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A legitimidade ativa no mandado de segurança coletivo

uma necessária visão ampliativa do art. 5º, LXX, da Constituição

A legitimidade ativa no mandado de segurança coletivo: uma necessária visão ampliativa do art. 5º, LXX, da Constituição

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O mandado de segurança coletivo é indispensável na defesa dos direitos difusos e coletivos e deve receber interpretação ampliativa do seu rol de legitimados.

Resumo: O mandado de segurança coletivo é um remédio constitucional indispensável na concretização dos direitos coletivos em sentido amplo, servindo a garantia material de tais direitos enquanto de instrumento jurídico hábil a demandá-los e defendê-los frente ao Poder Judiciário. Nesse sentido, não se poderia restringir seu manejo unicamente às pessoas enumerados no art. 5º, LXX, da Constituição da República. É imperioso reconhecer viabilidade jurídica de uma interpretação extensiva do rol de legitimados para impetração do writ coletivo, para alcançar não só o Ministério Público e a Defensoria Pública, mas também os próprios Entes Públicos e suas autarquias, como a OAB. Com efeito, tal possibilidade se lastreia essencialmente em três pilares: i) o regime jurídico único do processo coletivo e seus princípios regentes; ii) a própria natureza jurídica do mandado de segurança enquanto um remédio constitucional; iii) a inerente característica dos processos coletivos enquanto litígios de interesse público.

Sumário: Introdução; 1) Uma visão inicial do tema; 2) O regime jurídico do processo civil coletivo; 2.1) Princípio da legitimidade ativa concorrente ou pluralista; 2.2) Princípio da aplicação integrada dos diplomas legais de tutela coletiva; 3) O mandado de segurança coletivo como um remédio constitucional; 4) A conotação público-social do processo coletivo; 5) Conclusão.


 

Introdução:

 

Entre os chamados remédios constitucionais, há de se dar destaque ao mandado de segurança. Embora esse seja marcado pela sua residualidade frente ao Habeas Corpus e ao Habeas Data, isso não lhe implica uma status de ação constitucional de segunda categoria. Muito pelo contrário, é justamente em razão da sua abrangência – não encontrando-se restringido em seu objeto, como ocorre aos demais writs[1] – que assume a mais significante importância. Ele é um meio de defesa de uma verdadeira infinidade de direitos e, como tal, um instrumento indispensável à efetividade da Constituição.

A versatilidade desse writ lhe permite, inclusive, que seja manejado em favor não só de direitos individuais, mas também de interesses coletivos em sentido amplo. Trata-se do mandado de segurança coletivo, previsto no art. 5º, inciso LXX, da Carta Maior, cujos legitimados ativos são, pelo texto constitucional, i) os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, ii) as organizações sindicais, iii) as entidades de classe e iv) as associações regularmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. Figura-se uma hipótese de legitimidade extraordinária[2], na qual tais entes atuam em nome de seus associados, defendendo seus interesses enquanto substitutos processuais.

Frente ao desenho constitucional do writ coletivo a questão que se coloca é justamente acerca da viabilidade jurídica de extensão dos legitimados para sua impetração.  Será que poder-se-ia considerar o rol do art. 5º, inciso LXX, como numerus clausus? Ou, ao contrário, seria esse meramente exemplificativo, permitindo que outros atores sociais manejem o mandado de segurança na defesa de direitos coletivos em sentido amplo? Especificamente coloca-se em pauta a legitimidade dos Municípios, Estados, Ministério Público e da Defensoria Pública para se utilizar do writ coletivo, em particular frente as missões institucionais-constitucionais dessas entidades.  


1.  Uma visão inicial do tema

 

A indagação que aqui se coloca não é de fácil resolução.

Deve-se reconhecer que há razoabilidade em argumentar pela impossibilidade da extensão proposta. Poderia se argumentar, primeiramente, que, como o constituinte originário concedeu a legitimidade para o manejo do mandamus somente aos entes do art. 5º, inciso LXX, da Constituição e a ninguém mais, tratou-se esta de uma escolha expressa em restringir a sua utilização apenas àqueles. O silêncio do constituinte, seguido pelo legislador ordinário na Lei n. 12.016/2009,  seria eloquente, afastando qualquer possibilidade de uma interpretação ampliativa, constituindo uma omissão intencional.

Além disso, também é de se considerar que a legitimidade extraordinária é excepcional, só sendo permitida quando autorizada pelo ordenamento jurídico (art. 18 CPC). Conforme ensina Patrícia Pizzol, citando Donaldo Armelin, a legitimidade extraordinária se caracteriza pela possibilidade de a decisão judicial proferida atingir não a esfera jurídica do legitimado, mas a alheia, daquele não participou da relação processual [3]. Ao se admiti-la, consequentemente, opera-se uma ampliação dos limites subjetivos da coisa julgada para além das partes do processo[4]. Assim, ela deveria ser usada com cautela, não poderia ser permitida sem a correspondente anuência constitucional ou legal.

Deveras, ambos esses argumentos parecem ser chancelados pelos Tribunais Superiores. O Supremo Tribunal Federal, em sede do MS n.  21.059-1/RJ, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, pronunciou-se desfavoravelmente a extensão da legitimidade ativa para impetração do mandamus à Estado-membro da Federação. Restou consignado naquele julgamento a interpretação taxativa do art. 5º, inciso LXX, da Constituição. Aduziu o Relator que a “legitimidade extraordinário coletiva – e a consequente abertura à tutela jurisdicional dos interesses compreendidos nas suas finalidades institucionais, seguem, contudo, excepcionais, dependentes de norma explícita que excecione a regra geral [...]”.

Transcreve-se abaixo a ementa do acórdão:

 

Mandado de segurança coletivo: questão de legitimidade extraordinária de Estado-membro em defesa de interesses da sua população. Ao Estado-membro não se outorgou legitimação extraordinário para a defesa, contra ato de autoridade federal no exercício de competência privativa da União, seja para a tutela de interesses difusos de sua população – que é restrito aos enumerados na lei da ação civil pública (L. 7.347/85 - , seja para a impetração de mandado de segurança coletivo, que é objeto de enumeração taxativa do art. 5º, LXX da Constituição. Além de não poder extrair mediante construção ou raciocínio analógico, a alegada legitimidade extraordinário não se explicaria no caso, porque, na estrutura do federalismo, o Estado-membro não é órgão de gestão, nem de representação dos interesses da sua população, na órbita da competência privativa da União. (STF, Mandado de Segurança MS 21/059-1/RJ, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Data do Julgamento: 05/09/1990) (grifo nosso)

 

Na mesma linha argumentativa aparenta caminhar o Superior Tribunal de Justiça. No julgamento do RMS n. 49.257/DF, de relatoria da Min. Maria Thereza de Assis, – consideravelmente mais recente que o anterior – o Tribunal Cidadão negou legitimada a Defensoria Pública para o manejo do writ.   A razão da negativa, segundo a Relatora, seria simples: “o rol dos legitimados a impetrar mandado de segurança coletivo previsto no art. 5º, inciso LXX, da Constituição Federal, assim como no art. 21 da Lei nº 12.016/2009, não elenca a Defensoria Pública. Nesse passo, não tem a recorrente legitimidade para impetrar mandado de segurança coletivo na defesa de direitos ou prerrogativas de seus assistidos”.

Segue-se a ementa do RMS:

 

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. FALTA DE LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA IMPETRAR MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. IMPETRAÇÃO GENÉRICA. DECLARAÇÃO DE DIREITO EM TESE. SEGURANÇA NORMATIVA. NÃO CABIMENTO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O rol dos legitimados a impetrar mandado de segurança coletivo previsto no art. 5º, inciso LXX, da Constituição Federal, assim como no art. 21 da Lei nº 12.016/2009, não elenca a Defensoria Pública. 2. Considerando que a impetração se deu em nome próprio, como sustentado pela Defensoria Pública neste recurso, incabível o mandamus porquanto a pretensão consubstancia pedido de declaração, em tese, do direito, finalidade para a qual não se presta o writ. 3. Desse modo, é incabível o writ porque a Defensoria Pública não tem legitimidade para impetrar mandado de segurança coletivo e também porque não se admite mandado de segurança normativo. 4. Recurso ordinário a que se nega provimento. (STJ - RMS: 49257 DF 2015/0229556-9, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 03/11/2015, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/11/2015) (grifo nosso)

 

Seria, então, essa a solução ao nosso questionamento? O art. 5º, inciso LXX, da Constituição da República seria efetivamente um rol numerus clausus? A concessão de legitimidade ativa a outros entes públicos para o mandado segurança coletivo seria inviável frente a falta de previsão constitucional e normativa nesse sentido?  Se nos contentássemos em simplesmente concordar passivamente com o entendimento jurisprudencial exarado até então, assumindo uma visão mais conservadora quanto as funções institucionais do mandado coletivo, a resposta a esses questionamentos seria positiva.

No entanto, com as máximas vênias a intepretação efetuada pelos nosso Tribunais Superiores, acreditamos que devemos adotar uma posição mais crítica quanto a matéria. Dada a importância do mandado de segurança dentro do contexto constitucional enquanto instrumento de efetivação dos direitos fundamentais ali positivados, é imperioso propormos uma nova visão sobre o tema. Não se pode interpretá-lo de forma desassociada do contexto democrático da Constituição de 1988 e o seu compromisso com a plena efetividade dos direitos fundamentais[5].  Em especial, ponderando a relevância dos direitos coletivos em sentido amplo trazida pela própria Carta Maior de 1988.

 


2.      O regime jurídico do processo civil coletivo

 

No âmbito desta discussão que buscamos suscitar, há um primeiro ponto que consideramos de suma importância a discussão: a existência de um regime jurídico constitucional próprio ao processo civil coletivo.

Inegavelmente, a Constituição de 1988 foi um marco na tutela jurídica dos direitos transindividuais. O constituinte concedeu-lhes manifesta dignidade constitucional, mencionando-os expressamente na epígrafe do Capítulo I, Título II, da Carta Maior: “DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS”. Embora o art. 5º seja extremamente tímido quanto a esses, não prevendo em seu rol quase nenhum direito efetivamente coletivo – versando apenas sobre direitos individuais de expressão coletiva[6], com uma breve alusão ao direito dos consumidores no inciso XXXII –, é uma omissão de pouco prejuízo, pois a maior parte desses sobrevieram ao longo da Constituição, como é o direito ao meio ambiente (art. 255), o direito à cultura (art. 215) etc [7].

Ademais, mesmo que não houvesse direta referência aos direitos transindividuais no texto constitucional, entendemos que seu status de direitos fundamentais ainda seria inegável. Se o Estado brasileiro se volta a realização de uma sociedade justa, livre e solidária, que garanta o desenvolvimento nacional e o bem de todos (art. 3º, incisos I, II e IV, CR), tal objetivo só pode ser atingido mediante uma tutela efetiva e satisfatória dos direitos coletivos em sentido amplo[8]. Especialmente em uma sociedade de riscos massificados, na qual as consequências de certos atos ultrapassam a esfera do indivíduo para atingir a sociedade como um todo, transcendendo até mesmo o tempo para afetar as gerações futuras[9], é indispensável uma defesa ampla dos interesses coletivizados.

De um modo ou de outro, é certo que a Constituição se preocupou enormemente com a tutela dos direitos transindividuais, trazendo-os ao seu âmago como forma a garantir-lhes a máxima proteção. Inclusive, frente a essa situação alguns autores defendem uma nova summa divisio do Direito pátrio entre Direito Coletivos e Direito Individuais, a superar a clássica separação entre Direito Público e Direito Privado [10].

Deveras, nesse quadro, não se poderia permitir que essa preocupação do constituinte originário com os direitos transindividuais restasse ineficaz. As normas constitucionais que preveem e garantem tais direitos não poderiam ser encaradas como meras declarações abstratas, mas sim regras dotadas de uma materialidade e aplicabilidade real. E, o meio para assegurar essa efetivação é justamente a concessão de instrumentos jurídicos hábeis a demandar e defender esses direitos, principalmente por meio do Poder Judiciário, em consonância ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição.

Ocorre que, a tutela jurisdicional dos direitos transindividuais, em razão das próprias peculiaridades desses, não poderia se submeter ao modelo processualista comum, caracterizado por uma lógica individualista. O direito processual civil clássico se demonstra como inadequado e insuficiente a proteção satisfatória dos direitos coletivos em sentido amplo. Segundo a doutrina especializada[11], entre as inúmeras impropriedades relacionadas a sua aplicação a jurisdição coletiva, pode-se citar:

A) a inadequação dos tradicionais critérios de legitimidade processual (preconizando que ninguém pode pleitear em nome próprio direito alheio);

B) a limitação subjetiva da coisa julgada aos sujeitos do processo;

C) o risco da sucessão de decisões judiciais conflitantes, especialmente nos litígios de massa nascidos de um mesmo fato;

D) a morosidade e o custo financeiro do ajuizamento de centenas ou milhares de ações individuais para cada lesado;

E) a ocorrência do fenômeno da “litigiosidade contida”, representado pelo desinteresse dos lesionados em levar suas demandas ao Judiciário por considerar o procedimento complexo, custoso e ineficiente

F) a reduzida efetividade da tutela jurisdicional, que se limitaria a conceder e proteger os direitos daquele reduzido número de indivíduos que entrassem em juízo.

Portanto, havia a necessidade de se desenvolver um regime jurídico próprio ao processo coletivo, que abarcasse as nuncias da tutela dos interesses transindividuais. Essa exigência foi suprida com o advento do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o qual muito além de reger as relações de consumo, funciona como um efetivo Código Processual Coletivo[12]. O CDC, mediante a inclusão do art. 21 na Lei n. 7.347/85 e do seu próprio art. 90, promoveu a integração das diversas legislações que regiam as ações coletivas (Lei da Ação Popular, a Lei da Ação Civil Pública, Lei de Improbidade Administrativa etc.), assim criando uma unidade sistemática ao processo coletivo.

Surgia, então, o microssistema de processo coletivo, cuja existência é de amplo conhecimento, inclusive na jurisprudência pátria:

 

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. JUNTADA DE DOCUMENTOS. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DA PARTE CONTRÁRIA. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA. ARTS. 19 DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 90 DO CDC. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 326 E 398 DO CPC. DIES A QUO DO PRAZO PRESCRICIONAL. DATA EM QUE O FATO SE TORNA CONHECIDO PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 23, II, DA LEI 8.429/90. FATO ILÍCITO. PRAZO. 5 ANOS. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO [...]

Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, com o qual se comunicam outras normas, como os Estatutos do Idoso e da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo "propiciar sua adequada e efetiva tutela" (art. 83 do CDC) [13]. (grifo nosso)

 

Assim, as ações coletivas (em seu sentido mais amplo) passaram a se submeter a uma lógica própria, com normas e princípios específicos. Embora haja divergência doutrinária acerca de quais seriam tais princípios, de regra geral, são conhecidos de maneira unânime: a) o princípio da indisponibilidade da demanda coletiva; b) o princípio legitimidade ativa concorrente ou pluralista; c)  o princípio da atipicidade das ações coletivas; d)  o princípio do devido processo legal coletivo; e ) o princípio da prioridade da tramitação do processo coletivo; f) o princípio da primazia do conhecimento de mérito; g) o princípio da máxima efetividade e do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva; h) o princípio da aplicação integrada dos diplomas legais de tutela coletiva[14].

Para os fins desse trabalho nos interessam, sobretudo, o princípio da legitimidade ativa concorrente ou pluralista e o princípio da aplicação integrada dos diplomas legais de tutela coletiva, sobre os quais nos estenderemos a seguir.

 

2.1) Princípio da legitimidade ativa concorrente ou pluralista  

O princípio em comento é expressamente mencionado por Gregória Almeida Assagra e Luiz Phillipe Vieira de Mello Neto. Para os mencionados autores, tal axioma jurídico exprimiria a ideia de que “a legitimidade ativa no direito processual coletivo não deve ser interpretada de forma fechada ou restritiva, mas de forma aberta e flexível, em razão de decorrer de princípio constitucional”[15]. A partir da interpretação dos arts. 103, 125, §2º e 129, §1º, da Constituição, têm se a necessária conclusão de que a legitimidade ad causum coletiva é caracteristicamente concorrente e disjuntiva. Significa dizer, ela é naturalmente concedia a mais de uma pessoa, que poderá a exercer independe dos demais.

Essa lógica é seguida por outros estudiosos do tema. Antônio Herman Beijamin defende que a questão da legitimação no processo coletivo seria compatível com uma interpretação flexível. Isso porque o autor vislumbra a legitimação ativa não como um tema meramente processual, mas o interrelaciona a garantia de acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV, CR), sendo, portanto, um instrumento de concretização e tutela dos interesses coletivos em sentido amplo. Assim, argumenta em favor da extensão do rol de legitimados, mesmo que não estejam expressamente indicados na lei[16].

A viabilidade (e imperiosidade) de uma interpretação extensiva encontra lastro na própria técnica processual. Como é sabido a legitimidade ad causum resulta da existência de uma relação entre o bem jurídico que se demanda em juízo e o sujeito processual. De acordo com Patrícia Miranda Pizzol: “Verifica-se, via de regra, a legitimidade, no processo, quando coincidem a situação em que se encontra a parte perante o ordenamento jurídico e aquela que ela atribui a si[17]”. Deveras, sempre que presente essa “pertinência subjetiva da ação”, a parte será qualificada como legítima para atuar no processo.

O que se extrair dessa breve explicação é que, de maneira geral, a legitimidade ad causum, só poderá ser efetivamente averiguada no caso concreto, ope judicis[18]. Ocorre que no caso das ações coletivas, o legislador optou por conceder uma presunção de legitimidade aos entes enumerados no art. 82 do CDC e o art. 5º da Lei da Ação Civil Pública (LACP)[19]. Embora relativa - podendo sofrer controle de adequação judicial -, tais normas ensejam uma pressuposição da existência da “pertinência subjetiva” daqueles para atuar na tutela dos direitos transindividuais, inclusive por meio do mandamus.

  De fato, como poderia se dizer que, por exemplo, o Ministério Público não possuiria legitimidade ativa para se valer do mandado de segurança coletivo? O texto constitucional expressamente lhe confere o dever de defender os interesses sociais e individuais indisponíveis, atuando ativamente na proteção dos direitos difusos e coletivos (art. 127, caput, e art. 129, inciso III, da Constituição). Assim, como já afirmou Nelson Nery, parece claro que, em certas situações, o Ministério Público será, em virtude de suas funções constitucionais, parte legítima para usar do mandamus em nome da tutela e promoção de tais direitos[20]. Exempli gratia, o caso de determinado órgão do Poder Público autorizar uma construção ilegal em uma área de preservação ambiental.

Do mesmo raciocínio compartilha Cassio Scarpinella Bueno:

 

O silêncio do art. 21, caput, da Lei n. 12.016/2009 não afasta a legitimidade ativa do Ministério Público para a impetração do mandado de segurança coletivo. Ela, embora não seja prevista expressamente pelo inciso LXX do art. 5° da Constituição Federal, decorre imediatamente das finalidades institucionais daquela entidade tais quais traçadas pelos arts. 127 e 129, III, da mesma Carta e, infra-constitucionalmente, pelo art. 6°, VI, da Lei Complementar n. 75/1993, para o Ministério Público da União, e no art. 32, I, da Lei n. 8.625/1993, para o Ministério Público dos Estados [21]

 

Diga-se mais, deve-se atendar aquelas legitimidades que advém da própria Constituição. Se o próprio constituinte originário optou por conceder de maneira ampla e irrestrita a legitimação ativa para atuar-se em juízo em defesa dos direitos coletivos em sentido amplo, não se poderia desejar limitá-la, seja pela via de lei ordinária, seja pela via interpretativa, principalmente tratando-se do Ministério Público e da Defensoria Pública Como afirma Patrícia Pizzol , A” legitimidade do Ministério Público e da Defensoria Pública decorre da CF (arts. 127 e 134), logo, não pode a legislação infraconstitucional restringi-la”[22]

 

2.2) Princípio da aplicação integrada dos diplomas legais de tutela coletiva

 

O princípio da aplicação integrada dos diplomas legais de tutela coletiva é, em verdade, muito mais um postulado interpretativo[23]. Através desse busca-se ensejar a noção de que as leis especificamente relacionadas à tutela coletiva não podem ser interpretadas de maneira individualizada, mas sim enquanto parte de um todo único que é o microssistema de processo coletivo. Assim, é necessária uma leitura integrativa de tais diplomas legais (CDC, LACP, LAC, LMS etc.), os quais intercomunicam e interpenetram, indo muito além de uma simples aplicação subsidiária ou supletiva[24].

Com efeito, no âmbito do microssistema de processo coletivo, há de se lançar mão da teoria do diálogo de fontes. Deve-se considerar que as normas processuais de tutela coletiva têm, ínsitas a si, a característica de serem intercambiantes[25]. Há entre elas uma intertextualidade sistemática, que exige do aplicador do direito atenção a uma interpretação harmônica entre os diversos dispositivos legais na resolução de problemas concretos a fim de alcançar a solução que melhor tutele os interesses envolvidos.

Nesse sentido, ao se examinar a Lei do Mandado de Segurança (LMS), ou qualquer outra legislação extraordinário de tutela coletiva, é preciso o fazer em vista, principalmente, dos dispositivos do CDC e da LACP, normas gerais do processo coletivo. Assim, a resolução de problemas que surjam nesse âmbito deve seguir, de preferência, os seguintes passos: a) primeiramente, há de se analisar o diploma específico (LMS); b) não se encontrando uma solução ou sendo ela insuficiente, deve-se seguir ao exame do CDC e da LACP; c) se ainda não se vislumbrar uma saída, então, deve-se procurada a ratio do sistema processual coletivo, interpretando-se conjuntamente suas normas[26].

Diante a esse cenário, é mister consignar que, muitas vezes, os enxutos rol de legitimados do art. 5º, inciso LXX, da Constituição e do art. 21 da LMS podem se demonstrar inadequados a proteção de certos direitos coletivos em sentido amplo, especialmente dos direitos difusos. Frente a essa deficiência, poderá se utilizar do art. 83 do CDC e do art. 5º da LACP para embasar uma extensão da legitimidade ativa do mandamus, ampliando a todos os entes elencados naqueles dispositivos legais.  

A viabilidade dessa comunicabilidade entre os legitimados à impetração do mandado de segurança coletivo e ao propositura da ação civil pública é viabilizada, inclusive, por um certo parentesco entre eles. Como comenta a melhor doutrina, há uma afinidade entre os institutos por serem ambos qualificados enquanto de remédios constitucionais, destinatários de um conteúdo e um objeto especial, qual seja, a proteção de bens jurídicos de ordem coletiva, fruto de um aprimoramento do Estado de Direito.

Sobre o assunto, traz-se à baila as ponderações de Hely Lopes, atualizadas por Gilmar Ferreira Mendes e Arnoldo Wald:

 

Cabe indicar, inicialmente, a existência de um certo parentesco entre o mandado de segurança, a ação popular e a ação civil pública, por serem remédios especiais, de natureza e origem constitucional, que se destacam e dissociam da técnica e até da filosofia tradicionais do processo civil clássico. Essa analogia entre os três institutos é, amos tempo, técnica e filosófica, por se caracterizarem todos eles, pelo fato de serem instrumentos de conteúdo mais denso, refletindo o aprimoramento institucional do Estado de Direito, com alguma vinculação histórica com o habeas corpus, e destinando-se à proteção do indivíduo contra o Poder Público, no caso do mandado de segurança, ou para a defesa da sociedade ou de seus membros, em casos especiais que justifiquem procedimento mais rápido e a legitimidade extraordinária ,como ocorre nas hipóteses das ilegalidades que ensejam a lesão ao patrimônio público, justificando a propositura da ação popular, e da defesa dos interesses difusos, coletivos e homogêneos individuais, no caso da ação civil pública. São institutos que honram a ciência jurídica brasileira e revelam a sensibilidade do legislador e do Poder Público em questões básicas ligadas à proteção dos direitos individuais, à moralidade administrativa, à ecologia, à proteção ao consumidor, à ordem econômica e ao patrimônio cultural e artístico, assegurando, outrossim, a igualdade racial [27].

 

Em conclusão, nos parece que, considerando a evolução do processo coletivo no sentido da formação de um microssistema jurídico próprio, regido de princípios peculiares a si, bem como considerando a exigências constitucionais da tutela dos interesses transindividuais como parte de concretização do Estado de Direito brasileiro, não se poderia desejar interpretar a LMS de maneira restritiva e individualizada. Há a necessidade de se considerar uma comunicabilidade com os demais diplomas de tutela coletiva, em especial a LACP, com quem divide uma afinidade filosófica e teleológica.


 

3.      O mandado de segurança coletivo como um remédio constitucional.   

 

Seguindo a discussão que aqui buscamos levantar, o seguindo ponto por meio do qual devemos perpassar: a qualidade do mandado de segurança enquanto um remédio constitucional de implementação dos direitos fundamentais.  

Como é sabido, não basta meramente declarar um direito, é indispensável também protegê-los daqueles que possam violá-lo, citando Paulo Bonavides, “de nada valeriam os direitos ou as declarações de direito se não houvesse, pois, as garantias constitucionais para fazer reais e efetivos tais direitos”[28]. Qualquer Carta Constitucional que espere ser minimamente eficaz terá, ínsita a si, além de normas declaratórias, também normas assecuratórias, que denominamos comumente de garantias constitucionais[29].

É no meio dessas garantias constitucionais que encontramos os remédios constitucionais. São eles instrumentos de ordem processual que se voltam a amparar os direitos fundamentais, permitindo que seus titulares acionem o Poder Judiciário a fim de fazer cessar situações de flagrante ilegalidade e abuso que ofendam, ou ameacem ofender, tais direitos[30]. Tratam-se, pois, de uma parte integrante e indispensável do direito (e garantia) a tutela judicial efetiva – plasmada no art. 5º, inciso XXXV, CR –, servindo como meio de operacionalizá-la e materializando-a no plano fático.

É nesse sentido que devemos visualizar e discutir o mandado de segurança coletivo. Ele é um remédio constitucional de natureza coletiva, cuja finalidade é justamente a amparar os direitos fundamentais transindividuais consagrados na Constituição. Segundo Sérgio Shimura, “o mandado de segurança encerra verdadeiro instrumento de liberdade civil e política, contra atos ou omissões de autoridade ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”[31]. Natureza jurídica esta que não pode ser olvidada.

Nesse sentido, comenta Cassio Sacerpinella Bueno Sobe a interpretação do art. 5º, inciso LXX, da Constituição da República:

 

O dispositivo constitucional [o art. 5º, LXX] sempre mereceu ser entendido no contexto inaugurado pela Constituição Federal de 1988 de asseguramento expresso e amplo do exercício também coletivo, isto é, não individual dos direitos e garantias “clássicos”, bem assim dos novos direitos e garantias que, gradativamente, foram sendo reconhecidos e incorporados ao patrimônio jurídico dos indivíduos, como, por exemplo, os direitos sociais[32].

 

Ora, como se pode extrapolar do já exposto, os remédios constitucionais não são um fim em si mesmo, pelo contrário, sua existência se justifica para assegurar a efetividade e exigibilidade dos direitos fundamentais. Lógica essa que deve ser carregada na interpretação desses institutos. Se são eles efetivos instrumentos de amparo aos direitos constitucionais, sua eventual limitação também implica, como consequência, em uma redução da tutela jurídica de tais direitos.  Há de se reconhecer um sumo vínculo entre os fins da própria ordem jurídica (a saber, a defesa dos direitos fundamentais[33]) e os remédios constitucionais, ferramentas de promoção de tal objetivo.  

Dessa sorte, o enfrentamento de qualquer questão que toque a utilização e o cabimento do mandamus coletivo (enquanto remédio constitucional) deve ser examinado sob o prisma da efetividade da Constituição e dos direitos fundamentais[34]. Dessa forma, seguindo as lições de Paulo Bonavides [35], o intérprete há de lançar mão da chamada “Nova Hermética”. Ou seja, não pode ele limitar-se a uma mera operação de subsunção do fato a norma, mas deve assumir uma posição criativa, acrescentando a norma constitucional, na busca de dar-lhe a máxima eficiência e concretude, inspirado naqueles valores juridicamente positivados que balizam o texto constitucional (art. 1º à 3º).

Dito isso, na análise do art. 5º, inciso LXX, da Constituição devemos tomar como base as finalidades precípuas do Estado brasileiro (quais sejam, a procura por uma sociedade, justa, livre, solidária, que promovo o bem de todos, sem discriminações), o que impele a consecução da tutela máxima dos direitos coletivos em sentido amplo. Nesse sentido, parece incoerente querer-lhe aplicar uma interpretação restritiva, sendo muito mais adequado conceder-lhes uma interpretação ampliativa, no intuito de alargar o âmbito de proteção jurisdicional dos direitos transindividuais.

Sobre o assunto bem comenta Eduardo Sodré:

 

Tratando-se de ação constitucional, como visto, a interpretação do mandado de segurança deve ser ampliativa, viabilizando-se ao máximo a sua utilização. Nesta linha de raciocínio, afirmar Cassio Scarpinella Bueno que “o reconhecimento de quem pode ser impetrante do mandato de segurança deve acompanhar, assim, a interpretação (necessariamente ampla) de todos aqueles que podem invocar as garantias do art. 5º da Constiuição. Dessa forma, a capacidade para  figurar no polo ativo da relação  processual, além de alcançar todas as pessoas físicas e jurídicas, engloba os órgãos públicos despersonalizados e as universalidades reconhecidas por lei [36]. (g/n).

 

Destarte, devemos entender as prescrições do art. 5º, inciso LXX, como uma garantia mínimo. Significa dizer, o constituinte originário positivou os traços mais básicos, essências, do mandado de segurança coletivo, não impedindo assim que possamos ampliar a partir dessa baliza inicial. A adição ao rol de legitimados do writ coletivo vem como uma evolução natural de um Estado de Direito preocupado em garantir a melhor tutela possível aos direitos transindividuais, principalmente em tempos cada vez mais complexos, com desafios e problemas que, de mais a mais, transbordam os limites individuais e afligem a sociedade, se não o globo terrestre, como um todo.


 

4.      A conotação público-social do processo coletivo

 

Por derradeiro, seguindo ao ponto final do debate aqui suscitado, devemos chamar atenção: a inerente conotação público-social do processo coletivo.

Já mencionamos anteriormente que a legitimidade ativa é averiguada a partir da existência de uma “pertinência subjetiva" entre a parte e o bem jurídico demandando no processo. Dito isso, aquilo que buscamos explorar no presente tópico é justamente a presença dessa vinculação subjetiva entre os entes públicos (os Municípios, os Estados e o Distrito Federal), o Ministério Público e a Defensoria Pública, com os processos coletivos em geral. Vinculação que concederia a esses a possibilidade de atuarem, em regra, no polo ativo de quaisquer ações coletivas, incluindo o mandamus coletivo.

A demonstração de nossa tese passa, primeiramente, pelo destrinchar das funções precípuas do Poder Público. Nesse sentido, não parece haver dúvida de que a finalidade principal do Estado (pelo menos de um Estado Republicano e de Direto) é a procura pela melhor tutela do interesse público. E, por “intendesse público” podemos entender o interesse de todos os indivíduos enquanto membros da sociedade, nos estribando nas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, [37]. Embora, inúmeros outros autores também interpretem expressão como um sinônimo de “bem comum” [38].

Tomando a definição que se desejar, é certo que o Poder Público se coloca como promotor do bem da sociedade, dos interesses da coletividade. Ocorrendo que tais interesses, muitas vezes, são plasmadas no próprio texto constitucional. Afinal é natural da Constituição que carregue em si aquelas preocupações e objetivos que, devida a sua tamanha importância a sociedade, devem ser o objeto das funções do Estado (fazendo jus a sua missão transformadora da realidade fática, segundo a clássica teoria de Konrad Hesse[39]). O texto constitucional é, portanto, ponto de partida essencial na busca daqueles interesses que podem integrar essa classe especial do “interesse público”.

Nessa toada, deve-se notar um fenômeno que por vezes se sucede de sobreposição da ideia de interesse público com os interesses transindividuais [40]. Têm-se casos em que a defesa de direitos coletivos em sentido amplo é posta como parte integrante do das funções e atividades principais do Estado. Por exemplo, vide o art. 23 da Constituição, que, versando sobre a competência material comum, traz em seu bojo bens jurídicos de ordem coletiva cuja tutela impõe a todos os entes federativos. Nele, observa-se, particularmente, a obrigação de proteger o patrimônio histórico-cultural (inciso III e IV), preservar o meio ambiente (inciso VI e VII), promover o acesso à cultura, à educação e à ciência (inciso V), zelar pelo patrimônio público (inciso I), entre outros.

Por essa razão, tende-se a se dizer que os direitos transindividuais – e o processo coletivo, por consequência – são direitos de interesse público[41] ou, ao menos, de elevada importância público-social. Essa é uma característica que deriva, ao nosso ver, não só de uma sobreposição no campo constitucional do interesse público com os interesses transindividuais, mas dos atributos naturais desses últimos. Principalmente quando mencionamos os direitos difusos, tratamos de valores e bens que importam a toda sociedade e cuja lesão atinge a todos, causando prejuízos indiscriminados e, por vezes, de tal monta, que não permitem ao Poder Público manter-se inerte. 

Com efeito, há uma forte militância doutrinária em favor de se reconhecer os processos coletivos como demandas dotadas, ao menos em parte, de interesse público. Como escreve Fernando da Fonseca Garjadoni: “Quando se pensa nos direitos e interesses supraindividuais conotados como públicos-sociais, o que se quer sustentar é a existência de interesse público primário nas demandas que busquem sua tutela[42]”. Dessa forma, há de se admitir que haverá uma certa pertinência entre o objeto das demandas coletivas e os entes públicos, o Ministério Público e a Defensoria pública, aproximando-os do processo.

Fredier Dider Jr. e Hermes Zaneti Jr. defendem, inclusive, que os processos coletivos servem a o que chamam de um “lítigação de interesse público”, justamente por suas peculiaridade que extrapolam interesses meramente individuais:

 

Os processos coletivos servem à “litigação de interesse público” (LIP); ou seja, servem às demandas judiciais que envolvam, para além dos interesses meramente individuais, aqueles referentes à preservação da harmonia e à realização dos objetivos constitucionais da sociedade e comunidade. Interesses de uma parcela da comunidade constitucionalmente reconhecida, a exemplo, dos consumidores, do meio ambiente, do patrimônio artístico, histórico e cultural, saúde, educação, bem como na defesa dos interesses dos necessitados e dos interesses minoritários nas demandas individuais clássicas (não os dos habituais polos dessas demandas credor/devedor), como os das crianças e adolescentes, das pessoas institucionalizadas em hospital e presídios, dos negros, dos índios, das mulheres, podem ser passíveis de serem veiculados como situação jurídicas coletivas merecedoras de tutela através de ações coletivas que permitam a tutela molecular de todo o corpo[43]

Aqui está o principal argumento em favor do manejo do mandamus coletivo por órgãos da administração pública como os PROCONS ou o CONAMA. Segundo Patrícia Pizzol, “os entes políticos deveriam ser os maiores interessados na proteção dos direitos ou interesses metaindividuais, enquanto ‘gestores da coisa pública e do bem-estar social’”. A partir desse fato não seria estranho que entes da administração direta e indireta também pudessem se utilizar do writ coletivo. Mesmo que em primeira vista tal assertiva aparentasse um contrassenso (pois o mandado de segurança se volta justamente contra abusos e ilícitos do próprio Poder Público) podem sim existir situações em que um ente público veja necessário defender os interesses difusos e coletivos de ingerências de outro ente de mesma natureza.

A título de exemplo, citamos a APL n. 1000388-32.2020.8.26.0244 do Tribunal de Justiça de São Paulo[44]. O caso tratava do Município de Ilha Cumprida, uma pequena cidade ilhada na costa paulista, com não mais de 10.965 habitantes, cuja única conexão com o continente se dava através de uma ponte que a ligava com o Município de Iguape, do qual a sua população dependia para acessar serviços públicos básicos. Com o advento da pandemia da COVID-19, o Município de Iguape estabeleceu um bloqueio sanitário dificultando ao acesso dos munícipes da cidade ilhada. Assim, o Município de Ilha Comprida viu-se forçado a impetrar mandado de segurança coletivo em favor de seus próprios cidadãos, buscando garantir o acesso destes aqueles serviços públicos[45].  

Assim, parece-nos inegável a existência de uma efetiva « pertinência subjetiva » dos entes públicos e seus órgãos para atuar ativamente na tutela judicial dos direitos transindividuais. Lógica que se aplica inteiramente ao Ministério Público (defensor da ordem jurídica, democrática e dos interesses sociais e individuais indisponíveis) e a Defensoria Pública (promotora dos direitos humanos e dos direitos individuais e coletivos dos necessitados). Demonstra-se também patente a legitimidade da própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para impetrar o mandado de segurança coletivo em defesa de direitos difusos e coletivos que não somente aqueles titularizados por seus membros. Possibilidade que advém das próprias missões institucionais da OAB, positivadas no art. 44 da Lei n. 8.906/94, dentre as quais destaca-se seu dever de defender o Estado Democrático de Direito, os direitos humanos e a justiça social.

O que impele ver a todos como legitimados a impetração do mandamus coletivo sempre que ocorrer a lesão de um direito coletivo em sentido amplo, não havendo justificativa plausível para, em nível processual, negar seu explícito interesse subjetivo e sua indiscutível obrigação legal de atuar processualmente.

 


5.      Conclusão:

Diante de todo o exposto, podemos chegar às seguintes conclusões:

A. A viabilidade jurídica de uma interpretação extensiva do rol de legitimados para a impetração do mandado de segurança coletivo decorre do próprio regime jurídico particular do processo coletivo. O chamado microssistema processual coletivo, formado pelas inúmeras leis que disciplinam a tutela jurisdicional coletiva no ordenamento jurídico nacional, tem como parte dos seus princípios centrais: a) a legitimação concorrente ou plural para o ajuizamento das ações coletivas; b) a interpretação integrativa dos diplomas legais integrantes de tal microssistema. Esses axiomas jurídicos impelem a visualização da legitimidade ativa do mandamus coletivo muito além do art. 21 da Lei n. 12.016/2009, utilizando-se de um diálogo de fontes com o Código de Defesa do Consumidor e a Lei n. 7.347/85, que formam um Código Processual Coletivo.

B.  O mandado de segurança coletivo deve ser observado enquanto remédio constitucional, um instrumento em função da proteção e promoção dos direitos fundamentais. Dessa forma, ao interpretá-lo, o aplicador da lei deve lançar mão de técnicas hermenêuticas que privilegiem a concretização de tais direitos, buscando a ampliação máxima da tutela jurisdicional dos bens jurídicos transindividuais como, inclusive, parte da efetivação do direito ao acesso à Justiça (art. 5º XXXV, CR). Portanto, o rol de legitimados do art. 5º, inciso LXX, da Constituição não pode ser visto com um olhar taxativo, mas como um mínimo a partir do qual pode-se inovar e expandir.

C. Os entes públicos (Municípios, Estados e Distrito Federal), bem como o Ministério Público, a Defensoria Pública e a própria OAB, em razão das funções que são ínsitas a si - qual seja, a procura pela melhor tutela do interesse público e dos direitos fundamentais da pessoa humana - têm pertinência subjetiva direta com os processos coletivos em geral. Isso porque os direitos coletivos são dotados de inegável carga público social, de maneira a indicar que o processo coletivo é, de regra, uma demanda de interesse público. Dessa maneira, tem-se a vinculação subjetiva necessária para defender-se em tese a legitimidade de todos esses entes para atuarem ativamente em quaisquer espécies de ações coletivas, inclusive no mandamus coletivo.

 

 


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[1] Tanto o Habeas Corpus quanto o Habeas Data são remédios constitucionais extremamente específicos. O primeiro se volta exclusivamente a defesa dos direitos de locomoção contra ameaças ou lesões perpetradas por entes públicos ou privados. Já o segundo é destinado a tutelar unicamente ao direito à informação de dados personalíssimos do paciente. A própria ação popular e o mandado de injunção são instrumentos que, embora consideravelmente mais amplos, ainda possuem objetivos particulares. A ação popular está limitada a anulação de atos que lesionam a moralidade administrativa, ao meio ambiente, ao patrimônio público ou ao patrimônio histórico e cultural. E, o mandado de injunção, por sua vez, focasse singularmente aos casos de omissão legislativa estatal que acabe por inviabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes a nacionalidade, à soberania e à cidadania.

[2] A natureza jurídica da legitimidade concedida aos sujeitos ativos no processo coletivo é majoritariamente reconhecida enquanto extraordinária, conforme comenta Fredier Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.: “A legitimidade ao processo coletivo é extraordinária: autoriza-se um ente a defender, em juízo, situação jurídica de que é titular um grupo ou uma coletividade. Não há coincidência entre o legitimado e o titular da situação jurídica discutida. Quando não há coincidência, há legitimidade extraordinária – essa é a posição adotado por este Curso, que de resto parece ser majoritária na jurisprudência brasileira, muito embora ainda não tenha sido pacificada na doutrina “(Curso de direito processual civil: processo coletivo  12 ed. – Salvador: Ed. JusPodivum, 2018 - P. 199).

[3] Legitimidade extraordinária e sua abrangência - Revista do Instituto de Pesquisa e Estudos, n. 25, Bauru, p. 157-214, abr./jul. 1999 – P. 168. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/20205.

[4] Nesse sentido, Hugo Nigro Mazzilli enumera enquanto uma das características da tutela coletiva justamente essa transposição que se opera na coisa julgada além dos limites subjetivos do processo: “Na tutela coletiva, como os colegitimados ativos  para a ação civil pública ou coletiva não são titulares transindividuais objetivados na lide, em alguns casos a imutabilidade do decisum ultrapassa os limites das partes processuais (coisa julgada erga omenis ou ultra partes), ao contrário do que ocorre com a coisa julgada nas ações tipicamente individuais (nas quais a imutabilidades do dispositivo fica restrita às partes do processo)(A defesa dos interesses difusos em juízo – 31 ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019 – P. 54).

[5] Como escreve Cássio Scarpinella, o art. 5º, inciso LXX, da Constituição deve ser entendido: “entendido no contexto inaugurado pela Constituição Federal de 1988 de asseguramento expresso e amplo do exercício também coletivo, isto é, não individual dos direitos e garantias ‘clássicos’, bem assumidos novos direitos e garantias que, gradativamente, foram sendo reconhecidos e incorporados ao patrimônio jurídico dos indivíduos, como, por exemplo, os direitos sociais.” (A nova Lei do mandado de segurança. — 2. ed. rev., atual. e ampl. — São Paulo: Saraiva, 2010 - P. 286)

 

[6] José Afonso da Silva comenta nesse sentido, afirmando que a categoria dos “direitos coletivo” inseridos no art. 5º da Constituição seriam, em verdade, direitos individuais cuja existência só possui sentido dentro de uma pluralidade de pessoas coletivamente consideradas. Tais direitos, embora carregados de uma significativa carga de coletividade, seriam constitucionalmente protegidos por interesses muito mais individuais do que propriamente da coletivos: (Curso de direito constitucional positivo – 31. ed. rev. e atual - São Paulo: Malheiros: 2014 - P. 261)

[7] PIZZOL Patrícia. Tutela coletiva: processo coletivo e técnicas de padronização das decisões – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020 – P. 10);

[8] ALMEIDA, Gregório Assagra de.  MELLO NETO. Luiz Philippe Vieira de. Fundamentação constitucional do direito material coletivo e do direito processual coletivo: reflexões a partir da nova summa divisio adotada na CF/88 (título II, capítulo I). Rev. TST, Brasília, vol. 77, n. 3, jul/set 2011 – P. 04

[9] Um triste exemplo da realidade é a tragédia de Mariana, que afetará por longos anos não só a população local como todo povo brasileiro, prejudicado pela poluição ambiental do rio doce.

[10] Nesse sentido, Hugo Nigro Mazzilli: “em primeiro lugar a expressão interesse público tornou-se equívoca quando passou a ser utilizada para alcançar os interesses sociais, os interesses disponíveis do indivíduo e da sociedade, e até os interesses coletivos ou interesses difusos [...] Em segundo lugar, porque, nos últimos anos tem se reconhecido que existem interesses intermediários que, embora não sejam propriamente estatais, são mais que meramente individuais, porque compartilhados por um grupo, classe ou categoria de pessoas (Op. Cit. – P. X ) (No mesmo sentido: ALMEIDA, Gregório Assagra de.  MELLO NETO. Luiz Philippe Vieira – Op. Cit; GARJADONI, Fernando da Fonseca. Direito difusos e coletivos I (teoria geral do processo coletivo) – São Paulo: Saraiava, 2012 – P. 26)

[11] ANDRADE, Adriano. MASSON, Cleber. ANDRADE, Landolfo. Interesses difusos e coletivos – 9 ed. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019 – P. 10/11

[12] Nesse sentido: DIDIER JR, Fredier.  e ZANETI JR , Hermer. Curso de direito processual civil: processo coletivo – 12 ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2018 - P 56/57.  Também sobre o assunto: ALMEIDA, Gregório Assagra de.  MELLO NETO. Luiz Philippe Vieira – Op. Cit.  - P. 17.

[13] REsp 1098669/GO, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/11/2010, DJe 12/11/2010; No mesmo sentido: REsp 1217554/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 22/08/2013.

[14] Gregório Assangra Almeida, Luiz Philippe Vieira de Mello Neto e Fernando da Fonseca Garjadoni reconhecem também o princípio da “indisponibilidade da execução coletiva” ou da “obrigatoriedade da execução coletiva pelo Ministério Público”. Garjadoni faz referência também aos princípios da “adequada representação ou do controle judicial da legitimação coletiva” e da “ampla divulgação da demanda”, os quais são colocados por Fredider Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. sob o princípio do “devido processo legal coletivo”. Ademais, Almeida e  Mello de Neto fazem menção a um princípio que não é citado por nenhum dos outros autores, o princípio “da interpretação aberta e flexível da causa de pedir e do pedido”.

[15] Op. Cit. – P. 16.

[16] BENJAMIN. Antonio Herman V. ALMEIDA. Gregório Assagra. Legitimidade ativa e objeto material no mandado de segurança coletivo – Revista dos Tribunais, vol. 895/2010, p. 9/58, maio/2010 – P. 16.

[17] Op. Cit – P. 04.

[18] Conforme dissetam Fredider Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.: “Para que se saiba se a parte é legítima, é preciso investigar o objeto litigioso do processo, a situação concretamente deduzida pela demanda. Não se pode examinar a legitimidade a priori, independentemente da situação concreta que foi submetida ao Judiciário. Não existe parte em tese legítima; a parte só é ou não legítima após o confronto com a situação concreta submetida ao judiciário. [...] Assim, o texto constitucional não cuida, nem poderia cuidar, de legitimidade ad causum para o mandado de segurança coletivo. A legitimidade para o mandado de segurança coletivo será aferida a partir da situação litigiosa nele afirmada, ou seja, ope judicis”. (Op. Cit. – P. 229)

[19] GARJADONI, Fernando da Fonseca Op. Cit – P. 53/54.

[20] Conforme o Nelson Nery: O Ministério Público pode, inclusive, impetrar mandado de segurança para a defesa dos direitos previstos no CDC (LGL\1990\40), pois o art. 50, LXIX, da CF (LGL\1988\3), garante a utilização da via do mandamus quando houver ofensa, a direito por ato ilegal ou abusivo de autoridade. Esse direito violado pode ser individual, coletivo ou difuso, de sorte que, estando o Ministério Público legitimado para agir em Juízo na defesa dos direitos difusos e coletivos (art. 129, III, CF (LGL\1988\3)) e individuais homogêneos (arts. 127, caput e 129, IX, CF (LGL\1988\3) e arts. 1º e 82 do CDC (LGL\1990\40)), tem, ipso facto, legitimação para impetrar ordem de Mandado de Segurança (O processo civil no Còdigo de Defesa do Consumidor. Revista de Processo, vol 61, 1991 – P. 3).  Nesse sentido comenta Hermes Zaneti Jr: “o ordenamento jurídico poderá legitimar o Ministério  Público para o ajuizamento de qualquer ação coletiva, desde que de acordo com as suas finalidades institucionais e atribuições constitucionalmente determinadas. Isso ocorre, por exemplo, nos casos em que o Ministério Público tenha necessidade de ajuizar uma ação de mandado de segurança para assegurar a adequada e efetiva tutela dos direitos coletivos lato sensu. Muito embora não exista expressa previsão legal, não se pode duvidar que existe legitimação conglobante do MP para tanto, já que o microssistema do processo coletivo fomenta e promove a tutela dos direitos coletivos pelo Parquet. (O Mandado de Segurança Coletivo e os Anteprojetos de Código Brasileiro de Processo Coletivos. In Tutela jurisdicional coletiva – Imprenta: Salvador: JusPoivm – 2009 – P. 241).

[21] A nova Lei do mandado de segurança . — 2. ed. rev., atual. e ampl. — São Paulo : Saraiva, 2010 -  P. 286

[22] Op. Cit – P. 71.

[23] Aqui se faz referência a teoria de Humberto Ávila, o qual distância os princípios dos postulados. Segundo o autor, os postulados são metanormas, normas sobre a aplicação de outras normas, as quais instituem critérios e estrutura para aplicação do Direito no caso concreto. Assim, se diferenciam essencialmente dos princípios, que são o objeto da interpretação e da aplicação. (Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídico - 18 ed. ver. E atual – São Paulo: Malheiros, 2018 P. 164)  

[24] De acordo com Fernando da Fonseca Garjadoni: “Trata-se de um sistema processual integrativo, em que as diversas normas relativas ao tema formam um conjunto em que, mais do que se subdiarem, interpenetram-se de forma harmônica (teoria do diálogo das fontes normativas) Em outros termos, a aplicação das diversas leis que tratam de processo coletivo no país não é meramente subsidiário: é integrativa. (Op. Cit – P. 51).

[25] Didier Jr, Fredider. Zaneti Jr, Hermes – Op. Cit – P. 60.

[26] Zaneti Jr., Hermes – Op. Cit – P. 254.

 

[27]MEIREILLES, Hely Lopes. WALD. Arnoldo. MENDES, Gilmar Ferreira, Mandado de segurança e ações constitucionais – 32 ed. – São Paulo: Malheiros, 2019 – P.286.

[28] Curso de direito constitucional – 32. ed., atual. – São Paulo: Malheiros, 2017 - P.545.

[29] Há de se notar que a expressão “garantias constitucionais” aqui está sendo utilizada em sentido lato, como é genericamente referenciada pela doutrina e jurisprudência. Em termos mais técnicos, nos estribando nas lições de José Afonso da Silva, seria preferível, talvez, chamá-las de “garantias de direitos fundamentais”, vez que a própria expressão “garantias constitucionais” podem ter inúmeros sentidos. (Op. Cit – P. 187)

[30] Nesse sentido comenta André Ramos Tavares: “Denomina-os a doutrina pátria remédios, no sentido de que são meios colocados à disposição dos indivíduos e cidadãos para provocar a atuação das autoridades em defesa do padecimento de direitos declarados. E a noção de remédios, usada em seu sentido figurado, por óbvio, é boa, já que tanto denota o fato de servirem para prevenir lesões como para reparar aquelas que eventualmente já tenham ocorrido. [...] Alguns desses remédios são meios de provocar a atividade jurisdicional, e, pois, acabaram por merecer a designação de “ações constitucionais” (Tavares, André Ramos Curso de direito constitucional. – 18. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020. -  P. 726)

[31] Considerações sobre a legitimidade na ação constitucional de mandado de segurança. Revista Mestrado em Direito (UNIFIEO. Impresso), v. 10.2, 2010 – P, 06

[32] Op. Cit – P. 274.

[33] Como comenta Antônio Augusto Calçado Trindade, para quem a proteção dos direitos humanos “é um propósito básico do ordenamento jurídico; neste sentido se pode conceber o direito à ordem jurídica ou constitucional, em cujo marco se realizam os direitos humanos. Por sua vez, o exercício efetivo da democracia contribui decisivamente para a observância e garantia dos direitos humanos, e a plena vigência destes caracteriza, em última análise, o Estado de Direito (Apud, Tavares, André Ramos – Op. Cit – P. 723).

[34] Hermes Zaneti Jr., comentando sobre a viabilidade de uma hermenêutica mais aberta do rol do art. 5º, LXX, da Constituição, escreve que na atualidade duas premissas devem pautar tal discussão: a) a inexistência de vedação para ampliação das garantias dos direitos fundamentais e b) dependência dos direitos fundamentais da interpretação, não estando limitados à literalidade na lei: “O rol de legitimados é expresso na Constituição Federal, não deixando muito espaço para manobras hermenêuticas. Hoje, contudo, esta certeza deve ser flexibilizada em face de duas premissas novas, decorrentes da constitucionalização do processo, do reconhecimento da influência da teoria dos direitos fundamentais no processo e do próprio direito processual como direito fundamental. Estas premissas são: a) não há vedação para ampliação das garantias dos direitos fundamentais; b) os direitos fundamentais dependem de interpretação (portanto não estão limitados à literalidade do texto). A estas duas premissas aderimos uma conclusão nova, decorrente da releitura do problema da legitimidade a partir da constatação que a legitimação processual extraordinária no Brasil é decorrente do ordenamento como um todo (portanto, como defendemos, uma legitimação conglobante) (O Mandado de Segurança Coletivo e os Anteprojetos de Código Brasileiro de Processos Coletivos. In Tutela jurisdicional coletiva – Imprenta: Salvador: JusPoivm – 2009 – P. 241)

[35] Nos seus ensinamentos defende que na interpretação dos direitos fundamentais na Constituição de 1988 deve-se aplicar a teoria dos valores, não podendo se contentar com a chamada “Velha Hermenêutica”: “Com efeito, na Velha Hermenêutica interpretava-se a lei, e a lei era tudo, e dela tudo podia ser retirado que coubesse na função elucidativa do intérprete, por uma operação lógica, a qual, todavia, nada acrescenta ao conteúdo da norma; em a Nova Hermenêutica, ao contrário, concretiza-se o preceito constitucional, de tal sorte que concretizar é algo mais do que interpretar, é, em verdade, interpretar com acréscimo, com criatividade. Aqui ocorre e prevalece uma operação cognitiva de valores que se ponderam. Coloca-se o intérprete diante da confederação de princípios, que são as categorias por excelência do sistema constitucional” (Op. Cit - P. 667)

[36] Ações Constitucional. Fredier Didier [organizador] – 2º ed. rev. e atual.  – Salvador: Ed. JusPodivum, 2007 - P. 91

[37] Como comenta o citado autor: “É que, na verdade, o interesse público, o interesse do todo, do conjunto social, nada mais é que a dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, dos interesses de cada indivíduo enquanto participe da Sociedade (entificado no Estado), nisto se abrigando também o depósito intertemporal destes mesmos interesses, vale dizer, já agora, encarados eles em sua continuidade histórica, tendo em vista a sucessividade das gerações de seus nacionais. (Curso de direito administrativo – 32 ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional de 84, de 02.12.2014 – São Paulo: Malheiros, 2015 - PP. 61/62

[38] De acordo com Cleber Masson, Adriano Andrade e Landolfo Andrade: “Num primeiro significado temos o interesse público propriamente dito ou interesse público primário, que é normalmente definido como sendo o interesse geral da sociedade, o bem comum da coletividade. Nessa acepção, o interesse público é sinônimo de interesse geral e de interesse social (Op. Cit – P. 17).

[39] Segundo a clássica teoria de Konrad Hesse, a Constituição não se limita a representar as relações de poder dominante na sociedade, não é ela meramente um reflexo da realidade. Pelo contrário, ela substancia-se também nas vontades de mudanças no meio social (em um dever ser). Ela se apresenta como um instrumento de conformação da realidade fática com uma ordem político-social construída a partir das inspirações dos membros daquela sociedade. A Construção tem entre suas finalidades a busca pela construção de um futuro com base no presente

[40] Acaba comentando Hugo Mazzilli: “o interesse público primário (bem geral) pode ser identificado com o interesse social, o interesse da sociedade ou da coletividade, e até mesmo, com alguns dos mais autênticos interesses difusos (o exemplo, por excelência, do meio ambiente em geral)” (Op. Cit – P. 52).

[41] Nesse sentido comentam Fredider Didier Jr. e Hermer Zaneti Jr: “Os direitos coletivos lato sensu são direitos de interesse público primário quer em razão da dimensão do ilícito ou do dano, quer em razão dos valores atrelados aos bens jurídicos tutelados e do número de pessoas atingidas, extensão do grupo atingido” (Op. Cit. – P. 42)

[42] Op. Cit – P. 26.

[43] Op. Cit – P. 38

[44] Tivemos a honra de atuar nesse caso ao lado da exímia Procuradora de Justiça Dra. Evelise

[45] MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO MUNICÍPIO DE ILHA COMPRIDA Pretensão ao relaxamento das medidas restritivas à entrada de moradores de Ilha Comprida em Iguape Decreto Municipal nº 2.782/20 Acesso a serviços essenciais Cabimento Aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade Decisão mantida TJSP;  Apelação / Remessa Necessária 1000388-32.2020.8.26.0244; Relator (a): Afonso Faro Jr.; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro de Iguape - 2ª Vara; Data do Julgamento: 21/09/2020; Data de Registro: 21/09/2020)



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES NETO, João Damasceno. A legitimidade ativa no mandado de segurança coletivo: uma necessária visão ampliativa do art. 5º, LXX, da Constituição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6649, 14 set. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/92596. Acesso em: 27 abr. 2024.