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Tópicos sobre a evolução da aviação comercial no Brasil

a história entre o direito e a economia

Tópicos sobre a evolução da aviação comercial no Brasil: a história entre o direito e a economia

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Tendo como pano de fundo a nova história econômica, o artigo explorará em alguns tópicos o mercado de aviação comercial no Brasil e as idas e vindas do seu processo de regulação econômica.

Sumário:1. Introdução – A História, o Direito e a Economia; 2. A origem da aviação comercial no Brasil: para além de fatos e datas; 3. A regra da regulação (intervenção estatal) nos anos de 1950 e 1960; 4. Breve relato sobre o caso Panair; 5. A mudança da regulação nos anos de 1970 e 1980 – A regulação estatal total; 6. Nova transformação da regulação aérea a partir dos anos 1990: Qual desregulação? 7. Fases da desregulação: história final?; 8. Referências bibliográficas.


1.Introdução – A História, o Direito e a Economia

O presente artigo pretende discutir alguns tópicos sobre a evolução da aviação comercial no Brasil. A pesquisa terá um enfoque transdisciplinar, abordando a interação entre direito e economia, utilizando-se da metodologia da nova história econômica, no referencial específico conduzido por Eric Hobsbawn no seu Sobre História. [01]

Nesse sentido, de forma a esclarecer os pressupostos e objetivos do artigo, é importante ressaltar a utilidade do enfoque transdisciplinar, bem como o uso da metodologia da nova história econômica, e como todo esse ingrediente teórico pode interagir com o tema da aviação comercial no Brasil.

A matriz transdisciplinar é o modelo atual de pesquisa no âmbito do Direito Econômico. Não se concebe hoje uma pesquisa de Direito Econômico que trate a lógica jurídica e suas regras em compartimento estanque à lógica econômica e seus princípios. É bem verdade que o raciocínio jurídico é diverso do raciocínio econômico. O pensar das duas disciplinas tem origem histórica completamente divergente e a resolução dos problemas tem enfoques diferenciados, na inteligente compreensão de José Reinaldo de Lima Lopes:

O objetivo deste texto é discutir a possível compatibilidade do raciocínio jurídico com a economia ou raciocínio econômico. Pressuponho que o direito e que a economia são duas disciplinas diferentes, e assim vêm sendo tratadas na tradição romano-canônica há muito tempo. A economia desenvolveu-se nos últimos dois séculos com um campo autônomo, embora tenha nascido da ética ou da política (ciência da política, ou da polícia) e neste sentido ganhou autonomia dentro do largo campo da filosofia prática. Dentro do mesmo campo, o da filosofia prática, encontra-se o direito, que tem uma carreira acadêmica muito mais longa, datada do século XII em Bolonha (para o caso do direito ocidental moderno). Ao contrário, porém, do que sucedeu com a economia, o direito nunca teve sucesso na formalização e construção de modelos, a despeito dos esforços historicamente famosos, principalmente o de Leibniz, no século XVIII. [02]

José Reinaldo, partindo da compreensão transcrita acima, sustenta que quatro categorias evidenciam as distinções entre o raciocínio jurídico e o raciocínio econômico, a eficiência, a autoridade, a temporalidade e o resultado. Nessas categorias se encontram as diferenças de raciocínio e, em virtude dessa compreensão, as possibilidades de integração transdisciplinar.

De forma sucinta, o raciocínio jurídico é avaliado e criticado basicamente pelo critério da legalidade, enquanto o pensamento econômico é avaliado essencialmente pela eficiência ou custo da medida tomada. Daí que há regras legais que respeitam o ordenamento jurídico, mas são ineficientes por critérios econômicos. E, inversamente, há disposições de custo-benefício ótimo, mas fora dos parâmetros legais. O caminho a trilhar é aproximar os dois raciocínios, maior flexibilidade legal para inclusão possível dos critérios de eficiência. [03]

Na esfera da autoridade, o raciocínio jurídico pressupõe a existência de alguém que possa impor a sanção ou determinar a validade de determinada regra. Ainda que existam regras internas para a validade do sistema, à moda de Kelsen, o direito impõe a força de uma autoridade para a coerção e implementação do seu raciocínio. Diversamente, a economia não se vale da autoridade constituída para justificar determinada medida. Um bom professor de economia invoca sempre uma "boa razão econômica" para determinada ação. [04] A autoridade revela-se mais na ação, na "eficiência econômica da ação", do que na posição do interlocutor. Tal raciocínio econômico pode trazer benefícios ao pensamento jurídico, e devemos aprender com isso, embora os meandros do discurso econômico possam também se revelar uma autoridade nefasta.

Talvez seja na categoria da temporalidade em que o divórcio entre os raciocínios jurídico e econômico mais se evidencie. O pensamento jurídico se volta para o passado para julgá-lo. Há uma relação de imputação. Determinada conduta é correta ou errada, é proibida, é permitida. Julga-se o passado, além de se buscar, no futuro, os "resultados da ação". A economia pensa no passado, não para julgá-lo, mas para aprender dele. Aprender se determinada política econômica foi boa ou equivocada e quais elementos podem ser usados no futuro, de forma a garantir resultados futuros. O direito, sem se descurar do critério da imputação, basilar do seu raciocínio, pode e deve incorporar a idéia de aprendizado. Certamente as regras de convivência social poderiam evoluir de acordo com essa perspectiva. Uma pergunta a ser incorporada pelo raciocínio jurídico é: qual a eficiência, ou custo, que determinada regra jurídica impõe no tempo?

Por fim, o elemento resultado. Essa categoria relaciona-se com os sujeitos do raciocínio. No pensamento jurídico, o que está em jogo é o outro sujeito. Ainda que haja uma coisa, como no direito de propriedade, o que se tem em vista é a relação de todos os outros sujeitos do ordenamento com o sujeito-proprietário. Na economia nem sempre é assim. O sujeito que delibera no raciocínio econômico pode ser um sujeito isolado e os demais sujeitos da medida econômica serem entendidos tão-só como um limite empírico para suas decisões. Na moderna economia, de estatísticas, muita matemática e econometria, os modelos tendem a tal abstração, que os sujeitos chegam a ser problema! Aqui, quem deve aprender é o raciocínio econômico. Os modelos são importantes, mas as realidades individual e social são limites intransponíveis.

Esse é modelo difícil da transdiciplinariedade entre o raciocínio jurídico e a economia. Agora, onde a história? Onde a nova história econômica e seus caracteres? A nova história econômica envolve-se e se desarticula com todas essas categorias pensadas acima. Para começar, é significativo, quanto à necessidade do passado para a economia, esse singular trecho de Eric Hobsbawn:

Mas os economistas precisam da reintegração da história à economia? Em primeiro lugar, alguns economistas recorrem à história, "na esperança de que o passado forneça respostas que o presente por si só parece relutante em conseguir". [05]

Ou seja, o caráter de temporalidade é essencial. Com o passado, a economia, e também o direito, pode aprender. Mas a nova história econômica não se pauta essencialmente pela cronologia, pelo simples encadear de datas e fatos, mas pela descontinuidade temporal. Por isso, o contar a história da evolução da aviação comercial no Brasil, que é em grande parte a regulação jurídico-econômica sobre esse mercado (interseção entre o direito e a economia), não se deve fazer pelo simples descrever de datas, mas pela descontinuidade de acontecimentos, pela não-lineariedade, até pela evolução no retrocesso.

Em outro aspecto metodológico da nova história econômica, pode-se afirmar inexistir uma prevalência do elemento estrutural ou conjuntural sobre determinados eventos. Como defende Hobsbawn, a história pode ser contada no âmbito estrutural ou conjuntural, entendida como macro-história, com longos intervalos de duração (no sentido da longa história), e com nítida influência econômica sobre a superestrutura, sem ser determinista, como pode ser contada também como evento, por meio do uso da lupa e/ou do microscópio, elaborando uma micro-história. [06]

O artigo trilha ambos os caminhos. Pensa na estrutura, ou mais efetivamente na conjuntura, para descrever a regulação econômica no mercado de aviação comercial, processo cíclico de maior ou menor intervenção do Estado, a evidenciar uma longa história que, no nosso caso, está longe do final. Mas pensa também no particular, no evento, como o caso da falência do grupo Panair, iniciado em 1965 durante o regime militar, que é de certa forma revista presentemente no caso da recuperação judicial da Varig, por meio das descontinuidades históricas. Há, de certo, alguma tentativa de uma história total.

É ainda uma história econômica que não prescinde da estatística, da econometria, ou na expressão de Hobsbawn, cliometria, na investigação do passado. No entanto, segundo o próprio Hobsbawn, deve ser uma história social, com a tentativa de discussão das inúmeras causas e fatores que influenciam as estruturas e os eventos relatados. Além disso, a história deve ser dinâmica, no sentido da economia de Schumpeter, [07] e não estática, como muitas vezes são os relatos de econometria, retratos numéricos estanques de uma realidade, como o mercado de aviação comercial, em constante mutação. [08]

Descortinadas, assim, as interações, nem sempre amistosas, entre o direito, a economia e a história, tendo como pano de fundo a nova história econômica, o artigo explorará em alguns tópicos o mercado de aviação comercial no Brasil e as idas e vindas do seu processo de regulação econômica.


2.A origem da aviação comercial no Brasil: para além de fatos e datas

A década do início da aviação comercial no Brasil é a 1920. Mas o impulso só veio na década de 1940, em função das aeronaves americanas excedentes de guerra, [09] adquiridas a baixo custo e em boas condições de financiamento, o que permitiu o surgimento de inúmeras empresas aéreas, quase todas funcionando, no entanto, com estrutura econômica precária.

O detalhe interessante é que o surgimento não-programado da aviação comercial, e ainda que de forma precária, sinalizado na baixa segurança das aeronaves e na incipiente regulação estatal, desenvolveu um modal importante e que se revelou essencial no transporte comercial no Brasil.

O transporte aéreo ganhou importância, em um efeito de integração e de desenvolvimento, [10] em função do amplo território do país (o que promove uma continuidade e similitude com o processo americano), [11] da precariedade do transporte rodoviário e da dificuldade de acesso a pontos longínquos do território, em especial a região norte do país.

Em função da oferta inicial exagerada e de desequilíbrios financeiros, logo nos anos 1950 houve uma onda de fusões entre as empresas e de falências. De toda a forma, o número de cidades atendidas nunca foi tão grande quanto nesse período dos anos de 1950, permanecendo na ordem de 300 cidades. Exatamente em 1950, o número de cidades atendidas era de 358, número jamais alcançado nem antes nem depois desse ano.

O elemento que fez decrescer o número de cidades atendidas, de forma gradativa a partir dos anos 1960, foi a ampliação e estruturação da malha rodoviária. A competição ainda acirrada entre as empresas aéreas e a fragilidade econômica da estrutura inicial levou o transporte aéreo a uma crise profunda. As rotas mais afetadas eram exatamente as de curta distância, em especial na região sudeste, a região mais disputada. A descontinuidade histórica a destacar é que, surgindo (o transporte aéreo) em um período como forma de integração regional (nas aeronaves DC-3), foram justamente as rotas regionais centrais as comprometidas pela estrutura do mercado e pelo modal rival do transporte rodoviário.

A crise dos anos 1960 deu origem ao processo de regulação com ênfase mais interventiva, fruto das CONAC’s – Conferências Nacionais da Aviação Comercial, a primeira realizada em 1961, e as demais, em 1963 e 1968. Essas conferências tiveram a participação das empresas aéreas e do governo brasileiro, evidenciando a participação ativa do Estado na tentativa de estruturação do setor.

Nesse âmbito inaugural, portanto, destacou-se o surgimento da aviação comercial dissociado de orientação centralizadora do Estado brasileiro. O modal de transporte surgiu em função da integração regional e da disponibilidade de aeronaves para o desenvolvimento do setor. Sob o ponto de vista conjuntural, houve semelhanças com o início do processo de transporte aéreo nos Estados Unidos, ligando um espaço territorial amplo, mas com liberdade para constituição e permanência de empresas. Essa conjuntura inicial de 30 anos serviu como um teste para o mercado, de forma a se descobrir seu melhor funcionamento, com nítido critério de eficiência.

Nos anos seguintes, a partir dos anos 1950, em especial dos anos 1960, a intervenção estatal se tornou a regra. Essa nova conjuntura será demonstrada a seguir, pontuando regras regulatórias específicas que deram nova configuração para o transporte aéreo.


3.A regra da regulação (intervenção estatal) nos anos de 1950 e 1960

A fase seguinte da aviação civil doméstica no Brasil passou a contar com intensa intervenção estatal, resultado das CONAC’s descritas acima. O modelo de liberdade para constituição e permanência das empresas aéreas chegava ao fim. Sob o condicionamento do interesse público, o governo brasileiro estimulou fusões e estabeleceu um regime de competição controlada. Além disso, a regulação estatal passou a regular fortemente a escolha das linhas aéreas – os trajetos de vôos – e também a fixação de valor dos bilhetes.

Nos anos 1960, em uma tentativa de sustentação da aviação regional, tal como definido acima, desenvolve-se de forma clara a concessão de subsídios para as empresas aéreas, em especial as que operavam as antigas aeronaves DC-3, Catalina ou C-46 [12] nas rotas de médio e baixo potencial de tráfego, com pequena viabilidade econômica. O programa de subsídios, suplementação financeira do governo que seria a marca da estruturação do setor aéreo até a década de 1990, ficou conhecido, nessa época, como RIN – Rede de Integração Nacional.

Sob o ponto de vista econômico, para concessão do subsídio, as linhas de baixo potencial econômico transportavam até 5.000 passageiros/ano e as de médio potencial, até 20.000 passageiros/ano. Buscava-se incentivar as rotas regionais, com a permanência do modal de transporte aéreo para pequenas e médias localidades, ainda com o espírito integratório e em razão da deficiência da malha de transporte rodoviário.

Tal estrutura de incentivos, subsídios e suplementações, como se disse acima, moldaria a organização do setor aéreo até os anos de 1990. Esse elemento marcante, que será discutido em outros momentos deste artigo, ora tinha justificação técnica e econômica, ora tinha componente exclusivamente político e ideológico, em sentido negativo, de forma a evidenciar a relação promíscua entre Estado e empresas aéreas, revelando favorecimentos escusos.

A RIN funcionou com consistência no início dos anos de 1960, perdendo força em 1968, sendo praticamente abandonado pelo governo, por cortes abruptos de orçamento. O governo, a partir do final dos anos 1960, pretendia estabelecer outros parâmetros para o desenvolvimento do setor aéreo, sistema que será descrito no tópico 5.

Nos anos de 1960, o setor aéreo moldou-se, depois da falência de algumas empresas, fusões de outras e intervenção estatal, em torno de seis empresas, que dividiam rotas domésticas e internacionais, configuração que permaneceria durante muitos anos, mesmo diante do novo desenvolvimento da aviação regional nos anos 1970. As seis empresas eram: Varig, operando domesticamente e rotas para América do Norte; Vasp, operando domesticamente de forma exclusiva; Cruzeiro do Sul (adquirida pela Fundação Ruben Berta em 1975 e absorvida pela Varig em 1992), operando domesticamente e rotas para América do Sul e Central; Panair (que encerrou forçosamente suas atividades em 1965), operando domesticamente e rotas para Europa e Oriente Médio; Sadia (em 1972 tornou-se Transbrasil), operando domesticamente de forma exclusiva; e Paraense (faliu em 1970), também operando domesticamente.

A etapa de regulação estrita e de competição controlada, iniciada nos anos 1950, teve continuação durante os anos 1970 e 1980, como se verá, potencializando uma política de regulação com política industrial e também com política de estabilização ativa, em função dos inúmeros planos econômicos do final dos anos 1980. Os cortes metodológicos para definição desses períodos da regulação podem se revelar artificiais, mas nos permite uma estruturação cronológica e o detalhamento de circunstâncias estruturais e conjunturais que são específicas de cada período e possibilitam a melhor compreensão do leitor.

Todavia, o destaque de um evento histórico específico, como foi o caso Panair, permite-nos explorar com um nível maior de profundidade a relação Estado/empresas aéreas nesse segundo estágio da aviação comercial, início da regulação estatal. Além de possibilitar comparações, sem qualquer tipo de presentismo, mas de reflexão histórica, com o processo de recuperação judicial da Varig, atualmente em curso, período que revela uma transformação no setor aéreo só comparável a vivida nos anos 1960.


4.Breve relato sobre o caso Panair

Esse tópico baseia-se quase exclusivamente no livro de investigação histórica de Daniel Leb Sasaki, Pouso Forçado, [13] e também em reportagens recentes da Folha de S. Paulo sobre a crise financeira da Varig.

Não se pretende aqui explorar o caso em todos os seus detalhes, o que já convida ao leitor interessado a leitura do livro, mas realçar alguns pontos relevantes e que tocam os elementos estruturais já descritos.

A Panair, subsidiária americana no início (1930), de capital predominantemente nacional ainda nos anos 1940, foi uma das iniciantes na integração doméstica com rotas regionais e autêntica pioneira na exploração de rotas internacionais, especialmente na Europa, ainda em 1946. Com mais de 30 anos de funcionamento, desenvolveu a mais consolidada estrutura de uma empresa aérea na América do Sul, com hangares no Brasil e exterior, balcões de serviço espalhados em inúmeras cidades, uma frota de aeronaves consistente, rotas européias economicamente importantes, slots [14] de vôos nos principais aeroportos, além de possuir a Celma, empresa de manutenção das aeronaves (tida até hoje como a maior oficina de revisão de motores da América Latina), e a Tasa - Departamento de Comunicações de Vôos da Panair do Brasil, centro de referência para as demais empresas.

A origem da empresa está relacionada com a origem da aviação civil doméstica no Brasil, época de quase total liberalidade e de competição aguda, o que leva a crer em sua competência para permanecer no mercado, razão pela qual não se investigou se a sua consolidação se deu também patrocinada, em determinado momento, por favores estatais.

O que se afirma, com maior consistência histórica, em função da pesquisa mencionada, é que a Panair do Brasil foi praticamente destruída por uma mescla de interesses, políticos e privados, uma vez que a surpreendente cassação das rotas aéreas em 1965 foi realizada de forma arbitrária pelo governo militar, repassando todas as rotas internacionais operados pela Panair até então à Varig, levando a empresa à falência, em um tortuoso e escuso processo judicial, que teve como ingrediente, inclusive, a mudança casuística da legislação.

Em reportagem da Folha de S. Paulo, o autor Daniel Sasaki resume as razões não-democráticas para o fim da Panair, estabelecendo um comparativo com o processo atual da Varig:

Precisei de um livro inteiro para expressar minha visão. Mas, basicamente, acho que foi uma confluência de diversos interesses, que se articularam. Havia o interesse dos militares em eliminar as lideranças civis. Os maiores acionistas da Panair, que estavam entre os mais influentes empresários do país, pretendiam apoiar a campanha de Juscelino Kubitschek para 1965. Havia também o interesse privado. A Varig, durante os três governos anteriores, tentara obter as concessões para a Europa, sem sucesso. Sem dúvida, foi a maior beneficiária do fechamento da Panair. Ficou com as linhas internacionais, aviões, instalações, as lojas da Europa e o título de empresa-bandeira, iniciando um monopólio no setor.

Em alguns aspectos, o que houve com a Panair ajuda a entender a situação da Varig. Por exemplo, o porquê das mudanças na legislação ontem e hoje. Mas o caso não diz absolutamente nada sobre como se deve dirigir a crise da companhia.

O fim da Varig não faria justiça a ninguém. Infelizmente, muita gente perde a mensagem mais importante do livro: o alerta para que a injustiça nunca mais se repita. Vivemos em um regime democrático e acho que as pessoas devem cobrar transparência e questionar contradições, assegurando que nenhum interesse escuso decida, nos bastidores, o futuro da Varig. Seria do interesse público o estabelecimento de novo monopólio, ou duopólio, na aviação comercial brasileira? [15]

O que se destaca no caso Panair é que, embora a empresa estivesse com problemas financeiros, o que era a regra nos anos 1960, período depois de acirrada competição, ela tinha condições financeiras compatíveis com as demais empresas à época, em alguns casos até melhor. Em comparação com a crise financeira da Varig atual, o quadro da Panair, em seu devido contexto (a mudança no setor aéreo foi brutal), era muito mais saudável, plenamente recuperável, em um regime vigente de suplementação tarifária. [16]

No entanto, a cassação das rotas se efetivou em fevereiro de 1965, com o favorecimento da Varig, dando início a um tortuoso processo falimentar, manipulado pelo governo, com evidente parcialidade dos juízes atuantes na falência, processo amplamente documentado no capítulo VI Página sombria nos anais jurídicos do Brasil e Anexos do livro Pouso Forçado. [17]

Na reconstituição do evento destruição da Panair do Brasil, a manipulação legislativa merece ilustração, uma vez que a alteração realizada nos anos 1960, trouxe reflexos regulatórios para o setor aéreo, de impactos até hoje, por meio das descontinuidades históricas, ameaçando comprometer o processo de recuperação da Varig.

Duas legislações foram imaginadas e concebidas de forma a agilizar o processo de falência da Panair, prejudicando a empresa, econômica e juridicamente.

O Decreto-lei n. 496, de 11 de março de 1969, expediente legislativo corrente do regime militar, acresceu privilégios para a União unicamente nos processos de liquidação, falência ou concordata de empresas de transporte aéreo. O Decreto-lei permitiu quase imediatamente a expropriação dos bens da Panair em favor da União, impedindo a empresa de se reabilitar (quando isso parecia possível), tornando a sua dívida impagável, além de estabelecer obstáculos ao retorno da empresa para operar o transporte aéreo. O Decreto-lei, ainda que pudesse ser justificado por alguma boa razão econômica, em razão da especialidade do setor aéreo, foi, nesse caso, endereçado diretamente a Panair do Brasil. [18]

Já o Decreto-lei n. 669, de 2 de julho de 1969, impediu as empresas aéreas [leia-se Panair do Brasil] de impetrar concordata, quando a Panair estava na iminência de fazê-lo, em uma tentativa árdua de restabelecimento de suas operações. [19] Segundo a exposição de motivos do governo, a concordata sendo um favor legal, que se dá à empresa estritamente comercial para continuar seu negócio, "não é de molde a ser admitida para a empresa de transporte aéreo, quando se tem em vista, acima do interesse comercial da empresa, a regularidade e a segurança de vôo". [20]

De novo: ainda que fosse possível pudesse discutir as razões econômicas da legislação, o Decreto-lei foi dirigido exclusivamente a Panair, impedindo-a de se restabelecer. Somente agora, em 2005, e de última hora, de novo a demonstrar evidente casuísmo, ainda que por acessórias razões econômicas, a nova Lei de Falências (Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005) traz dispositivo excluindo as empresas aéreas da proibição de requerer concordata, no ilustrativo artigo 199. [21]

O que permanece do caso Panair é o ápice do envolvimento estatal com a estruturação de um setor econômico. Mas não de forma legítima e democrática, ainda que a intervenção estatal pudesse ser criticada por argumentos econômicos, tal como se faz agora, mas de maneira escusa, manipuladora e ditatorial. [22] O caso Varig, como bem alertou Daniel Sasaki, não deve ter o mesmo fim. [23] A lição não é de passividade estatal no caso Varig, em função do favorecimento do passado, mas de atuação transparente, de obediência aos marcos legais e regulatórios e calcada em razões econômicas, de possível permanência da empresa por razões fiscais, trabalhistas, de competitividade no setor (benefícios ao consumidor) e de manutenção das linhas internacionais.

A história regulatória continua no próximo tópico.


5.A mudança da regulação nos anos de 1970 e 1980 – A regulação estatal total

Em 1975, o setor aéreo era formado só por quatro empresas: Varig, Cruzeiro do Sul, Vasp e Transbrasil, sendo que as duas primeiras empresas eram do mesmo grupo empresarial.

Todas as empresas voavam com aviões a jato, com capacidade mínima de 100 assentos, aeronaves mais modernas, o que contribui para a mudança nas rotas aéreas, uma vez que as empresas priorizavam rotas que viabilizassem economicamente aquelas aeronaves. A transformação no setor foi brutal. O número de cidades atendidas decresceu, caindo para 92 cidades atendidas pela aviação comercial regular, cidades de maior expressão econômica, que garantiam rentabilidade às empresas aéreas.

A maior transformação na regulação do mercado aéreo nos anos 1970 surgiu em face do abandono das linhas interioranas. Reintroduzindo a idéia do subsídio, marco econômico do setor e da intervenção estatal, foi criado o SITAR – Sistemas Integrados de Transporte Aéreo Regional por meio do Decreto n. 76.590, de 11 de novembro de 1975, em uma tentativa de incentivo à aviação regional. O Brasil foi dividido em cinco regiões, de relativa homogeneidade de tráfego e com características geo-econômicas similares, designando uma empresa – boa parte oriunda do táxi-aéreo – para atuar em cada região, sob o regime de exclusividade. [24]

A idéia do subsídio retornou, assim, em forma de suplementação tarifária, fixado em 3% sobre o valor dos bilhetes das linhas aéreas domésticas. Houve, de fato, um subsídio cruzado: as linhas domésticas tradicionais e rentáveis subsidiavam, por meio da arrecadação da suplementação, as rotas regionais, incentivando as conexões interioranas.

A estrutura regulatória desenvolveu-se com dois núcleos de operação, um nacional, outro regional. Incentivou-se, no âmbito regional, a constituição de empresas de administração simples, com custos indiretos reduzidos, além da operação com aeronaves adequadas às pistas pequenas, de oferta compatível com a demanda. Houve desincentivo à concorrência entre as operações regionais e nacionais, sendo vedada a participação de uma mesma empresa aérea nos dois submercados. Estimulou-se, por outro lado, a cooperação entre as transportadoras regionais e nacionais, de forma a estabelecer uma rede tronco-alimentadora (das cidades interioranas para os grandes centros e vice-versa). [25] E, completando tal estrutura regulatória, definiu-se a impossibilidade de qualquer empresa regional se tornar uma empresa aérea nacional.

Na história evolutiva do setor aéreo, os objetivos regulatórios do SITAR eram claros, mas nem todos foram atingidos. Impossível regular todas as estratégias das empresas regionais, o que as levou a se adequarem às características de suas regiões, buscando mercados e cidades mais rentáveis, maximizando lucros. A idéia das linhas tronco e da interligação não foi efetivada plenamente, à exceção da Rio-Sul, que teve seu plano de linhas integrado com o grupo Varig-Cruzeiro (embora duas empresas distintas, a Varig detinha a quase totalidade das ações da Rio-Sul, o que violava, indiretamente, a proibição de participação nos dois mercados – o subsídio aqui não foi externo, estatal, mas estratégia interna do grupo empresarial).

Na aviação comercial a lógica econômica para a viabilidade das empresas opera decisivamente. Assim, as ligações de longa distância exigem aeronaves maiores, adaptadas à demanda, e as ligações de curta e média distâncias exigem necessariamente um número maior de freqüências de vôos, de maneira a tornar este modo de transporte competitivo e atraente. No entanto, as empresas regionais, integradas na lógica econômica da máxima rentabilidade possível, escolheram poucos destinos regionais, utilizando aeronaves maiores e que poderiam se interligar na rede tronco. Conseqüentemente, a idéia de atendimento pulverizado não foi atingida plenamente, reforçando a estrutura do transporte aéreo centrada em grandes centros.

De todo modo, ainda que a regulação não tenha atingido seus objetivos, com evidente descasamento entre o controle estatal e a lógica econômica do setor, a oferta do serviço aéreo regional, expressa por assentos x quilômetros (ass.km) oferecidos, "quadruplicou e o número de cidades servidas cresceu à taxa média anual de 3% no período 1976-1992". [26]

Permitindo-se uma abstração do período regulatório dos anos 1970 e 1980, é possível afirmar que os anos de 1973-1986 responderam pela intervenção do Estado que "representou a primeira e última tentativa do governo de estruturar, planejar e fomentar de maneira sistemática e global, o desenvolvimento do setor, bem como de estabelecer políticas para a aviação regional" [27], período conhecido como de regulação com política industrial.

No período de 1986-1992, data que daria origem ao período da desregulação, Alessandro Marques de Oliveira sublinha que o Estado brasileiro abandona a utopia do planejamento total, como política industrial, afetado sobremaneira pelo crônico problema inflacionário. As políticas econômicas instauradas para o combate inflacionário tiveram amplo impacto no transporte aéreo, com destaque para a desvalorização da taxa de câmbio, visando o aumento da rentabilidade das atividades voltadas para a exportação e as interferências nos preços das passagens aéreas (setores com preços controlados), como forma evidente de controle inflacionário (parte das medidas ortodoxas adotadas pelos planos econômicos).

Tais medidas afetaram significativamente os setores de infra-estrutura, com atenção especial ao setor aéreo. O período foi denominado como de regulação com política de estabilização ativa, "caracterizado pelo desgaste das políticas industriais e forte intervenção nas políticas de reajustes tarifários, levando a preços reais artificialmente baixos que causaram prejuízos ainda hoje contestados judicialmente [28] pelas operadoras aéreas". [29]

Os anos 1990 conheceram as fases da desregulação, na linha do programa governamental de desregulamentação da economia do país adotado no início daquela década. [30] É o debate do tópico seguinte.


6.Nova transformação da regulação aérea a partir dos anos 1990: Qual desregulação?

O processo de desregulação do setor aéreo teve início em 1991, ano da realização V CONAC, refletindo a tendência liberalizante que avançava em diversos países. No entanto, no bojo das propostas liberais do início dos anos 1990, a flexibilização no setor aéreo também contou com a participação de outros elementos, como a forte pressão exercida pelas empresas atuantes, ansiosas pela ampliação de seus serviços para além de suas aéreas de atuação e em linhas de maior densidade de tráfego.

Comitês foram criados pela CONAC para avaliar o setor. As recomendações de flexibilização foram claras: autorização para a criação de novas empresas (surgiram, por exemplo, a Pantanal, a Tavaj, a Meta e a Rico); a possibilidade de competição direta entre empresas de âmbito nacional e regional; e extinção da delimitação geográfica das aéreas de atuação. Transformações que levaram, na prática, à extinção do SITAR já em 1992.

A Portaria n. 686/GM5, de 15 de setembro de 1992, autorizou as empresas de transporte aéreo regular a operar linhas tanto nacionais como regionais. As empresas agora – diversamente do antigo sistema rígido, 4 nacionais e 5 regionais – passaram a ser definidas pela amplitude das linhas operadas como nacionais ou regionais. Se uma empresa operasse, segundo os termos da mencionada Portaria, doze Estados da Federação e oito Capitais, era classificada como nacional. Aquelas empresas que compreendessem, de forma preponderante, linhas de âmbito regional, sem limites de Estado, eram designadas como regionais.

No entanto, como resquício regulatório anterior, e fruto de confusão conceitual, a Portaria n. 687/GM5, também de 15 de setembro de 1992, criou as linhas aéreas especiais, destinadas a estabelecer a ligação, sem escala, entre os aeroportos centrais de São Paulo (Congonhas), Rio de Janeiro (Santos Dumont) e Belo Horizonte (Pampulha) e entre esses e o aeroporto da Capital Federal (Presidente Juscelino Kubitschek). Tais linhas seriam operadas somente por empresas de âmbito regional, em forma indireta de subsídio governamental. A exceção era a ponte-aérea Rio-São Paulo, que seria explorada, prioritariamente, por companhias de âmbito nacional, no tradicional pool Varig, Vasp e Transbrasil.

Com a regulação das linhas aéreas especiais, empresas regionais sólidas tornaram-se concorrentes nacionais, como foi o caso da TAM e da Rio-Sul (posteriormente incorporada ao grupo Varig). No caso da TAM, empresa originariamente regional, deu-se a consolidação das rentáveis linhas especiais, permitindo a conquista de novos mercados.

A regulação do subsídio continuou ainda sob a forma de suplementação tarifária, refletindo que a desregulação não era tão ampla. Diferentemente do SITAR, o adicional tarifário de 3% deixou de incidir sobre os bilhetes de todas as linhas aéreas, incidindo somente sobre as linhas aéreas nacionais e especiais, evidenciando o subsídio cruzado, as linhas nacionais, via suplementação, bancavam parte das linhas regionais. Além disso, houve um direcionamento de foco da suplementação. Somente algumas linhas regionais continuaram a receber o subsídio, e não todas as linhas regionais, com destaque para as linhas essenciais. Segundo a definição do DAC – Departamento de Aviação Civil, as linhas essenciais eram aquelas que atendiam ao interesse público ou que eram pioneiras, servidas por aeronaves de até 30 lugares.

O número de cidades interioranas voltou a crescer após 1995, fruto da continuidade da suplementação tarifária, agora reformulada. No entanto, a crise cambial de 1999 prejudicou o recolhimento do adicional tarifário por parte das empresas nacionais, afetando diretamente a expansão regional. Em alguns casos, as empresas nacionais, como Varig e Vasp, discutiram a regulação estatal por meio de medidas judiciais, uma vez que a suplementação era basicamente privada, onerando o usuário do transporte aéreo, que pagava nas linhas nacionais o subsídio das linhas regionais. De qualquer forma, tal regulação prejudicava também a competitividade das empresas nacionais, na majoração das tarifas, ainda mais em tempo de crise generalizada, como se deu no início dos anos 2000. Quase todas as empresas conseguiram vitórias de suspensão da cobrança da suplementação. Conseqüentemente, a crise das empresas aéreas nacionais, da Transbrasil (a companhia paralisou suas operações em dezembro de 2001), da Vasp e da Varig, afetou sobremaneira a aviação regional, estabelecendo um novo desafio para a sua ampliação.

Segundo Alessandro Marques de Oliveira, no período de desregulação podem ser definidas três fases: liberalização com política de estabilização inativa (1992-1997), baseada em rodadas de negociação com a flexibilização geográfica, de linhas a operar e de tarifas, [31] sem maiores pressões nos preços (maior estabilidade nos preços a partir de 1994) e também baixa instabilidade nos custos, com a taxa de câmbio relativamente estável no período; liberalização com restrição de política de estabilização (1998-2001), período ambíguo, em que houve o aprofundamento quanto às últimas restrições tarifárias, além do fim da exclusividade das empresas regionais operarem as linhas aéreas especiais, [32] o que deu ensejo aos fenômenos como a "guerra de preços" e a "corridas por freqüência", competição que não se via desde a década de 1960, mas também de retorno do controle tarifário, por ocasião da crise cambial e do choque nos custos; e, por fim, o período da quase-desregulamentação (2001-2002), resultante de acordo do Ministério da Fazenda e do DAC com a remoção dos últimos mecanismos de regulação econômica, [33] flexibilizando os processos de entrada de novas empresas e de pedidos de novas linhas aéreas, freqüência de vôos e aviões, período que culminou com a entrada da Gol, em janeiro de 2001.


7.Fases da desregulação: história final?

Seria a história da evolução regulatória da aviação comercial brasileira uma história final? Não. A história é contínua e prossegue sem desenlace final, ainda mais quando se trata de um setor da economia tão sensível, que sofre freqüentemente com as alterações cambiais e com os preços dos combustíveis, por exemplo. Nem mesmo a fase de desregulação, ante as vicissitudes econômicas e políticas, é estável.

Em 2003, o regulador, ainda o DAC, voltou a implementar alguns procedimentos de interferência econômica, objetivando controlar o que foi chamado de "excesso de capacidade" e o acirramento da "competição ruinosa" no mercado.

O DAC passou a exercer uma função moderadora, nos termos das Portarias n. 243/CG5, de 13 de março de 2003, e a de n. 731/GC5, de 11 de agosto de 2003, no sentido de "adequar a oferta de transporte aéreo, feitas pelas empresas aéreas, à evolução da demanda" e com a "finalidade de impedir uma competição danosa e irracional, com práticas predatórias de conseqüências indesejáveis sobre todas as empresas". Alessandro Marques de Oliveira define o período, sem história final, de re-regulação, "uma fase onde pedidos de importação de novas aeronaves, novas linhas e mesmo de entrada de novas companhias aéreas, voltaram a exigir estudos de viabilidade econômica prévia, configurando-se uma situação semelhante ao do período regulatório típico; a grande diferença, nesse caso, foi que não houve interferência na precificação das companhias aéreas, ou seja, não houve re-regulação tarifária". [34]

A aposta atual, em tempos de turbulência, de crise da Varig (que revive o caso Panair), e da substituição do DAC pela ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, [35] é de muita cautela, [36] ainda que seja uma aposta na liberdade de funcionamento do setor, pelos inegáveis benefícios econômicos e pelo que nos mostra o evoluir histórico, e não a volta da regulação, tal como, infelizmente, indica a recente ação governamental.

A reconfiguração regulatória, baseada na liberdade para o setor, deveria se pautar por alguns princípios: livre acesso para a entrada e saída das operadoras no transporte aéreo; livre mobilidade para operar em determinada rota aérea, resguardadas as condições de prestação de serviço regular; eficiência econômica e legalidade nas concessões, com a definição de licitação para a alocação dos slots, sem benefício escuso a grandes empresas (vide o caso Panair); liberdade estratégica, o inclui liberdade tarifária; e restrição antitruste, com o monitoramento contínuo de defesa da concorrência.

A história nos deixa uma lição, nos ciclos de evolução da regulação para o setor aéreo, da dinâmica entre a economia e o direito, da complexidade de moldar o mercado por meio da regulação. O descobrir das razões econômicas ou políticas para a existência de determinada regra, em determinados contexto e tempo histórico, pode nos indicar os caminhos a seguir para a continuidade da regulação ou desregulação do setor, nos moldes dos princípios enunciados acima. É o desafio que espera os curiosos e pesquisadores do Direito Econômico.


Referências Bibliográficas

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SASAKI, Daniel Leb. Pouso Forçado: A história por trás da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar. Rio de Janeiro: Record, 2005. 276p.


Notas

01 HOBSBAWN, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 336p.

02 LIMA LOPES, José Reinaldo de. "Raciocínio jurídico e economia". Belo Horizonte: Revista de Direito Público da Economia, n. 8, out./dez., 2004, p. ?.

03 Não por outra razão a Emenda Constitucional n. 19/1998 incorporou o princípio da eficiência no art. 37 da Constituição Federal. A observância de tal princípio por parte da Administração Pública só se faz pela incorporação de critérios econômicos na avaliação e na crítica das medidas elaboradas pelas políticas públicas e legislativas.

04 LIMA LOPES, José Reinaldo de. "Raciocínio jurídico e economia". Belo Horizonte: Revista de Direito Público da Economia, n. 8, out./dez., 2004, p. ?.

05 HOBSBAWN, Eric. Historiadores e economistas: I. In: HOBSBAWN, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 110.

06 "A nova história dos homens e das mentalidades, idéias e eventos pode ser vista mais como complementar que como substituta da análise das estruturas e tendências socioeconômicas" (HOBSBAWN, Eric. A volta da narrativa. In: HOBSBAWN, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p 205).

07 HUNT, E. K. História do Pensamento Econômico: Uma perspectiva crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. 512p.

08 "Temos a opção de construir um modelo único mediante abstração das peculiaridades das partes constituintes, mas às custas de sacrificar o realismo e ao mesmo tempo fugir ao problema geral da moderna história econômica, que é o modo de explicar a mutação da velha economia na economia de crescimento elevado e permanente dos séculos XIX e XX. Foi o que fizeram os cliometristas [...] Mas, sem entrar na discussão da validade ou necessidade desse procedimento, acredito que o que interessa tantos aos historiadores quanto, provavelmente, aos defensores do desenvolvimento econômico, é a onipresente combinação". (HOBSBAWN, Eric. Historiadores e economistas: II. In: HOBSBAWN, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 135).

09 "Eram aviões, em sua maioria DC-3, de 21 a 31 assentos, voltados para o transporte interior" (BNDES. Aspectos de Competitividade do Setor Aéreo (Modal Aéreo IV). Rio de Janeiro: Informe Infra-Estrutura, n. 50, nov., 2001, p. 1).

10 "O termo ‘Aviação Regional’ apresentou significado específico somente no período 1975-1999. No entanto, a utilização desse termo no decorrer da história da aviação comercial brasileira tem como objetivo fazer referência ao transporte aéreo que interliga localidades interioranas e estas com centros urbanos/capitais" (BNDES. Aspectos de Competitividade do Setor Aéreo (Modal Aéreo II). Rio de Janeiro: Informe Infra-Estrutura, n. 42, mar., 2001, p. 1).

11 A continuidade com o processo americano também pode ser vista com a criação da subsidiária da Pam American no Brasil, a Panair. Originariamente empresa estrangeira, a Panair, em função das vicissitudes da empresa-mãe, dos acionistas nacionais e do governo nacionalista de Getúlio Vargas, terminou por ser controlada pelo capital nacional ainda em meados de 1940. Foi uma das únicas empresas que permaneceu no ar durante a acirrada competição dos anos 1950 e das turbulências do início dos anos 1960 (SASAKI, Daniel Leb. Pouso Forçado: A história por trás da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar. Rio de Janeiro: Record, 2005. pp. 63-83).

12 No final dos anos 1950 deu-se o início a nova era da aviação civil com o desenvolvimento dos aviões a jato, como o DC-8 recebido pela Panair do Brasil em 1961. O avião a jato pode ser tido como revolucionário para o setor aéreo, permitindo o deslocamento das aeronaves por distâncias maiores, incentivando sobremaneira a aviação internacional, com maior velocidade, menor ruído e consumo de combustível, e maior número de passageiros transportado. Houve, portanto, uma revolução de custos financeiros em função da evolução técnica das aeronaves.

13 SASAKI, Daniel Leb. Pouso Forçado: A história por trás da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar. Rio de Janeiro: Record, 2005. 276p.

14 Slot é o horário estabelecido para uma empresa realizar uma operação de chegada ou uma operação de partida em um aeroporto coordenado (Art. 2º, inciso IV do Anexo à Resolução n. 2, de 3 de julho de 2006, da ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil).

15 FOLHA DE S. PAULO. Varig revê drama da Panair 41 anos depois. Caderno Dinheiro, B4, 25.06.2006.

16 Para números e detalhes, remeto o leitor para a leitura do capítulo IV Nuvens Negras sobre o Planalto Central e Anexos do livro Pouso Forçado: A história por trás da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar. Rio de Janeiro: Record, 2005. pp. 115-142, em que há farta documentação sobre as dificuldades financeiras da Panair.

17 Pouso Forçado: A história por trás da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar. Rio de Janeiro: Record, 2005. pp 161-198.

18 Trechos do Decreto-lei n. 496, de 11 de março de 1969: "Art. 1º - Além dos previstos em lei, constituem créditos privilegiados da União nos processos de liquidação, falência ou concordata de empresas de transporte aéreo: I – a quantia despendida pela União para financiamento ou pagamento de aeronaves, peças e equipamentos importados pelas empresas aéreas; [...] Art. 3º - O Ministério da Aeronáutica poderá destinar as aeronaves, peças e equipamentos referidos no artigo anterior ao serviço da aeronáutica civil ou comercial, mediante arrendamento. [...] Art. 4º - As empresas de transporte aéreo ficam impedidas de operar aeronaves ou explorar serviços aéreos de qualquer natureza, durante ou depois do encerramento dos processos de sua liquidação, falência ou concordata".

19 O processo de falência só foi levantado em 1995, na Sexta Vara Cível da Comarca do Estado do Rio de Janeiro.

20 SASAKI, Daniel Leb. Pouso Forçado: A história por trás da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 196.

21 Art. 199. Não se aplica o disposto no art. 198 desta Lei às sociedades a que se refere o art. 187 da Lei nº 7.656, de 19 de dezembro de 1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica).

22 Daniel Sasaki relata algumas tentativas do Estado brasileiro, especialmente nos governos Figueiredo e Fernando Henrique, de recompensar a Panair pelos prejuízos sofridos, inclusive a edição de uma Medida Provisória de reparo pelos danos causados à companhia. No entanto, tal medida não saiu do papel. (SASAKI, Daniel Leb. Pouso Forçado: A história por trás da destruição da Panair do Brasil pelo regime militar. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 207). De qualquer forma, segue ainda uma ação indenizatória proposta pela Panair do Brasil S/A de responsabilidade civil da União pelos prejuízos causados. Até a redação deste artigo, a ação encontrava-se em grau de recurso no Superior Tribunal de Justiça, sob o n. REsp 446.724-DF, na relatoria da Minª. Denise Arruda, da 1ª Turma.

23 Mesmo porque existem inúmeras outras razões para a crise financeira da Varig, inclusive nefasta ingerência estatal nos períodos dos planos econômicos de estabilização monetária, elementos que não serão debatidos neste artigo.

24 As empresas eram: Nordeste Linhas Aéreas Regionais S.A. (Região Nordeste e parte dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo); Rio-Sul Serviços Aéreos Regionais S.A. (Região Sul e parte dos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo); TABA Transporte Aéreos da Bacia Amazônica S.A. (Região Norte); TAM Transportes Aéreos Regionais S.A. (Atual Estado do Mato Grosso do Sul, parte dos Estados do Mato Grosso e de São Paulo); e VOTEC Serviços Aéreos Regionais S.A. (Estado de Goiás, parte dos Estados do Pará e do Maranhão, o Triângulo Mineiro e o Distrito Federal).

25 "O sistema de linhas tronco-alimentadoras foi primeiro introduzido nos EUA após a Segunda Guerra Mundial. Naquela ocasião, foram criadas as local carriers (transportadoras regionais), responsáveis pela interligação das cidades de baixa densidade de tráfego com os hubs (aeroportos centrais e de conexões de vôos" (BNDES. Aspectos de Competitividade do Setor Aéreo (Modal Aéreo IV). Rio de Janeiro: Informe Infra-Estrutura, n. 50, nov., 2001, p. 2).

26 BNDES. Aspectos de Competitividade do Setor Aéreo (Modal Aéreo IV). Rio de Janeiro: Informe Infra-Estrutura, n. 50, nov., 2001, p 2.

27 MARQUES DE OLIVEIRA, Alessandro Vinícius. Performance dos Regulados e Eficácia do Regulador: Uma Avaliação das Políticas Regulatórias do Transporte Aéreo e dos Desafios para o Futuro. São José dos Campos: Núcleo de Estudos de Competição e Regulação do Transporte Aéreo (NECTAR), Documento de Trabalho n. 7, p. 6. Disponível em http://www.ita.br/~nectar.

28 Três empresas, Transbrasil, Varig e Vasp moveram ações indenizatórias contra a União por perdas decorrentes dos planos econômicos. A Transbrasil obteve vitória, já com trânsito em julgado, no RE 183.180-4-DF, julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 17.06.1997 (R$ 725 milhões é o valor da indenização). O pleito da Varig está no Superior Tribunal de Justiça, com vitória para a empresa em fase de Embargos à Divergência no REsp 628.806-DF, publicado em 18.05.2006. A Vasp obteve vitória no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, na AP n. 1997.01.00.028532-7/DF, julgado de 09.06.1999. A ementa deste último julgado é esclarecedora, permitindo amplo debate econômico sobre a ação estatal: "Demonstrada a quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão aéreo, por força do congelamento imposto à concessionária em decorrência de planos econômicos governamentais, impõe-se à concedente o dever de indenizar os prejuízos comprovados em perícia regularmente processada, uma vez que violou o direito da outra parte contratante, assegurado em cláusula expressa de respectiva avença".

29 MARQUES DE OLIVEIRA, Alessandro Vinícius. Performance dos Regulados e Eficácia do Regulador: Uma Avaliação das Políticas Regulatórias do Transporte Aéreo e dos Desafios para o Futuro. São José dos Campos: Núcleo de Estudos de Competição e Regulação do Transporte Aéreo (NECTAR), Documento de Trabalho n. 7, p. 7. Disponível em http://www.ita.br/~nectar.

30 O Programa Federal de Desregulamentação teve início em 1990 por meio do Decreto n. 99.179.

31 "Outra medida adotada foi a introdução de preços de referência com novas bandas tarifárias, que agora variavam de –50% a +32% do valor principal (antes era de –25% e +10% da tarifa de referência), sem dúvida uma inovação diante do sistema de preços controlados do período de forte regulação. A competição em preços era agora vista como ‘saudável’ para a indústria e passou a ser encorajada; nesse sentido, as bandas tarifárias eram concebidas como instrumentos temporários para intensificar a rivalidade de preços. Contudo, os preços ainda eram, de certa forma, indexados, dado que as tarifas de referência eram, por definição, controladas e sujeitas às políticas de reajustes periódicos" (MARQUES DE OLIVEIRA, Alessandro Vinícius. Performance dos Regulados e Eficácia do Regulador: Uma Avaliação das Políticas Regulatórias do Transporte Aéreo e dos Desafios para o Futuro. São José dos Campos: Núcleo de Estudos de Competição e Regulação do Transporte Aéreo (NECTAR), Documento de Trabalho n. 7, p. 9. Disponível em http://www.ita.br/~nectar).

32 Portarias n. 986 e n. 988/DGAC, de 18 de dezembro de 1997, e Portaria 05/GM5, de 9 de janeiro de 1998.

33 Portarias n. 672/DGAC, de 16 de abril de 2001, e n. 1.213/DGAC, de 16 de agosto de 2001.

34 MARQUES DE OLIVEIRA, Alessandro Vinícius. Performance dos Regulados e Eficácia do Regulador: Uma Avaliação das Políticas Regulatórias do Transporte Aéreo e dos Desafios para o Futuro. São José dos Campos: Núcleo de Estudos de Competição e Regulação do Transporte Aéreo (NECTAR), Documento de Trabalho n. 7, p. 11. Disponível em http://www.ita.br/~nectar.

35 A ANAC foi criada pela Lei n. 11.182, de 27 de setembro de 2005.

36 O editorial da Folha de S. Paulo de 24 de junho de 2006 refletia o momento do setor aéreo: "Diante do grau de incerteza que reina por conta da situação da Varig, o recomendável é que a Anac atue, no que se refere à redistribuição de rotas e espaços nos aeroportos, sob o princípio da reversibilidade. Se as situações emergenciais inevitavelmente levarão a agência a transferir o direito de exploração de determinadas rotas a determinadas companhias, é importante que essas decisões sejam passíveis de revisão num momento em que os vetores do mercado estiverem mais claros" (FOLHA DE S. PAULO. Disputa sem rota. Editoriais, A2, 24.06.2006).


Autor

  • Leandro Novais e Silva

    Leandro Novais e Silva

    procurador do Banco Central do Brasil em Belo Horizonte (MG), mestre e doutorando em Direito Econômico pela UFMG, professor da PUC/MG, professor de pós-graduação em direito econômico da regulação financeira na Universidade do Banco Central (UniBacen) em convênio com a Universidade de Brasília (UnB)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Leandro Novais e. Tópicos sobre a evolução da aviação comercial no Brasil: a história entre o direito e a economia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1224, 7 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9133. Acesso em: 18 maio 2024.