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Da inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 20/98

constitucionalização por emenda, "a posteriori", de dispositivo legal declarado inconstitucional

Da inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 20/98: constitucionalização por emenda, "a posteriori", de dispositivo legal declarado inconstitucional

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Resta evidenciada uma manipulação do texto constitucional, para satisfazer o intuito arrecadatório do Estado, ignorando-se as limitações constitucionais ao poder de tributar.

RESUMO

O presente artigo objetiva lançar reflexões a respeito da inconstitucionalidade de Emenda Constitucional n.º 20/98, por ter a mesma servido de meio à "(re)intronização" no ordenamento jurídico brasileiro de dispositivo legal declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ante o fato de o veículo jurídico eleito pela Constituição Federal de 1988 para a legalização do assunto por ele tratado ser a Lei Complementar, conforme disposição dos seus artigos 195, §4º c/c 154, I.

Visa, ao fim, defender a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n.º 20/98, a qual, segundo discurso oficial, teria possibilitado a edição da Lei n.º 10.887/2004 que substituiu o texto da alínea "h", do inciso I, do artigo 12, da Lei n.º 8.212/91, inserido pela Lei n.º 9.506/97, pela alínea "j", de mesmo teor.

O desenvolvimento do trabalho tem como estruturação o estudo da conjuntura relativa à cobrança de contribuições sociais dos agentes políticos, bem como das fontes pagadoras (entes federativos), em relação aos subsídios pagos àqueles, cuja caracterização integra a introdução do artigo, bem como o item I, intitulado "Da Tributação dos Subsídios dos Agentes Políticos", onde se traça todo o arcabouço jurídico instituído para tributar os agentes político, bem como as manifestações do Judiciário a respeito e as conseqüências daí advindas.

Por conseguinte, no item II, denominado "Do artigo 195 da CF/88 – a Regra Matriz de Incidência Tributária das Contribuições Sociais", demonstrar-se-á que o que se entende por Regra Matriz de Incidência Tributária e qual é o seu desenho jurídico, bem como que as contribuições sociais são uma espécie autônoma de tributo, dotadas, portanto, de regime próprio, desencadeado pelas linhas traçadas pelo artigo 195, em sua redação original, bem como nas redações concebidas após a edição das Emendas Constitucionais n.º 20/98 e 42/03, que tiveram o condão de alargar as hipóteses de incidência das Contribuições destinadas aos custeio da Seguridade Social, sem observância ao preceito dos artigos 195, §4º, c/c 154, I, da CF/88. Simultaneamente ao estudo do artigo 195, demonstrar-se-á que a edição das Emendas Constitucionais n.º 20/98 e 42/03 ofenderam os limites do Poder Constituinte Reformador, ao fazerem tabula rasa do estatuído nos artigos 195, §4º, c/c 154, I, que determinam a edição de Lei Complementar para a criação de nova fonte de custeio da Seguridade Social.

No item III, cujo título é "Da Inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n.º 20/98 e da Insubsistência da Lei n.º 10.887/2004", são listadas mais algumas razões que corroboram para a declaração de inconstitucionalidade da EC n.º 20/98 e da Lei n.º 10.887/2004, editada em seu rastro, quais sejam: a ofensa aos direitos e garantias fundamentais dos contribuintes, inalteráveis segundo dicção do artigo 60, §4º, IV, da CF, e que, portanto, se espraiem por todo o texto constitucional, impondo a obediência criação de novo segurado por Lei Complementar, instrumento que, por sua vez, visa resguardar a segurança jurídica, direito fundamental dos contribuintes. Na seqüência, demonstra-se, fazendo-se uma ligação metodológica com o assunto tratado no item II, que a situação dos agentes políticos e dos entes federados "obrigados" ao pagamento, respectivamente, de contribuições sociais sobre os subsídios pagos àqueles, não se subsume às fontes de custeio acrescidas ao artigo 195 pela Emenda Constitucional n.º 20/98, evidenciando, portanto, que além da EC n.º 20/98 ser inconstitucional pelos motivos já declinados, afigura-se inconstitucional a Lei n.º 10.887/2004, posto que desautorizada a criar novo segurado a partir do rastro de uma Emenda Inconstitucional e, ainda pior, que sequer autoriza essa ampliação.

Por derradeiro, lançam-se considerações acerca da possibilidade de se argüir inconstitucionalidade de Emenda Constitucional.

Ao fim, alinham-se as conclusões obtidas pelo esforço articulista, quanto à inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n.º 20/98.


Palavras-Chave: Emenda Constitucional 20/98 – Inconstitucionalidade – Contribuições Sociais – Agentes Políticos – Subsídios – Seguridade Social – Lei n.º 9.506/97 – Lei n.º 10.887/2004 – Direitos e Garantias Fundamentais – Lei Complementar – Regra Matriz de Incidência Tributária – Artigo 195 da Constituição Federal.


INTRODUÇÃO

            O parágrafo 1º do artigo 13 da Lei n.º 9.506, de 30/10/1997, acrescentou a alínea h ao inciso I do artigo 12 da Lei n.º 8.212, de 24/07/1991, fazendo constar como segurados obrigatórios do INSS os exercentes de mandatos eletivos, tendo o dispositivo legal a seguinte redação: "o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social".

            O Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no Recurso Extraordinário n.◦ 351.717-1, em 08/10/2003, e publicada no DOU, em 21/11/2003, declarou a inconstitucionalidade do dispositivo acima, por entender que a criação de nova fonte de custeio deve se dar por Lei Complementar, em atenção ao art. 154, I, Constituição Federal.

            Finalmente, a Resolução do Senado Federal n.º 26, publicada no DOU, em 22/06/2005, suspendeu a executoriedade do dispositivo declarado inconstitucional, operando efeitos erga omnes e ex tunc.

            Não obstante isso, para não ficar sem a receita advinda deste fundo, a União, sempre ávida em aumentar sua arrecadação tributária, editou, durante o trâmite do projeto de Resolução para a suspensão da executoriedade do dispositivo declarado inconstitucional, a Lei n.º 10.887, de 18/06/2004, que entre outras alterações acrescentou a alínea j ao inciso I do artigo 12 da Lei n.º 8.212/91, com a seguinte redação: "j) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social".

            Assim, a Lei n.º 10.887/2004 repetiu de forma idêntica a redação da alínea h julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal e posteriormente suspensa pelo Senado Federal através da Resolução n.º 26/2005.

            Evidente que uma vez declarado inconstitucional o disposto na alínea h, do inciso I, do artigo 12, da Lei n.º 8.212/91, consoante redação dada pela Lei n.º 9.560/97, bem como excluído tal dispositivo do ordenamento jurídico pela Resolução n.º 26 do Senado Federal, insubsistentes restam não apenas as contribuições pagas pelos agentes políticos, mas igualmente as cotas patronais descontadas e repassadas ao INSS pelos entes Federativos.

            Todavia, tem-se que a discussão não pára por aí, neste contexto residindo o objeto do presente artigo, qual seja, defender a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n.º 20/98 e, por via reflexa, a 42/03, que criou também nova fonte de custeio, ao prever o importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar, como sujeitos passivos da contribuição social (art. 195, IV). É que a vontade do constituinte originário foi que novas fontes de custeio da Previdência Social fossem criadas por Lei Complementar, cabendo questionar, portanto, a possibilidade de uma Emenda Constitucional não somente disciplinar situação que está destinada à lei complementar (art. 154, I), bem como de "constitucionalizar" dispositivo declarado inconstitucional.


I – A TRIBUTAÇÃO DOS SUBSÍDIOS DOS AGENTES POLÍTICOS

            1.1 – A Lei n.º 9.506/97

            O parágrafo 1º do artigo 13 da Lei n.º 9.506, de 30 outubro de 1997, acrescentou a alínea h ao inciso I do artigo 12 da Lei n.º 8.212, de 24 de julho de 1991, fazendo constar como segurados obrigatórios do INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social - os exercentes de mandatos eletivos, tendo o dispositivo legal a seguinte redação: "o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social".

            A esse tempo, a Carta Constitucional vigia com o texto segundo o qual as contribuições sociais tinham como sujeitos passivos os "trabalhadores", sem menção explícita à base de cálculo, os "empregadores", sobre a base de cálculo formada pela folha de salários, pelo faturamento e o lucro, e, por último, como base de cálculo, a receita de "concursos de prognósticos".

            A Lei n.º 9.506, de 30 de outubro de 1997, teve por finalidade extinguir o Instituto de Previdência dos Congressistas – IPC, conforme consta de sua ementa e está expresso em seu art. 1º, e tornar obrigatória a contribuição dos agentes políticos ao Sistema Geral da Previdência Social.

            1.2 – Da Declaração de Inconstitucionalidade da Lei n.º 9.506/97

            O Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no Recurso Extraordinário n.◦ 351.717-1, em 08/10/2003, e publicada no D.O.U. (Diário Oficial da União), em 21/11/2003, declarou a inconstitucionalidade da alínea h do inciso I do artigo 12 da Lei n.º 8.212, de 24 de julho de 1991, acrescentado pelo parágrafo 1º do artigo 13 da Lei n.º 9.506, de 30 outubro de 1997, cujo teor foi acima cotejado.

            Diante da inconstitucionalidade, a Resolução do Senado n.º 26, publicada no D.O.U (Diário Oficial da União), em 22/06/2005, suspendeu a executoriedade da alínea h do inciso I do artigo 12 da Lei n.º 8.212, de 24 de julho de 1991.

            1.3 – Da edição da Lei n.º 10.887/2004 – a perseguição da fonte de custeio outrora declarada inconstitucional

            Entrementes, para não ficar sem a receita advinda deste fundo, a União, sempre ávida em aumentar sua arrecadação tributária, editou, durante o trâmite do projeto de Resolução para a suspensão da executoriedade do dispositivo declarado inconstitucional, promulgou a Lei n.º 10.887, de 18 de junho de 2004, que, entre outras alterações, acrescentou a alínea j ao inciso I do artigo 12 da Lei n.º 8.212/91, com a seguinte redação: "j) exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social."

            Assim, a Lei n.º 10.887/2004, publicada no D.O.U (Diário Oficial da União), em 21 de junho de 2004, repetiu de forma idêntica a redação da alínea h julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal e posteriormente suspensa pelo Senado Federal através da Resolução n.◦ 26 de 2005.

            À altura da edição dessa nova lei, o texto constitucional já contava com outra redação, a determinada pela Emenda Constitucional n.º 20/98 que, ampliou a regra de incidência tributária, para contemplar, além do empregador (sujeito passivo) e da folha de salários (base de cálculo), a empresa e a entidade a ela equiparada na forma da lei (sujeito passivo) e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício (base de cálculo).

            Parte da doutrina, em leitura a essa conjuntura, afirma que a Emenda Constitucional n.º 20/98 foi responsável por conferir espaço à tributação dos subsídios dos agentes políticos, diante do alargamento acima demonstrado.

            M a n i p u l a – s e o texto constitucional para satisfazer o intuito arrecadatório do Estado, eis que num momento edita-se lei ordinária para o fim de se criar novo segurado da Previdência Social. Posteriormente, ao definir o Poder Judiciário que essa alteração somente poderia dar-se mediante a edição da Lei Complementar, altera-se, subrepticiamente, na calada da noite, o texto da Constitucional, para conferir espaço à criação de novo segurado por lei ordinária, mesmo prevendo o texto constitucional a necessidade de edição de lei complementar.

            Difícil afirmar ponto de vista diverso, a partir do momento em que se vê que um texto igual, i p s i s l i t t e r i s, àquele declarado inconstitucional, volta a passa a fazer parte do ordenamento jurídico e a comandar uma nova fonte de tributação, de custeio para a Seguridade Social.

            As questões que pendem de resposta concentram-se na dúvida quanto à possibilidade de ser mantida a situação ora retratada, a ensejar a tributação dos agentes políticos com base na Emenda Constitucional n.º 20/98, e, por conseguinte, na Lei n.º 10.887/2004.


II – DO ARTIGO 195 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – A REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS

            2.1 – Dos Contornos Constitucionais da Seguridade Social

            A Constituição Federal, nos seus arts. 194 e 195, trata da Seguridade Social. No art. 194, estatui que a Seguridade Social compreende "um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência" e que, dentre outros, sua organização deve obedecer aos objetivos da universalidade da cobertura e do atendimento, da uniformidade e equivalência dos benefícios, equidade na base de financiamento.

            No artigo 195, declara a Constituição que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das contribuições sociais.

            A participação na modalidade direta corresponde ao pagamento das contribuições dos segurados e na modalidade indireta ao comprometimento parcial dos orçamentos dos entes federativos e pela contribuição devida pelas empresas, componente do preço dos produtos e serviços adquiridos por toda a sociedade. [01] O presente artigo se desenvolverá com fulcro na forma direta de financiamento da Seguridade Social.

            2.2 – Das Contribuições Sociais como Tributos

            Pacífica é a concepção das contribuições sociais como espécie de tributo, dúvidas existindo tão somente no que concerne à natureza jurídica tributária das mesmas. [02] Nesse contexto, encontra-se o posicionamento de Sacha Calmon NAVARRO [03], que, em resumo, entende poderem as mesmas se adequar tanto ao conceito de imposto, como de taxa. Para ele, serão consideradas imposto, quando não corresponderem à uma contraprestação imediata para o sujeito passivo, como, por exemplo, a parcela da empresa sobre a folha de salários, desvinculada imediatamente da prestação, e taxas, quando apresentarem como fatos geradores serviços paraestatais, específicos e divisíveis, efetivos ou potenciais, em favor de certos contribuintes.

            Para Marcelo Leonardo TAVARES, a concepção das contribuições sociais como impostos esbarra na vedação de existência de impostos vinculados a órgãos, fundo ou despesa, tal como previsto no art. 167, IV, da Constituição.

            Outro posicionamento entende as contribuições sociais como espécie distinta das demais, por conceber nas mesmas características diferenciadas que impedem à subsunção aos contornos jurídicos do imposto e da taxa. Influenciado por esse entendimento, doutrinam Sérgio Pinto MARTINS: "Hoje podemos dizer que as espécies do gênero tributo são: imposto, taxa, contribuição de melhoria, contribuições sociais e empréstimos compulsórios" [04], Hugo de Brito MACHADO: "Assim, parece-nos que na verdade a CF de 1988 consagra as contribuições sociais como tributo com natureza jurídica específica...." [05], e o Ministro Nelson Néri da SILVEIRA, que declarou no voto em que indeferiu a Medida Cautelar da ADIN n.º 1.432-3/600: "É significativo ter presente que, não sendo imposto nem taxa, mas uma terceira espécie de impositividade fiscal, também não se aplicam a essas contribuições as limitações a que estão sujeitos os impostos em decorrência da competência privativa dos entes políticos para institui-las...".

            Em que pese as divergências doutrinárias, como já dito, pacífico é o entendimento de que as contribuições sociais são tributos e que, como tal, devem compartilhar dos elementos característicos de um tributo, vale lembrar: hipótese de incidência, base de cálculo, alíquota, sujeito passivo, sujeito ativo. A esse conjunto de elementos dá-se o nome de regra matriz de incidência tributária.

            2.3 – Da Regra Matriz de Incidência Tributária

            Primeiramente, demonstrar-se-á o que se entende por Regra Matriz de Incidência Tributária e qual é o seu desenho jurídico, para depois se cotejar a Regra Matriz particular às contribuições sociais.

            A boa técnica tributária recomenda que a percuciência do caminho da exação tributária deve pautar-se pela regra matriz de incidência tributária, analisando-se separadamente os vários elementos que a compõem, pois se assemelha ao tipo penal, o qual contém os elementos que, nos casos concretos, justificarão ou não uma resposta do Estado ao violador da mesma.

            No contexto do Direito Tributário, a atuação do Estado encontra-se pautada na regra matriz de incidência tributária, a qual tem assento constitucional. É ela que justificará ou não a atuação tributária do Estado.

            Recorrendo-se à doutrina de Paulo Barros CARVALHO, tem-se que é a Norma Jurídica Tributária (NJT) que define a incidência fiscal. [06]

            Compõe-se a Norma Jurídica Tributária (NJT) da Hipótese e da Conseqüência. A Hipótese subdivide-se em: a) critério material, b) critério espacial e c) critério temporal. A Conseqüência, também se subdivide em critérios; são eles: a) critério pessoal e b) critério quantitativo. O critério pessoal, por sua vez, se desmembra em sujeito ativo e passivo e o critério quantitativo em base de cálculo e alíquota.

            A hipótese prevê um fato, enquanto a conseqüência prescreve uma relação jurídica (ou obrigação tributária), que se vai instaurar, onde e quando acontecer o evento cogitado na hipótese.

            Para a ocorrência do fato gerador, o qual vai ensejar, por conseguinte, o dever de o contribuinte pagar o tributo, faz-se necessário a realização de todos os elementos acima, pois como doutrina Alfredo Augusto BECKER [07], "Para que possa existir a relação jurídica tributária é necessário que, antes, tenha ocorrido a incidência da regra jurídica tributária sobre o fator gerador e, em conseqüência, irradiado a relação jurídica tributária".

            Satisfeitos estes postulados durante o período-base considerado pela lei, incide plenamente a exação mencionada.

            A partir dos esclarecimentos acima, pretende-se o cotejo da regra matriz de incidência tributária das contribuições sociais.

            2.4 – Da Regra Matriz de Incidência Tributária das Contribuições Sociais

            A regra de incidência tributária das contribuições sociais resta consagrada no art. 195 da Constituição Federal, constitucionalizada, pois.

            A pedra de toque aqui é o fato de esta regra ter sofrido duas sucessivas modificações, valendo consultar o texto original, bem como os resultados em razão da Emenda Constitucional n.º 20/98 e 42/03.

            No texto promulgado em 05 de outubro de 1988, o art. 195 contava com a seguinte redação:

            Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: 

            I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; 

            II - dos trabalhadores; 

            III - sobre a receita de concursos de prognósticos. (sem grifo no original)

            Posteriormente, esse texto foi objeto da Emenda Constitucional n.º 20/98, passando a ser integrado pela seguinte redação:

            Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

            I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

            a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

            b) a receita ou o faturamento;

            c) o lucro;

            II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

            III - sobre a receita de concursos de prognósticos. (sem grifos no original)

            Não parando por aí, outra alteração foi patrocinada com a Emenda Constitucional n.º 42/2003:

            Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

            I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

            a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

            b) a receita ou o faturamento;

            c) o lucro;

            II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

            III - sobre a receita de concursos de prognósticos;

            IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (sem grifos no original)

            Evidente o alargamento patrocinado pelas Emendas Constitucionais n.º 20/98 e 42/03 à regra matriz de incidência tributária das contribuições sociais. Percebe-se, portanto, que, por meio de uma Emenda Constitucional eminentemente casuística, editou-se a Lei n.º 10.887/2004, a fim de "ressuscitar" dispositivo legal declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, fazendo tábula rasa do art. 154, I, da CF, que determina a utilização da Lei Complementar para a criação de novo segurado/contribuinte da Seguridade Social.

            Diante dessa conjuntura, indaga-se se pode o Poder Constituinte Derivado alterar a regra matriz constitucional de incidência tributada traçada originalmente pelo constituinte de 1988 e ainda vigente, que se frise: exige lei complementar para a criação de outras fontes de custeio de Previdência Social, bem como se a alteração feita pelo Constituinte Derivado (EC 20/98 e 42/03) não colide com os direitos e garantias fundamentais dos contribuintes.

            2.5 – Da Necessidade de Lei Complementar para Criação de Novo Segurado/Contribuinte – art. 195, §4º c/c 154, I, CF/88.

            De certo, a mera veiculação de norma já declarada inconstitucional por instrumento legislativo superveniente não tem o condão de legalizar situação pretérita inconstitucional e, muito menos, quedar de legalidade situações futuras.

            Bem retratado por Ivan Barbosa RIGOLIN e Moacyr de Araújo NUNES o "absurdo jurídico" promovido pela reedição do dispositivo declarado inconstitucional por intermédio da Lei n.º 10.887/2004:

            Com efeito, a Lei n.º 10.887/04 reintroduziu na mesma lei onde estava antes de ser declarada inconstitucional, no mesmo lugar, a regra que o STF disse inconstitucional, e de modo a manter os mesmos vícios de constitucionalidade declinados pela mais alta corte de justiça, ou seja a) criando nova figura de contribuinte e b) fazendo-o não por apenas uma, mas por duas leis ordinárias e não complementares. [08]

            Novamente, a Lei Ordinária n.º 10.887, de 18 de junho de 2004, criou uma nova figura de segurado obrigatório que originalmente não existia.

            Delimita-se a questão nevrálgica. É de competência da Lei Ordinária criar novo tipo de segurado para a Seguridade Social?

            A análise perfunctória da situação deve ter por base o conteúdo da norma jurídica e não meramente sua forma, de modo que se torna plenamente possível entender a inconstitucionalidade da EC n.º 20/98 e da Lei n.º 10.887/2004, a partir do momento em que aquela amplia, sem autorização do Poder Constituinte Derivado, as fontes de custeio da Seguridade Social e esta prossegue nesse ampliação, quando, segundo o texto constitucional, toda criação de novo contribuinte deveria dar-se por meio de Lei Complementar.

            Por certo que não. A própria Constituição Federal ilumina a situação, observando-se o art. 195, §4º, e o 154, I:

            Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...)

            § 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no Art. 154, I. (sem grifos no original)

            Fazendo a remissão supra mencionada, encontramos:

            Art. 154 - A União poderá instituir:

            I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; (sem grifos no original)

            Havendo exigência expressa na Constituição Federal de uma Lei Complementar, qualquer outro instrumento legislativo que por ventura seja utilizado para instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da Seguridade Social é inadequado, inconstitucional.

            Não é dada ao intérprete da lei a possibilidade de buscar significações divergentes de um texto tão evidente, como o analisado neste tópico. A interpretação literal, para o presente caso, é suficiente para elucidar a questão. Lei complementar encerra em si próprio seu significado.

            Por certo, a Lei n.º 10.887/2004 tenta recriar a já afastada imposição incidente sobre os agentes políticos. Porém, novamente o faz através de Lei Ordinária, absolutamente incompetente para esse fim.

            Veja-se a ementa de lavra do Ministro Carlos Mário Velloso, relator dos autos onde, por unanimidade, deu-se provimento ao Recurso Extraordinário do Município de Tibagi, reformando a decisão exarada pelo E. TRF da 4◦ Região, no RE 351.717/PR:

            EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PREVIDÊNCIA SOCIAL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. PARLAMENTAR. EXERCENTE DE MANDATO ELETIVO FEDERAL, ESTADUAL ou MUNICIPAL. Lei 9.506, de 30.10.97. Lei 8.212, de 24.7.91. C.F., art. 195, II, sem a EC 20/98; art. 195, § 4º; art. 154, I. I. - A Lei 9.506/97, § 1º do art. 13, acrescentou a alínea h ao inc. I do art. 12 da Lei 8.212/91, tornando segurado obrigatório do regime geral de previdência social o exercente de mandato eletivo, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social. II. - Todavia, não poderia a lei criar figura nova de segurado obrigatório da previdência social, tendo em vista o disposto no art. 195, II, C.F. Ademais, a Lei 9.506/97, § 1º do art. 13, ao criar figura nova de segurado obrigatório, instituiu fonte nova de custeio da Seguridade Social, instituindo contribuição social sobre o subsídio de agente político. A instituição dessa nova contribuição, que não estaria incidindo sobre "a folha de salários, o faturamento e os lucros" (C.F., art. 195, I, sem a EC 20/98), exigiria a técnica da competência residual da União, art. 154, I, ex vi do disposto no art. 195, § 4º, ambos da C.F. É dizer, somente por lei complementar poderia ser instituída citada contribuição. III. - Inconstitucionalidade da alínea h do inc. I do art. 12 da Lei 8.212/91, introduzida pela Lei 9.506/97, § 1º do art. 13. IV. - R.E. conhecido e provido. (sem grifos no original)

            Por certo, as razões que embasaram a inconstitucionalidade do parágrafo 1º, artigo 13, da Lei n.º 9.506/97, valem para declarar a inconstitucionalidade da alínea j do inciso I do artigo 12 da Lei n.º 8.212/91 [09] acrescentado pela Lei n.º 10.887, de 18/06/2004.

            Ressalta-se do voto, o seguinte trecho: "É dizer, somente por lei complementar poderia ser instituída citada contribuição".

            Resta patente, diante do exposto, que a Lei n.º 10.887/2004 extravasou sua competência ao alargar a sujeição passiva da contribuição previdenciária em comento.


III - DA INCONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20 DE 1998 E DA INSUBSISTÊNCIA DA LEI N.º 10.887/2004

            3.1 – Da Super-Rigidez da Constituição Brasileira e do Espaço de Atuação Reservado ao Poder Constituinte Derivado em Matéria Tributária

            Ora, é ressabido por todos que a Constituição Federal encampa direitos fundamentais que não podem ser alterados, nem por via de Emenda Constitucional.

            O legislador constitucional ordinário (ou derivado) não é totalmente livre para exercer sua atividade, sua ação é limitada por parâmetros fixados dentro da própria Constituição.

            Grande parte das normas constitucionais só pode ser alterada por um procedimento especial e existe ainda outro grupo de normas que sequer podem ser alterados, ex vi do artigo 60, parágrafo 4º, da CF/88 (cláusulas pétreas).

            Neste pesar, socorre-se da lição de Alexandre de MORAES [10], que classifica a Constituição Federal de 1988 como super-rígida.

            Rígidas são as constituições escritas que poderão ser alteradas por um processo legislativo mais solene e dificultoso do que o existente para a edição das demais espécies normativas (por exemplo: CF/88 – art. 60); por sua vez, as constituições flexíveis, em regra não escritas, excepcionalmente escritas, poderão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário. Como um meio termo entre as duas anteriores, surge a constituição semiflexível ou semi-rígida, na qual algumas regras poderão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário, enquanto outras somente por um processo legislativo especial e mais dificultoso. Ressalta-se que a Constituição de 1988 pode ser considerada como super-rígida, uma vez que em regra poderá ser alterada por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns pontos é imutável. (CF, art. 60, § 4º - cláusulas pétreas). (sem grifo no original)

            Ao tomar o caminho da super-rigidez constitucional o constituinte originário optou por garantir uma maior segurança jurídica e a decorrente manutenção da ordem jurídica originária.

            Entre enveredar por hipóteses que permitam uma alteração da Constituição com maior facilidade ou por um sistema constitucional super-rígido, o constituinte optou pela última via. Esta escolha foi feita exatamente para que a ordem constitucional primária fosse respeitada e mantida, evitando assim um esfacelamento da Constituição original.

            Não é a toa que diversos constitucionalistas referem-se à atual carta suprema como "remendada" ou utilizando-se de outras expressões jocosas, pois é sabido que a Constituição, passou a ser, infelizmente, uma "colcha de retalhos" e está bem distante daquilo que foi idealizado pelos legisladores constituintes originários.

            Não há dúvida que a CF/88 é super-rígida, já que para se procederem alterações em seu texto é necessário um procedimento muito mais rigoroso do que para produzir demais instrumentos normativos.

            Como já citado, existe ainda em nosso texto constitucional um componente que é imutável. É o que dispõe o § 4º, do artigo 60, da Constituição Federal, ao disciplinar que não será objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa do Estado, o voto direto, secreto, universal, e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias fundamentais.

            O constituinte originário limitou a atuação do constituinte derivado, firmando balizas onde este pode atuar. Isso ocorre porque o constituinte derivado possui um poder limitado de atuação, o qual foi fixado pelo constituinte originário, este sim, com uma atuação livre e ampla.

            José Afonso da SILVA dispõe:

            O poder de reformar a Constituição é inquestionavelmente um poder limitado, porque regrado por normas da própria Constituição que lhe impõem procedimento e modo de agir, dos quais não pode arredar sob pena de sua obra sair viciada, ficando mesmo sujeita ao sistema de controle de constitucionalidade. Esse tipo de regramento de atuação do poder de reforma configura limitações formais, que podem ser assim sinteticamente enunciadas: o órgão do poder de reforma (ou seja, o Congresso Nacional) há de proceder nos estritos termos expressamente estatuídos na Constituição. [11]

            A atuação do poder reformador, portanto, não deve colidir com os direitos e garantias dos contribuintes e da sociedade e com a segurança jurídica, sendo oportuno, a partir disso, indagar se se coaduna com os valores constitucionais uma Emenda Constitucional atropelar a definição do constituinte originário, consoante o qual a criação de nova fonte de custeio da Seguridade Social deve ser feita por Lei Complementar, atingindo a segurança jurídica que deve ser devotada à sociedade.

            Conveniente lembrar também que toda alteração promovida pelo constituinte derivado deve partir de uma leitura de todo o texto constitucional, e não apenas do art. 60, parágrafo 4º, da CF/88, vez que os direitos e garantias fundamentais dos contribuintes e vão além daqueles relacionados no art. 5º da CF e estão espraiados por toda nossa Constituição.

            E também tem um aspecto fático que não pode ser desprezado nesse contexto: o fato de que as reformas constitucionais têm sido editadas na atualidade para atender a interesses outros, não gerando surpresa quando as mesmas atropelam os limites do Poder Constituinte Originário, em especial os direitos e garantias fundamentais.

            3.2 – Da Não Subsunção da "Nova Fonte de Custeio", dada pela Lei n.º 10.887/04 às novas expressões contidas no art. 195 da CF.

            O argumento que a Lei n.º 10.887/2004, publicada no D.O.U. em 21/06/2004, ao inserir a alínea j ao inciso I do art. 12, da Lei n.º 8.212/91, o fez sob a égide regulamentar do incisos I e II, artigo 195 da CF, com a redação dada pela EC n.º 20 de 1998, também não valida tal situação, a persistir a necessidade de lei complementar para tanto.

            O art. 195 da CF/88 declara que as contribuições sociais são "do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício", bem como "do trabalhador e dos demais segurados da previdência social. (sem grifos no original)

            Antes da EC n.º 98, como já demonstrado, o art. 195 não continha tais hipóteses.

            Esforçou-se o legislador constituinte derivado no sentido de promover um alargamento do texto do art. 195, ao inserir expressões abertas, tais como: "demais rendimentos do trabalho", "demais segurados da previdência social", "entidade a ela equiparada na forma de lei".

            Em que pese a alteração promovida pela EC n.º 20/98, ainda persiste a impossibilidade de os agentes políticos e de os entes federativos serem considerados sujeitos passivos da contribuição social sobre os subsídios pagos àqueles, seja porque os agentes políticos não se enquadram ao conceito de empregado, seja porque os entes federativos não se enquadram no conceito de empregador, empresa ou entidade a ela equiparada na forma da lei, seja porque os subsídios dos agentes políticos não constituem salário, inexistindo, portanto, base de cálculo para a incidência da contribuição.

            3.2.1 – Agentes Políticos x Empregados e demais segurados

            Os detentores de mandato eletivo, como o prefeito, o vice-prefeito, e os vereadores, não integram a fonte de custeio prevista no art. 195, II, da Constituição, haja vista não se enquadrarem no conceito de trabalhadores, pois mantêm com o Estado vínculo de natureza política e não profissional, como assenta Celso Antonio Bandeira de MELLO [12].

            O caso atinente à contribuição por parte dos entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) sobre os subsídios percebidos pelos agentes políticos também não é diferente.

            Percebe-se que os conceitos utilizados pela Constituição e pela Lei 8.212/91 são pertinentes ao direito privado, não se coadunando com a esfera pública, de modo que não só o agente político não pode ser enquadrado no conceito de "empregado", e nem ente federativo ao de "empresa, empregador", sendo incongruente exigir contribuição do ente federativo a partir da base de cálculo "folha de salários".

            3.2.2 – Entes Federativos x Empresas e entidades a ela equiparadas

            Os entes federativos não podem ser tratados como empresas, empregadores ou entidades equivalentes, nem ser tida como relação trabalhista o vínculo do parlamentar com o Poder Público, pois os cargos são eletivos e não contratuais.

            Os conceitos eleitos pelo texto constitucional, quais sejam: empregador, empresa e entidade a ela equiparada, são conceitos inerentes à seara privada, ao Direito do Trabalho e ao Direito Civil. Trabalhemos um a um os termos e expressões contidos na Constituição em comparação a ente federativo.

            Consoante o art. 2º da CLT, "Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços".

            No mais, o parágrafo 1º do art. 2º, declara que "Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados".

            Mesmo nas hipóteses de empregador equiparado, percebe-se que a CLT recorre à necessidade de uma relação jurídica de natureza trabalhista.

            Nesse sentido, a propósito, Amauri Mascaro NASCIMENTO diz que "Empregador é o ente, dotado ou não de personalidade jurídica, com ou sem fim lucrativo, que tiver empregado". A partir desse conceito, verifica-se ser necessária a participação da pessoa em uma relação jurídica definida pelo Direito como de natureza empregatícia, contratando trabalhador para atuar de forma subordinada, para que seja qualificado como empregador.

            A EC n.º 20/98 não teve o condão de possibilitar o enquadramento do agente político e do ente federativo na regra de incidência das contribuições sociais sobre os subsídios pagos àqueles, ao inserir ao texto constitucional a expressão "empresa ou entidade a ela equiparada na forma da lei", e "empregador ou outros segurados".

            Para o art. 966 do Código Civil, "Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços". E, segundo dicção do parágrafo único, "Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa".

            Ora a situação do ente federativo é totalmente oposta à da empresa, a começar pela natureza jurídica, em que a União, os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios são pessoas jurídicas de direito público interno (art. 41, I a III, do CC) e a empresa pessoa jurídica de direito privado (art. 44 do CC).

            Ademais, pelo princípio da especialidade, as normas de caráter especial, revogam as de caráter geral e as normas posteriores revogam as normas anteriores, se com estas colidirem.

            O Decreto-Lei nº 4.707, de 1.942 (Lei de Introdução ao Código Civil), disciplina:

            Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

            §1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

            Ora, o Novo Código Civil foi promulgado em 2002 e trata de modo específico das questões empresariais, revogando em seu art. 2.045 a primeira parte do Código Comercial que disciplinava sobre a matéria.

            Desta maneira, qualquer acepção jurídica que se tente impor ao Município, inclusive sua equiparação à figura da empresa, não encontra respaldo legal.

            Tal pretensão viola a disposição literal do art. 110 do CTN que disciplina:

            Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. (sem grifo no original)

            De certo, o Município não pode ser equiparado a uma empresa, pois não possui elemento de empresa, não trabalhando com o intuito de obter lucros.

            Desta forma, a rubrica "Empresa" não pode ser aplicada a uma pessoa jurídica de direito público interno, sob pena de subversão da legislação civil que trata do assunto.

            Não se pode falar também que a Emenda Constitucional n.º 20/98, ao determinar a nova redação ao artigo 195, inciso I, da Constituição Federal de 1.988, abarcou tal situação ao dispor da possibilidade de haver tributação da "...da empresa e da entidade a ela equiparada...". (sem grifo no original)

            De certo, o poder constituinte derivado guarda limitações materiais e formais à sua atuação, diferindo neste aspecto do poder constituinte originário.

            Cristalina é atuação inconstitucional da EC n.º 20/98, ao equiparar Municípios à Empresa, em um atropelo aos mais basilares conceitos de direito.

            A jurisprudência do E. STF é remansosa ao constatar que os direitos e garantias fundamentais dos contribuintes encontram-se espraiados por toda a Constituição Federal de 1.998. Nesta toada, a violação do desenho constitucional originário atribuído à Constituição de 1.988, ao art. 195, incisos I e II, veicula norma que vilipendia a Regra Matriz de Incidência Tributária, no espectro da Sujeição Passiva, causando um aumento dos contribuintes obrigados à recolher a exação.

            Assim, a EC n.º 20/98, ao alterar o texto do art. 195, apenas autorizou a tributação da empresas não-empregadoras, não tendo o condão de justificar a cobrança de contribuições sociais dos agentes políticos, bem como dos entes federativos em correspondência às contribuições sociais pretensamente devidas por aqueles.

            3.2.3 – Subsídios dos Agentes Políticos x Salário e Folha de Salário

            O art. 195 da CF/88 deferiu competência à União para a instituição de contribuição social dos empregadores a incidir sobre "folha de salários, o faturamento e o lucro". Após a EC n.º 20/98, a contribuição do empregador, empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, passou a incidir sobre folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício".

            A partir do momento em que a Constituição Federal, bem como a Lei n.º 8.212/91 apenas se referem à base de cálculo "folha de salários", constata-se que apenas por lei complementar (art. 154, I) poderia ser instituída base de cálculo para se tentar autorizar a contribuição por parte dos entes federativos, sendo indevidas, por tal razão, as mencionadas contribuições.

            3.3 - Da Impossibilidade de se Alterar a Regra Matriz de Incidência Tributária

            Como visto no artigo 60, § 4º, IV, da CF/88, as garantias e os direitos fundamentais não podem ser suprimidos de nosso ordenamento jurídico.

            Vê-se que o § 2º do artigo 5º da CF/88 disciplina que os direitos e garantias expressos no referido dispositivo não excluem outros decorrentes dos regimes e princípios adotados em nossa Constituição.

            Isto significa que além dos direitos e garantias fundamentais expressos no artigo 5º da CF/88, existem outros direitos que também são fundamentais, mas que estão espraiados por toda nossa CF/88.

            Sobre a prevalência dos princípios sobre as meras regras veiculadas pela Constituição, Roque Antonio CARRAZZA disciplina: "As normas jurídicas de mais alto grau encontram-se na Constituição Federal. Tais normas, ao contrário do que pode parecer ao primeiro súbito de vista, não possuem todas a mesma relevância, já que, algumas, veiculam simples regras, ao passo que, outras, princípios." [13]

            Sendo estes – garantias fundamentais – decorrentes dos princípios adotados pela CF/88, constatando-se um princípio por ela adotado, existirá também, coligado a este princípio, um direito, também fundamental na mesma proporção dos elencados expressamente no art. 5º da CF/88.

            Sobre este assunto, valorosas são as lições de Sacha Calmon Navarro Coelho e Misabel Abreu Machado DERZI:

            A partir do julgamento da ADIn 9397 (15 de dezembro de 1993), confirmado em outros, em especial na PET 1.466-PB (28 de agosto de 1998), o Supremo Tribunal Federal identificou e acolheu as limitações constitucionais ao poder de tributar, tanto as imunidades, como os direitos do contribuinte (à legalidade, irretroatividade, anterioridade, igualdade e não confisco), consagrados na Seção II do Capítulo do Sistema Tributário, como direitos humanos irreversíveis, imodificáveis por meio do poder derivado de emenda e reforma, conferido ao legislador. [14]

            Inegável é que a CF/88 veicula, entre outros, como princípios tributários, o da capacidade contributiva, o da anterioridade tributária, o da proteção à propriedade.

            Assim, estes e outros princípios que estão consignados por toda nossa CF/88 constituem-se em direitos e garantias fundamentais dos contribuintes, que não podem ser suprimidos de nosso ordenamento jurídico sequer por Emenda Constitucional.

            O constituinte de 1988 delimitou e apontou de maneira expressa e rígida a competência tributária da União; dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios, delimitando ainda outras formas suplementares de a União exercer sua competência.

            Ora, não foi à toa o fato de o constituinte originário de 1988 descer às minúcias ao dispor sobre a competência tributária no Brasil.

            Desta forma, ficou delimitado na CF/88 os campos de atuação de cada ente federativo, a fim de se preservar e delimitar a competência tributária de cada membro.

            O legislador constitucional originário ainda foi além, definiu minuciosamente o arquétipo tributário de cada exação. A CF/88 trouxe as características de cada imposto, colacionando elementos possíveis para analisarmos a regra matriz de cada tributo.

            A composição da regra matriz de incidência tributária faz-se necessária, pois o sujeito passivo do tributo, faz parte do conseqüente da regra matriz de incidência tributária, na clássica lição de Paulo de Barros CARVALHO, conforme destacou-se anteriormente.

            3.4 – Da Segurança Jurídica como Integrante dos Direitos e Garantias Fundamentais do Contribuinte

            O princípio da segurança jurídica tem destaque nos Estados Democráticos de Direito, que se encontra estatuído no Brasil conforme a norma do artigo 1º da Constituição Federal: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito", e assim deve ser administrado.

            De acordo com o que prega Dalmo de Abreu DALLARI, citado por Kildare Gonçalves CARVALHO [15], o Estado Democrático de Direito deve observar três pontos fundamentais: a) supremacia da vontade popular; b) preservação da liberdade; e c) igualdade de direitos, necessitando de instituições que fortaleçam e defendam tais princípios.

            Um dos princípios inerentes a este Estado é o da segurança jurídica, que se refere à garantia de que as relações jurídicas não serão prejudicadas pela atuação estatal, sendo regido pelo artigo 5º, incisos XXXVI e LXXIII, da Constituição Federal:

            XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

            LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

            A questão que envolve este artigo se refere à atuação do Estado, através de seu órgão legislativo, que editou uma primeira norma (Lei nº 9.506/97, considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal); depois através da Emenda Constitucional n.º 20/98, reeditou aquela norma interpretada pela Corte Suprema, permitindo a edição de nova lei no exercício de 2004.

            Como já foi ressaltado, a Constituição Federal de 1988 é classificada como super rígida, necessitando para sua alteração a edição de emenda constitucional, que possui limitações, dentre as quais os direitos fundamentais.

            Ao instituir o regime brasileiro como de um Estado Democrático de Direito, o princípio da segurança jurídica deve ser arrolado como um dos direitos fundamentais do cidadão, maneira através da qual exerce-se a sua cidadania contra os abusos do Estado.

            A edição da Lei nº 10.887/2004 afronta ao princípio da segurança jurídica porque em razão de uma situação concreta, devidamente analisada pela Corte Suprema, foi considerada violadora das normas da Carta Magna, demonstrando a utilização das emendas constitucionais para fins outros, mas não a adequação às necessidades e aspirações sociais.

            Dentre as garantias constitucionais individuais encontra-se a segurança jurídica que, segundo José Afonso da SILVA [16] consiste no "conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade conhecida", entretanto, não é o que ocorre no Brasil, uma vez que o Estado no afã de aumentar a sua arrecadação ultrapassa os limites da segurança, alterando a Constituição Federal, possibilitando a instituições de outros tributos.

            A Carta Cidadã, como foi denominada a Lei Maior, encontra-se totalmente desfigurada em relação àquela editada no mês de outubro de 1988, porque inúmeras emendas foram editadas, ultrapassando-se o primado da excepcionalidade que as deve nortear. De fato, a Constituição não deveria ser uma norma sujeita a tantas alterações. Não obstante se trate da norma mais importante para o País, é tratada pelo Legislativo Brasileiro como mais uma regulamentação, alterando-a a seu bel prazer.

            Tantas mudanças no sistema constitucional ensejam um estado de insegurança. Num momento a norma é julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Posteriormente, em razão de uma emenda à Constituição, edita-se outra, com a mesma redação daquela. Pergunta-se, qual a segurança que o cidadão tem em praticar atos, firmar contratos, contribuir para a previdência, seja pública, seja privada, se se operam alterações no regime jurídico sem as justificativas necessárias.

            O Supremo Tribunal Federal, ao julgar Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3685/DF, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, cuja Relatora foi a Ministra Ellen Gracie, se pronunciou quanto à inclusão da segurança jurídica aos direitos e garantias fundamentais:

            AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º DA EC 52, DE 08.03.06. APLICAÇÃO IMEDIATA DA NOVA REGRA SOBRE COLIGAÇÕES PARTIDÁRIAS ELEITORAIS, INTRODUZIDA NO TEXTO DO ART. 17, § 1º, DA CF. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI ELEITORAL (CF, ART. 16) E ÀS GARANTIAS INDIVIDUAIS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, CAPUT, E LIV). LIMITES MATERIAIS À ATIVIDADE DO LEGISLADOR CONSTITUINTE REFORMADOR. ARTS. 60, § 4º, IV, E 5º, § 2º, DA CF. 1. Preliminar quanto à deficiência na fundamentação do pedido formulado afastada, tendo em vista a sucinta porém suficiente demonstração da tese de violação constitucional na inicial deduzida em juízo. 2. A inovação trazida pela EC 52/06 conferiu status constitucional à matéria até então integralmente regulamentada por legislação ordinária federal, provocando, assim, a perda da validade de qualquer restrição à plena autonomia das coligações partidárias no plano federal, estadual, distrital e municipal. (...) 5. Além de o referido princípio conter, em si mesmo, elementos que o caracterizam como uma garantia fundamental oponível até mesmo à atividade do legislador constituinte derivado, nos termos dos arts. 5º, § 2º, e 60, § 4º, IV, a burla ao que contido no art. 16 ainda afronta os direitos individuais da segurança jurídica (CF, art. 5º, caput) e do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). 6. A modificação no texto do art. 16 pela EC 4/93 em nada alterou seu conteúdo principiológico fundamental. Tratou-se de mero aperfeiçoamento técnico levado a efeito para facilitar a regulamentação do processo eleitoral. 7. Pedido que se julga procedente para dar interpretação conforme no sentido de que a inovação trazida no art. 1º da EC 52/06 somente seja aplicada após decorrido um ano da data de sua vigência. [17] (sem grifo no original)

            A decisão reproduzida, que trata da legislação eleitoral, observou com muita precisão que a segurança jurídica é um dos direitos individuais, não permitindo que a legislação seja alterada sem observar os seus reflexos e que ouse o Poder Constituinte Reformador conferir status constitucional à matéria destinada à regulamentação da lei ordinária, valendo também para o caso da matéria disciplinada por Lei Complementar.

            A existência de um número grande de emendas constitucionais se deve ao fato de que regras que deveriam estar inseridas em leis ordinárias, em leis complementares, estão incorporadas ao texto constitucional, determinando um número excessivo de mudanças. Então, mais uma razão em prol do reconhecimento da inconstitucionalidade da EC n.º 20/98.

            3.5 - Da Possibilidade de Declaração de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional

            A jurisprudência do STF é firme em assentir que é plenamente possível o reconhecimento de inconstitucionalidade de Emenda Constitucional.

            O exemplo clássico desta situação é o que ocorreu relacionado à Emenda Constitucional n.º 3, de 17/03/1993, que em seu artigo 2º, autorizou a União a instituir o IPMF e incidiu em vício de inconstitucionalidade, senão veja-se a ementa da decisão:

            Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de constituinte derivado, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição. A Emenda Constitucional n. 3, de 17/03/1993, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o IPMF, incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2º desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica o art. 150, III, b e VI, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): o princípio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte (art. 5º, § 2º, art. 60, § 4º, inciso IV e art. 150, III, b da Constituição). (ADI 939, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 18/03/94)

            Corroborando a tese: "O Supremo Tribunal Federal já assentou o entendimento de que é admissível a Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional, quando se alega, na inicial, que esta contraria princípios imutáveis ou as chamadas cláusulas pétreas da Constituição originária (art. 60, § 4º, da CF)". [18]

            Situação semelhante ocorreu no Julgamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n.º 1102-2/DF, onde se tratou de caso análogo, em que também foi julgada inconstitucional a exigência do recolhimento de 20% (vinte por cento) sobre os pagamentos feitos aos autônomos e empresários, uma vez que esses valores não se enquadravam no conceito de folha de salários previsto no artigo 195, I, da Constituição.

            José Antonio FRANCISCO, em artigo intitulado "Da possível inconstitucionalidade da Emenda Constitucional que criou a CIP", brinda-nos com a seguinte reflexão: "... na instituição de tributos, devem ser respeitadas as garantias individuais contidas no Sistema Tributário Nacional, sob pena de inconstitucionalidade. Tal restrição aplica-se também às emendas constitucionais, pois o poder constituinte derivado é restrito às determinações e limites estabelecidos pelo poder constituinte original". (sem grifo no original)

            No contexto das contribuições cobrados dos agentes políticos e dos entes federativos sobre os subsídios pagos àqueles, patente é a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n.º 20/98, ao atropelar as previsões contidas no art. 195, §4º, e 154, I, da CF, que exigem lei complementar para a criação de novo segurado/contribuinte da Seguridade Social. Tendo a Emenda Constitucional n.º 20/98, extravasado os limites do Poder Reformador, afigura-se a mesma inconstitucional.

            3.6 – Ausência de Constitucionalização Superveniente

            O discurso oficial parte da premissa de que a Emenda Constitucional n.º 20/98, ao alargar a regra matriz de incidência do art. 195 da Constituição Federal, teve o condão de constitucionalizar o conteúdo trazido pela Lei n.º 10.887/2004, outrora abarcado pela Lei n.º 9.506/97. Defende-se que não mais se necessitaria de Lei Complementar, exigência do art. 195, §4º, c/c 154, I, CF, em função de a fonte de custeio da Seguridade Social relativa à tributação dos subsídios dos agentes políticos estar enquadrada na base de cálculo "demais rendimentos do trabalho", bem como na possibilidade de eleger como sujeitos passivos o empregado e as entidades equiparadas à empresa. Assim, caberia a lei ordinária regulamentar a tributação, porque o fato tributável, a base de cálculo, já estariam previstas no art. 195 da Constituição.

            Em síntese, defende-se uma Constitucionalização Superveniente, ou seja, do tratamento, via emenda constitucional, de um assunto antes reservado à Lei Complementar.

            Não se trata, todavia, de Constitucionalização Superveniente, porque, como demonstrado, a Emenda Constitucional n.º 20/98 não teve o condão de enquadrar os agentes políticos e os entes federativos como contribuintes da Previdência Social, com base de cálculo nos subsídios daqueles, nem de dispensar a confecção de Lei Complementar para a criação de novo segurado, restando inconstitucional a Lei n.º 10.887/2004. Portanto, não se pode dizer que a EC n.º 20/98 promoveu constitucionalização superveniente, até porque, como já demonstrado, a ordem constitucional fundada em 1988 elegeu a Lei Complementar como instrumento criador de novas fontes de custeio da Seguridade Social.


CONCLUSÕES

            A partir do estudo acima retratado, é possível tecer as seguintes conclusões, segundo os itens mais importantes tratados ao longo do artigo.

            1. Da Lei n.º 9.506/97 e da Declaração de sua Inconstitucionalidade. A Lei n.º 9.506/97 foi declarada inconstitucional pelo STF por ter criado nova fonte de custeio da Seguridade Social, qual seja, a contribuição por parte dos agentes políticos, sem observância ao contido no art. 195, §4º, c/c 154, I, da CF/88, que exige Lei Complementar para tal fim.

            2. Da edição da Lei n.º 10.887/2004. Não obstante a declaração de inconstitucionalidade da Lei n.º 9.506/97, editou-se a Lei n.º 10.887/2004, que repetiu de forma idêntica o texto declarado inconstitucional. Incidiu esta lei no mesmo vício da anterior: criação de nova fonte de custeio da Seguridade Social, preterindo-se a forma legal eleita pela Constituição.

            3. Do artigo 195 da Constituição Federal – A regra matriz de incidência tributária das Contribuições Sociais. A regra matriz de incidência tributária das Contribuições Sociais, disposta no art. 195 da Constituição, foi modificada por duas vezes. A Emenda Constitucional n.º 20/98, que promoveu sua primeira alteração, não teve o condão de possibilitar, não obstante o alargamento da redação do art. 195 da Constituição, a tributação dos subsídios dos agentes políticos, eis que não podem ser os mesmos equiparados a empregados, nem os entes federativos a empresas, bem como não podem ser equiparados a salário ou a rendimentos do trabalho o subsídio dos agentes políticos.

            4. Da Necessidade de Lei Complementar para Criação de Novo Segurado. Consoante a matriz constitucional perfectibilizada pelo Poder Constituinte Originário, a criação de novo segurado da Seguridade Social somente pode ser dar mediante a edição de Lei Complementar, em atenção à redação do art. 195, §4º, c/c 154, I, da CF. Diante disso, qualquer outro instrumento legislativo que por ventura seja utilizado para criar outras fontes destinadas a garantir a manutenção da Seguridade Social é inadequado, inconstitucional, tal o caso da Lei ordinária n.º 10.887/2004.

            5. Da Super-Rigidez da Constituição Brasileira e do Espaço Reservado ao Poder Constituinte Derivado em Matéria Tributária. A Constituição Brasileira é super-rígida, opção feita pelo Constituinte Originário, ao estabelecer no art. 60, §4º, as chamadas cláusulas pétreas, tudo isso com o intuito de que a ordem constitucional primária fosse respeitada e mantida, evitando-se, assim, um esfacelamento da Constituição original.

            6. Da impossibilidade de se alterar a regra matriz de incidência tributária. A regra matriz de incidência tributária das Contribuições Sociais, consignada no art. 195 da Constituição Federal, resulta imodificável, "inalargável", constituindo-se, portanto, uma limitação ao poder de tributar, haja vista destinar-se à proteção do contribuinte, em não ser surpreendido com situações novas não admitidas pelo Constituinte Originário.

            7. Da Segurança Jurídica como Integrante dos Direitos e Garantias Fundamentais do Contribuinte. A segurança jurídica é princípio inerente ao Estado Democrático de Direito, estando enquadrada no rol de direitos fundamentais, cláusulas pétreas e, portanto, inalteráveis pelo Poder Constituinte Derivado. Assim, inconstitucional a Emenda n.º 20/98, eis que, além dos motivos já declinados, ofendeu a cláusula pétrea relativa aos direitos individuais.

            8. Da Possibilidade de Declaração de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional. Plenamente possível a declaração de inconstitucionalidade de Emenda Constitucional, quando esta contraria o núcleo inalterável do texto constitucional, composto por cláusulas pétreas.

            A partir da situação exposta, resta evidenciada uma manipulação do texto constitucional, para satisfazer o intuito arrecadatório do Estado, ignorando-se as limitações constitucionais ao poder de tributar, impostas sob o manto da cláusula pétrea dos direitos fundamentais do contribuinte, voltadas à proteção do mesmo. À luz das informações trazidas, inconstitucional se apresenta a EC n.º 20/98, bem como a Lei n.º 10.887/2004, que a seguiu.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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            SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 26ª ed.. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

            TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 7ª ed., rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Jures, 2005.


Notas

            01 TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 7ª ed., rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Jures, 2005, p. 13.

            02 Geraldo ATALIBA afirma que "contribuição social é o tributo vinculado cuja hipótese de incidência consiste numa atuação estatal indireta e mediata (mediante uma circunstância intermediária) referida ao obrigado". Igualmente entende Roque Antônio CARRAZA, quando afirma que: "São, sem sombra de dúvida, tributos, uma vez que devem necessariamente obedecer ao regime jurídico tributário, isto é, aos princípios que informam a tributação, no Brasil".

            (CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 9ª ed., rev. e amp. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 1997, p. 95; ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 345).

            03 NAVARRO, Sacha Calmon. Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991.

            04 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 1997.

            05 MARTINS. Hugo de Brito. Contribuições Sociais. Caderno de Pesquisas Tributárias, in: Resenha Tributária, vol. 17, 1992.

            06 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 11ª ed. Ver. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 167.

            07 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 288.

            08 Sobre a Lei n.º 10.887/04, arts. 11 e 12: o que estará acontecendo com a legislação previdenciária. Disponível online, no endereço: http://www.acopesp.com.br/artigos/artigos_2004/artigo79_revisado.htm, acessado em 22/03/2006.

            09 Analogia deve ser fazer com situação de revogação da resolução senatorial cujo intuito era suspender a executoriedade de norma declarada inconstitucional. Essa situação foi abordada no julgamento do MS n.º 16.512 (Rel. Min. Oswaldo Trigueiro), de 25 de maio de 1966.

            Nessa ocasião, o Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de discutir largamente a natureza da suspensão senatorial, infirmando a possibilidade de o Senado Federal revogar o ato de suspensão anteriormente editado, ou de restringir o alcance da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

            Cuidava-se de Mandado de Segurança impetrado contra a Resolução n.º 93, de 14 de outubro de 1965, que revogou a Resolução anterior (n.º 32, de 25.3.1965), pela qual o Senado suspendera a execução de preceito do Código Paulista de Impostos e Taxas.

            A Excelsa Corte pronunciou a inconstitucionalidade da resolução revogadora, contra os votos dos ministros Aliomar Baleeiro e Hermes Lima, conhecendo do mandado de segurança como representação, tal como proposto pelo Procurador-Geral da República, Dr. Alcino Salazar.

            Todavia, em se procedendo à suspensão do ato que teve a inconstitucionalidade pronunciada pelo Supremo Tribunal Federal, não poderia o Senado Federal revogar o ato anterior.

            10 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7º ed., São Paulo: Atlas, 2001, p. 37.

            11 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 26ª ed.. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 68.

            12 Para o autor, "Agentes políticos são os titulares de cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. (...) São agentes políticos apenas o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes de Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados Federais e estaduais e os Vereadores". (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 227).

            13 CARRAZA, Roque Antônio. Princípios Constitucionais Tributários e Competência Tributária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986, p.5.

            14 COELHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado. A Emenda Constitucional nº 33/01 e os Princípios da Não-Cumulatividade, da Legalidade e da Anterioridade, in O ICMS e a EC 33, coordenador Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo : Dialética, 2002, p. 203.

            15 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional – Teoria do Estado e da Constituição. Direito Constitucional Positivo. 10ª ed. São Paulo: Editora Del Rey, p. 347.

            16 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 26ª ed.. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p.433.

            17 BRASÍLIA, Supremo Tribunal Federal. ADI 3685/DF-DISTRITO FEDERAL, AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, Relator(a) Min. ELLEN GRACIE, Julgamento 22/03/2006, Órgão Julgador Tribunal Pleno, Publicação DJ 10-08-2006.

            18 Precedente: ADI 939 (RTJ 151/755). (ADI 1.946-MC, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 14/09/01)


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEWIS, Sandra Aparecida Lopes Barbon; ESTIGARA, Adriana et al. Da inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 20/98: constitucionalização por emenda, "a posteriori", de dispositivo legal declarado inconstitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1227, 10 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9154. Acesso em: 29 mar. 2024.