. de serviços prestados principalmente às empr. não especif. anteriormente), que possui grau 3 de risco de acidente de trabalho e, portanto, alíquota de 3% para o SAT.

            O objetivo desse resumido estudo é, portanto, determinar qual é a atividade do OGMO, no CNAE, para fins de contribuição para o SAT.


2) OGMO e Operador Portuário

            O OGMO foi criado pela Lei n.º 8.630/1993, tendo como finalidade precípua "administrar o fornecimento de mão-de-obra do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso" (art. 18, inciso I), substituindo o sindicato de trabalhadores avulsos na execução desse mister.

            Já o Operador Portuário é aquele que presta, para as embarcações, os serviços de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações, nos portos organizados.

            O OGMO, consoante o art. 18, caput, do mencionado diploma, é uma entidade civil formada pela reunião dos Operadores Portuários:

            "Art. 18 - Os operadores portuários devem constituir, em cada porto organizado, um órgão de gestão de mão-de-obra do trabalho portuário, tendo como finalidade: (...) (destaquei)

            Disso não discrepa a Instrução Normativa INSS/DC n.º 71/2002 e os atos normativos posteriores:

            "Art. 158. Considera-se:

            (...)

            III - órgão gestor de mão-de-obra (OGMO) a entidade civil de utilidade pública, sem fins lucrativos, constituída pelos operadores portuários, em conformidade com a Lei nº 8.630, de 1993, tendo por finalidade administrar o fornecimento de mão-de-obra do trabalhador portuário avulso;"

            No entanto, nem a Lei n.º 8.630/1993, nem a IN n.º 71/2002 explicitam qual é o tipo da entidade civil do OGMO.

            Socorrendo-nos dos Códigos Civis de 1916 (art. 16, inciso I) e de 2002 (art. 44), temos que as entidades civis podem ser sociedades, associações ou fundações:

            "[CC, 1916] Art. 16. São pessoas jurídicas de direito privado:

            I – as sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações;"

            "[CC, 2002] Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

            I – as associações;

            II – as sociedades;

            III – as fundações;

            IV – as organizações religiosas;

            V – os partidos políticos."

            Como a fundação é, em verdade, um patrimônio juridicamente personalizado, o OGMO ou é uma sociedade, ou uma associação, considerando não haver como qualificá-lo de partido político ou organização religiosa.

            A distinção entre sociedade e associação decorre, no mais das vezes, de a primeira ter fins lucrativos, ao passo que a última, não.

            Mais uma diferença se faz presente: enquanto a sociedade é constituída para realizar atos negociais com outras pessoas físicas ou jurídicas, a associação, de seu turno, tem por objetivo desenvolver atividades voltadas apenas para seus associados.

            Fixemo-nos, agora, no art. 25 da Lei n.º 8.630/1993:

            "Art. 25 - O órgão de gestão de mão-de-obra é reputado de utilidade pública e não pode ter fins lucrativos, sendo-lhe vedada a prestação de serviços a terceiros ou o exercício de qualquer atividade não vinculada à gestão de mão-de-obra." (destaque não-original)

            Essa vedação à prestação de serviços a terceiros traduz-se, noutras palavras, na obrigatoriedade de os serviços serem prestados, apenas, aos Operadores Portuários.

            Assim, diante da fundamentação ora esposada, o OGMO somente pode ser uma associação.


3) Prestação de serviços e atividades do OGMO

            A prestação de serviços dá-se, tão-só, quando se envolve outrem além do próprio prestador. Esse é o magistério de Sérgio Pinto Martins:

            "Serviço é conceito lato, decorrente da idéia de bem imaterial (incorpóreo) na etapa da circulação econômica, podendo apresentar-se como um fornecimento de trabalho a terceiro (serviço prestado pelo médico, pelo advogado, pela manicure, pelo transportador etc.), uma locação de bens móveis (serviço de locação de bens móveis etc.), uma cessão de direitos (de um invento industrial, de um desenho etc.)." [01] (destaques do autor)

            Esse também é o entendimento do STF, como se descortina no seguinte trecho do voto do Ministro Moreira Alves, na qualidade de Relator, acerca do julgamento do RE n.º 101.339/SP, ocorrido em 14/3/1984 :

            "(...) em Direito, o sentido normal da expressão ‘serviço’ é a atividade que se realiza para terceiro e não para si próprio, como também porque o imposto em causa não é devido sobre o transporte, que é sempre uma atividade de conteúdo econômico, mas sobre o serviço de transporte, a significar que não é qualquer transporte que dá margem a ele, mas sim, aquele que caracteriza um serviço, o que implica, sem dúvida alguma, restrição à atividade de transportar que tem sempre conteúdo econômico, seja realizada para o próprio transportador ou para terceiro; e essa restrição é, exatamente, a de que o transporte se realize em favor de terceiro."

            As atividades desenvolvidas pelo OGMO são, em suma, as preconizadas nos arts. 18, 19 e 23 da Lei n.º 8.630/1993:

            "Art. 18 - Os operadores portuários devem constituir, em cada porto organizado, um órgão de gestão de mão-de-obra do trabalho portuário, tendo como finalidade:

            I - administrar o fornecimento de mão-de-obra do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso;

            II - manter, com exclusividade, o cadastro do trabalhador portuário e o registro do trabalhador portuário avulso;

            III - promover o treinamento e a habilitação profissional do trabalhador portuário, inscrevendo-o no cadastro;

            IV - selecionar e registrar o trabalhador portuário avulso;

            V - estabelecer o número de vagas, a forma e a periodicidade para acesso ao registro do trabalhador portuário avulso;

            VI - expedir os documentos de identificação do trabalhador portuário;

            VII - arrecadar e repassar, aos respectivos beneficiários, os valores devidos pelos operadores portuários, relativos à remuneração do trabalhador portuário avulso e aos correspondentes encargos fiscais, sociais e previdenciários."

            Art. 19. - Compete ao órgão de gestão de mão-de-obra do trabalho portuário avulso:

            I - aplicar, quando couber, normas disciplinares previstas em lei, contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho, inclusive, no caso de transgressão disciplinar, as seguintes penalidades:

            a) repreensão verbal ou por escrito;

            b) suspensão do registro pelo período de dez a trinta dias;

            c) cancelamento do registro;

            II - promover a formação profissional e o treinamento multifuncional do trabalhador portuário, bem assim programas de relocação e de incentivo ao cancelamento do registro e de antecipação de aposentadoria;

            III - arrecadar e repassar, aos respectivos beneficiários, contribuições destinadas a incentivar o cancelamento do registro e a aposentadoria voluntária:

            IV - arrecadar as contribuições destinadas ao custeio do órgão;

            V - zelar pelas normas de saúde, higiene e segurança no trabalho portuário avulso;

            VI - submeter à Administração do Porto e ao respectivo Conselho de Autoridade Portuária propostas que visem à melhoria da operação portuária e à valorização econômica do porto.

            § 1º - O órgão não responde pelos prejuízos causados pelos trabalhadores portuários avulsos aos tomadores dos seus serviços ou a terceiros.

            § 2º - O órgão responde, solidariamente com os operadores portuários, pela remuneração de vida ao trabalhador portuário avulso.

            § 3º - O órgão pode exigir dos operadores portuários, para atender a requisição de trabalhadores portuários avulsos, prévia garantia dos respectivos pagamentos.

            (...)

            Art. 23 - Deve ser constituída, no âmbito do órgão de gestão de mão-de-obra, Comissão Paritária para solucionar litígios decorrentes da aplicação das normas a que se referem os arts. 18, 19 e 21 desta Lei.

            (...)"

            Essas atividades são realizadas em prol de seus associados, os Operadores Portuários.

            Por conseguinte, não há, juridicamente, prestação de serviço, pois os Operadores Portuários não podem ser considerados terceiros em relação ao OGMO.

            Aprofundando-se mais ainda na questão, poderia parecer, da leitura da maioria dos incisos do art. 18 da Lei n.º 8.630/1993, que o OGMO presta serviços aos trabalhadores portuários e aos trabalhadores portuários avulsos. Vejamos: administração do fornecimento de mão-de-obra (inciso I); manutenção de cadastro e registro (inciso II); promoção de treinamento, habilitação profissional e inscrição(inciso III); seleção e registro (inciso IV); expedição de documentos de identificação (inciso VI); repasse de valores devidos a título de remuneração (inciso VII).

            Mas essa tese não se sustém em base sólida, pois os trabalhadores portuários e os trabalhadores portuários avulsos nada pagam pelas atividades acima apontadas. E, não havendo contraprestação econômica por parte desses trabalhadores, não há, por lógica conclusão, serviço prestado a eles pelo OGMO.

            As atividades desenvolvidas pelo OGMO são, reprise-se, direcionadas para os Operadores Portuários, com o objetivo de terem à disposição mão-de-obra qualificada. E estes, reitere-se, por constituírem aquele, não podem ser considerados terceiros em relação a ele.

            É oportuno, nessa altura, enfatizar que o Direito Tributário, ramo com o qual o Direito Previdenciário possui conjugal ligação, é caracterizado por ser um "Direito de superposição", uma vez que, na esteira dos ensinamentos de Roque Antônio Carrazza, "encampa conceitos que lhe são fornecidos pelo Direito Privado (Direito Civil, Comercial, do Trabalho etc.)" [02].

            A modificação, pelo Direito Tributário, dos conceitos já consagrados pelo Direito Privado para seus institutos milita contra a pacífica preleção de que o Direito se afigura como um verdadeiro sistema, pois se dificulta a interpretação jurídica sob os vetores da semântica (significado) e da pragmática (uso comum). Aliás, o próprio Código Tributário Nacional veicula proibição nesse sentido no seu art. 110:

            "Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."

            E o vocábulo serviços, atente-se, é utilizado pela Constituição Federal para definir a competência tributária dos Municípios no art. 156, inciso III:

            "Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

            (...)

            III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar."


5) Conclusão

            Do exposto, a conclusão mais consentânea com todas as nuances acima iluminadas é a de que, não havendo prestação de serviços do OGMO para seus associados (Operadores Portuários), descabe demarcar sua atividade sob as raias do código n.º 74.99-3 (outras ativ. de serviços prestados principalmente às empr. não especif. anteriormente) da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE).

            O mais correto, enfim, é enquadrar o OGMO, no CNAE, sob o código n.º 91.99-5 (outras atividades associativas, não especificadas anteriormente), importando no enquadramento do grau 1 de risco de acidente do trabalho e, via de conseqüência, resultando na aplicação da alíquota de 1% para calcular a contribuição para o SAT.


Notas

            01 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do Imposto Sobre Serviços, 4ª edição, São Paulo: Atlas, 2002, p. 38.

            02 CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS, 8ª edição, São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 425.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COZER, Ricardo Araujo. Atividade econômica do OGMO e contribuição para o SAT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1157, 1 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8870. Acesso em: 28 mar. 2024.