Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/90238
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A escolha do relator da CPI da covid

A escolha do relator da CPI da covid

Publicado em . Elaborado em .

Avaliam-se possíveis impedimentos jurídicos para a nomeação do senador Renan Calheiros como relator da CPI da covid-19.

Nos últimos dias, o noticiário nacional ficou movimentado após ser ventilada a indicação do Senador Renan Calheiros (MDB-AL) para relatoria da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, que visa a apurar omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia, bem como atos de governadores e prefeitos na gestão dos recursos federais a ela relacionados.

O alvoroço se deu porque o Senador Omar Aziz, candidato favorito para presidir a CPI, afirmou que caso fosse eleito iria nomear o Senador Renan Calheiros como relator [1].

Diante de tal especulação, em 26 de abril de 2020, antes mesmo da sessão de instalação da CPI da Covid-19 no Senado Federal, para a eleição do seu presidente e vice-presidente, a Deputada Carla Zambelli (PSL-SP) ajuizou Ação Popular para solicitar o impedimento do Senador em assumir a função[2].

No seu pedido, a Deputada afirmou que a possível nomeação de Calheiros para relatoria da CPI "afrontará a moralidade administrativa, tendo em conta que o senador Renan Calheiros responde a apurações e processos determinados pelo Supremo Tribunal Federal, envolvendo fatos relativos a improbidade administrativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o que compromete a esperada imparcialidade que se pretende de um relator"[3].

Em vista desse pedido da Deputada, o juiz Charles Renaud Frazão de Morais, da 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, determinou que Renan fosse impedido de assumir a função, apesar de não identificar elementos argumentativos mais densos para avançar na análise. Segundo o Magistrado, diante da proximidade do ato que se quer obstar e da iminência do esvaziamento da utilidade do processo ou, no mínimo, o indesejável tumulto dos trabalhos da CPI da Covid-19, é prudente determinar que o nome do senhor senador Renan Calheiros não seja submetido à votação para compor a CPI em tela[4].

Acontece que, em 27 de abril, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) cassou a liminar que proibia a indicação do senador Renan Calheiros para relatoria da CPI da Covid, sob o argumento de que há risco de "grave lesão à ordem pública" na manutenção da decisão do juiz, por violação do princípio da separação funcional dos poderes, prevista no artigo 2º da Constituição, ao interferir "na autonomia e no exercício das funções inerentes ao Poder Legislativo"[5].

Segundo o Desembargador Francisco de Assis Betti, o Regimento Interno do Senado determina que cabe ao presidente da CPI designar os relatores, portanto, é um ato que não se submete à ingerência do Judiciário[6].

Por fim, o Desembargador afirma que "ainda sequer foi realizada a sessão de instalação da CPI da Covid 19 no Senado Federal, para a eleição do seu presidente e vice-presidente, resumindo-se toda a alegação trazida na ação principal à suposta violação, em tese, ao princípio da moralidade pública. Tais circunstâncias, todavia, se o caso, deverão ser avaliadas a posteriori no âmbito da respectiva Casa Legislativa e diante de conjunturas fáticas concretas eventualmente apuradas durante o exercício da atividade parlamentar[7].

Pois bem, ainda no dia 27 de abril, o Senador Omar Aziz foi confirmado como presidente eleito da CPI e Randolfe Rodrigues como vice[8], ambos que afirmaram de pronto a indicação de Renan Calheiros como relator da CPI da Covid-19[9].

Alguns aspectos deste imbróglio precisam ser observados.

Note-se que, conforme art. 89, III, do Regimento Interno do Senado Federal, o relator não é eleito, e sim indicado pelo Presidente da Comissão. Sendo assim, é um ato interna corporis, que não se submete à ingerência do Judiciário.

Sendo assim, parece-nos ser matéria imune a crítica judiciária e, portanto, foge do âmbito do controle jurisdicional[10], sob pena de violação do princípio da separação dos poderes, prevista no artigo 2º da Constituição Federal.

Entretanto, um outro aspecto deve ser atentado: a possível violação do princípio da imparcialidade, pois, em verdade, parece-nos que o anseio pelo impedimento do Senador para a relatoria da Comissão se dá pelo princípio da suspeição, por Renan ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), que pode ser um dos alvos da investigação[11].

Infere-se tal assertiva pelo fato de que o relator da CPI é o responsável por oferecer o relatório da investigação ao Presidente da Comissão para que seja votado e em seguida suas conclusões sejam encaminhadas ao Ministério Público, na forma do que prescreve o art. 58, § 3º, parte final, da Constituição Federal. Ou seja, é uma função primordial para a conclusão da investigação.

Apesar de não constituir função jurisdicional, a relatoria de uma CPI tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (art. 58, § 3º, parte inicial, da Constituição Federal), assim, é de se esperar que os parlamentares, em uma tão extraordinária missão investigativa, possam comportar-se com desejável isenção e imparcialidade exigida no art. 37 da Constituição.

Como o Senador Renan Calheiros é genitor do Governador do Estado de Alagoas, possível alvo da CPI, temo que não seria moralmente cabível a sua manutenção na condição de relator, assim como não seria o caso da nomeação do Senador Jader Barbalho (MDB-PA) pai do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). Posto que, por mais que eles se declarem suspeitos nos atos em que envolvam a investigação dos seus filhos, até mesmo em uma cognição sumária, a investigação seria gravemente prejudicada pela natural falta de isenção e imparcialidade.

Sendo assim, diante do risco na lisura da investigação com a devida isenção e parcialidade que a Constituição nos exige, sugere-se que não seria viável a manutenção do Senador Renan Calheiros como relator da CPI, porém esse afastamento deve se dar pela via política e não pela via judicial, tendo em vista que pode ser criado um temível ambiente de insegurança institucional causado pela violação da separação dos poderes.


[1] Ex-ministro do Turismo pede suspeição de Renan na relatoria da CPI da Covid (cnnbrasil.com.br)

[2] ConJur - Juiz decide que Renan não tem moral para relatoria da CPI da Covid

[3] PROCESSO: 1022047-33.2021.4.01.3400 - AÇÃO POPULAR (conjur.com.br)

[4] PROCESSO: 1022047-33.2021.4.01.3400 - AÇÃO POPULAR (conjur.com.br)

[5] PROCESSO: 1013977-42.2021.4.01.0000 - SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA (conjur.com.br)

[6] PROCESSO: 1013977-42.2021.4.01.0000 - SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA (conjur.com.br)

[7] PROCESSO: 1013977-42.2021.4.01.0000 - SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA (conjur.com.br)

[8] CPI da Covid: Omar Aziz é confirmado como presidente e Randolfe vice (cnnbrasil.com.br)

[9] Renan Calheiros é indicado como relator da CPI da Covid-19 (cnnbrasil.com.br)

[10] MS 20.471/DF, Rel. Min. Francisco Rezek

[11] Ex-ministro do Turismo pede suspeição de Renan na relatoria da CPI da Covid (cnnbrasil.com.br)


Autor

  • Jamil Pereira de Santana

    Mestre em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS - Universidade Salvador | Laureate International Universities; Pós-graduado em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pelo Centro Universitário Estácio; Pós-graduado em Licitações e Contratos Administrativos pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera; Pós-Graduando em Direito Societário e Governança Corporativa pela Legale Educacional; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio da Bahia; 1º Tenente R2 do Exército Brasileiro; Advogado atuante em Direito Administrativo, Militar e Governança.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Jamil Pereira de. A escolha do relator da CPI da covid. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6514, 2 maio 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90238. Acesso em: 28 mar. 2024.