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O art. 28 da Lei de Drogas e a reincidência

O art. 28 da Lei de Drogas e a reincidência

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1 – INTRODUÇÃO

Pretende-se com o presente trabalho estudar a possibilidade de que eventual condenação por infração ao artigo 28 da Lei 11.343/06 venha a configurar reincidência no caso de cometimento posterior de infração penal.

Frise-se que a referida situação será raríssima, considerando a ampla aplicação dos institutos da Lei 9099/95, cujas penas acordadas não geram reincidência, conforme expressa disposição legal. [01]

No entanto, considerando a possibilidade existente de que o autor do fato não faça jus aos benefícios da Lei 9099/95 ou simplesmente não aceite as propostas ministeriais, ensejando o andamento processual nos termos do artigo 77 e seguintes da Lei 9099/95, mister se faz decidir sobre o tema da reincidência em caso de eventual condenação transitada em julgado por infração ao artigo 28 da Lei de Drogas.

Uma conclusão ponderada sobre o assunto não pode prescindir da análise do preenchimento dos requisitos caracterizadores da reincidência e, por isso mesmo, da definição quanto à natureza jurídica do ilícito descrito no artigo 28 da Lei 11.343/06. Afinal, exige o Código Penal em seu artigo 63, para a caracterização da reincidência, a condenação anterior transitada em julgado por outro "crime". E também o artigo 7º. da Lei de Contravenções Penais, impõe para reconhecimento da reincidência a condenação anterior transitada em julgado por "crime" ou "contravenção", esta última no território nacional.

Como é de trivial conhecimento, o advento da Lei 11.343/06, com o novo tratamento dado ao usuário ou dependente de drogas, ensejou acirrado debate doutrinário acerca da natureza jurídica do dispositivo em destaque.

Assim sendo, iniciar-se-á a exposição por um breve relato do estado de tal discussão para, em seguida, delinear as conseqüências quanto à questão da reincidência de acordo com a futura predominância de algum desses entendimentos. Isso porque a exigência acima mencionada de condenação anterior transitada em julgado por "crime" ou mesmo "contravenção" em certos casos determinará o contorno da reincidência nas situações concretas, levando em conta a interpretação acerca da natureza jurídica do artigo 28 da Lei 11.343/06 (crime, contravenção, infração...??).


2 – NATUREZA JURÍDICA DO ARTIGO 28 DA LEI 11.343/06

A polêmica instalou-se na interpretação doutrinária acerca da natureza jurídica do artigo 28 da Lei de Drogas, tendo em vista a previsão de penas inusitadas pelo legislador a ensejarem verdadeira perplexidade ante a premência da resposta quanto a tratar-se o ilícito ali previsto de um crime ou de uma contravenção penal.

Um dos primeiros autores a manifestar-se corajosamente nesse terreno irregular e minado foi Luiz Flávio Gomes, defendendo a tese de que a Lei 11.343/06 teria promovido verdadeira "Abolitio Criminis", descriminalizando a posse de drogas para consumo próprio. Em seu entender, o que justificaria tal conclusão seria o fato de que, de acordo com a Lei de Introdução ao Código Penal (artigo 1º.), não se poderia classificar o dispositivo nem como crime, pois não prevê pena de reclusão ou detenção, nem como contravenção, já que também não prevê multa isolada ou prisão simples. Portanto, o artigo 28 do diploma comentado não mais trataria de uma "infração penal", embora mantendo a ilicitude da conduta. [02]

Gomes lembra sobre a divisão da descriminalização em duas espécies [03]:

a)"Descriminalização Penal", que "retira o caráter de ilícito penal da conduta, mas não a legaliza".

b)"Descriminalização Plena ou Total", a qual "afasta o caráter criminoso do fato e lhe legaliza totalmente".

Como é nítido, para o autor o caso enfocado caracterizaria uma "descriminalização penal", de forma que a posse de drogas para consumo próprio não seria mais uma "infração penal" (crime ou contravenção), mas continuaria sendo proibida, de maneira a conformar uma "infração ‘sui generis’" [04] ou ainda uma "infração para – penal" [05]

Descarta inclusive o autor a possibilidade de que se pudesse considerar o artigo 28 da Lei de Drogas como um "ilícito administrativo", vez que "as sanções cominadas devem ser aplicadas não por uma autoridade administrativa e sim por um juiz (juiz dos Juizados Criminais)". Enfim, tratar-se-ia de um "ilícito ‘sui generis’", nem penal, nem administrativo. [06]

Seguindo a mesma linha de raciocínio, João José Leal chega porém à conclusão de que o artigo 28 da Lei de Drogas representaria sim uma infração penal, embora nem crime nem contravenção. Teria sido criada pelo legislador o que o autor denomina de uma "infração penal inominada", no bojo de uma "descriminalização branca". [07]

Por seu turno, Rodrigo Iennaco de Moraes defende a tese de que não houve descriminalização ou "Abolitio Criminis". Para ele o artigo 28 da Lei 11.343/06 descreveria uma "contravenção penal", na medida em que seria uma infração penal que não é punida com reclusão ou detenção. Além disso, aduz o autor que a Lei 11.343/06 prevê que em caso de descumprimento das penalidades arroladas no artigo 28, poderá haver a aplicação de pena isolada de multa (artigo 28, § 6º., II), de forma a coadunar-se a referida infração penal ao conceito de contravenção delineado pelo artigo 1º. da Lei de Introdução ao Código Penal. [08]

Finalmente, constata-se que a maioria da doutrina até o momento tem se posicionado pelo reconhecimento de que o artigo 28 da Lei de Drogas prevê mesmo um "crime". [09]

Para fundamentar essa conclusão têm sido acenados alguns argumentos:

Em primeiro lugar tem sido mencionado o fato de que o artigo 28 está alocado no Capítulo III, cujo sugestivo título é "Dos crimes e das penas". Ademais, as medidas que podem ser impostas aos infratores são também denominadas pela própria lei de "penas" (vide artigo 28, "caput", "in fine").

Particularmente, considera-se tal argumentação extremamente superficial e contaminada por um legalismo similar à antiga "Escola da Exegese", caracterizada pela limitação a uma "interpretação passiva e mecânica das leis". [10]

Para determinar a natureza jurídica de um instituto não basta ao intérprete constatar a "etiqueta" imprimida pelo legislador. Este não tem o poder de alterar de uma penada a natureza jurídica dos institutos, o que está ligado a muito mais do que as palavras da lei. Está relacionado à conformação íntima de cada instituto, em suma, ao seu verdadeiro espírito, que não pode ser perscrutado sem maiores aprofundamentos. [11]

Entretanto, a corrente doutrinária em estudo não se limita a essa linha argumentativa tão frágil e que somente pode ser encarada como ancilar de fundamentos mais robustos.

Efetivamente traz à colação o fato de que uma vetusta lei ordinária (Decreto – Lei 3914/41 – Lei de Introdução ao Código Penal) não pode limitar os contornos das infrações penais no atual estágio da legislação brasileira, inclusive em face de inovadores preceitos constitucionais que versam sobre o tema.

Realmente o artigo 5º., XLVI, alíneas "a" a "e", CF, apresenta um rol muito mais amplo do que as penas de reclusão, detenção, prisão simples e multa previstas pela legislação ordinária de 1941. Frise-se ainda que esse rol mais amplo nem sequer é taxativo, mas meramente exemplificativo, pois que o dispositivo arrola as penas ali elencadas com a ressalva de que o legislador as poderá adotar "entre outras". [12]

Aliás, a velha lição de que o Brasil é partidário do chamado "Sistema Dicotômico ou Bipartido" no que tange às infrações penais, dividindo-as em crimes e contravenções e não em crimes, delitos e contravenções como ocorre no chamado "Sistema Tricotômico ou Tripartido" adotado por outros países como, por exemplo, a França, [13] vem sendo posto em cheque, considerando as inúmeras inovações legislativas que praticamente implodiram o sistema, ampliando sobremaneira as possibilidades de classificação das infrações penais brasileiras.

Muito bem descreve esse fenômeno Artur de Brito Gueiros Souza ao destacar o surgimento de uma justificada dúvida quanto a saber se realmente o Brasil continua adepto de um sistema bipartido ou se já migrou para um sistema tripartido ou até mais ampliado, mencionando-se uma suposta classificação em "crimes hediondos", "crimes não – hediondos" e "infrações de menor potencial ofensivo", as quais abrangem alguns crimes e todas as contravenções (inteligência das Leis 8072/90 e 9099/95). [14] Isso sem contar uma possível subdivisão das infrações, acrescentando uma categoria que se denominaria de "infrações de médio potencial ofensivo", composta pelos tipos penais que comportam a suspensão condicional do processo nos termos do artigo 89 da Lei 9099/95, o que conduziria até mesmo a um sistema quadripartido.

Dessa forma, ter-se-ia operado com o advento do artigo 28 da Lei 11.343/06 uma "despenalização" e uma "descarcerização", mas não uma "descriminalização" ou "Abolitio Criminis".


3 – A CONDENAÇÃO ANTERIOR POR INFRAÇÃO AO ARTIGO 28 DA LEI 11.343/06 GERA REINCIDÊNCIA?

A resposta à indagação ora formulada dependerá em muito da convicção quanto à natureza jurídica do artigo 28 que venha a firmar-se definitivamente na doutrina e na jurisprudência, tão logo superada a perplexidade que reina na atualidade (se é que um dia o será).

Não podendo fugir ao ônus do posicionamento acerca do tema, considera-se que assiste razão àqueles que apontam o artigo 28 como configurador de "crime", ainda que não prevendo pena de prisão (reclusão ou detenção). A ampliação das penas promovida pelo artigo 5º., XLVI, CF, concede ao legislador ordinário certa liberdade para a classificação das infrações penais, de maneira que ao atribuir ao artigo 28 o "nomen juris" de "crime" e às medidas aplicáveis a designação de "penas", resta clara a opção e a intenção legais.

Por isso parte-se dessa premissa para expor uma primeira impressão quanto à reincidência derivada de condenação por infração ao artigo 28.

Estabelece o Código Penal em seu artigo 63 o seguinte:

"Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior" (grifo nosso).

Na interpretação desse dispositivo tem sido amplamente majoritário o entendimento, tanto na doutrina como na jurisprudência, de que não importa a espécie de crime (doloso ou culposo, previsto no Código Penal ou na Legislação Esparsa) e nem mesmo a espécie de pena aplicada originária ou substitutivamente. O que importa é que a condenação anterior diga respeito a "crime", qualquer que seja a sua espécie, qualquer que seja a pena prevista ou aplicada. Os únicos casos excepcionais são as condenações cuja pena já tenha sido cumprida ou extinta há mais de cinco anos ("Temporariedade da Reincidência") e os crimes militares próprios e políticos (art. 64, I e II, CP). [15]

Poucos são os que discrepam parcialmente dessa corrente de pensamento, procurando excepcionar também a pena de multa anterior como não geradora de reincidência por aproximação com a regra expressamente prevista no artigo 77, § 1º., CP, para o "sursis". [16]

Apenas a título de argumentação, acaso se sustentasse que a condenação a pena de multa ou outras modalidades não privativas de liberdade não gerassem reincidência, certamente a condenação por infração ao artigo 28 da Lei de Drogas não geraria reincidência, eis que previstas apenas penalidades não privativas de liberdade.

No entanto, como já destacado, tal entendimento é francamente minoritário, de maneira que, sendo geradora de reincidência qualquer condenação anterior transitada em julgado por "crime", independentemente da pena cominada ou aplicada, conclui-se que a eventual condenação por infração ao artigo 28 da Lei 11.343/06 também gerará reincidência. Inclusive o próprio § 4º. do artigo 28 menciona as conseqüências da "reincidência" para a determinação do "quantum" das penas previstas nos incisos II e III do "caput".

Esta é a conclusão inarredável, considerando o artigo 28 como sendo um "crime".

Não obstante, deve-se ter em mente a polêmica já demonstrada sobre esse delicado tema, o que torna imperiosa a análise da questão suscitada, tendo em conta as demais soluções apresentadas pela doutrina.

A prevalecer o entendimento de que o artigo 28 não constitui crime ou contravenção, mas sim uma "infração ‘sui generis’" (Luiz Flávio Gomes) ou uma "infração penal inominada" (João José Leal), as conseqüências com relação à reincidência devem ser opostas.

Não se tratando de crime nem de contravenção, o artigo 28 jamais poderia gerar reincidência, seja nos termos do artigo 63, CP, seja de acordo com o artigo 7º., LCP. Em relação a crime somente a condenação anterior por outro "crime" pode ocasionar reincidência. Quanto à contravenção, somente condenações anteriores por "crime" ou por "contravenção", esta segunda operada no Brasil. Ora, se o artigo 28 não configura crime ou contravenção, não há como poder gerar reincidência.

É interessante notar que em sua obra Luiz Flávio Gomes, como já exposto, defende ter-se operado "Abolitio Criminis", mas, contraditoriamente, afirma que a condenação anterior pelo artigo 28 da Lei 11.343/06 geraria reincidência, somente não o fazendo nos casos de penas transacionadas.

Eis o texto:

"Pena imposta fora da transação penal: se as penas alternativas do artigo 28 forem aplicadas fora da transação penal, em sentença proferida no final do procedimento sumaríssimo da Lei dos Juizados, valem como antecedentes criminais, para reincidência etc. Somente a pena ‘transacionada’ é que não possui esses efeitos". [17]

Ora, se não se trata de infração penal (crime ou contravenção) como se pode falar de reincidência? Com base em que dispositivo legal, já que aqueles que tratam da matéria rechaçam tal conclusão (art. 63, CP e art. 7º., LCP)?

A única explicação para a afirmação sob comento seria a de que o autor estaria se referindo à situação de uma reincidência específica no artigo 28, a qual somente teria o condão de aumentar o prazo de 5 para 10 meses de imposição de prestação de serviços à comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, nos estritos termos do § 4º. do mesmo dispositivo.

Realmente, se esse fosse o teor da afirmação, estaria elidida a suposta contradição. Aliás, esta seria, neste contexto, a única interpretação razoável para o § 4º. do artigo 28 da Lei 11.343/06. A "reincidência" ali mencionada não poderia ser aquela do Código Penal ou da Lei de Contravenções Penais, mas uma "reincidência específica especial" referente somente ao artigo 28 da Lei de Drogas e cujo único efeito seria o aumento do prazo de imposição das penas previstas nos incisos II e III do "caput". [18]

No entanto, ao tratar do tema da reincidência para além do § 4º. do artigo 28 da Lei 11.343/06, ou seja, referindo-se aos efeitos da condenação anterior pelo dispositivo com relação a outras infrações penais, o autor deixa clara sua conclusão de que o artigo 28 geraria reincidência na forma do artigo 63, CP.

Vejamos "in verbis":

"Isso significa que tais sanções, quando impostas em transação penal: a) não valem para efeito de antecedentes criminais; b) não valem para efeito de reincidência do Código Penal; c)não geram efeitos civis. Diferente é a sanção imposta na sentença final, quando não houve transação penal. Nesse caso a sentença vale para antecedentes criminais, é pressuposto da reincidência etc" (grifo nosso). [19]

Note-se que não se tratando de crime ou contravenção, nem mesmo como "antecedentes criminais" poderia ser considerada tal condenação, sob pena de contradição com a afirmação inicial. No máximo essa condenação poderia ser apreciada pelo Juiz de acordo com o artigo 59, CP e/ou art. 42 da Lei 11.343/06, como elemento da "conduta social" do agente.

Neste sentido destaca Alberto Silva Franco que com a reforma da Parte Geral do Código Penal de 1984, o legislador distinguiu os "antecedentes criminais" da "conduta social" do agente, esvaziando bastante o conteúdo do primeiro que ficou restrito "à existência ou não, no momento da consumação do fato delituoso, de precedentes judiciais". [20] É claro que esses "precedentes judiciais" devem referir-se a questões criminais, como bem expõe Rogério Greco ao asseverar que "os antecedentes dizem respeito a todo histórico criminal do agente que não se preste para efeitos de reincidência" (grifo nosso). [21]

Por derradeiro, considerando a tese de que o artigo 28 sob comento seria uma contravenção penal, a conclusão quanto à reincidência somente poderia ser dividida em duas situações:

a)Havendo condenação anterior pelo artigo 28 (contravenção penal) e prática de um crime posterior, inviabilizado estaria o reconhecimento da reincidência nos termos do artigo 63, CP, pois que "só é reincidente o agente que, antes da prática do crime, já estivesse condenado definitivamente – com sentença transitada em julgado – por outro crime. A norma fala em condenação definitiva anterior por fato definido como crime, pelo que não se pode falar em reincidência se a condenação anterior tiver sido por contravenção penal". [22]

b)Ocorrendo condenação anterior pelo artigo 28 (contravenção penal) e cometimento posterior de contravenção no território nacional, caracterizada estaria a reincidência nos termos do artigo 7º., LCP.

Em qualquer caso, porém, restaria a reincidência específica no artigo 28, nos limites da Lei 11.343/06, para fins de dosimetria das penas previstas nos incisos II e III do artigo 28, "caput", de acordo com o disposto em seu § 4º. Ou seja, independentemente do entendimento acerca da natureza jurídica do artigo 28 (crime, contravenção, infração "sui generis" ou infração penal inominada), havendo condenação anterior transitada em julgado, seria possível o reconhecimento da reincidência específica do § 4º. supra mencionado para ao menos a finalidade de alteração do "quantum" da pena restritiva ou medida educativa de 5 para 10 meses. No entanto, sempre considerando a pena imposta mediante devido processo legal e jamais aquela transacionada (art. 76, § 4º. da Lei 9099/95). [23]


4 – CONCLUSÃO

De acordo com o exposto, podem ser arroladas as seguintes conclusões:

1 – Reina a polêmica acerca da determinação da natureza jurídica do artigo 28 da Lei 11.343/06, havendo quatro principais orientações:

a) "Infração ‘sui generis’";

b) "Infração penal inominada";

c) Contravenção Penal;

d) Crime.

2 – A melhor orientação, de acordo com o tratamento das penas na Constituição Federal e com o atual estágio do Direito Penal Brasileiro quanto às espécies de infrações penais, é a de que o artigo 28 em destaque descreve um crime.

3 – A caracterização de reincidência por cometimento de infrações penais posteriores a condenação pelo artigo 28 depende visceralmente de uma definição quanto à natureza jurídica do referido dispositivo, de modo que:

a)Considerado como crime, ensejará reincidência;

b)Considerado como "infração ‘sui generis’" ou "infração penal inominada", não poderá gerar reincidência de acordo com o disposto nos artigos 63, CP e 7º., LCP.

c)Considerado como contravenção, não gerará reincidência com relação a crime posterior (art. 63, CP), mas gerará reincidência com relação a contravenção ulterior (art. 7º., LCP).

4 – A "reincidência" referida no artigo 28, § 4º. da Lei 11.343/06 somente pode ser interpretada como específica e diz respeito tão somente aos limites máximos das penas previstas nos incisos II e III do dispositivo comentado. Dessa forma, qualquer que seja a conclusão quanto à natureza da infração, permanecem válidos os efeitos internos dessa "reincidência" no bojo da Lei 11.343/06, com referência somente ao artigo 28 do mesmo diploma, muito embora seja bastante inusitado falar em suposta "reincidência", ainda que específica no artigo 28, tendo por parâmetro os entendimentos que não reconhecem nesse dispositivo uma infração penal (crime ou contravenção). Para tanto, seria necessário mesmo reconhecer que o § 4º. do artigo 28 cria uma nova espécie de "reincidência especial específica". Esta é mais uma razão a apontar para uma razoabilidade maior dos entendimentos que reconhecem o artigo 28 como uma infração penal, crime ou pelo menos contravenção.

5 – Mesmo considerando a "reincidência" prevista no § 4º. do artigo 28 como diferenciada e aplicável independentemente da natureza jurídica do ilícito a ela relacionado, deve-se considerar que para a sua configuração haverá necessidade de condenação transitada em julgado por infração ao artigo 28 sobredito, não sendo suficiente jamais a penalidade aplicada por meio de transação penal, tendo em vista o disposto no artigo 76, § 4º. da Lei 9099/95 e as garantias constitucionais do devido processo legal.


5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

01 Vide artigo 48, §§ 1º. A 5º. Da Lei 11.343/06 c/c art. 76, § 4º. Da Lei 9099/95.

02 GOMES, Luiz Flávio, et al. (coord). Nova Lei de Drogas Comentada. São Paulo: RT, 2006, p. 109.

03 Ibid., p. 108.

04 Ibid., p. 110.

05 GOMES, Luiz Flávio. Drogas e Princípio da Insignificância: atipicidade material do fato. Disponível em www.jusnavigandi.com.br, em 30.08.06.

06 GOMES, Luiz Flávio, et al. (coord.). Nova Lei de Drogas Comentada. São Paulo: RT, 2006, p. 110.

07 Política Criminal e a Lei 11.343/2006: descriminalização da conduta de porte para consumo pessoal de drogas? Disponível em www.jusnavigandi.com.br , em 27.10.06.

08 Abrandamento Jurídico – Penal da "posse de droga ilícita para consumo pessoal" na Lei 11.343/2006: primeiras impressões quanto à não – ocorrência de "Abolitio Criminis". Disponível em www.jusnavigandi.com.br, em 08.09.06.

09 Ver por todos: VOLPE FILHO, Clóvis Alberto. Considerações pontuais sobre a nova lei antidrogas (Lei 11.343/2006) – Parte I. Disponível em www.jusnavigandi.com.br , em 08.09.06.

10 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. Tradutores Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 78.

11 Afirma com acerto Serrano: "Os elementos de interpretação, por conseguinte, devem ser três: gramatical, lógico e científico. O primeiro diz respeito à forma exterior da lei, sua letra; o segundo e o terceiro dizem respeito à sua força íntima, seu espírito". SERRANO, Pablo Jiménes. Interpretação Jurídica. São Paulo: Desafio Cultural, 2002, p. 38.

12 É claro que essa liberdade do legislador ordinário não é absoluta, pois que a própria Constituição Federal proíbe determinadas espécies de pena (art. 5º. LXVII, alíneas "a" a "e", CF).

13 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Volume II, Campinas: Bookseller, 1997, p. 48 – 54.

14 Espécies de sanções penais: uma análise comparativa entre os sistemas penais da França e do Brasil. Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 49, jul./ago., 2004, p. 9 – 38.

15 Ver neste sentido: ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. 5ª. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 796. FRANCO, Alberto Silva, et al. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 5ª. ed. São Paulo: RT, 1995, p. 793. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Volume 1. 9ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 458. BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Volume 1. 4ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 511. JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal Anotado. 17ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 234. MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 500. BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 230.

16 Neste sentido: DELMANTO, Celso, et al. Código Penal Comentado. 6ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 126.

17 Op. Cit., p. 116.

18 Aliás, mais adiante o autor emprega essa interpretação acertadamente ao § 4º. do artigo 28 em destaque. Ibid., p. 133 – 134. Não obstante, deve-se destacar discordância com a afirmação do autor de que a pena acordada na transação penal ensejaria a reincidência específica do § 4º. da Lei de Drogas, o que conflita com o disposto no artigo 76, § 4º. da Lei 9099/95, que estabelece claramente que a pena transacionada jamais poderá ensejar reincidência. Aliás, seria violação frontal à Constituição (contraditório, ampla defesa, devido processo legal) possibilitar tal efeito a uma penalidade consensual. Somente poderia gerar reincidência, seja na forma do Código Penal, seja com relação ao § 4º do artigo 28 da Lei 11.343/06, a pena imposta após um processo sumaríssimo de acordo com o rito do art. 77 e seguintes da Lei 9099/95. Isso porque, ainda que se trate somente dos efeitos da reincidência do § 4º. do art. 28 da Lei de Drogas, é inegável o agravamento da situação do réu, impondo-lhe restrições por até 10 meses ao invés de apenas por até 5 meses. E não se pode utilizar o argumento inconsistente de que tais medidas seriam educativas e tomadas em prol do agente. Esse é um discurso tipicamente autoritário que já vem há tempos legitimando medidas constritivas aplicadas sem as devidas garantias, por exemplo, na interpretação do ECA (Lei 8069/90) com sua riqueza em eufemismos.

19 Ibid., p. 115.

20 Op. Cit., p. 672.

21 Curso de Direito Penal. Volume I. 6ª. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 602.

22 TELES, Ney Moura. Direito Penal. Volume I. São Paulo: Atlas, 2004, p. 413. No mesmo sentido: GRECO, Rogério. Op. Cit., p. 611 – 612.

23 Vide comentários expendidos na nota 18 supra.


Autor

  • Eduardo Luiz Santos Cabette

    Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. O art. 28 da Lei de Drogas e a reincidência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1252, 5 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9245. Acesso em: 29 mar. 2024.