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Juros bancários creditícios x lesão de consumo

Juros bancários creditícios x lesão de consumo

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RESUMO

            Este artigo pretende discutir a teoria da lesão de consumo sob a visão consumerista a partir da plena aplicabilidade do CDC às relações de consumo bancárias, demonstrando a estrutura das operações bancárias e a expressiva desproporção entre o custo de captação de recursos, precipuamente através da poupança e do deposito à vista, e o custo dos créditos bancários, sobretudo do cheque especial.


1 INTRODUÇÃO

            Desde o julgamento da ADIn 2591/01 pelo STF, não se discute mais acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor sobre a relação de consumo estabelecida entre os clientes bancários e suas instituições financeiras.

            Portanto, importante se faz a abordagem da teoria da lesão de consumo sob a ótica do CDC, posto que é exatamente por este instrumento que os juros podem ser limitados implicitamente por forca do desproporcional e significante desequilíbrio nesta relação de consumo.

            Trataremos de analisar a configuração desta lesão através da evidente desproporção entre o custo de captação de recursos por parte dos bancos e o que eles repassam sob forma de juros nas operações de crédito ativas, demosntraremos o spread bancário, a formação do juros da poupança e do credito de cheque especial, e o mercado oligopolista do sistema financeiro nacional.


2 OS CONTRATOS BANCÁRIOS CREDITÍCIOS - NATUREZA JURÍDICA E ESPÉCIES

            2.1 Natureza Jurídica

            Nas lições de Nelson Abrão [01] as operações bancárias ensejam dois aspectos: o econômico e o jurídico. O primeiro diz respeito aos fins a que se destinam, quais sejam a intermediação de capitais e promoção do desenvolvimento econômico, os quais comentamos no tópico anterior. O segundo diz respeito a instrtumentalidade jurídica destas operações, quais sejam – os contratos bancários. No campo jurídico as operações são traduzidas através de um acordo de vontades presente num contrato.

            Importante se faz observarmos estes contratos sob o ângulo de visão da nova realidade contratual. Sobre isto comenta Claudia Lima Marques [02]:

            Na concepção tradicional de contrato, a relação contratual seria obra de dois parceiros em posição de igualdade perante o direito e a sociedade, os quais discutiriam individualmente e livremente as cláusulas de seu acordo de vontade. [...] Na sociedade de consumo, com seu sistema de produção e de distribuição em grande quantidade, o comercio jurídico se despersonalizou. Os métodos de contratação em massa, ou estandirzados, predominam em quase todas as operações contratuais entre empresas e consumidores.

            Neste sentido evidenciamos que a natureza jurídica dos contratos de crédito bancário, amoldando-se a esta realidade contratual, configura-se como contratos de adesão. Assim assevera Arnaldo Rizzardo [03] dizendo: "Não há duvida que os diversos tipos de contratos de crédito bancário refletem a natureza, em todos os aspectos, de contratos de adesão" e complementa referenciando citação do advogado Luiz Zenun Junqueira: " O contrato bancário contém mesmo inúmeras clausulas redigidas prévia e antecipadamente, com nenhuma percepção e entendimento delas por parte do aderente".

            Assevere-se ainda que além dos contratos de adesão, existem os contratos orais, celebrados nestas relações de massa, assim comentados por Claudia Lima Marques [04] :

            [...] ao lado dos contratos de adesão, expressos em formulários, existem os contratos orais, a citação através das chamadas condutas sociais típica, os simples recibos, os tickets de caixas automáticas. A doutrina européia atual, analisando o uso de máquinas, da televisão e dos meios telemáticos, denuncia que muitos contratos de massa são feitos "em silêncio"por coisas, imagens de coisas, palavras ditadas, [...] um contrato "desumanizado", que beira a auto-suficiência do declarado [...]

            Destarte, não resta dúvida de que estas formas de contratação realizadas pelos bancos de maneira impositivas, unilaterais e por vezes despersonalizadas, valendo-se da necessidade de crédito dos consumidores e de sua posição fragilizada e hipossuficiente, ensejam inúmeras abusividades.

            Protesta neste sentido Arnaldo Rizzardo [05]:

            [...] só o fato de uma parte permitir que a outra ´contrate´, em estado de aflição, contraprestações intoleráveis e onerosíssimas, sujeitando-a a toda e qualquer sorte de cláusulas unilateralmente preestabelecidas, comprova-se, quanto satis, que ao credor interessa, sobretudo, a penúria do devedor, quando lhe impõe, assim, obrigações exageradas, injurídicas, anti-sociais e injustas.

            2.2 Espécies

            São diversos os contratos de crédito travado pelas instituições financeiras com seus clientes (consumidores). Citamos alguns como: contrato de empréstimos bancários, de abertura de crédito, de desconto bancário, de antecipação bancária, de crédito habitacional, de crédito rural.

            Inoportuno seria analisar cada um destes contratos, importando para o tema que ora esposamos, observar os contratos de empréstimo bancário, o qual elegemos para esta analise tendo em vista a sua larga utilização pelos agentes tomadores de crédito e pelo fato de neles residirem as maiores incidências de juros abusivos mediante a contratação em massa e sob a forma de adesão.

            Conforme ensina Arnaldo Rizzardo [06], o empréstimo bancário constitui um mútuo cujo objeto é o dinheiro destinado ao consumo que podem ser classificados em pessoais (destinado à pessoa natural) ou comerciais (destinado às pessoas jurídica) com garantia pessoal (mediante fiança, aval, carta de garantia) ou real (constituída em hipoteca de bens).

            Em síntese, feitas estas distinções conceituais, por pertinência ao tema em discussão, doravante os demais pontos abordados estarão voltados às operações típicas. Nas de natureza passiva daremos enfoque à poupança por ser este produto o mais conhecido e consumido em larga escala. Já nas operações de natureza ativa, ainda chamadas creditícias, daremos enfoque aos empréstimos bancários de modo a analisarmos a formação, aplicação, controle e incidência das taxas de juros neles empregados.


3. OS JUROS BANCÁRIOS

            Os juros podem ser legais, quando determinados expressamente em dispositivos constantes na legislação; podem ser convencionais, quando convencionados contratualmente pelas partes; moratórios quando incidentes por decorrência da mora, a partir do atraso proveniente do inadimplemento; e ainda remuneratórios, quando visam remunerar o detentor do capital por parte do tomador que dele se utiliza por determinado lapso temporal. Cabe reforçar conceitualmente estes últimos (remuneratórios), posto que são dos que trataremos neste trabalho, a partir da análise, conforme já dito, de sua formação para as operações típicas ativas (poupança) e as passivas (empréstimos bancários):

            Sílvio Rodrigues [07], sobre o assunto, pontifica que:

            Juro é o preço do uso do capital. Vale dizer, é o fruto produzido pelo dinheiro, pois é como fruto civil que a doutrina o define. Ele há um tempo remunera o credor por ficar privado de seu capital e lhe paga o risco em que incorre de o não receber de volta.

            De Plácido e Silva [08], por sua vez, explicita:

            Juros, no sentido atual, são tecnicamente os frutos do capital, ou seja, os justos proventos ou recompensas que deles se tiram, consoante permissão e determinação da própria lei, sejam resultantes de uma convenção ou exigíveis por faculdade inscrita em lei.

            De igual sorte, é importante estabelecer a distinção entre juros, tarifas e atualização monetária. As tarifas são remunerações cobradas por decorrência da prestação de serviços (incide sobre as operações atípicas ou prestação de serviços bancários). A atualização monetária por sua vez é a aplicação de um índice percentual médio, medido a partir da perda do poder aquisitivo da própria moeda, para atualizar o valor do dinheiro.

            3.1 Formação dos Juros nas Operações Passivas – A Poupança

            Os juros incidentes nas operações passivas visam remunerar o poupador, que tendo superávit de reservas, as disponibiliza por certo prazo aos bancos sob forma de investimento em troca de segurança e do beneficio da renda.

            Do leque de investimentos que o poupador tem a sua disposição no mercado financeiro, elegemos a poupança para esta analise, por se constituir o mais simples e o mais popular dentre todos os investimentos. Ademais, a sua remuneração é igual para todas as instituições financeiras.

            As chamadas cadernetas de poupança tiveram sua origem em 1964 [09] a partir da regulamentação da correção monetária. Caracterizam-se por ser um investimento cuja tributação e isenta para pessoas físicas e as jurídicas imunes, assim sendo não incide o imposto de renda, o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e a CPMF (Contribuição provisória sobre movimentação financeira), esta ultima para as aplicações permanecidas a partir de noventa dias. A remuneração ocorre somente a cada período de trinta dias da data do depósito, o valor mínimo de é pequena monta, e é garantida pelo FGC (Fundo Garantidor de Crédito) até o valor de R$ 60.000,00, dentre outros atrativos.

            O calculo da taxa de juros que remunera as poupanças atualmente é baseado na TR (Taxa Referencial) acrescido de 0,5% de juros ao mês. A TR é calculada a partir da TBF (Taxa Básica Financeira) diminuída de um redutor estabelecido numa tabela proporcional decrescente. A TBF por sua vez é calculada a partir da remuneração mensal média dos CDB/ RDB (Certificados de Depósitos Bancários/ Recibo de depósito bancário) emitidos a taxas de mercado prefixadas pelos bancos.

            Não obstante a razoável complexidade da formação desta taxa, ao menos em princípio, mais importa nesta análise, o seu histórico o qual ao logo de todo este ano de 2006, não cruzou a marca de 1%, girando em média 0,80% [10]. No ano de 2005 acumulou o equivalente a 9.18% [11].

            Este é o preço que as instituições financeiras pagam pela captação de recursos dos particulares neste investimento, que mais uma vez enfatizamos, é dentre todos, o mais popular.

            Cabe ressaltar mais uma das principais fontes de captação, qual seja, o depósito à vista, que corresponde aos saldos em conta-corrente de pessoa física e jurídica não remunerados pelas instituições financeiras, as quais apenas cumprem uma exigibilidade de reserva junto ao banco central com a finalidade de controlar os meios de pagamento em circulação na economia.

            Em síntese, é bom memorizar - os bancos captam os depósitos à vista sem remuneração aos depositários a poupança com remuneração média atual abaixo de 1% a.m. Este é o custo de captação atual das instituições financeiras.

            3.2 Formação dos Juros nas Operações Ativas – O Empréstimo Bancário

            Os juros agora tratados referem-se à remuneração das operações ativas na modalidade de empréstimo bancário, mais especificamente – o contrato de cheque especial, por motivos similares aos quais elegemos a poupança nas operações passivas, ou seja, pela sua larga utilização e por aí incidirem maiores abusos quanto às taxas de juros aplicadas. Assim menciona Arnaldo Rizzardo [12] – "É o empréstimo bancário um dos contratos mais antigos. É, ainda a operação bancária que mais sobressai e corriqueira, e que precedeu as outras formas de operação."

            O cheque especial é espécie de mutuo na qual os bancos concedem certa soma de valor, cujo montante dependerá de uma análise cadastral evidencia a capacidade de pagamento do cliente, colocadas à disposição dos seus correntistas. Os contratos que regem este empréstimo são, como na maioria dos outros contratos bancários, tipicamente contratos de adesão. Portanto, imodificáveis as suas cláusulas estabelecidas unilateralmente.

            Sobre estes contratos cabe ressaltar, alem de sua natureza de adesão, dois outros aspectos: o primeiro diz respeito ao instrumento e o segundo diz respeito à oferta.

            O instrumento deste contrato, muitas vezes nem é disponibilizados aos correntistas contratantes. Após a aceitação da oferta, são avisados da disponibilidade do valor, e quando por vezes é enfatizada a taxa contratada e as condições do contrato. Digo por vezes porque, é cediço que a prática desta contratação ocorre de maneira massificada no mercado varejista bancário. Portanto, não bastasse tudo já comentado anteriormente quanto à hipossufiencia do contratante que tem como única alternativa assinar, volto a enfatizar, quando assinam, estes contratos.

            O segundo aspecto diz respeito a uma prática igualmente visível e condenável chamada de "venda casada". Trata-se de oferta do produto (o crédito bancário) mediante aceitação de aquisição de outro produto ou serviço. Expressamente o CDC repudiou esta prática no seu art. 39,I.

            Estabelecidas algumas especificidades da modalidade deste contrato, façamos a analise da formação dos juros neles incidentes.

            Como visto em capítulos anteriores, a estipulação da taxa de juros bancários cabe ao CMN, com fiscalização exercida pelo Bacen (Lei 4.595/64 e Acórdão ADIn 2591/01).

            O Conselho Monetário Nacional é composto pelo Ministro da Fazenda, Ministro do Planejamento e Presidente de Bacen. É responsável pela fixação das diretrizes da política monetária nacional, creditícia e cambial e o Banco Central do Brasil responsável pela execução desta política monetária, além de ser banco emissor, principal agente financiador do governo e fiscal dos bancos. São o CMN e o Bacen autoridades monetárias membros do SFN.

            A taxa básica de juros da economia nacional, que serve, ou melhor, deveria servir, de sinalizador para os juros das operações bancarias, é fixada pelo COMPON (Comitê de Politica Monetária), também chamada de Taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) é assim definida pela Circular Bacen n.º 2.900/99: "Define-se Taxa Selic como a taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos federais. É esta taxa que remunera os títulos da dívida pública. Somente este ano a Selic recuou de 19,98%a.a para os atuais 15,25%a.a., ou seja um redução de 4,73 pontos percentuais.

            Observemos agora as taxas praticas pelas principais instituições financeiras do país neste ultimo mês de outubro [13]:

Tabela de comparativo das taxas
Taxas Bancos %
Empréstimo Pessoal Menor Nossa Caixa 4,25
Maior Itaú 5,95
Média 5,33
Taxa equivalente ao ano 86,39
Cheque Especial Menor CEF 7,20
Maior Itaú 8,50
Média 8,16
Taxa equivalente ao ano 156,44
Data da Coleta:03 e 04/10/2006.

            É gritante a disparidade entre a taxa que as instituições financeiras remuneram as operações passivas, em particular pagam aos depositários de cadernetas de poupança, como visto, inferior a 1% ao mês; e de outro lado, as mesmas instituições cobrando nas operações ativas (empréstimos de cheque especial) juros de até 8,5% a.a cuja capitalização equivale a taxa anual de 156,4%. Não obstante, a taxa básica de juros da economia utilizada como instrumento da política monetária estabelecida pelo CMN sinalize um percentual ao ano, atualmente, de 15,25% com viés (tendência) de baixa.

            Revela-se absurda e imoral a incidência destas taxas, que não obstante a expressa e já sinalizada distancia entre o que paga para captar recursos e o que cobra para empestar, os bancos ignoram de igual sorte a taxa Selic que sinaliza os juros básicos da economia. Neste sentido oportuna é a transcrição do voto do Min. Eros Graus [14] no julgamento da ADIn 2591/01:

            [...] Importa, no entanto, também considerarmos o descompasso existente entre a taxa de juros SELIC e as taxas efetivamente impostas pelos bancos a seus clientes. Taxa de juros SELIC é a "taxa média ajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC), para títulos federais"8. É denominada básica para o mercado por ser aquela que o Estado, devedor peculiar, paga por seu endividamento e ao mesmo tempo sinaliza a política monetária implementada pelo Banco Central. Pois bem, a taxa de juros SELIC resulta amplamente ultrapassada nas contratações de créditos concedidos pelos bancos a todos os seus clientes, consumidores ou empresas, pessoas físicas ou jurídicas [...]o Banco Central está vinculado pelo dever-poder de controlar vigorosamente a definição contratual do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia. Daí porque tenho como indispensável a coibição de abusos praticados quando instituições financeiras acrescentam à taxa base de juros, a chamada taxa SELIC, taxas adicionais de serviços

            Não só as taxas de cheque especial são altas como também não estão tendentes a reduzirem. Os bancos alegam a pretexto igualmente descabido e falacioso, que as taxas estipuladas nestes contratos ainda permanecem altas por conta da inadimplência uma vez que este item tem peso significativo na formação dos juros a partir do calculo de seus spread’s. O spread bancário leva em conta além da expectativa de inadimplência, os impostos, as despesas administrativas e a expectativa de lucro. Logo, o spread significa a diferença entre o custo de captação e o empréstimo, seria o ganho líquido. Contudo, a lógica é inversa, o que ocorre é que a inadimplência tem sua razão principal exatamente na incidência destes juros exorbitantes que oneram sobremaneira o capital tomado.

            Ressalte-se ainda que o cenário macro-econômico atual do país reflete uma tendência confortável com o chamado "Risco Brasil" em níveis mínimos, o que revela tendência de investimentos na produção, as exportações revelam-se ascendentes com um superávit primário elevado, as taxas de emprego e renda tendem a aumentar e a inflação mostra-se controlada e com tendência estável já há muito tempo.

            Observemos a inflação apurada pelos principais índices oficiais do mercado nos últimos doze meses [15]:

            

            Fonte: Agência Estado/Broadcast

Indices(%) IGP-M IPC FIPE INPC IPCA
Acumulado de 12 meses 3.15 1.65 2.71 3.27
Acumulado do Ano 2.75 1.06 1.75 2.33
Outubro/2006 0.47 0.39 0.43 0.33
Setembro/2006 0.29 0.25 0.16 0.21
Agosto/2006 0.37 0.12 -0.02 0.05
Julho/2006 0.18 0.21 0.11 0.19
Junho/2006 0.75 -0.31 -0.07 -0.21
Maio/2006 0.38 -0.22 0.13 0.10
Abril/2006 -0.42 0.01 0.12 0.21
Março/2006 -0.23 0.14 0.27 0.43
Fevereiro/2006 0.01 -0.03 0.23 0.41
Janeiro/2006 0.92 0.50 0.38 0.59
Dezembro/2005 -0.01 0.29 0.40 0.36
Novembro/2005 0.40 0.29 0.54 0.55

            Fonte: Agência Estado/Broadcast

            Note-se que não há nenhuma tendência inflacionária, ao contrario, em alguns meses houve deflação, o que também sob este aspecto condena as abusivas taxas de juros nos contratos bancários, sobretudo nos contratos de cheque especial.

            3.3 O Oligopólio e O Lucro dos Bancos

            Como não poderia deixar de ser, com o estratosférico spread bancário, os bancos a cada ano superam recordes de lucros aumentando a concentração de renda e fortalecendo o seu mercado oligopolista. Observemos a seguinte tabela divulgada pelo Bacen [16]:

INSTITUIÇÕES LUCRO 1º SEM./06 Avanço semestral em ralação a 2005
Banco do Brasil R$ 3.88 bilhoes 96.5%
Bradesco R$ 3.13 bilhoes 19.5%
Itaú R$ 2.95 bilhoes 19.5%
Unibanco R$ 1.06 bilhao 25%

            Fonte: Bacen.

            Atente-se que os bancos Bradesco, Itaú e Banco do Brasil sozinhos representam 57,7% de todo o resultado dos primeiros seis primeiros meses do ano confirmando o oligopólio no mercado financeiro. Sobre o assunto comenta José Reinaldo de Lima Lopes:

            Embora distanciados por quase três décadas, a lei fundamental do direto da concorrência no Brasil de 1962 e o Código de Defesa do Consumidor de 1990 têm alguns princípios que se podem dizer comuns [...] a defesa da concorrência foi incorporada à estrutura jurídico-política brasileira, sendo que entre os abusos de poder econômico (expressão consagrada na tradição brasileira) mencionavam-se os acordos de dominação de mercado, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário de lucros.


4. A CONFIGURAÇÃO DA LESÃO DE CONSUMO NOS JUROS BANCÁRIOS

            4.1 A Teoria da Lesão

            A teoria da lesão havia sido prevista nas Ordenações Filipinas e configurava-se na onerosa desproporção entre as partes ocasionada posteriormente ao contrato.

            O Código Civil de 1916, inspirado pela corrente privatista, privilegiou o principio pacta sunt servanda e neste sentido não previu reprimenda a este tipo de lesão. Porém quando tal desproporção ocorria, aplicava-se a teoria da imprevisão, invocando-se a cláusula rebus sic stantibus.

            A teoria da lesão foi reconstruída no Brasil na década de 50 por Caio Mário com base em uma norma penal e para sua configuração haveriam de estão presentes os seguintes requisitos: objetivo (desproporção superior a 1/5); subjetivo relacionada à vítima (inexperiência, leviandade ou premente necessidade da vítima); e subjetiva relacionada ao autor (dolo de aproveitamento, ciência de um dos elementos subjetivos da vítima)

            O Código Civil de 2002 positivou a teoria da imprevisão no seu art. 478 e em seu art. 157 estabeleceu que se configura a lesão quanto presentes: a desproporção (não mais tarifada em 1/5); premente necessidade ou inexperiência da vítima. Não mais está presente o dolo de aproveitamento, muito embora parte da doutrina afirme havê-lo implicitamente. Esta visão da teoria da lesão foi denominada de lesão civil ou onerosidade excessiva superveniente, e quando verificada. Nesta hipótese o negocio jurídico nasce válido e pode ou não ser invalidado.

            O CDC premiou o consumidor com uma visão mais ampla da teoria da lesão, que aqui foi denominada de lesão de consumo ou onerosidade excessiva concomitante. Não adotou a teoria da imprevisão, mas sim a teoria da quebra da base objetiva do negócio. Neste sentido a lesão de consumo não é vício de consentimento, sua natureza jurídica é um vício de apuração objetiva, ou seja, basta a apuração da desproporção, sem quaisquer necessidades de que seja perquirida a inexperiência ou premente necessidade. Nesta hipótese, o negocio jurídico nasce inválido e significa que o juiz pode intervim no contrato independentemente da vontade do fornecedor de maneira a restabelecer o equilíbrio entre as partes. A lesão de consumo, em regra, enseja a revisão dos contratos e em exceção a resolução (aplicação do art. 51 $2º do CDC por analogia).

            Neste sentido é importante a lição de Arnaldo Rizzardo [17](pg 20)

            Não se cuida de dificuldades surgidas no curso de um contrato de empréstimo bancário, muito menos de modificações operadas pela desastrada inflação, velha e revelha, antiqüíssima, mas do desrespeito e da infidelidade do credor, já no momento mesmo da celebração do ´contrato´, ávido pela exploração consciente da desgraça alheia, rompendo-se, no seu nascedouro, a noção de boa-fé e dos bons costumes.

            Ainda sobre o assunto lecionou Nelson Nery Jr. [18] :

            [...] a doutrina alemã construiu e delineou a teoria da base objetiva do negócio, como evolução das teorias da pressuposição e da imprevisão (fundada na cláusula rebus sic stantibus), [...] ao contrário da base subjetiva, nada tem a ver com aspectos psicológicos dos contratantes, isto é, não se situa no campo das invalidades (vícios da vontade ou sociais do negócio jurídico).[...] a aliteração da base negocial pode ocorrer quando houver falta, desaparecimento ou modificação do condicionalismo que formou e informou a base do negócio.

            4.2 Configuração da Lesão de Consumo nos Juros Bancários

            O diploma consumerista positivou a lesão de consumo em seu art. 6º, V:

            Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:

            V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas

            Não obstante, observemos ainda os seguintes dispositivos da Lei 8078/90, que repudiam igualmente a prática destes juros diante do seu caráter abusivo, excessivamente oneroso, desleal, oportunista e sobretudo contrário aos princípios da boa-fé da equidade:

            Art. 6º, inciso IV, que considera como direito básico do consumidor "a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços"

            Inciso IV do art. 39 que considera prática abusiva o fato de o fornecedor "prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe produtos ou serviços.

            O inciso V do seu art. 51, que considera cláusula abusiva aquela que "estabelece obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade".

            Da leitura sistemática desses dispositivos, podemos evidenciar que a lesão de consumo se configura de maneira clara. A Lei é expressa em afirmar que é direito básico do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais. Ora, o contrato como já visto, nasce oneroso e imodificável posto que sua natureza é de contrato de adesão. Aproveitam-se as instituições financeiras do seu oligopólio neste mercado, da fragilidade e necessidade do consumidor hipossuficiente e lhe impõe uma clausula de estipulação de juros abusiva que em nada se justifica no marcado econômico brasileiro, tão pouco se compara diante da extorsão escancarada como é praticada.

            Não é necessário muito conhecimento, quer seja na seara jurídica quer seja na econômica, para se ver sobressaltar o quão onerosos e excessivos são estes juros. Gigantesca é a desproporção entre o custo de captação de crédito para as instituições financeiras e o custo do capital tomado em suas carteiras ativas pelos seus clientes. Nestas condições, o contrato resta desequilibrado ensejando todos os elementos citados anteriormente para configuração da lesão e garantia da plena revisão dos contratos com a adequação de juros moderados e justos, os quais deverão ter como padrão a própria taxa estipulada como taxa-meta ou Selic pelo COPON.


5. CONCLUSÃO

            Diante de tudo que foi exposto, concluímos que:

            Diante da plena aplicabilidade de todos os dispositivos da Lei 8078/90 na disciplina da relação de consumo entre os clientes bancários e as instituições financeiras, dificilmente mais claro pode ficar evidente, a imensa desproporção entre os custos de captação e as taxas de juros cobradas pelas instituições financeiras. Igualmente foi demonstrado que em nada se justificam estas altas. Seja sob o ponto de vista da política monetária e estruturação do sistema financeiro, seja sob o ponto de vista do cenário macroeconômico, muito menos da alegada inadimplência.

            Posto isso, é claro que se o CDC se aplica a estes tratos, inclusive abarcando, conforme nosso entendimento, as taxas de juros, diante desta expressiva onerosidade que gera o desequilíbrio entre as partes, é logicamente aplicável a lesão de consumo e por isso enseja a aplicação de todos os dispositivos já citados, na defesa do restabelecimento da equidade atendendo aos princípios igualmente comentados. Concluímos, portanto, pela expressa lesão de consumo evidenciada nos contratos bancários creditícios passível de disciplina nestes termos.


BIBLIOGRAFIA

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            Site: http://www.estadao.com.br/ext/economia/financas/historico/poup_2006.htm

            Site: http://www.bcb.gov.br/htms/banual2005/rel2005cap3p.pdf


NOTAS

            01 ABRÃO, Nelson. Direito Bancário, cit., p. 48

            02 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 6ª ed., p.52

            03 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de Crédito Bancário. 6ª edicao. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 19

            04 Claudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 6ª ed., p.54-55

            05 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de Crédito Bancário. 6ª edicao. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 21

            06 Idem. p. 43

            07 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil – parte geral das obrigações. Saraiva, 1986.

            08 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Forense, 1987. p. 35.

            09 Site: http://www.bcb.gov.br/

            10 Site: http://www.estadao.com.br/ext/economia/financas/historico/poup_2006.htm

            11 Site: http://www.bcb.gov.br/htms/banual2005/rel2005cap3p.pdf

            12 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de Crédito Bancário. 6ª edicao. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 34

            13 Site: http://www.bcb.gov.br/

            14 ADIn 2591/01. Voto-vista do Min. Eros Grau. P.188-189

            15 Site: http://www.estadao.com.br/ext/economia/financas/historico/hist_aeigpm.htm

            16 Site: http://www.bcb.gov.br/

            17 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de Crédito Bancário. 6ª edicao. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 20

            18 NERY Jr., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. O novo código e Legislação Extravagante Anotados, Editora Revista dos Tribunais, 2002.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, André Bezerra. Juros bancários creditícios x lesão de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1242, 25 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9218. Acesso em: 28 mar. 2024.