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APONTAMENTOS SOBRE A CONTAGEM DE PRAZOS NOS PROCESSOS REGIDOS PELA LEI 11.101/05

APONTAMENTOS SOBRE A CONTAGEM DE PRAZOS NOS PROCESSOS REGIDOS PELA LEI 11.101/05

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o texto trata da contagem dos prazos processuais e materiais na Lei 11.101/05

           

A Lei 11.101/05, que trata da recuperação e da falência do empresário e da sociedade empresária, prestes a completar 16 (dezesseis) anos no sistema jurídico[1] pátrio, não obstante sua recentíssima alteração [dezembro/2021] ainda carece de ampla reforma. Este texto tem outro viés, bastante nítido.

Em relação à contagem dos prazos processuais[2], até a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, inexistia texto expresso, em relação aos processos de reestruturação e falência, acerca da forma da contagem. O Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento a respeito do tema antes da alteração da lei 11.101/05, reforma parcial ocorrida em dezembro/2020, consoante v. acórdãos ora colacionados[3].

Entrementes, com a vigência do CPC de 2015, houve significativa alteração: consoante regra do art. 219, os prazos processuais são contados em dias úteis.  Com a parcial reforma, via Lei 14.112/2020, o art. 189 recebeu nova redação, fazendo-se constar que: Aplica-se, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei, o disposto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), desde que não seja incompatível com os princípios desta Lei. § 1º Para os fins do disposto nesta Lei: I - todos os prazos nela previstos ou que dela decorram serão contados em dias corridos; e II - as decisões proferidas nos processos a que se refere esta Lei serão passíveis de agravo de instrumento, exceto nas hipóteses em que esta Lei previr de forma diversa[4].

Destarte, a princípio, conforme regra legal antes descrita, os prazos são (seriam) contados em dias corridos.

Ao intérprete cabe conferir sentido ao texto legal, dele extrair o correto significado, a fim de que haja harmonização do dispositivo sob análise com a lei como um todo e com o próprio sistema jurídico, visando-se o cumprimento do primado da segurança jurídico.

Afinal, não basta simplesmente verificar aquilo que a lei diz: um intérprete que se limitasse a levar em conta a fórmula legislativa porque é ‘escrita assim’ ou o costume porque é praticado de tal maneira e prescindisse de indagar qual avaliação normativa constitui sua ‘ratio iuris’ mostraria ter uma noção bastante mísera do sentido da lei e não cumpriria sua tarefa[5].   O sistema jurídico há de ser lógico, para que possa conferir, como exposto, segurança jurídica e estabilidade. As decisões judiciais, no que se refere ao ponto em comento, hão de ser convergentes.

Um dos princípios que orientam a Lei 11.101/05 é justamente o da celeridade[6] (art. 75, §1º) e, sob esse viés, os processos de reestruturação e de falência [em tese] deveriam tramitar de forma rápida, célere, inclusive no que diz com cumprimento dos prazos processuais em dias corridos, por exemplo.

As regras do Código de Processo Civil seriam aplicadas, conforme diz a parte final do caput do art. 189, contanto que não incompatíveis com a Lei 11.101/05[7].

Assim levando-se em consideração tal aspecto, haveria [em tese] incompatibilidade entre a sistemática da contagem de prazos entre o CPC e a lei específica, que busca celeridade no andamento processual.

Diante de tudo o que foi examinado, o entendimento ora esposado é de que: quanto ao direito material propriamente dito, os prazos a ele relativos deveriam ser contados em dias corridos, dado o norte estabelecido pela Lei 11.101/05 [celeridade].

No tocante aos prazos processuais[8], a nosso ver, deveriam ser contados em dias úteis, seguindo estritamente a regra do Código de Processo Civil, por ser mais consentânea com a realidade. Esta é a posição que se nos parece mais coerente com o próprio sistema jurídico como um todo, levando em consideração os v. acórdãos do Superior Tribunal de Justiça. A ideia foi apenas apresentar algumas reflexões, buscando contribuir para o debate a respeito da questão.  

                

 

 


[1] Acerca do ordenamento jurídico, no exato sentido de unidade, tal como asseverado por Santi Romano, ver: O ordenamento jurídico. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008, p. 67.

[2] Aqui não é o caso de discorrer acerca do prazo de natureza material.

[3] Conforme REsp. 1.699.528/MG, 4ª Turma, julg. 10/4/2018, voto condutor do Min. Luis Felipe Salomão, restou entendido que: A forma de contagem do prazo - de 180 dias de suspensão das ações executivas e de 60 dias para a apresentação do plano de recuperação judicial - em dias corridos é a que melhor preserva a unidade lógica da recuperação judicial: alcançar, de forma célere, econômica e efetiva, o regime de crise empresarial, seja pelo soerguimento econômico do devedor e alívio dos sacrifícios do credor, na recuperação, seja pela liquidação dos ativos e satisfação dos credores, na falência. [...] Na hipótese, diante do exame sistemático dos mecanismos engendrados pela Lei de Recuperação e Falência, os prazos de 180 dias de suspensão das ações executivas em face do devedor (art. 6, § 4°) e de 60 dias para a apresentação do plano de recuperação judicial (art. 53, caput) deverão ser contados de forma contínua. A 3ª Turma do STJ, com voto condutor do Min. Marco Aurélio Bellizze, assentou que: RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DISCUSSÃO QUANTO À FORMA DE CONTAGEM DO PRAZO PREVISTO NO ART. 6º, § 4º, DA LEI N. 11.101/2005 (STAY PERIOD), SE CONTÍNUA OU SE EM DIAS ÚTEIS, EM RAZÃO DO ADVENTO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI ADJETIVA CIVIL À LRF APENAS NAQUILO QUE FOR COMPATÍVEL COM AS SUA PARTICULARIDADES, NO CASO, COM A SUA UNIDADE LÓGICO-TEMPORAL. PRAZO MATERIAL. RECONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, que inovou a forma de contagem dos prazos processuais em dias úteis, adveio intenso debate no âmbito acadêmico e doutrinário, seguido da prolação de decisões díspares nas instâncias ordinárias, quanto à forma de contagem dos prazos previstos na Lei de Recuperações e Falência — destacadamente acerca do lapso de 180 (cento e oitenta) dias de suspensão das ações executivas e de cobrança contra a recuperanda, previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n.11.101/2005.

2. Dos regramentos legais (arts. 219 CPC/2015, c.c 1.046, § 2º, e 189 da Lei n. 11.101/2005), ressai claro que o Código de Processo Civil, notadamente quanto à forma de contagem em dias úteis, somente se aplicará aos prazos previstos na Lei n. 11.101/2005 que se revistam da qualidade de processual.

2.1 Sem olvidar a dificuldade, de ordem prática, de se identificar a natureza de determinado prazo, se material ou processual, cuja determinação não se despoja, ao menos integralmente, de algum grau de subjetivismo, este é o critério legal imposto ao intérprete do qual ele não se pode apartar.

2.2 A aplicação do CPC/2015, no que se insere a forma de contagem em dias úteis dos prazos processuais previstos em leis especiais, somente se afigura possível "no que couber"; naquilo que não refugir de suas particularidades inerentes. Em outras palavras, a aplicação subsidiária do CPC/2015, quanto à forma de contagem em dias úteis dos prazos processuais previstos na Lei n. 11.101/2005, apenas se mostra admissível se não contrariar a lógica temporal estabelecida na lei especial em comento.

2.3 Em resumo, constituem requisitos necessários à aplicação subsidiária do CPC/2015, no que tange à forma de contagem em dias úteis nos prazos estabelecidos na LRF, simultaneamente: primeiro, se tratar de prazo processual; e segundo, não contrariar a lógica temporal estabelecida na Lei n. 11.101/2005.

3. A Lei n. 11.101/2005, ao erigir o microssistema recuperacional e falimentar, estabeleceu, a par dos institutos e das finalidades que lhe são próprios, o modo e o ritmo pelo qual se desenvolvem os atos destinados à liquidação dos ativos do devedor, no caso da falência, e ao soerguimento econômico da empresa em crise financeira, na recuperação.

4. O sistema de prazos adotado pelo legislador especial guarda, em si, uma lógica temporal a qual se encontram submetidos todos os atos a serem praticados e desenvolvidos no bojo do processo recuperacional ou falimentar, bem como os efeitos que deles dimanam — que, não raras às vezes, repercutem inclusive fora do processo e na esfera jurídica de quem sequer é parte.

4.1 Essa lógica adotada pelo legislador especial pode ser claramente percebida na fixação do prazo sob comento — o stay period, previsto no art. 6º, § 4º da Lei n. 11.101/2005 —, em relação a qual gravitam praticamente todos os demais atos subsequentes a serem realizados na recuperação judicial, assumindo, pois, papel estruturante, indiscutivelmente. Revela, de modo inequívoco, a necessidade de se impor celeridade e efetividade ao processo de recuperação judicial, notadamente pelo cenário de incertezas quanto à solvibilidade e à recuperabilidade da empresa devedora e pelo sacrifício imposto aos credores, com o propósito de minorar prejuízos já concretizados.

5. Nesse período de blindagem legal, devedor e credores realizam, no âmbito do processo recuperacional, uma série de atos voltados à consecução da assembleia geral de credores, a fim de propiciar a votação e aprovação do plano de recuperação apresentado pelo devedor, com posterior homologação judicial. Esses atos, em específico, ainda que desenvolvidos no bojo do processo recuperacional, referem-se diretamente à relação material de liquidação, constituindo verdadeiro exercício de direitos (atrelados à relação creditícia subjacente), destinado a equacionar os interesses contrapostos decorrente do inadimplemento das obrigações estabelecidas, individualmente, entre a devedora e cada um de seus credores.

5.1 Ainda que a presente controvérsia se restrinja ao stay period, por se tratar de prazo estrutural ao processo recuperacional, de suma relevância consignar que os prazos diretamente a ele adstritos devem seguir a mesma forma de contagem, seja porque ostentam a natureza material, seja porque se afigura impositivo alinhar o curso do processo recuperacional, que se almeja ser célere e efetivo, com o período de blindagem legal, segundo a lógica temporal impressa na Lei n. 11.101/2005.

5.2 Tem-se, assim, que os correlatos prazos possuem, em verdade, natureza material, o que se revela suficiente, por si, para afastar a incidência do CPC/2015, no tocante à forma de contagem em dias úteis.

6. Não se pode conceber, assim, que o prazo do stay period, previsto no art. no art. 6º, § 4º da Lei n. 11.101/2005, seja alterado, por interpretação extensiva, em virtude da superveniência de lei geral adjetiva civil, no caso, o CPC/2015, que passou a contar os prazos processuais em dias úteis, primeiro porque a modificação legislativa passa completamente ao largo da necessidade de se observar a unidade lógico-temporal estabelecida na lei especial; e, segundo (e não menos importante), porque de prazo processual não se trata — com a vênia de autorizadas vozes que compreendem de modo diverso.

7. Recurso especial provido. STJ, REsp. 1.698.283/GO, Terceira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julg. 21/05/2019.

[4] Grifos não constam do original.

[5] BETTI, Emilio.  Interpretação da lei e dos atos jurídicos. São Paulo: Martins Fontes, 2007 p. 231. O exegeta tem a missão de bem explicitar aquilo que foi compreendido quando da análise do objeto cognoscível, interpretando hermeneuticamente o texto legal em foco. O resultado da investigação científica há de ser sempre provisório, mutante, inconcluso, de forma alguma absoluto, alterável a qualquer momento, aberto a novos questionamentos e indagações. Neste sentido, bem argumenta Lenio L. Streck que a hermenêutica não é mais metodológica. Não mais interpretamos para compreender, mas, sim, compreendemos para interpretar. A hermenêutica não é mais reprodutiva (Auslegung); é, agora, produtiva (Sinngebung). A relação sujeito- objeto dá lugar ao círculo hermenêutico. Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 182. Sobre o tema, ver: CLARO, Carlos R. Temas de recuperação empresarial e falência.  Curitiba: Editora Íthala, 2012,  p. 19.

[6] Sobre o tema: CLARO, Carlos R. Revocatória falimentar. 5ª edição. Curitiba: Juruá, 2015. Consta da nossa obra: Aliás, esse é o pensamento da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, quando da elaboração de parecer, pois o relator assim se pronunciou: ‘É preciso que as normas procedimentais na falência e na recuperação de empresas sejam, na medida do possível, simples, conferindo-se celeridade e eficiência ao processo e reduzindo-se a burocracia que atravanca seu curso’. Op. cit., p. 415. Grifos no original.

[7] É o que consta do art. 180.

[8] Inclusive para interposição de apelação e de agravo de instrumento.


Autor

  • Carlos Roberto Claro

    Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

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