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A responsabilidade concorrente no enfrentemento da pandemia causada pelo Sars-CoV 2

A responsabilidade concorrente no enfrentemento da pandemia causada pelo Sars-CoV 2

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Um breve resumo analítico das ações e atitudes do Supremo Tribunal Federal ante a discussão de responsabilidade das medidas de contenção a pandemia, e do conflito de competências dos estados e municípios ante o governo federal.

          No dia 15 de abril de 2020 o Supremo Tribunal Federal de forma unânime defendeu que a atribuição para decretar medidas de interesses locais cabe a estados e municípios.

          O julgamento se deu após a redação da Medida Provisória 926 que concentrava no governo federal o poder de decisão quanto a isolamento, quarentena, restrição de locomoção (por rodovias, porto e aeroportos) e interdições de atividades e serviços essenciais. A medida foi defendida pela Advocacia-Geral da União, onde alegou que prefeitos e governadores não poderiam afetar serviços considerados essenciais pelo governo federal.

          Ocorre que essa argumentação foi rejeitada pelos ministros do Supremo, que reafirmaram que estados e municípios que têm o poder de definir quais serão os serviços que serão afetadas pelas medidas decretadas pelos governos locais.

          Em seu voto, a ministra Rosa Weber defendeu que essa medida provisória definindo de forma exclusiva quais são as atividades essenciais durante a pandemia afronta diretamente o princípio da separação dos poderes, conforme segue in verbis;

"O presidente delegou poderes a si próprio, sem delimitar formas de controle” [...] deve ser respeitada a “possibilidade de governadores e prefeitos, também mediante decreto e no âmbito das respectivas competências, disciplinarem no sentido de que A ou B sejam ou não atividades essenciais".

          A maioria dos ministros defenderam que o governo federal só poderia classificar como essenciais as atividades de interesse nacional, e, no caso de restrição no âmbito de estados e municípios, caberia a governadores e prefeitos.

          Porém, mesmo na primeira movimentação do STF em relação ao tema, os ministros mantiveram a tese que há capacidade do governo federal de legislar quanto a medidas de prevenção da COVID-19. Em seus votos, os ministros afirmaram que, de acordo com a Constituição Federal a definição de medidas na área da saúde deve ser dividida entre governo federal, estados e municípios. O Ministro Alexandre de Moraes em seu voto afirma que, eventuais excessos devem ser analisados e discutidos caso a caso pelo judiciário.

          Porém, nas redes sociais, apoiadores do presidente alegam que o Supremo Tribunal Federal afastou o presidente do controle da COVID-19, e deixou a responsabilidade da tomada das medidas de prevenção exclusivamente para os governadores e prefeitos.

          Traçando uma linha do tempo podemos entender melhor a trajetória dessas decisões, e desmentir as alegações falsas dos apoiadores do presidente.

          A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 6341 do STF, decidiu que o isolamento social e o fechamento do comércio poderiam ser determinados pelos governos estaduais e municipais.

          Na ADI 6343, houve o entendimento entre os ministros que, caso achem necessário, os prefeitos e governadores poderiam restringir a locomoção interestadual e intermunicipal.

          E na sua última manifestação quanto ao tema, na Arguição de Descumprimento de Prefeito Fundamental (ADPF) 672, o ministro Alexandre de Moraes decidiu que os prefeitos e governadores tinham autonomia para manter as medidas adotadas para combater a pandemia.

          Como pôde se observar, nenhuma das decisões do Supremo afastava a possibilidade de o governo federal tomar alguma medida de prevenção e contenção da pandemia.

          Contudo, o presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro, utilizou seu twitter para espalhar inverdades aos seus seguidores (que já foram desmentimos acima), a qual segue in verbis uma das vezes em que ocorreu:

“O STF determinou que as ações diretas em relação ao covid-19 são de responsabilidade de estados e municípios. Mesmo assim, o @govbr não tem medido esforços no auxílio dos brasileiros desde o início. Lamentavelmente, estes fatos não são mostrados na maior parte da mídia. @secomvc”

          Porém, essa afirmação do presidente foi desmentida pelos ministros do Supremo. A ministra Cármen Lúcia exprimiu o seguinte:

“O que o Supremo disse é que a responsabilidade é dos três níveis [federativos] — e não é hierarquia, porque na federação não há hierarquia — para estabelecer condições necessárias, de acordo com o que cientistas e médicos estão dizendo que é necessário, junto com governadores, junto com prefeitos. Acho muito difícil superar [a pandemia] com esse descompasso, com esse desgoverno”

          Já o ministro Marco Aurélio, disse que o Supremo não tirou a responsabilidade do governo federal de medidas de contenção a pandemia. E seguiu: “É letra expressa da Constituição Federal: cumpre à União, a Estados, municípios e ao Distrito Federal cuidar da Saúde e legislar sobre a saúde”.

 

 

 

  • AMORIN, Felipe e TAJRA, Alex. STF dá poder a estados para atuar contra covid-19 e impõe revés a Bolsonaro. Publicado em abril de 2020. Uol Notícias. Disponível em: < https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/04/15/stf-tem-4-votos-a-favor-de-autonomia-de-governadores-durante-a-pandemia.htm>.
  • AFONSO, Nathália. #Verificamos: É falso que STF afastou Bolsonaro do controle de ações estratégicas contra pandemia de Covid-19. Publicado em julho de 2020. Agência Lupa. Disponível em: < https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/07/01/verificamos-stf-bolsonaro-covid>.

 


Autor

  • Lukas Peixoto Martins

    Ingressei no ensino superior aos 16 anos, com êxito formei-me aos 21, e aos 22 me tornei advogado. Ao decorrer do curso me dediquei a redação de artigos científicos com relevantes temas sociais e ao atendimento do público de baixa renda durante meu estágio, além de demais causas filantrópicas. Tive também um período de experiência em um certo escritório de advocacia. A sede de conhecimento, e de justiça, norteia minha jornada jurista.

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