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Doação de Bem Móvel Inservível no âmbito do Estado de Mato Grosso

Pedido realizado antes da edição da lei edição da Lei 11.109/2020 e Decreto 703/2020

Doação de Bem Móvel Inservível no âmbito do Estado de Mato Grosso. Pedido realizado antes da edição da lei edição da Lei 11.109/2020 e Decreto 703/2020

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Parecer Jurídico de análise de pedido de doação de veículo para prefeitura municipal.

PARECER JURÍDICO Nº XXXXXXX.

PROCESSO Nº XXXXXXX

INTERESSADO: PREFEITURA MUNICIPAL DE XXXXXXXX

ASSUNTO:  DOAÇÃO DE BEM MÓVEL

 

 

 

 

 

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. BENS INSERVÍVEIS E ANTIECONÔMICO. DOAÇÃO DE VEÍCULO. FUNDAMENTO:  LEI 8.666/1993 E LEI 11.109/2020. DEFERIMENTO.

 

 

I - RELATÓRIO:

 

Trata-se de pedido oriundo da PREFEITURA MUNICIPAL DE XXXXXXXX, subscrito pelo Excelentíssimo Senhor Prefeito, por meio do qual solicita a doação de um veículo para atender as necessidades da Secretaria Estadual de Agricultura, para atendimento aos Agricultores e seus familiares dos Assentamentos XXXXXXXX, Serviço de acompanhamento, apoio aos feirantes e feira e assistência técnica aos piscicultores da região.

 

Constam no processo os seguintes documentos:

  • Requerimento, fl. 02;
  • Ata de sessão solene da posse do Prefeito, fl. 11 - 12;
  • Diplomação, fl. 05;
  • Documentos Pessoais, fl.06 - 07;
  • Certiões negativas, fl. 60;
  • Comprovante de endereço, fl. 08;
  • Manifestação Gerencia de Transporte, fl. 49 a51;
  • Manifestação Diretoria Técnica, fl. 22;
  • Manifestação Técnica, fl. 58-a;

 

É o que merece relato.

 

 

II-    DA FINALIDADE E ABRANGÊNCIA DO PARECER JURÍDICO

 

A presente manifestação jurídica tem o escopo de assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados ou já efetivados. Ela envolve, também, o exame prévio e conclusivo dos textos de contratos ou instrumentos congêneres a serem celebrados e publicados.

 

Nossa função é justamente apontar possíveis riscos do ponto de vista jurídico e recomendar providências, para salvaguardar a autoridade assessorada, à quem compete avaliar a real dimensão do risco e a necessidade de se adotar ou não a precaução recomendada.

 

Importante salientar, que o exame dos autos processuais restringe-se aos seus aspectos jurídicos, excluídos, portanto, aqueles de natureza técnica. Em relação a estes, partiremos da premissa de que a autoridade competente municiou-se dos conhecimentos específicos imprescindíveis para a sua adequação às necessidades da Administração, observando os requisitos legalmente impostos.

 

De fato, presume-se que as especificações técnicas contidas no presente processo, inclusive quanto ao detalhamento do objeto da contratação, suas características, requisitos e avaliação do preço estimado, tenham sido regularmente determinadas pelo setor competente da Entidade, com base em parâmetros técnicos objetivos, para a melhor consecução do interesse público.

 

De outro lado, cabe esclarecer que, via de regra, não é papel da Unidade jurídica exercer a auditoria quanto à competência de cada agente público para a prática de atos administrativos. Incumbe, isto sim, a cada um destes observar se os seus atos estão dentro do seu espectro de competências.  Em face disso, o ideal, para a melhor e completa instrução processual, é que sejam juntadas as publicações dos atos de nomeação/designação, ou as citações destes, da autoridade e demais agentes administrativos, bem como dos atos normativos que estabelecem as respectivas competências, a fim de que, em caso de futura auditoria, possa ser facilmente comprovado que quem praticou determinado ato tinha competência para tanto. Todavia, a ausência de tais documentos, por si, não representa, a nosso ver, óbice ao prosseguimento do feito.

 

Finalmente, é nosso dever salientar que determinadas observações são feitas sem caráter vinculativo, mas em prol da segurança da própria autoridade assessorada a quem incumbe, dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei, avaliar e acatar, ou não, tais ponderações. Não obstante, as questões relacionadas à legalidade serão apontadas para fins de sua correção. O prosseguimento do feito sem a observância destes apontamentos será de responsabilidade exclusiva da Gestão.

 

III-REGULARIDADE DA FORMAÇÃO DO PROCESSO

 

De acordo com o art. 33 da Lei nº 7.692/2002 [1], os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada, salvo expressa disposição legal com efeito, no que pertine especificamente à licitação e contratos[2], o processo administrativo deverá observar as normas que lhes são pertinentes, iniciando-se com a devida autuação, com a correspondente protocolização e numeração, juntando-se, em sequência cronológica, os documentos pertinentes, cujas folhas devem ser numeradas e rubricadas, sendo que cada volume deverá conter os respectivos termos de abertura e encerramento, contendo, na medida do possível, no máximo, 200 folhas.

 

Os autos do processo submetidos à análise se encontram regularmente formalizados em conformidade com o ordenamento jurídico vigente.

 

IV- ANÁLISE JURÍDICA

 

Conforme documentos em anexo, a conclusão da XXXXXXXXX é de que o bem avaliado é ANTIECONÔMICO e INSERVÍVEL, atualmente encontra-se parado no pátio desta Unidade Regional sem qualquer destinação, inexistindo ainda manifesto interesse dos demais órgãos do Estado pelo bem, em razão do alto custo para conserto.

 

Todavia, a Prefeitura Municipal de XXXXXXXXX mostrou interesse em resgatar o bem por meio de doação. Afim de custear com recursos próprios e, assim, promover o seu retorno do veículo à operação.

 

Deste modo, diante do pedido, iremos tratar do Instituto Jurídico da Doação de bem inservível.

 

A doação de bem móvel da Administração Pública encontra-se disciplinada de modo geral pelo art. 17, inciso II, alínea “a”, da Lei n. 8.666/93:

 

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

(...)

II – quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos:

 a) “doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência sócio-econômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação;

 

A alienação de bens móveis ou imóveis pela Administração Pública está condicionada à existência do interesse público e deverá ser precedida de prévia avaliação, conforme dispõe a Lei nº 8.666, de 1993, art. 17, caput.

 

Esta hipótese de alienação na qual a lei dispensa a licitação, com objetivo de restringir a doação de móveis da Administração Pública, requer a observância dos seguintes requisitos vinculantes para a autorização pela autoridade administrativa a quem compete dispensar o processo licitatório, a saber:

 

a) avaliação prévia, porquanto o dispositivo legal (art. 17, caput) inicia estabelecendo que, em qualquer caso, a alienação deve ser precedida de avaliação, constituindo-se pressuposto de validade para a dispensa de licitação para doação de bens móveis da Administração Pública;

b) a finalidade e uso a que se destinará o bem doado, que há de ser para fins e uso de interesse social e deverá guardar correlação com igual interesse social na utilização a ser dada posteriormente aos bens móveis da Administração Pública;

c) a avaliação de sua oportunidade e da conveniência socioeconômica da doação, isto é, deverão ser ponderados o momento e a época adequados para fazer a doação de bens móveis da Administração Pública, relativamente à escolha de outra forma de alienação.

 

Sobre estes aspectos, o eminente professor JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES, esclarece que:

 

"Avaliação prévia: Sobre a avaliação prévia, cabe salientar que o Código de Processo Civil (CPC) fornece amplo balizamento acerca do tema, incluindo-o entre as provas periciais, ao lado do exame e da vistoria, conforme dispõe o art. 420. Sendo a avaliação prévia o meio técnico de apuração do valor de quaisquer bens, inclusive direitos e obrigações, há de ser realizada, em regra, por técnico devidamente habilitado para tal, ressalvadas as exceções em que a própria lei processual admite a sua efetivação por leigo (v.g,avaliador judicial).

 

“Finalidade e uso: O ato donativo deverá ter por objetivo ‘‘fins e uso” de interesse social. Ao estabelecer a concomitância desses dois substantivos, evidenciou o legislador ainda maior interesse restritivo. Pode ocorrer, por exemplo, que um determinado órgão decida doar móveis de escritório para uma entidade filantrópica. No caso, a finalidade da doação atenderá ao interesse social, mas a Administração deverá certificar-se de que o uso a ser dado ao bem guardará correlação com igual interesse social. É que muitas vezes a finalidade do ato não apresenta correlação com a utilização a ser dada ao móvel posteriormente, tal como ocorreria se os bens doados não fossem utilizados pela entidade exemplificada para os seus fins mais transferidos para uso pessoal ou particular de um dos membros de sua diretoria.

 

“Avaliação de sua oportunidade e conveniência sócio-econômica: Antes de proceder à doação, deverá a Administração considerar outros aspectos, para decidir se deve ou não empregar outra forma de alienação. O primeiro deles diz respeito à oportunidade, isto é, ao momento, à época de fazer a doação; segundo, refere-se à conveniência sócio-econômica de realizá-la, ou seja, além de considerar o aspecto social do ato, que, como visto, deverá guiar-se pelo fim e uso de interesse social, a Administração considerará também o efeito econômico. Nesse sentido, o primeiro atributo buscado é exterior ao agente doador, dizendo com o alcance social da medida, e o segundo, interior ao agente que terá em consideração as despesas do órgão e os gastos decorrentes do ato. Poderia parecer, à primeira vista, que sempre será mais vantajoso, sob o aspecto econômico, não doar bens, pois, na venda, por exemplo, há o ingresso de recurso. Não é esse o sentido do dispositivo, como também não é verdadeiro que a venda sempre resulta vantajosa para a Administração".( JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Vade-Mécum de Licitações e contratos. 2011. Editora Fórum, pg.312-315)

 

A doação de bens inservíveis também está regulamentada na Lei Estadual n. 11.109/2020, que estabelece em seu artigo 2° e incisos a classificação dos materiais:

 

Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se:

[..]

XI - bem móvel inservível: todo aquele que não tem mais utilidade para a repartição, órgão ou entidade que detém a sua posse, em decorrência de ter sido considerado:

[...]

c) antieconômico: quando sua manutenção for onerosa, ou seu rendimento precário, em virtude de uso prolongado, desgaste prematuro ou obsoletismo;

 

Nessa mesma linha, o art. 19 disciplina como os bens inservíveis, assim declarados pelo Órgão detentor do bem poderão ser doados:

 

Art. 19 Os órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta do Estado podem realizar doação gratuita e sem licitação dos bens móveis considerados inservíveis, em favor de:

I - órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta de quaisquer entes federados;

II - entidades sem fins lucrativos, reconhecidas na forma da lei como de utilidade pública.

 

 E ainda, no caput, do artigo 20 determina a instrução processual adequada:

 

Art. 20. A doação de bens móveis deverá ser formalizada em processo administrativo que cumpra os seguintes requisitos:

I - descrição e avaliação do objeto da doação;

II - caracterização do interesse público específico;

III - avaliação e justificativa da conveniência da doação em detrimento de outras formas de alienação;

IV - elaboração de minuta do instrumento contratual com as obrigações da donatária em relação ao objeto da doação, sob pena de reversão;

V - aprovação da minuta do termo de doação pela Procuradoria-Geral do Estado;

VI - assinatura do contrato ou termo de doação pelos representantes da doadora e donatária;

VII - publicação de extrato de doação, como condição de eficácia, até o último dia do mês seguinte ao da assinatura do respectivo termo;

VIII - termo de entrega e recebimento do bem, datado e assinado pelo servidor encarregado da entrega e pelo representante da donatária.

§ 1º No contrato ou termo de doação deverá constar a obrigação de:

I - revisão e manutenção do bem, conforme orientação do fabricante ou assistência técnica;

II - manter o bem, proibido o desfazimento, pelo prazo mínimo de 3 (três) anos, a contar da assinatura do respectivo instrumento;

III - manter as atividades que motivaram a doação pelo prazo mínimo de 3 (três) anos, a contar da assinatura do respectivo instrumento;

IV - sujeitar-se à fiscalização do doador.

 

O Marco Regulatório Patrimonial deste Sodalício está em consonância com a Lei de Licitações quando permite a doação de bens, desde que seja classificado como inservível, a finalidade a que se destinará o bem doado deve ser de interesse social e a avaliação da oportunidade e da conveniência socioeconômica da doação.

 

Neste caso, a destinação proposta pela Prefeitura Municipal de Barra do Garças tem, pela natureza do trabalho, grande interesse público - pois será destinada ao:

 

  1. Atendimento aos Agricultores familiares e assentamentos Serra Verde e Santa Emília;
  2. Serviço de acompanhamento, apoio e assistência aos feirantes e feiras;
  3. Assistência Técnica aos piscicultores;
  4. Ampliação do atendimento aos agricultores e acompanhamentos em suas propriedades.

 

O Laudo de Avaliação acostado as fls. 58-a certifica que o bem inservível foi avaliado tendo como parâmetro a metodologia a verificação in-locu, para verificar o real estado de conservação do bem conforme definido no Decreto n. 194/2015.

 

Por esta razão, considerou o bem listado como ANTIECONÔMICO, e no fim, a XXXXXXX delibera positivamente pela efetiva DOAÇÃO DO BEM INSERVÍVEL.

 

Por fim, cabe atestar que o pedido de doação recai sobre o veículo inservível desde 18/02/2019 – Processo nº XXXXXX. Refeito pelos mesmos fundamentos em 11/02/2021 – Processo nº XXXXXXX.

 

Note que o requerimento é anterior à edição da Lei 11.109/2020 e Decreto 703/2020.

 

De lá para cá nada mudou. Pois desde o ano de 2019 o veículo encontra-se parado no pátio por falta de condições de usos. O que só se agrava pelo decurso do tempo.

 

V – CONCLUSÃO

 

Diante do exposto, esta Assessoria entende ser possível a doação deste bem inservível arrolado , após a análise de oportunidade e conveniência por Vossa Senhoria, para o município de XXXXXXX - nos termos do art. 17, inc. II, “a” da Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Constatando que o pedido é anterior à lei edição da Lei 11.109/2020 e Decreto 703/2020.  

 

Após o preenchimento da formalidade mencionada e na hipótese de se decidir pela DOAÇÃO deverão ser juntados aos autos os seguintes documentos: Termo/Contrato de Doação assinados, Termo de Recebimento dos Bens, extrato de publicação no Diário Oficial.

 

É a minha opinião exarada com base no art. 14 do Regimento Interno do INDEA/MT.

 

O estudo ficou subordinada a Aspectos jurídicos e Formais, o que não exclui a área técnica de manifestar-se sobre o Interesse Público, a Lei e a Conveniência e Oportunidade do Pedido.

 

Assim Penso!

Segue à consideração superior o Senhor Gerente Regional.

Após, solicitamos que este procedimento seja encaminhado para decisão na DIRASE.

 


[1] Art. 33 da Lei nº 7.692/2002:

“. Art. 33 Os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente a exigir.

§ 1° Salvo imposição legal, o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver fundada dúvida de autenticidade.

§ 2° A autenticação de documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo órgão administrativo.

§ 3° O processo deverá ter suas páginas numeradas sequencialmente e rubricadas.”

[2] Art.57 da Lei nº 8.666/93:

§ 2o Toda prorrogação de prazo deverá ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente para celebrar o contrato.


Autor

  • Marcelo Galvão Marques

    Advogado Público do Estado de Mato Grosso com especialização em Direito Penal e Processual Penal, Público, Eleitoral, Militar, Notarial e Registral. Foi advogado da Secretaria de Estado de Agricultura e do Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso. Cirurgião-Dentista especialista em Endodontia, Implantodontia e prótese sobre Implantes. Membro do Colégio Brasileiro de Implantodontia. 1º Ten. Dentista do Exército tendo servido no Batalhão da Guarda Presidencial e Hospital das Forças Armadas. É membro da Câmara de Defesa Civil, Câmara de Aquicultura Conselheiro de Segurança Conselho de Agricultura e Câmara de Alimentação Escolar de Barra do Garças e da JARI/MT. Acadêmico de Engenharia Civil e Engenharia Elétrica enfase em Eng. Eletrônica, Eng. Eletrotécnica e Eng.de Telecomunicações.

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