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Dia Mundial de Violência contra o Idoso

Mazelas políticas e jurídicas da questão

Dia Mundial de Violência contra o Idoso. Mazelas políticas e jurídicas da questão

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Análise crítica das mazelas do Estado Brasileiro em conferir concretude às garantias de idosos em situação de vulnerabilidade contra atos de violência.

DIA DE CONSCIENTIZAÇÃO CONTRA VIOLÊNCIA CONTRA IDOSOS – AS MAZELAS DO ESTADO BRASILEIRO – ASPECTOS JURÍDICOS E ECONÔMICOS.

 

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA ADVOGADO (OAB SP 119.056) MAGISTRADO E PROFESSOR COORDENADOR NACIONAL DO CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL DA ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO – ESD PROORDEM CAMPINAS E DA PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO MÉDICO DA VIDA MARKETING FORMAÇÃO EM SAÚDE.

CAROLINA AMANCIO TOGNI BALLERINI SILVA, ADVOGADA (OAB 251.249), ESPECIALISTA EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL. GRADUANDA EM PSICOLOGIA.

 

RESUMO: Análise crítica das mazelas do Estado Brasileiro em conferir concretude às garantias de idosos em situação de vulnerabilidade contra atos de violência.

 

 

 O Dia Mundial da Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa foi oficialmente reconhecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2011, que estabeleceu a comemoração da data, desde junho de 2006. No Brasil, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH),  lançou a Campanha Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Pessoa Idosa. E há que se ter empatia, nunca se esquecendo de que via de regra o jovem de hoje será o idoso de amanhã.

Importante destacar que a pessoa idosa (a partir dos 60 anos de acordo com o Estatuto do Idoso) já contava com a proteção constitucional desta condição, como se observa pelo artigo 230 CF, estabelecendo que tal obrigação (proteção aos idosos) seria da família, da sociedade e do Estado – a data simboliza que isso deve ser diariamente combatido, sobretudo em tempos em que a famigerada pandemia de COVID-19 tem ceifado a vida de muitos idosos.

Em tempos de pandemia mundial, inclusive, há relatos dramáticos de médicos tendo que priorizar leitos para os pacientes mais viáveis, a tentação de se preservar a vida de um jovem face a um idoso, além de postura discriminatória, pode implicar em um crime hediondo, agravado por ser a vítima uma pessoa idosa. Ao contrário, os idosos tem prioridade de acesso aos serviços públicos (artigo 3º, par. 1º, inciso I do Estatuto do Idoso).

Não se esqueça, ainda, de que existe dupla proteção eis que a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13. 146 de 2015) ao dispor sobre a preferência de atendimento por pessoas com deficiência, prestigia também os privilégios (dentro de uma escala isonômica de valores – tratar desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade para igualá-los), coloca os idosos em par de igualdade de condições com as pessoas de mobilidade reduzida (pessoas acidentadas, mulheres grávidas, obesos mórbidos etc).

Há vários modos de se praticar violência contra a pessoa idosa (que não é apenas física como se possa pensar por ser a violência mais óbvia). Há que se proteger o idoso contra atos de violência simbólica (psicológica, emocional – essa afeta a autoestima – sexual, negligência e abandono, desconsideração cultural de seus valores e até mesmo violência patrimonial ou material quando se abusa do patrimônio de pessoas idosas em proveito próprio, o que é até crime).

Essa desconsideração da opinião e expressão da pessoa idosa, são atos de intolerância que restam apontados como ilícitos nos termos do artigo 10 do Estatuto do Idoso.

Tais atos, se precisados podem ser comunicados, por qualquer pessoa (direito de petição constitucional) a qualquer órgão público (Assistência Social, Polícia Civil, Militar, Promotoria, Poder Judiciário, CRM etc). Isso está expresso, diga-se de passagem, nos artigos 4º, 6º e 7º do Estatuto do Idoso.

Há vários modos de responsabilizar o infrator (artigo 935 CC). No plano civil há indenizações (as negligências geram o chamado abandono afetivo inverso que tem autorizado indenizações de grande porte contra familiares que abandonam os mais velhos) e obrigações de fazer (tratamentos de saúde, medicação, home care contra Estado e Planos de Saúde não se podendo aumentar faixa de reajuste para os maiores de 60 anos), no plano penal há vários delitos próprios no Estatuto do Idoso e o Código Penal considera circunstância agravante de pena, o fato da vítima ser pessoa idosa. No plano administrativo o Estado pode ser compelido a prestar medidas assistenciais (por exemplo LOAS no plano previdenciário).

No âmbito penal, observe-se que atos com violência ao idoso tem sido punidos de modo exemplar. Pode-se destacar:

TJ-MG - Habeas Corpus Criminal HC 10000180563736000 MG (TJ-MG) Data de publicação: 11/07/2018 EMENTA: HABEAS CORPUS - ROUBO MAJORADO - LIBERDADE PROVISÓRIA - IMPOSSIBILIDADE - PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA PRISÃO PREVENTIVA - CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO - VIOLÊNCIA EXCESSIVA CONTRA IDOSO - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS - IRRELEVÂNCIA. - É de se considerar suficientemente fundamentada a decisão que, invocando elementos concretos dos autos - circunstâncias do delito - considera que a custódia cautelar do paciente é necessária ao resguardo da ordem pública - As condições pessoais do paciente, se favoráveis, não lhe garantem o direito à liberdade provisória, devendo ser analisada casuisticamente a necessidade de manutenção da prisão cautelar.

 

Em outro lamentável caso emblemático, verifica-se a devida exacerbação – no caso, a vítima, além de idosa seria vulnerável por ser deficiente sensorial:

 

TJ-RS - Apelação Crime ACR 70073156176 RS (TJ-RS) Data de publicação: 15/02/2019 APELAÇÃO. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. VÍTIMA IDOSA. DEFICIENTE VISUAL. CONDENAÇÃO MANTIDA. PROVA SUFICIENTE. DOSIMETRIA DA PENA. - PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. Art. 93 , inc. IX , da CF . Considerando que a sentença anterior foi anulada em razão de omissão de enfrentamento de tese defensiva específica, não se verifica qualquer óbice à reprodução da fundamentação já exarada, atinente ao exame dos demais elementos de prova em relação aos quais não foram apresentados fatos novos ou fundamentos jurídicos diversos capazes de modificar o entendimento jurisdicional já manifestado. Técnica de motivação per relationem, comumente utilizada para evitar a tautologia, encontra ampla aceitação na jurisprudência pátria, não caracterizando nulidade por ausência de fundamentação do decisum. - MANUTENÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO. As provas existentes no caderno processual são suficientes para o julgamento de procedência do pedido condenatório deduzido na denúncia. Materialidade e autoria suficientemente demonstradas pela prova produzida. Vítima idosa, portadora de deficiência visual, que confirmou a ocorrência do abuso sexual nas duas oportunidades em que foi ouvida. Versão corroborada pelo relato de testemunha e da prova pericial, que atestou... vestígios de conjunção carnal recente e a presença de espermatozoides na vagina e nas roupas da ofendida. Certidão trazida aos autos antes do interrogatório do réu, contendo suposta retratação da vítima quanto ao consentimento da prática sexual, desprovida de valor probante capaz de fragilizar os demais robustos elementos de convicção produzidos pela acusação. Negativa defensiva inverossímil e isolada nos autos. - PALAVRA DA VÍTIMA. VALOR PROBANTE. O depoimento da vítima adquire extraordinário valor probatório em casos de investigação de cometimento de crimes contra a liberdade sexual. Conforme tranquilo entendimento da jurisprudência pátria, a palavra da vítima, em sede de crime de estupro, em regra, é elemento de convicção de alta importância, levando-se em conta que estes crimes, geralmente, não há testemunhas ( HC 135.972/SP , Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2009, DJe 07/12/2009). Preliminar rejeitada. Apelo desprovido. ( Apelação Crime Nº 70073156176 , Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 30/01/2019).

 

No âmbito do Tribunal Bandeirante:

 

TJ-SP - Apelação Criminal APR 00080871420098260071 SP 0008087-14.2009.8.26.0071 (TJ-SP) Data de publicação: 25/02/2010 ROUBOS QUALIFICADOS. Continuidade. Práticas contra idosos. Corretas a do simetria da pena e a fixação do regime fechado para cumprimento da pena privativa de liberdade. Recurso improvido.

 

Há que se preservar o quanto consignado na própria Magna Carta no sentido de que as pessoas tenham direito à preservação de seus valores culturais (participação da vida em comunidade), as pessoas hão de compreender que, por muitas vezes, pessoas idosas viveram em outros tempos e muitos não se adaptam às rápidas mudanças dos dias atuais, seja no que tange aos costumes, seja no que tange às tecnologias.

 

Observe-se que o texto constitucional estabelece deveres familiares e da sociedade e do Estado como um todo no que tange à questão da pessoa idosa. Assim, in ipsis literae:

 

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

 Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

 

A convivência comunitária está estabelecida no artigo 3º do Estatuto do Idoso, o que protege e põe a salvo pessoas idosas de uma certa intolerância em relação ao meio em que foram criados.

 

Pedro Lenza (2012) diz que o envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção, um direito social, sendo obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade. A falta de dignidade com que as regras protetivas são negligenciadas beiram as raias do escárnio, em efetiva teratologia.

 

Idosos podem, até mesmo, obter medidas protetivas em face daqueles que perpetram qualquer tipo de violência, repise-se, o que pode ser comunicado a qualquer órgão público.

 

Não se nega que o pais tenha limitação de recursos financeiros, mas isso, com a maior vênia possível, é um problema estrutural. Parte da corrupta Corte Portuguesa não quis retornar a Portugal quando o Brasil se tornou independente (de modo pífio é bem verdade, pois D. Pedro I nos primeiros dias de reinado, prestava a maior obediência ao Rei de Portugal, se pai, em várias Cartas – Rodrigo Trespach – 1.824).

 

Por conta disso, essa corte se encastelou-se em nossa máquina pública e sentimos até hoje, por conta não da falta de recurso, pois temos carga tributária digna de um país quase comunista, que faria corar a um sueco, que se perde em desperdícios e corrupção – uma autorregulamentação exacerbada do Poder Público, verdadeiro dirigismo contratual draconiano que infla os preços do mercado às raias de não torna-lo competitivo.

 

Não obstante se tenha desenvolvido uma legislação moderna – Lei nº 13.874 de 2020 (Estatuto da Liberdade Econômica – sim, chegou-se a isso no pais), a jurisprudência mais a esquerda está fazendo com que a ferramenta legal se desgasta. Mais algum incauto poderia perguntar, o que tem isso a ver com a violência contra a pessoa idosa ?

 

Tem tudo a ver. Pense-se na suposta falta de recursos para remunerar condignamente a um idoso por tantos anos de trabalho, bem como na falta de instituições para recolhimento acolhedor de pessoas idosas (em grande parte do que se faz, se tem a atividade abnegada de grupos religiosos, sem fins lucrativos) com parca colaboração estatal.

 

Pense-se na falta de leitos hospitalares em condições dignas e atendimento pelo SUS e nos rios de dinheiro que banham as raias de políticos corruptos em compadrio com maus capitalistas, desapegados de valores de competitividade à espera do retorno da velha política para a continuidade de um jogo que vem, de há muito, conduzindo o país à beira do caos.

 

Portanto, que o dia mundial de violência contra os idosos nos ajude a pensar nesses estados de coisas inconstitucionais.


Autor

  • Julio César Ballerini Silva

    Advogado. Magistrado aposentado. Mestre em processo civil. Especialista em processo civil e direito privado. Professor da FAJ do Grupo UNIEDUK de Unitá Faculdade. Coordenador Nacional dos Cursos de Pós Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da Pós Graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde.

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