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O direito penal como "ultima ratio", suas funções e limites.

Breve análise sob o fio condutor sociedade, Estado e Direito

O direito penal como "ultima ratio", suas funções e limites. Breve análise sob o fio condutor sociedade, Estado e Direito

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Quando dizemos que a filosofia não nos interessa, o que provavelmente fazemos é substituir uma filosofia explícita por outra implícita, isto é, imatura e incontrolada (...) Esta filosofia caseira (...) supõe que um símbolo, tal como uma equação, possui significado físico somente à medida que diga respeito a alguma possível operação humana. Isto equivale a se considerar a totalidade da física como se referindo a operações, principalmente medições e cálculos, e não à natureza, o que implica num retorno ao antropocentrismo prevalecente antes do nascimento da ciência

Mário Bunge

Sumário: Introdução – V; 1. A Criminalidade e a Íntima Ligação entre o Fenômeno Crime e o Surgimento da Sociedade, do Estado e do próprio Direito: - 01; 1.1 Sobre a logicidade e a ilogicidade das concepções acerca do que venha a ser o Direito: – 04; 1.2 Rousseau e Kelsen: tentativas de justificar, fundamentar e legitimar o Direito — erros e acertos – 10; 1.3 A Perspectiva Penal e o Surgimento da Sociedade, do Estado e do Direito - 16; 1.4 Noção de Sistema - 19; 1.4.1 Sistemas Alopoiéticos e Sistemas Autopoiéticos - 22; 1.4.2 O Direito e a Sociedade como Sistemas: Luhmann e sua concepção de Direito Anti-humanista – 24; 2. Funções do Direito Penal – 26; 2.1 Uma Análise da Função de Controle Social do Direito Penal – 28; 2.2 Retribuição, Controle e Ressocialização – 29; Incongruências de Lógica Interna no Direito Penal e no Direito Penal Brasileiro – 30; À Guisa de Conclusão – 32; Referências Bibliográficas – 37.

Resumo: O presente artigo tem por objetivo mediato expor a íntima e estreita ligação que há entre o surgimento da Sociedade e Estado e o do Direito que os secunda e regula. Sustenta, filosoficamente, tenha sido, por imposições de Ordem Penal — e eis seu objetivo imediato: explicitar as funções e limites do Direito Penal — que as primeiras civilizações, ou grupamentos humanos primitivos que sejam, tenham obrigado seus componentes a mutuamente cumprirem certo padrão de conduta, ainda que, inicialmente, para fins de mera preservação do grupo, donde teria surgido, aí, a primeira e mais rudimentar noção de Direito. Tal explanação encontra-se fulcrada nos pensamentos de Rousseau, Hobbes, Kelsen, Luhmann, Radbruch, Recásens Siches, Kant, entre outros pensadores mais de notável vulto acerca da temática.

Palavras-Chave: Direito Penal, Funções, Limites, Crime, Estado, Sociedade;

THE CRIMINAL LAW AS ULTIMA RATIO, ITS FUNCTIONS AND LIMITS: SOON ANALYSIS UNDER THE CONDUCTING WIRE OF SOCIETY, RIGHT AND STATE

Abstract: The present article has for supplementary objective to display the intimate and narrow linking that has between the sprouting of the Society and State and of the Right that seconds it and regulates. It supports, philosophically, has been, for impositions of Criminal Order — and here it is its immediate objective: to explain the functions and limits of the Criminal law — that the first civilizations, or primitive human groupings that are, have forced its components mutually to fulfill certain standard of behavior, despite, initially, for ends of mere preservation of the group, of where it would have appeared, there, the first and more rudimentary notion of Right. Such communication meets in the thoughts of Rousseau, Hobbes, Kelsen, Luhmann, Radbruch, Recásens Siches, Kant, among others thinking of notable importance concerning the subject.

Keywords: Criminal Law, Limits, Functions, Crime, State, Society;


Introdução:

A presente análise constitui parcela importante de nossa dissertação de mestrado. As idéias aqui explicitadas foram frutos, em grande parte, de sementes gestadas ainda quando nos umbrais da academia, de modo que só agora adquiriram alguma maturação e valor, a ponto de serem analisadas, lidas e, até mesmo, submetidas à avaliação, como é o caso.

Trata-se de tentativa, fulcrada em mínima lógica, de encontrar sólida base em que se assente o mundo Jurídico, para além das fundamentações dadas e aceitas, muitas vezes inquestionadas ou tidas como inquestionáveis. Pretende sustentar tenha sido por decorrências de ordem penal que tenham surgido Sociedade, Estado e Direito, não com pretensões de haver atingido proposição irrefutável, pois que a irrefutabilidade é avessa à própria Ciência, como diria Popper.

Toma, ainda, como base argumentativa, o pensamento de Rousseau, Kelsen, Hobbes, Luhmann, Radbruch, Recásens Siches, Kant, entre outros pensadores mais.


1. A Criminalidade e a Íntima Ligação entre o Fenômeno Crime e o Surgimento da Sociedade, do Estado e do próprio Direito:

Antes de expormos nossa defesa da tese de que o Direito Penal deve se apresentar, única e estritamente, como ultima ratio no âmbito de suas funções, abraçando tão-somente casos e situações excepcionais, convém — por imperativo lógico — aclaremos o que seja o Direito Penal. Porém, como a noção primária que dele podemos tecer, pela própria adjetivação do termo (penal), é a de que seja um subsistema do Direito, a boa lógica pede, para uma escorreita compreensão do tema, principiemos exatamente pela delimitação do campo do próprio Direito [01].

Ora, já nos exortou o gênio Romano "ubi homo, ibi societas; ubi societas, ibi ius; ergo, ubi homo, ibi ius" [02]. Com isso, nada mais nos quiseram dizer os clássicos que não há falar-se em Direito sem falar-se em Sociedade. Noutras palavras, o surgimento de um se teria dado de forma interdependente ao do outro. Bem, é fato que não se concebe o regrar jurídico da vida a quem está sozinho; um indivíduo só, nada responde a qualquer outro alguém, senão para si mesmo, uma vez que está só e a ninguém mais tem de responder, uma vez que ninguém mais há. O Direito não prescinde, portanto, do alter (do outro) para existir. Assim, só há Direito em Sociedade, e fora dela não há falar-se em Direito.

Pois bem, sem querermos incorrer no risco de cairmos numa reductio ad infinitum, mas, tal é a relação entre o Direito e a Sociedade, que a percuciente compreensão de um, não prescinde do correto entendimento do que venha a ser o outro. E qual seria então a noção, por rudimentar que seja, que temos do viria a ser a sociedade, a qual o Direito visa regrar? Ora, pelo simples fato de podar a ação individual em prol de um comportamento outro mais aceito pelo grupo, a Sociedade termina por tornar-se — não exclusivamente por essa razão — algo diverso da mera soma dos indivíduos. Esta é a lição que nos legou Emile Durkheim, asseverando que a Sociedade seja algo novo, com identidade outra e determinada, independente, pois, dos seus membros, e bem diversa, portanto, daquela dos seus componentes individualizados. [03]

O Professor, mestre e Doutor, Edihermes Marques Coelho, em brilhante artigo sobre o tema, aclara ainda que:

A vida em sociedade é uma marca da civilização. O existir humano no mundo desenvolveu-se ao longo da história através de mecanismos de convivência social, organizada sob diversos símbolos e códigos. A vida em sociedade mais e mais foi se mostrando encadeada em torno de símbolos e de códigos de convivência (religiosos, de etnia, geográfico-culturais etc), e isso de uma maneira tal que se pode falar na existência de um sistema de vida em sociedade – de um sistema social. (...) O Direito contemporâneo compõe o sistema social, e dentro dele é um subsistema – faz parte das relações sociais (sistema social), mas possui uma matriz própria (símbolos e códigos próprios), ou seja, a normatividade (subsistema social). A teoria e a prática jurídicas são definidas e organizadas em torno do paradigma da normatividade – ou seja, o objeto básico do Direito são as normas jurídicas. É a partir da normatividade que o Direito interage com outras ‘áreas’ do sistema social. [04]

Fica fácil constatar, com base nas premissas que lançamos em linhas supra, que só há o direito de um em contraposição a um dever de outro; assim, só haveria, pois, Direito em Sociedade, ou — numa visão bastante reduzida e simplista do que seja sociedade — quando houvesse pelo menos dois indivíduos. Então, poderíamos dizer que a forma mais rudimentar de sociedade abraçaria um número mínimo de indivíduos, in casu: dois?! Sim, pois somente onde houvesse (pelo menos) dois indivíduos a liberdade de um teria de ficar necessariamente limitada pela liberdade do outro; ou seja, para um bom convívio social, um teria de respeitar certas prerrogativas do outro e vice-versa. Longe disso, estando só, não haveria limites para o agir humano [05]. Ademais, não há relatos quaisquer — e a própria compleição frágil da vida humana ao nascer atesta isso — de que seja possível haver viabilidade de vida para o homem fora da sociedade. Isso a ponto de os sábios terem asseverado desde os primórdios: o homem é um ser social, um animal político [06]; ou seja, a sociedade seria seu habitat restritíssimo, e a tal ponto que não "vingaria" fora dela, ou seja, inobstante se possa perfeitamente viver como um ermitão, não se pode nascer e sobreviver, com viabilidade qualquer, isoladamente. Usando o linguajar aristotélico, diríamos: fora da Sociedade o Homem não cumpriria aquilo que nele há enquanto potência, ou seja, não internalizaria aquilo que nasceu para ser, aquilo que há em si enquanto essência, aquilo que consubstancia mesmo o que pensamos seja o ente humano.

Pois bem, foi um rudimento do que viria a ser o Direito como hoje o concebemos a regrar essa primeira e mais primitiva forma de sociedade. Mas por que a imprescindibilidade de regras ao viver (conviver) social? Como vimos, há uma relação recíproca e de estreita interdependência entre Direito e Sociedade. No campo estritamente teórico, podemos dizer que um não existe sem o outro, por isso se diz que o Direito é um fenômeno social, tendo surgido, pois, no seio social, não importando muito se concomitante ao surgimento da sociedade, como entendem uns, ou mesmo se pouco posterior a isso, como apregoam outros. O certo é que, como assevera Max Weber, não existe (empiricamente falando) sociedade em um estado de anomia [07], isto é, nunca houve uma sociedade sem leis. E sustenta que sociedade alguma sobreviveria em um tal estado de desordem, sem normas nem princípios que garantam a convivência pacífica e racional entre os indivíduos. Ora, é proposição assente, sustentada sobretudo por Rousseau e Hobbes, segundo a qual, num pretenso estado-natural, o homem seria plenamente livre, ou seja, se pudermos abstrair tenha havido momento anterior ao surgimento da Sociedade, do Direito e do Estado, os homens individualmente seriam livres, e a tal ponto de poderem fazer o que bem quisessem, até mesmo atentarem contra a integridade física, a vida, e/ou a liberdade uns dos outros. Daí a necessidade de instrumentos de controle social (dos regramentos sociais), dentre os quais, figura o Direito, que, sem dúvida, é o de maior rigor e talvez o de maior efetividade. Assim, em moldes estritamente empíricos, a Sociedade sem o Direito não existiria, seria anárquica, e tal estado de coisas a faria culminar com seu fim. O Direito seria a grande coluna que a susteria. A existência do Direito, vimos, exige uma equação social. Só se tem Direito relativamente a alguém. E nisso reside a alteridade do Direito. O homem que vive fora da sociedade, vive fora do império das leis. O homem só não possui direitos nem deveres. Falamos na necessidade de regramento ao viver (conviver) social, mas ainda não explicitamos convenientemente o que viria a ser o Direito.

1.1 Sobre a logicidade e ilogicidade das concepções acerca do que venha a ser o Direito:

Como diriam os Romanos "omni definitio (...) periculosa est". [08] A definição ou externalização do conceito adequado de Direito deve ser tão abrangente quanto sejam as facetas do jurídico, abarcando assim todos os direitos existentes. Algo tão geral e abrangente — entendemos — não pode ser conceituado e/ou definido por meio de generalizações (indução), pode, tão-somente, ser particularizado (dedução) [09]. É lugar-comum que, até hoje, persista a impossibilidade de que se consiga uma conceituação e/ou definição para o Direito de tamanho alcance com pleno êxito. A natureza analógica e polissêmica (ou multívoca) [10] do Direito dificulta sua delimitação, precisamente, por possibilitar a existência de várias concepções distintas de Direito. Ora se fala em Direito Público, ora em Direito Privado; ora se fala em Direito Penal, ora Civil, ora Constitucional, ora outro de outra área da qual se acerca; ora se fala em direito subjetivo e objetivo; ora se fala em faceta social, axiológica, ou ainda normativa. E a tudo isso se apregoa a nomenclatura Direito.

Vale esboçarmos noções primárias do que venha a ser o Direito, esboço este que se mostrará sobremaneira profícuo ante os objetivos da análise da temática ora proposta. O Direito possui uma natureza analógica (multívoca ou plurívoca, como queiram) [11], ou seja, o termo Direito abarca várias idéias, vários "direitos", como já o dissemos — o que torna mais difícil ainda a conceituação do que venha a ser aquilo que se oculta sob a indumentária vocabular: Direito. Miguel Reale afirma que "o direito tem diferentes acepções, o que pode parecer estranho, mas já advertimos que é impossível nas ciências humanas ter-se sempre uma só palavra para indicar determinada idéia e somente ela [12]."

"Um procedimento vicioso é confundir o conceito — representação do fenômeno — com o próprio fenômeno — realidade concreta. Os conceitos constituem apenas o quadro de referência lógico dos fenômenos concretos." [13] Shakespeare chegou a conclusão similar, ao afirmar, pelos lábios de sua Julieta: "que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação, teria igual perfume!" [14] Ou seja, o simples fato de darmos nomes a tais ou quais coisas não nos habilitaria a dizer que asconhecemos a contento. O mero rótulo (nomenclatura) que eventualmente lhes atribuamos nenhum poder tem de acrescer ou diminuir àquilo que as coisas analisadas, de fato, sejam; não se podendo dizer que, ao jungirmos tal ou qual objeto à determinada categoria, por simplesmente lhe termos dado um ou outro rótulo, ele esteja posto adequadamente onde lhe convém. E, no tocante ao Direito, se pretende sustentar-se como ciência, isso se revela uma problemática sobremaneira delicada. [15]

Na Idade Antiga, os romanos afirmaram que o conceito era aprehentio rei, ou seja a apreensão mental, sensorial de determinado objeto, dessa forma o conceito, para os romanos era a imagem que temos de determinadas coisas. No entanto, é de notar-se que nós, seres humanos dotados de inúmeras diferenças, temos apreensões individuais. Cada indivíduo possui um ângulo e uma maneira de enxergar próprias. (...) Assim sendo, depois se chegou à conclusão de que o conceito é a captação da imagem, no entanto, essa imagem trabalhada e transformada em uma idéia única. Concluiu-se que o conceito era a aprehentio essentiae rei, é a abstração do que não é essencial para construir-se uma identidade. Com isso, o conceito seria uma apreensão da essência de determinado objeto. (...) Já a definição é a delimitação dos elementos do conceito, ou seja, a exteriorização da apreensão mental, mediante palavras. Paulo Nader no seu livro Filosofia do Direito explica-nos que "a definição é juízo externo, que se forma pela indicação de caracteres essenciais, conceito ou noção é juízo interno que revela apreensão mental" e continuando diz "o Direito enquanto conceito é objeto em pensamento; enquanto definição é divulgação de pensamento mediante palavras" (...) De acordo com o que a Lógica nos ensina, uma boa definição deve estabelecer o gênero próximo e a diferença específica. Como exemplo, podemos citar a definição de Homem, seu gênero próximo é animal e a diferença específica é que o Homem é racional. [16]

E, para não sermos exaustivos neste afã conceitual e definitório, tomamos como base as idéias de Immanuel Kant [17], Gustav Radbruch [18], José Cretella Júnior [19] e Recásens Siches [20] por serem algumas das quais julgamos mais aproximadas dessa idéia primitiva e basilar de Direito, enquanto instrumento de controle social e garantia das liberdades dos indivíduos perante os demais.

Kelsen já exortava que "quando confrontamos uns com os outros objetos que, em diferentes povos e em diferentes épocas, são designados como ‘Direito’, resulta logo que todos eles se apresentam como ordens de conduta humana. Uma ‘ordem’ é um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento de validade." [21]

Ainda que seja plural, o Direito é uno. Por mais paradoxal que pareça, essa afirmação firma-se no fato de que os vários direitos, as várias acepções do termo e da idéia de que se acerca, nas várias épocas e lugares, longe de serem mutuamente excludentes, se completam. Há algo de comum entre eles, um ponto de contato, um fio unindo todas as visões do direito numa só, um gênero próximo, no dizer aristotélico. Este poderia ser — e esta a nossa opinião — a Justiça. Se ela faz parte do mundo do Direito ou de uma outra parcela do saber, é uma outra questão. O certo é que o Direito, em última análise, acaba consistindo em apreensões Dela e tanto mais próximas e perfeitas, mais ele é dotado de validade e legitimidade, como sustentamos a seguir. O mesmo fio que une o pensamento dos autores escolhidos parece servir de núcleo comum na conceituação de direito dos autores citados, razão mesma pela qual os escolhemos.

Os autores procuraram ser sobremaneira abrangentes em suas teses a respeito do que venha a ser o Direito. Um dos principais, ou talvez, o principal ponto e aproximação entre as teses por eles expostas é que a Justiça deve ser o paradigma [22] que norteia todo o mundo jurídico, indicando-lhe a direção e o sentido em que deve seguir e determinando, e limitando, e dando fronteiras ao seu campo de ação. Por outro lado, o contraste mais visível entre os pensamentos dos jusfilósofos indicados é o fato de dois deles (Luís Recásens Siches e Gustav Radbruch) crerem na necessidade de que o campo do direito abranja, inclusive, o ilícito e o injusto, o que se revelará bastante útil ao caracterizarmos, em linhas a seguir, o fenômeno crime e a definição e/ou conceituação de Direito Penal, no percurso analítico que traçamos e ora seguimos. À primeira vista, isso poderia parecer uma contradição. Algo que prima pelo justo e que é avesso a tudo que contrarie a Justiça acercar-se do injusto. A defesa de tal pensamento apóia-se na necessidade de que se analise as injustiças a fim de conhecê-las e evitar que ocorram no futuro. Ora, o Direito é um instrumento de controle, e não se pode controlar, refreando desvios de conduta, se não os conhece, se não pode diferençar os padrões de conduta normais (aceitáveis), dos padrões de conduta patológica (inaceitáveis), para usar aqui o termo de Weber e Durkheim. Entendemos, seja louvável o estudo dos erros seja evitar cometê-los e a um só tempo diferenciá-los das condutas devidas. Porém, seria necessário, para tanto, julgar que estes mesmos erros ou condutas viciosas figurassem na conceituação de Direito? Ou seria melhor analisar o injusto e o ilícito à parte, como estamento próprio? São questionamentos que devem figurar em futuras discussões, e a qual nos refutamos a responder de modo categórico aqui, senão tacitamente, conforme explicite o contexto da presente análise e suas conclusões, e por uma razão simples, a quebra do raciocínio que estamos a desenvolver.

O certo é que a lição que pudemos tirar das idéias expostas pelos pensadores do Direito referidos (Luís Recásens Siches, Gustav Radbruch, José Cretella Júnior e Immanuel Kant), indistintamente, foi que o conceito de Direito "deve ser" (sollein) o mais geral, abrangente e universal possível, na contramão da concepção kelseniana, que, se de um lado enxerga haver um liame necessário entre as várias concepções, provindas de todas as épocas e povos os mais vários, de outro, opera um reducionismo que (indevidamente, entendemos) eleva o aspecto normativo a um patamar que não é seu.

Sabemos, não procede querer reduzir o Direito a uma de suas facetas. O Direito possui uma natureza multívoca — já se disse —, acercando-se de várias idéias e concepções, transcendendo a quaisquer limites que lhe pretendam impor. É o que também exorta Ylves José de Miranda, ao dedicar a um dos capítulos de sua obra o presente título: "Os Limites Ilimitados do Direito [23]." Qualquer secção que lhe façam, o Direito deixa de ser o que é, passando a um arremedo do que poderia (e deveria) ser, uma visão parcial e particularizada do que realmente seja. Os aspectos normativo, fático e valorativo isoladamente não resumem e nunca poderiam encerrar em si a essência do Direito, senão em conjunto. Dada a imensidão do campo de que se acerca, é extremamente difícil pretender ter uma visão de conjunto, enxergar o todo do Direito, apreciar o Direito em todos os seus matizes, mesmo os mais tênues, o que dificulta a apreensão de um conhecimento mínimo desejável ao cultor da área, agravado pelo curto tempo que vida universitária lhe permite ou mesmo pelo toldar das reflexões que poderia e deveria fazer, devido ao proceder reducionista-mecanicista de alguns "educadores" que fazem crer seja o profissional da área um "operador" do Direito, como se se tratasse de máquina fria e perfeitamente controlável em todos os seus meandros, cousa que sabemos muito dista da realidade.

Pois bem, ao contrário do que possa parecer aos menos atentos, esse pretenso vício presente no Direito, sua amplidão multifacetária, é algo sobremaneira útil para que se possa apreender a unidade na multiplicidade, ou, para usar o termo de Heráclito, "Tudo é Um". Tal característica está presente em várias áreas do conhecimento humano, entretanto pouquíssimas mostram isto de forma tão perceptível e explícita quanto o Direito. Durante o estudo de qualquer dos ramos jurídicos, percebe-se uma sensível ligação do que lhe é próprio (próprio de determinada ciência jurídica ou mesmo de uma dicotomia, ou tricotomia do direito ou ainda de uma de suas disciplinas) a objetos de outras ciências. Freqüentemente, o consciencioso estudioso do tema esbarra em termos ou mesmo em objetos próprios de ciências outras. Nalguns casos de forma mais visível, quais sejam: com a Filosofia, a Sociologia, a História, a Economia, entre outras mais. A própria proposta de Universidade não é outra, senão — mais que óbvio — universalizar os conhecimentos parciais ali adquiridos, socializá-los, permitir aos freqüentadores, não importando de que áreas sejam, obterem — por meio da interação uns com os outros — uma visão minimamente geral de conhecimento.

Tal abrangência, como bem entendem também os autores mencionados e por nós escolhidos como referência de base, deve fazer com que a tentativa (conceitual ou definitória) abrace (ou ao menos intente abraçar) todo o mundo jurídico, sendo válido para todos os povos, em todos os lugares e épocas. Tamanha perfeição e harmonia na captação da idéia e transposição de sua essência para o conceito e/ou sua externalização definitória, compreendemos, são tidas como impossíveis até os dias atuais, nos termos a que já expusemos e nos quais nos firmamos. Antepostas as devidas reservas, e sem a mínima pretensão de alcançar o impossível, mas, no intuito de aproximarmo-nos, ainda que grosseiramente, do campo de abrangência que a definição de Direito e seu conceito devem assenhorear-se, exporemos aqui uma concepção-síntese das idéias dos autores citados na esperança de que as apreensões de seus pontos de contato possam juntas lograr algum êxito dentro das limitações já expostas.

Digamos, pois, que o Direito seria — a nosso ver, e com base nos autores citados — a ordenação de um tipo específico de relações sociais [24] entre homens, [25], sob a luz da Justiça, visando evitar atrito entre os arbítrios dos homens e garantir o usufruto da liberdade, limitada apenas pelas outras liberdades.

Entendemos, o liame entre os conceitos dos autores não poderia ser outro senão a Justiça; não uma justiça particularizada, tendenciosa, muito menos ainda institucional, mas a Justiça em-si e por-si, eterna, imutável, paradigmática. A indagação sobre a Justiça, sobre o critério valorador do Direito é, sem sombra de dúvida, o tema mais importante da Filosofia do Direito. E, ao que entendemos sobre ela, nos referiremos mais percucientemente, e com fulcro apenas em argumentos de lógica, em momento propício, como pede a linha metodológica que escolhemos. Pois bem, devemos acrescentar, porém, que além da Justiça, faz-se necessária toda uma gama de inumeráveis conceitos a priori que estão inclusos no próprio conceito de Direito — subjacentes a ele — e que, portanto, são imprescindíveis à sua caracterização, tais como: a noção de ordem [26]; ordem esta dirigida a um fim, qual seja, o de evitar o atrito entre os homens e garantir sua liberdade; não a liberdade plena de um estado-natural (como a ele nos referiremos em linhas adiante), mas a liberdade civil, limitada pelas outras liberdades. Isso de modo algum descaracteriza a posição de essência formal do jurídico ocupada pela Justiça, como sustentaremos mais adiante.

1.2. Rousseau e Kelsen: tentativas de justificar, fundamentar e legitimar o Direito — erros e acertos

Como vimos, "na história da humanidade, o Direito funcionou e funciona sempre, em alguma medida, como um modo de relativizar as tensões sociais que nascem ou poderiam nascer dos conflitos interindividuais ou intergrupais, apresentando-se a solução jurídica como um mecanismo pretensamente racional e evoluído para a solução dos conflitos." [27]

Todavia, — a par de isto explicar o Direito — em nada o justifica enquanto estamento regrador de maior destaque e rigor a imperar sobre o todo social.

Que elemento constituiria justificação válida, aceita, precisa e viável para a preponderância do Direito sobre o Social, bem como sobre os demais instrumentos de controle de que dispõe a Sociedade (Moral, Religião, etc)? Ou, em melhor palavra, o que concederia legitimidade ao Direito, como instrumento, válido e aceito, de ordenação e de controle social? Ou, ainda, que elemento imprimiria no cidadão o dever de cumprir o que prediz o Direito e, a um só tempo, conferiria ao Direito o poder coativo de fazer valer suas predisposições?

Inúmeros foram os autores que tentaram atingir uma resposta de bom-senso, racional e válida. Tomamos duas destas justificações como base: a que nos foi ofertada por Rousseau e aquela que nos legou Kelsen.

Para Kelsen, o Direito seria, tão-somente, "ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano." [28] Assim, o Direito só pode ser entendido como uma ordem social coativa, impositiva de sanções de rigor tal a poder fazer-se cumprir. Para Kelsen, "a única distinção de ordens sociais a ter em conta não reside em que umas estatuem sanções e outras não, mas nas diferentes espécies de sanções que estatuem." [29] Nestes termos, tanto a Moral como a Religião atribuiriam, não apenas recompensas, como também sanções, como elementos hábeis a firmar a exigibilidade das condutas que prescrevem; não importando, sejam estas recompensas e sanções restritas ao diapasão céu e inferno (recompensas e punições no além — no caso religioso), ou ainda no âmbito da consciência (no caso da Moral), quando não, pela simples e pura reprimenda social; ou seja, pelo fazer pesar por sobre aquele que agisse em desvio o sentimento de reprovabilidade da conduta emitido justamente pelo próprio grupo em que se insere o indivíduo de quem se exige tal ou qual proceder, gerando um receio de exclusão e/ou reprovação. O Direito, porém, é uma ordem coativa, uma vez que detém meios de obrigar o seu cumprimento, inclusive pela coercibilidade.

Por outro lado, Kelsen não se preocupa, ou argumenta não ser objeto do Direito esta estrita preocupação, se o Direito, as decisões, jurisprudência e costumes, seus instrumentos e meios, devam atender a imperativos morais, ou — em melhor palavra — se deva preocupar-se em ser justo, bastando-lhe que seja legítimo, fruto de uma norma objetivamente válida (ou seja, advinda de uma norma anterior que lhe garanta validez, e, em última análise, de pretensa Norma Fundamental) para que o Direito se configure como tal.

Em poucas palavras, de dizermos que Kelsen intenta fulcrar a legitimidade do Direito na diferenciação entre as noções de dever (em sentido) objetivo e de dever (em sentido) subjetivo. Norma, na visão kelseniana, seria "o sentido de um ato através do qual uma conduta é prescrita, permitida ou, especialmente, facultada, no sentido de adjudicada à competência de alguém (...) na verdade, a norma é um dever-ser e o ato de vontade de que ela constitui o sentido é um ser." [30] Ou seja, o sentido subjetivo do ato é a ordem, seu sentido objetivo seria a plausibilidade desta ordem, a fundamentação desta mesma ordem numa norma anterior válida e vigente, ou seja, uma norma que exista [31] no âmbito em que se inserem aqueles de quem se exige cumprimento e os que se encontram em posição de exigirem tal cumprimento. Enfim, o que conferiria validez a uma norma seria, exatamente, uma outra precedente a ela e igualmente válida a ponto de transmitir-lhe isto.

Ora, numa regressum ad infinitum chegaríamos a uma norma "superior", pois que não validada por nenhuma anterior a ela — e, no entanto, válida — chamada por Kelsen de Norma Fundamental (grundnorm). Seria por isso que, segundo Kelsen, a ordem emitida por um ladrão para que um indivíduo lhe repassasse seus bens é diversa da ordem emitida por uma autoridade, uma vez que esta se funda em norma anterior legítima (objetivamente válida), sendo, pois, passível de engendrar um dever de obediência, enquanto que a exigência do ladrão pode (e deve, diriam alguns — se houver meios — é claro) ser legitimamente obstaculizada. Seria isto também a diferenciar, por exemplo — pensamento que a rigor discordamos e que fundamentaremos em momento adequado, ao falarmos de Rousseau — um assassinato de uma pena de morte.

O Direito seria, assim, um conjunto de conexões dinâmicas em que as normas inferiores recebem seu "sopro de validade" de outras normas mais elevadas e mais gerais até se atingir, necessariamente, por imperativo lógico, uma norma suprema, a mais geral, quiçá universal, e não-dependente de norma anterior para se tornar válida, proporcionando ela, sim, validade a toda ordem jurídica. E, ao contrário do que possa parecer ao leitor apressado de Kelsen, esta norma das normas não seria a Constituição, antes fundamentaria a própria Constituição.

Ocorre que, fôssemos analisar o pensamento de Kelsen focando seu fulcro último, qual seja: o intento de fundar o Direito numa base estritamente Jurídica, acabaríamos por constatar que, intentando achar um fundamento para o Direito que não excedesse ao próprio Direito, Kelsen esbarrou no Princípio da Justiça, embora tenha se esforçado por dar-lhe o nome que lhe convinha, in casu: Norma Fundamental — grundnorm.

Norma esta que de hipotética fez passar a pressuposto lógico-transcendental de índole formal, aproximando seu entendimento do transcendentalismo nos moldes de Kant, para, por fim, em suas últimas obras, reformulá-la como ficção, no sentido da Teoria de Vaihinger do als ob (como-se), praticamente admitindo, pela ausência de comprovação empírica da existência de uma pretensa norma fundamental, sua transmutação de hipótese para norma ficcional, como algo que simplesmente precisa existir para validar o Direito, que precisa existir se o entendemos válido, algo mais que a simples aceitação por parte de quem deve cumprir as ordenanças do Ordenamento — no que entendemos seja exatamente a Justiça, da qual Kelsen tanto quis se apartar, um paradigma eterno e justo.

Rousseau, por sua vez, tenta fundamentar a legitimação do Direito num Pacto Social (pretensamente) ocorrido em épocas imemoriais, na noite dos tempos, como diz a metáfora corrente.

Declara ainda que "a natureza humana é de si mesma boa, legitimamente ávida de liberdade e de igualdade; mas a civilização ou a sociedade depravaram-na." [32] O homem é visto por Rousseau como beau sauvage que, em seu estado natural, é bom, sendo paulatinamente corrompido pela Sociedade e pelas instituições. Seria o sentimento, e nunca a razão, o único meio de que se devesse valer o homem para voltar a ser bom. O sentimento era, para Rousseau, a faculdade intelectual mais sublime do homem. A causa das desigualdades entre os homens teria principiado com o surgimento da idéia de propriedade, a noção de posse dos bens que deveriam pertencer a todos do grupo, fruto de uma hierarquia social mal-construída — a propriedade seria o primeiro dos elementos a macular a liberdade, que era, para Rousseau, o supremo bem [33]. Liberdade e vida seriam noções naturais, como que direitos tacitamente reconhecidos; a propriedade, por sua vez, não seria um direito natural, mas a causa de todos os males, uma contingência aceita no âmbito da liberdade civil.

Apregoa que, num estado de natureza sempre seria possível ao homem, ante o livre exercício de sua liberdade plena, atingir as prerrogativas dos demais homens (liberdade, vida e propriedade, que no caso era coletiva, ou sequer existia). Assim, os homens em conjunto, e por sua livre vontade, teriam firmado um pretenso (e igualmente hipotético, qual a Norma Fundamental kelseniana — uma vez que não há assento empírico comprobatório deste argumento) contrato social, a fim de que, abrindo mão da liberdade plena, adquirissem a liberdade civil, limitada apenas pelas liberdades dos demais, e saindo do estado de natureza entrariam no estado civil.

Tal pacto criaria deveres e obrigações mútuas, garantindo uma boa relação de convivência entre os homens, pela conciliação os interesses opostos. Aí teria surgido também o Estado, enquanto superestrutura a gestar e gerir o Direito.

Rousseau distinguia, ainda, as vontades individuais da Vontade Geral. Esta se preocuparia com o bem-comum, com o melhor para o grupo; aquelas, por seu turno, focariam, tão-somente, os interesses individuais. As leis deveriam emanar da vontade geral, cousa que diferencia da vontade de todos, ou mesmo, da vontade da maioria. Rousseau entendia que, para o homem atual, a vontade de todos seria inconciliável, cogitando mesmo que a democracia (plena e real) só conviesse aos deuses. A vontade geral seria, ainda que numa concepção extremamente pobre, o que fosse melhor para o grupo, o que, por imperativo do bom-senso, pudesse ser melhor para o grupo, não necessariamente melhor para os indivíduos isoladamente tomados. O todo — defende Rousseau — é maior que a soma de suas partes, como igualmente sustentaria Durkheim [34]. Para Rousseau, o Direito prima por conciliar a vontade individual à vontade coletiva, garantindo assim, um retorno ao estado de natureza. [35]

Uma vez corrompidos pelas instituições somente por intermédio do Contrato Social o homem poderia retornar ao estado de natureza. Por meio deste pacto (contrato) os homens transfeririam seus Direitos Naturais (liberdade plena) para o todo, na pessoa do soberano, e receberiam, em contrapartida, o Direito Civil e certa liberdade (civil - condicionada), limitada somente pela liberdade dos demais. O pacto seria firmado entre o soberano e o povo com a finalidade única de garantir a segurança, só garantida realmente pelo retorno ao estado de natureza. O Estado, para Rousseau, seria uma necessidade contingente, antes de nos tornamos capazes de retornar ao estado de natureza. Portanto, para Rousseau, findando o Estado e o Direito é que seria livre o homem. Livre então do elemento coativo do Estado (o Direito) é que gozaria da liberdade como lhe convém, mas tal forma de gerir-se só seria digna de deuses — estágio que, para Rousseau, ainda distamos atingir.

De dizermos que, muito embora o fato de as tentativas de legitimar, fundamentar e/ou justificar o Direito, até então, tenham se fundado todas em hipóteses não comprovadas empiricamente, ou seja, em elucubrações para as quais não há dado histórico ou registro de situação similar em sociedades que estejam em estágio embrionário, ainda assim, persiste no subconsciente coletivo dos povos (se assim nos podemos expressar), ou mesmo no Direito Positivado hodierno, a noção de que o poder emane do povo, inobstante não se faça remeter isso à crença numa Norma Fundamental ou mesmo num Pacto Social em que o povo houvesse cedido ao soberano seus Direitos Naturais em troca dos Direito Civis, limitando sua liberdade natural (plena) pela liberdade civil (condicionada).

Ademais, fôssemos admitir tenha o Direito um fulcro, apenas e tão-somente, normativo (ou seja: formal), sustentaríamos, igualmente, sejam legítimos, válidos e que devam ser aceitos, de pronto, os "Direitos" dos Estados totalitários. E Kelsen chega a afirmar isso categoricamente, ao dizer:

Se esta ordem de coação é limitada no seu domínio territorial de validade a um determinado território e, dentro desse território, é de tal forma eficaz que exclui toda e qualquer outra ordem de coação, pode ela ser considerada como ordem jurídica e a comunidade através dela constituída como ‘Estado’, mesmo quando este desenvolva externamente — segundo o Direito Internacional Positivo — uma atividade criminosa. (...) Uma ordem jurídica pode ser julgada como injusta do ponto de vista de determinada norma de Justiça. O fato, porém, de o conteúdo de uma norma coercitiva eficaz poder ser julgado como injusto, não constitui de qualquer forma um fundamento para não considerar como válida essa ordem coercitiva. [36]

Como resta claro, o uso do poder coativo do Estado, para Kelsen, sendo legítimo, sustentado em norma objetivamente válida anterior, pode dar-se no sentido que o queira o Estado que assim se sustém, não importando se tais condutas possam ser tomadas por imorais, amorais, ou mesmo injustas. Afora o fato de desprezar o aspecto multifacetário do jurídico, é esta uma razão a mais para nossa descrença em tal modelo.

1.3. A Perspectiva Penal e o Surgimento da Sociedade, do Estado e do Direito:

E, pergunta-se o leitor desavisado, onde se insere, então, o Direito Penal em todo o quadro que até agora se procurou tecer e em toda nossa extensa fala?

Ora, o mais alto grau de conflito social é da estrita alçada penal, a maior reprimenda a que o Direito (enquanto meio de controle social de maior rigor e talvez de maior efetividade, ordem coativa, portanto) pode fazer pesar sobre quem descumpra um de seus preceitos, sobre quem cometa atos de desvio, é, sem dúvida, de natureza penal. Na abstração que ora propusemos, o Direito Penal, ou o âmbito penal de controle social, teria sido o primeiro a existir, mesmo nas comunidades mais primitivas.

Nesse sentido, o papel exercido pelo Direito Penal seria singular (mais simbólico do que material): trataria ele daquelas situações em que as pessoas extrapolam os limites do razoável, agindo no exercício de sua liberdade com tal demasia que os danos a direitos de terceiros teriam uma magnitude maior. Por decorrência disso, a resposta jurídica não poderia ser de mediação de interesses, mas sim de punição dos ‘desvios’. [37]

Teria sido o receio de atentar o homem contra o próprio homem (ou seja, o receio de que cometessem atos que era tidos como crimes, ainda que não positivados ou sujeitos à prescrição em corpo normativo próprio, sendo que crime nada mais seria que a ação incompatível com a conduta prescrita pelo corpo normativo), que fez erigirem um pacto, criando, assim — e a um só tempo — o Estado e o Direito. Foi o surgimento do fenômeno crime, ou a plausibilidade de que ocorra que motivou o surgimento do Estado e do Direito que o secunda, limita e sustém.

Admitamos a verdade das premissas postas, e podemos concluir, então, que o Direito não "nasceu" só. Dele teria advindo também sua contraparte, seu duplo, a outra face da moeda, o instrumental de Poder a exercê-lo — o Estado. O Estado estaria para o Direito como a superestrutura estaria para a infra-estrutura. Ele é secundado pelo Direito e o gere e, portanto, detém o monopólio da coação da comunidade de que se acerca. Teria sido o Estado, na figura do soberano a realizar o pacto com o povo, gerando algo mais que a mera soma de indivíduos.

Se de um lado o Estado parece ter surgido para garantir os direitos dos indivíduos; de outro, pela transferência concentrada de poder do povo ao Estado, pode ser ele um dos elementos a lesar estes mesmos direitos. "Desse modo, o Direito é palco de contradições dialéticas de funções (controle e garantia), contradições essas que devem ser solucionadas na conjunção de sua análise externa (filosofia política do Direito) — priorizando o ideal de um Estado Democrático Social de Direito — com sua análise interna, priorizando a supremacia dos direitos humanos." [38]

Pois bem, cumpre-nos, nos lindes que traçamos para a presente análise, externar a apreensão conceitual de Estado. Antes porém de intentarmos pormenorizar uma tentativa conceitual e/ou definitória de Estado, é útil, talvez até mesmo imprescindível, que façamos as considerações que se seguem. O Estado poderia ser tido e tomado como uma sociedade com características peculiares, uma espécie singular de sociedade que resumiria as inúmeras contribuições absorvidas pela evolução de outras sociedades, das mais primitivas até os dias atuais. Parece assente à razão — e já demonstramos em linhas supra — que o homem seja um ser social, que o homem tenha uma tendência imanente à vida em sociedade. Todavia, não podemos concebê-lo como um ser estatal.

Vejamos: parece contraditório afirmar que o homem nunca poderia ser naturalmente estatal, quando dizemos ser o homem social por natureza, e o Estado possa ser (cousa que admitimos apenas hipoteticamente) um tipo singular de sociedade, uma evolução do que se toma por sociedade. Nestes termos, o mais lógico, então, seria deduzir silogisticamente que o homem é um ser estatal. Entretanto, vale observar que o Estado não se comporta como uma sociedade sui generis, ele é, antes de mais nada, a forma de organização adotada pelas sociedades modernas. Tal forma de organização atende a princípios, muitas vezes, diversos daqueles que levaram o homem a manter-se em sociedade. A vida em sociedade atenta para a sobrevivência e para a satisfação de certas necessidades humanas só possíveis de serem concretizadas em sociedade. Se o Estado conseguir promover tais necessidades, em parte por intermédio do Direito, haverá ordem, segurança — é aquilo que o Estado se propõe a oferecer. Porém, o Estado parece ter pervertido esses valores colocando a ordem e a manutenção do poder como um fim em si mesmo, ainda que para mantê-los, tenha que se pôr em choque contra os valores humanos primordiais, valores estes que parecem assentes a um mínimo entendimento de bom-senso, e que não foram "criados" por legislação ou carta alguma, antes reconhecidos como tais, como é o próprio termo de que se valem as Cartas Constitucionais e as Declarações de Direitos. De tudo isto, se pode inferir que a aceitação pelo povo das normas e convenções estatuídas pelo Estado se teria dado por consentimento (contrato – pacto) ou, a mais das vezes, por imposição (no caso dos chamados Estados totalitários), e nunca por uma tendência inata para viver sob a égide do Estado. O Estado seria, portanto, uma espécie peculiar de instrumental adotado pelas sociedades para que possam bem gerir-se, dotado de poder de coação a se fazer acompanhar de um conjunto normativo que legitime e sustente esse poder (Direito), possuindo ainda um corpo social a que seja co-respectivo (um povo); e, geralmente, atuando em um território fixo e delimitado que determina seu campo de abrangência. Além disso, um Estado possui, ou deve possuir, soberania, autonomia em relação aos demais Estados.

Se na primeira família, no primeiro agregado social, já existia a noção de poder; ali estaria também o Estado em uma forma bastante rudimentar, como estaria ali também uma sociedade primitiva, e, de igual modo, um rudimento de Direito, enquanto forma de controle social dotado de poder coativo. É nesse pensamento que se baseiam inúmeros pensadores para afirmar que o Estado sempre existiu e sempre existirá, desprezando, assim, o fato de que a forma mais primitiva de poder dentro dos agregados sociais adveio da posse privada da propriedade, podendo ter perfeitamente havido sociedades sem Estados, mas nunca Estados sem sociedades co-respectivas. Baseados nisso, sustentamos que o Estado e até mesmo o Direito, tendo tido um início, podem ter um fim. A Sociedade é que seria originária, preexistiria ao Estado e ao Direito: a sociedade é condição sine qua non à sobrevivência humana, o Estado, tal qual o conhecemos, não.

Estado é um todo por demais complexo para queremos enquadrá-lo em base definitória mínima, sem maculá-lo. Assim, resolvemos caracterizá-lo, com o fito de melhor delimitar o que seja, e facilitar o raciocínio que — até aqui — somente encetamos.

Um Estado será tanto mais perfeito quanto mais próximo estiver da Justiça, de um parâmetro, uma noção de Justo. A Justiça, essa noção marcadamente humana [39], não pode ser alijada do Direito, como pretende Kelsen, uma vez que abre larga margem a Estados cujos atos não atendam a nenhum dos componentes da comunidade de que se acerca, e, assim, tampouco satisfará a Vontade Geral, garantirá segurança ou uma noção mínima de liberdade (ainda que civil). Outrossim, a idéia de Vontade Geral e de consentimento do povo, defendida por Rousseau, parece-nos bem mais assente, e por razões óbvias. E um Estado não prescinde de um povo, do elemento social que torna possível a correspondência cada vez maior entre Estado e sociedade. Não põe à parte o elemento território, embora haja alguns Estados que subsistam sem esse elemento. Mas, o elemento que dá a feição mesma e se confunde com a própria essência do Estado é a força coativa (não sem base firme na apreensão de Justo do povo co-respectivo ou alijada de limites quaisquer), o poder que se impõe a todos os indivíduos e grupos sob o jugo estatal. A este poder interno acresce-se ainda a soberania, que, nada mais é que a independência e a autonomia de um Estado em relação a outro. Povo poderia ser conceituado, assim, como o conjunto de indivíduos que estão sob a égide jurídica do Estado, sejam eles nascidos naquele Estado ou, simplesmente, naturalizados. Não podemos deixar de lado a diferenciação de povo e população, que seria o conjunto numérico de pessoas que vive dentro dos limites territoriais do Estado, sejam habitantes daquele Estado ou estrangeiros. Por fim, para bem caracterizar o que seja Estado, digamos que Nação, por seu turno, seria o agrupamento de pessoas que comungam de laços culturais comuns, a dizer: a religião, a língua, o folclore, etc. [40]

1.4 Noção de Sistema:

Deixamos de lado — e não sem razão — como que um vácuo argumentativo em nossa linha de raciocínio sob pena de macularmos o encadeamento das ilações já feitas. Falamos que o Direito Penal seria um subsistema do Direito, sem explicitar, senão idéia rudimentar e tática, o que seria um sistema ou mesmo um subsistema.

Uma visão holística de mundo (de todo ou total, como bem pede a etimologia da palavra) pressupõe quase que naturalmente a noção de sistema, que lhe é basilar. "A palavra sistema nos remete a inúmeros conceitos, em princípio, bastante distintos: o sistema solar (sistema físico), o sistema nervoso (sistema biológico), o sistema computacional (sistema eletrônico), entre outros." [41]

Um sistema é um conjunto (ou grupo) de elementos organizados, inter-relacionados ou interdependentes que forma um complexo ou todo unitário (coordenado) e diferente e (de certa forma) destacado do exterior que o cerca (ambiente). [42]

Os elementos são os componentes do sistema e, ao contrário do que a priori poder-se-ia supor, não caracterizam o sistema. (...) O que caracteriza um sistema estelar não são o número de planetas, o tamanho dos corpos celestes, sua composição química ou mesmo sua temperatura. (...) O que caracteriza um sistema é sua organização. (...) A organização é a relação entre os elementos do sistema que permite ao observador isolar o sistema de seu ambiente. (...) Assim, a força de gravidade faz com que todos os corpos celestes de um sistema estelar girem em torno de um centro comum (no caso do sistema solar, o Sol). A organização de um sistema estelar é, pois, de inúmeros corpos celestes girando em torno de uma estrela. (...) Se, por hipótese, ocorre alguma alteração nesta organização (a gravidade deixa de existir, verbi gratia) o sistema deixa de existir ou torna-se um novo sistema com natureza absolutamente diversa do anterior. [43] [destaque nosso].

Não seriam, pois, as partes que caracterizam um sistema, mas aquilo que o mantém unido, aquilo que garante que dado sistema mantenha sua estrutura organizacional, aquilo que faz com que seja um sistema, algo diverso da multidão dos elementos dispersos no ambiente, muito embora possa ter composição exatamente idêntica à do próprio ‘exterior’, porém, numa conformação organizada — de tal modo que poderíamos dizer: sistema é ordem.

Quando o homem foi coroado com a razão, quando se percebeu diverso da Natureza, foi que notou haver fronteira entre si e ela, foi que teve noção (ainda que muito rudimentar) de ser, ele próprio, um (sub)sistema — diverso, pois, do ambiente em derredor. "Etimologicamente, ‘ambiente’ vem do latim entis, que significa rodear, envolver. É o meio em que vivemos" [44], algo muito similar à noção de entorno, no obscuro pensamento de Niklas Luhmann [45]. O ambiente (a natureza) é, de fato, o mais amplo sistema com o qual interagimos, seja a nível coletivo ou individual. A idéia de ambiente tem mais a ver com um supra-sistema cósmico no qual nos inserimos [46], que conforme a criação cultural e terminológica humana, seria afeito apenas para atender nossos interesses e necessidades, como pretensamente erigido para a satisfação humana (antropocentrismo).

Podemos perceber, ainda, haver algo de imutável em todo e qualquer sistema que se perpetua, sob pena de o próprio sistema deixar de ser o que é, passando a ser outro; algo se mantém, algo que o define e caracteriza, algo que constitui o cerne do que ele é (sua essência, por assim dizer). No caso do sistema solar seria a lei ou princípio da gravitação universal que garantiria a unidade sistêmica, muito embora suas partes componentes possam ser alteradas, sem que isso afete o sistema enquanto unidade organizacional, eis que tal lei permanece.

Aquilo que não participa da estrutura organizacional do sistema, aquilo que não constitui parte dele, tudo o que não é mantido por seu princípio organizador, estando, pois, fora do sistema, é denominado ambiente. Em verdade, podemos afirmar que existem sistemas concêntricos, como conjuntos que contém conjuntos menores, sendo que o sistema maior, aquele que engloba todos mais, seria o sistema primordial, donde todos os outros seriam apenas subsistemas seus. Assim, por preciosismo da linguagem, só haveria realmente Um Único Sistema Verdadeiro: O Sistema Universal — o Cosmos seria palavra mais adequada, tendo em vista que hodiernamente já se fala em pluralidade de universos. Pois bem, todos os demais sistemas nada mais seriam que subsistemas do Cosmos. Os subsistemas, ou sistemas isolados, só seriam admissíveis, enquanto simples tentativas didáticas de apreendermos a parte, por nossa impossibilidade atual de divisarmos (ou pelo menos não com a minúcia necessária) o Sistema Maior e suas inter-relações com suas subpartes.

Um sistema (subparte) está sempre inserido num sistema maior (subtodo), e com ele está em constante troca, bem como com os outros subsistemas, sem que, por isso, perca tal condição. A troca de um sistema (subsistema) com o ambiente ou com outros subsistemas, em regra, nada altera sua estrutura organizacional, ou seja, quer permute elementos, componentes seus (suas partes), quer troque matéria ou mesmo energia com o meio ou outros sistemas, se sua conformação organizacional não se altera, o sistema persiste [47]. Não haveriam, pois, sistemas plenamente fechados, ou seja, todos os sistemas se encontram em constante troca, sendo, pois, abertos – o que não quer dizer que percam sua identidade. "Cada parte (ou sub-parte) é, pois, um possuidor de tendências auto-afirmativas (indivíduo) e integrativas (em relação a um subtodo que lhe está imediatamente acima na hierarquia do sistema [maior] a que pertence)." [48] De todos os subtodos (ambientes) com os quais interagimos, já o dissemos, seria exatamente a Natureza o maior sistema a que nos vemos atados.

1.4.1 Sistemas Alopoiéticos e Sistemas Autopoiéticos:

"A alopoiese é um processo pelo qual uma determinada organização produz algo diferente de sua própria organização. Um exemplo de sistema alopoiético seria uma linha de produção de uma indústria automobilística. (...) Uma linha de produção é capaz de produzir carros, mas não as máquinas usadas na própria linha de produção. (...) Por outro lado, sistemas autopoiéticos são literalmente aqueles que se auto-produzem." [49] Um organismo vivo possui células que se auto-reproduzem, a fim de manter o organismo, como um todo, vivo.

Antes de mais nada, cabe-nos referendar o seguinte argumento, e toda a presente análise está, de um certo modo, fulcrada nesta única idéia, a qual resolvemos aclarar somente então, por motivo justificável: "se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente há de ter tido uma causa igualmente inteligente", ou seja, intentamos, com base no argumento supra-exposto, fundar o Direito — e sobretudo o Direito Penal, uma vez tendo sido por necessidade racional e imperiosa e de ordem Penal a engendrar a ordem coativa que é o Estado secundando pelo Direito, como já sustentamos.

Pois bem, a idéia de autopoiesis é a mesma que pressupõe tenham os ditos coacervados percorrido o caminho evolutivo até a condição humana, movidos pelo mero acaso e pelo caos, através de um sem-número de tentativas aleatórias, quando, como já concluímos, primu conspectu, se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. Em tais condições, portanto, o acaso não existiria, e esse rumar contra a tendência entrópica [50] seria guindado por um princípio organizador. Princípio é, pois, aquilo que há de imutável num sistema, aquilo que o sustém uno, enquanto unidade organizacional. Anaxágoras, filósofo pré-socrático, chamava isso de ‘amor’, a essa força agregadora, que sustém os sistemas, rumando contra a tendência universal à desordem; e atribuiu o nome de ‘ódio’ àquilo que chamamos entropia, essa força que faz os sistemas tenderem à desordem; há quem chame ‘vida’; outros preferem o nome ‘alma’ (a fazer a matéria ‘cheia de deuses’, como pretendia a metáfora de Tales de Mileto, a dizer que algo imperecível persistia); outros mais a isso denominam ‘razão’. Nós, porém, chamamos ‘princípio’ (organizador). [51] O certo é que, como também já vimos, nomes são apenas nomes, pouco dizendo sobre os objetos por eles rotulados. Todavia, a importância da conclusão acima vai além do mero interesse filológico. Seria ‘isto’, independente da indumentária vocabular que adotemos, a propugnação mesma do fim do materialismo, eis que aquilo que garantiria a união e a organização das células de um corpo (mesmo o dos primitivos coacervados), aquilo que manteria a organização de todo e qualquer sistema, por assim dizer, seria uma força, imaterial e invisível, qual é para os corpos celestes a gravitação universal, não sendo produto, pois, da mera soma das partes, como os corpos humanos não são, do mero amontoado de células, nada devendo à matéria em si (ou pelo menos àquilo que chamamos de matéria). A ciência moderna tendo esquadrinhado a matéria, parcelado o todo em suas partes mais ínfimas, não logrou encontrar respostas para os sentimentos, para a vida ou mesmo para a inteligência, tampouco para o Sentimento de Justiça; não na matéria, não no mero amontoado de átomos; mas naquilo que os mantém unidos sob dada conformação sistêmica, ou seja, naquilo que os faz serem — em conjunto — algo novo, algo diverso do meio que os cerca, algo diverso dos mesmos átomos, muitas vezes similares e de elementos químicos iguais, que bailam no exterior, separando-os, pois, do ambiente (enquanto categoria diversa), mas não obstaculizando, de todo, as trocas com o ‘exterior’ ou mesmo com outros sistemas.

A característica mais peculiar de um sistema autopoiético é que ele se levanta por seus próprios cordões, e se constitui como diferente do meio por sua própria dinâmica, de tal maneira que ambas as coisas são inseparáveis. (...) O que lhes é peculiar é que sua organização é tal que seu único produto são eles mesmos. Donde se conclui que não há separação entre produtor e produto. O ser e o fazer de uma unidade autopoiética são inseparáveis, e isso constitui seu modo específico de organização. [52]

O único objetivo de um sistema autopoiético seria, assim, a manutenção da organização sistêmica, ou seja, evitar a morte do sistema e a dispersão de seus elementos. Duas situações poderiam culminar com o fim de um sistema (sua morte, por assim dizer): 1° - a perda de seu princípio organizacional (seu cerne, sua alma), com a conseqüente mudança completa do sistema, seguida de sua desagregação, ou seja, quando ele permute algo mais que seus simples elementos, perdendo sua capacidade organizacional, seu princípio, aquilo que o faz diferente do ambiente em derredor; 2° - quando perca, pois, seu princípio organizador para adotar um outro, assumindo, assim, feições de uma nova ordem, tornando-se um novo e diverso sistema. Ora, a proposição evolutiva do Direito, se se engloba em perspectiva sistêmica, nos moldes acima expostos, só se daria quando guiado por princípios imutáveis (mantenedores da identidade sistêmica) e não-conflitantes.

1.4.2 O Direito e a Sociedade como Sistemas: Luhmann e sua concepção de Direito Anti-humanista

Niklas Luhmann propõe sejam o Direito e a Sociedade qual sistemas autopoiéticos, modelos organizacionais cuja única função seria, nas entrelinhas e em última análise, manter-se, perpetuar-se; sistemas auto-nascidos ("incausados"?!), auto-mantidos e auto-organizados. Como vemos, atinge-se aqui, com Luhmann, um nível de aproximação entre as ciências naturais e as sociais nunca antes ousado ou pretendido. [53] Nessa proposição, os elementos do sistema social não seriam mais o conjunto de indivíduos, mas a informação. Como só poderia haver noção qualquer de sociedade num grupamento de indivíduos, portanto, quando houvesse mais de um ser, o indivíduo, visto isoladamente, perderia o caráter de elemento da sociedade, eis que esta só haveria quando houvesse pelo menos dois, como já o dissemos. E, como entre dois indivíduos há troca de informações, comunicação, pois, eis então o padrão organizacional da sociedade, para Luhmann, a comunicação. [54] A moeda do Universo seria a informação, informação que pode transitar entre os sistemas. Ora, o que viria a ser o DNA que não a informação para codificar um corpo inteiro, ou seja, a informação para erigir todo o sistema de que faz parte, muito embora toda e qualquer das células que contêm o material para erigir o corpo inteiro, só reproduzam a si mesmas. Seria como numa visão repensada da sabedoria oriental aos moldes ocidentais: "a parte conteria o todo, exatamente como o todo a contém". Vejamos: o todo corporal contém (é composto por) células; tais células, muito embora só reproduzam a si próprias, contêm informação (genética) para edificar todo o organismo inteiro (corpo).

Pois bem, sabemos que os sistemas vivos são aqueles que assumem os contornos mais nítidos de uma caracterização autopoiética. E os sistemas vivos tendem a, tão-somente, manterem-se vivos, não importando o custo. Quando somos acometidos por uma gripe, por exemplo, nosso organismo encaminha um sem-número de anticorpos para combatê-la, os quais, ao fim, são excretados, como células mortas, dispensáveis na luta pela sobrevivência; ou seja, não importa a morte de algumas células (de alguns componentes do sistema) desde de que o corpo (sistema) permaneça e se perpetue. É imperioso inferirmos que, adotando tal visão de mundo, culminaríamos com um relegar do indivíduo a um papel, para menos dizer, de segundo plano. Os indivíduos, segundo o funcionalismo sistêmico, não passariam, pois, de ‘organelas’ do imenso sistema social "vivo", sendo perfeitamente dispensáveis, na manutenção de suas estruturas maiores. Operou-se, assim, um retorno ao organicismo proposto pelos gregos antigos, sobretudo por Aristóteles, e retomado por um considerável número de Sociólogos até Luhmann; e, todavia, agora muito mais elaborado.

Ora, sendo a sociedade e o Direito sistemas autopoiéticos, seria perfeitamente natural o sacrifício meramente utilitário de algumas – ou várias – vidas humanas para a manutenção do status quo e, conseqüentemente da autopoiese do sistema. (...) A manutenção de uma parcela de seres humanos absolutamente marginalizada, em condições sociais miseráveis, seria perfeitamente lícita desde que não prejudicasse a autopoiese do sistema. [55]

O Direito, segundo o funcionalismo sistêmico, é um subsistema da sociedade, e sendo, portanto, ele também, um sistema autopoiético, nada mais visaria que produzir mais direito, ou seja, sua finalidade última seria manter-se — não importando, assim, o teor (moralmente justo ou injusto) das decisões obtidas pelos juízes e do cumular das jurisprudências, desde que não afetem a perpetuação do sistema. Uma idéia muito similar à proposta Kelseniana, com a ressalva de que ali se propôs o Direito como um sistema fechado, mas igualmente não afeito a quaisquer elementos de cunho social ou moral, tendo dado margem a propensões totalitárias (antidemocráticas, portanto). A tese que Luhmann defende dá azo a uma visão de Direito igualmente amoral. O Direito, assim visto, não mais visaria proteger os indivíduos e garantir o seu bem-estar, mas, tão-somente, resguardar a sociedade e seu padrão de organização — a comunicação.

Fica evidente que, ainda que se admita a concepção sistêmica da sociedade, visto que, como seres humanos, nos encontramos em permanente acoplamento estrutural [em comunicação] com outros seres humanos, tratar-se-á de um sistema alopoiético. (...) Este metassistema formado pela agregação de unidades autônomas (indivíduos) é uma criação do homem para o homem. (...) A função do sistema social não pode ser concebida como sua própria preservação, mas como a preservação do homem enquanto homem. (...) Esta preservação do gênero humano, só pode ser alcançada com o progressivo incremento da autonomia individual, através da garantia pelo sistema social dos direitos humanos individuais (liberdade, igualdade, etc), sociais (educação, saúde, etc) e políticos (efetiva participação nas decisões da sociedade). (...) Em suma, a sociedade não pode ser concebida como uma célula que vive para manter-se viva. A sociedade deve ser concebida como uma linha de produção em benefício do homem, cuja finalidade é produzir um incremento da autonomia individual e do bem estar social de cada ser humano. [56]

A própria idéia de autopoiese parece ser inverossímil, segundo os próprios pressupostos científicos, uma vez que ‘nada surge do nada e que todo efeito há de ter tido uma causa anterior’. Assim, usando como exemplo os coacervados enquanto primeiro sistema vivo do globo, poder-se-ia até dizer que teria surgido ali uma organização (um sistema), mas não teríamos elementos racionais para falar em auto-organização, como pressupõe a idéia de autopoiese. Com base nisto, o Direito assemelha-se realmente a um sistema vivo, mas não com características tão-somente autopoiéticas, mas também, alopoiéticas, uma vez que, inobstante direito gere direito, visa — em última análise — conferir segurança jurídica aos membros da Sociedade, garantir a paz social (uma paz relativa, sem dúvida, uma vez que o próprio Direito assume para si o poder coativo para inibir ações contrárias à suas predisposições) e intentar atingir, por meio de suas decisões, uma aproximação do paradigma da Justiça, a que já nos referimos.


2. Funções do Direito Penal:

Tomando como corolários lógicos e premissas aceitas toda a extensa e prévia análise feita nos tópicos anteriores, julgamos poder, e só então, emitir juízo mais consciencioso acerca das funções do Direito Penal.

Vejamos: o Direito penal constituiria um ramo do Direito Público, uma vez que nele há predominância de relações de subordinação, ou seja, relações entre o Estado enquanto tal (investido em seu poder de coerção) e os cidadãos. Já vimos, o Direito Penal consubstancia o peso máximo e a coerção última de que o Estado pode lançar mão para fazer cumprir seus preceitos, para fazer valer os meios de controle de que se constitui. Pois bem, o Direito Penal se acerca e se aplica não a todo e qualquer bem protegido pelo Jurídico, mas aos bens jurídicos tomados por Fundamentais, a saber, grosso modo: vida, liberdade e propriedade — bens ou valores jurídicos considerados essenciais à subsistência da sociedade. Daí sustentarmos ter sido por decorrência de âmbito estritamente penal o surgimento da ordem coativa de que constituem partes quase que simbióticas o Estado e o Direito. E, por uma tal razão, o Direito Penal transita sobre a tênue linha divisória entre ser o mais gravoso meio de controle social e a possibilidade de se transformar "num instrumento de repressão a serviço dos governantes, a exemplo do que ocorre nos Estados policiais." [57]

Como já explicitamos, "não há comprovação empírica de que, efetivamente, o Direito Penal proteja valores ou bens jurídicos, nem de que a referência a essa tarefa protetiva possa servir de fundamento legitimante de sua atuação. A referência à proteção de bens ou valores constitui, apenas, um recurso de justificação das normas proibitivas e mandamentais." [58]

Um fulcro de maior solidez para a sustentação do Direito Penal como instrumento válido e legítimo para exercer e consubstanciar o monopólio do mais gravoso meio de coação Estatal se centraria em bases mais sólidas se focasse a proteção à direitos subjetivos de notório reconhecimento histórico pelos povos (Direitos Fundamentais). [59] Não chega a ser uma alteração substancial no fundamento de base e justificação para o Direito Penal, apenas — talvez — uma alteração argumentativa, mas que consegue fazer passar o entendimento deste sustentáculo legitimador do simbólico ao preciso e delimitado. O certo é que o Direito Penal abraça contradições gritantes, coalizando idéias quase que antípodas, assente, porém, na idéia de pluralismo do Direito, como meio de coordenar vontades inconciliáveis, qual pressupunha a Vontade Geral Rousseauniana.

Senão vejamos: "se, por um lado, visa a proteger a pessoa humana diante do Estado, por outro lado, visa a assegurar-lhe os direitos subjetivos por meio do próprio Estado. Ainda que se duvide dessa função garantista, deve ela ser levada em conta na formulação das normas penais, a fim de poder evitar que o Estado de Polícia se manifeste e se sobreponha ao Estado de Direito." [60]

2.1 Uma Análise da Função de Controle Social do Direito Penal:

"Pode-se indicar que a regulação da vida em sociedade, pano de fundo de qualquer definição do Direito e de suas áreas específicas, de acordo com a postura ideológica adotada teria como funções principais possíveis:" [61] a) possibilitar a dominação de uma classe por outra como se pode depreender do pensamento marxista — podemos racionalizar e até admitir que, em alguma monta, as regras e os princípios jurídicos serviriam como instrumentos de dominação de classe, mas reduzi-lo a isso seria dizer que a sociedade, seus membros, em melhor palavra, só poderiam ser livres sem o Direito e sem o Estado; num estado de anarquia, portanto, o que, ao menos na conformação humana atual, levaria à sobrepujança de uns em relação a outros pela força. Ou seja, ainda tardamos atingir o patamar a que Rousseau diria podermos nos conformar à Democracia Plena; b) promover a paz social — a paz a que o Direito Penal pode sustentar, já vimos, é uma paz vigiada, uma paz instável mantida mediante o temor da coação e a coação efetiva nos casos de descumprimento do prescrito pela esfera penal do Direito. Ademais, a paz conseguida não é uma paz no sentido da satisfação da Vontade de todos, sequer da Vontade da maioria, mas de uma proposta de paz que garanta o melhor para o grupo, tornando impossível a consecução de uma paz social propriamente dita, pelo próprio pluralismo que constitui a Sociedade; c) possibilitar a coalizão dos interesses opostos, no seio do próprio pluralismo que originou a estrutura coativa Estado-Direito, apondo de um lado a dominação estatal sobre a sociedade e, de outro, a limitação estatal pelos direitos (sobretudo os fundamentais) da sociedade e dos indivíduos que a compõem — a cogitada transferência de poderes dos indivíduos ao Estado, na pessoa do soberano, teria tido um fim precípuo, garantir o usufruto da liberdade, limitada apenas pelas outras liberdades. Ora, a dominação estatal não se pode dar no sentido estrito da legitimidade formal desta dominação, como pressupunha Kelsen, sob pena de ver-se dar azo a regimes totalitários e atentatórios aos direitos fundamentais dos indivíduos, direitos estes que constituem a base e a razão de ser do duplo instrumento de controle: Estado-Direito. De um lado da balança há "a dominação estatal da sociedade (modo do Estado controlar e coordenar a sociedade)", de outro, "está a limitação do Estado pela sociedade (face e contra-face)". Ao contrário de ser uma contraditio irrefutável ao Direito Penal, a idéia de coalizão de interesses opostos se encontra na própria base definitória que já expusemos e consiste em sua própria razão de ser: ordenação de um tipo específico de relações sociais (relações jurídicas) entre homens, (e, no caso do Direito Penal, aquelas de maior gravame), sob a luz da Justiça, visando evitar atrito entre os arbítrios dos homens e garantir o usufruto da liberdade, limitada apenas pelas outras liberdades. "O Direito serviria para definir a limitação do poder do Estado sobre a sociedade." [62]

2.2. Retribuição, Controle e Ressocialização:

Não se pode afirmar que a pretensão punitiva do Estado se firmasse, exclusivamente, na intenção de retribuir ou compensar o eventual dano que se tenha realizado. Eis a razão pela qual julgamos a nomenclatura Direito Penal inadequada, sendo antes preferível Direito Criminal, uma vez que evitar e inibir o crime é o foco, a sanção se manifestaria como uma contingência para os casos de descumprimento. Não se podendo dizer, porém, que todo um conjunto normativo se finque somente na sanção ou na coação. Seria dizer que o direito não almeja ser cumprido, mas tão-só aplicar sanções quando contrariado, o que seria um erro sem tamanho. Maior erro seria pressupor que a lei se impõe menos pela possibilidade de realização da justiça (ser cumprida) que pela força (coação) [63].

De outra parte, a finalidade da punição não se assenta tão-somente na possibilidade de educar e prevenir, individual e coletivamente [64], a prática de crimes, como também numa tentativa de ressocializar os indivíduos que teimam em delinqüir, que persistem em fugir aos limites impostos pelo Direito.

No âmbito penal, pode-se facilmente pressupor uma sensível tendência a beneficiar o réu, seja facilitando-lhe a defesa (in dubio pro reo), seja impedindo a retroação de leis que o prejudiquem, seja pela imensa gama de fatos atípicos, causas de exclusão de antijuridicidade e punibilidade, entre outros meios de desqualificação do crime por ele praticado ou meios de vedar-lhe a punição. E por que razão tal se dá? Ora, abraçando situações excepcionais bens que a Sociedade tem em alta conta (Direitos Fundamentais), é patente a intenção de evitar o cometimento de injustiças. Isso se revela de maneira bem mais acentuada no Direito Penal brasileiro, tal é o temor de cometer-se erros ou, mais especificamente, de punir-se inocentes, ainda assim, pululam as injustiças.

A punibilidade, por sua vez, é a concreção da pretensão punitiva do Estado, ou seja, dada a prática do crime advém a efetivação do jus puniendi, sendo conseqüência direta do crime. Dado um "fato típico e ilícito [tomado aqui na acepção de antijurídico], sendo culpável o sujeito, faz surgir a punibilidade." [65]


3. Incongruências de Lógica Interna no Direito Penal e no Direito Penal brasileiro:

Antes de mais nada, de dizermos que o princípio da legalidade (art. 5º , II, XXXIX e LIV CF/88) — em muito defendido pelos legalistas e, porque não dizer: positivistas — vem sendo acossado por aqueles mesmos que o propugnam quando não convém a dados interesses seus. O mesmo sistema (jurídico) que assegura o direito à liberdade (art. 5º, VI CF) é o que cria meios de, em dados casos, fazer outrem dela privado. Até aí, nada demais, de vez que se poderia fazê-lo — dizem — sem ferir a "lógica interna" do sistema. Todavia, entendemos, não é o que ocorre com as "modalidades de prisões" preventiva e provisória.

Observemos o que dizem alguns princípios do sistema: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o "devido processo legal" (art. 5º, LVI CF/88), não há crime sem lei anterior que o defina, "nem pena sem prévia cominação legal" (art. 5º, XXXIX CF/88), ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II CF/88), ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 5º, LVII, CF/88). Tais afirmações nos fazem crer que só deve haver a prisão definitiva, a única forma de prisão admissível — "supressão da liberdade individual mediante a clausura" [66] — sendo precisamente aquela decorrente de crime previamente definido, advinda de um processo legal válido e posterior ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Como se vê claro, "somente a sentença que põe fim ao processo é fonte legítima para restringir a liberdade pessoal a título de pena." [67].

É óbvio que o princípio geral da igualdade se apresenta sob vários aspectos inconfundíveis. Entre estes revela notar não só o da igualdade perante a lei, que não admite tratamento jurídico diverso a quem quer que seja, por simples superioridade de riqueza, posição social, etc., como o da igualdade de oportunidade, que significa idêntica oportunidade a todos de acesso à cultura, aos cargos públicos, etc. Tal igualdade, a nosso ver, a mais essencial em qualquer democracia, pressupõe, de certo modo, a igualdade econômica, ou o direito de todos à segurança de um nível mínimo econômico, condizente com a dignidade da pessoa humana. (sic!) [68]

Vejamos: a prisão provisória seria o gênero do qual fazem parte a prisão temporária e a prisão preventiva. Prisão preventiva, enquanto espécie de "prisão cautelar de natureza processual" é uma prisão que antecede uma condenação definitiva [69]. Admite-se, bem assim, que a prisão preventiva dá ensejo a uma espécie de condenação, e mais, que se está condenando alguém sem o devido processo legal. Eis aflorada aqui a finalidade preventiva para fins de investigação. A prevenção faz macular os mais fundamentais princípios da esfera penal, sua aplicabilidade para situações de estrita excepcionalidade. Podemos até fundamentar e argumentar sua necessidade diante da perspectiva de impunibilidade de um crime, mas não conseguiremos coadunar isso — segundo nosso entender — à lógica interna do sistema.

O art. 312 do CPP brasileiro nos informa que a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência de crime e indício "suficiente" da autoria. Bem, se o indício é suficiente, que se proceda ao julgamento e à prisão definitiva em seqüência; se não o é, há clara e inconteste lesão ao princípio do devido processo legal e ao princípio da liberdade. Onde, pois, o in dubio pro reo?!

Admitamos a delimitação de casos específicos para a ocorrência de prisão preventiva, mas que dizer da prisão temporária em que se fica total e completamente à mercê do alvedrio de nossos "sábios" e "doutos" juízes?! Onde o periculum in mora?! Onde o fumus boni iuris?!

O juiz pode (deve, é entendimento interpretativo legal e jurisprudencial) revogar a prisão preventiva sempre que as circunstâncias a que deram ensejo à medida tão extrema cessarem. Em não havendo perigo à ordem pública, à instrução criminal, à aplicação da lei penal, etc, deve o juiz fazer cessar a prisão preventiva, podendo — dizem — renová-la em ressurgindo os motivos que lhe deram azo, donde entendemos seja sempre injusto (e mais que isso) ilegal tal proceder, afastando o Direito da excepcionalidade de sua condição de ultima ratio. [70]


À Guisa de Conclusão:

Partindo da premissa de que o Direito evolui, e que determinados fatos outrora julgados ilícitos hoje são lícitos e vice-versa [71], poder-se-ia, fácil e apressadamente, inferir que o crime, de todo, não seria um mal, sendo que haveria certos "crimes" que culminariam em processos de mudança social e jurídica, em situações que as leis se mostrassem injustas, tão-somente, donde se poderia presumir uma abertura à possibilidade de que se descumpra o Direito com base em tal argumento. Afirmemos de antemão, com base na perspectiva evolutiva do Direito a que já nos referimos, que, em um mesmo ordenamento, existem normas justas, neutras (ainda que na qualidade de acessórias ao direito, tal quais algumas normas do dito direito adjetivo) ou mesmo normas injustas. Não admitíssemos a existência de normas injustas, imorais ou amorais, estaríamos tomando o Direito por perfeito, inatacável, irrefutável, não-falseável (no termo de Popper), e, portanto, fundado em base dogmática e não-científica. Se o Direito muda, progride, melhora é porque passa de um estado de menor aproximação de um critério mais justo para uma maior aproximação deste paradigma (seja ele a justiça social, um ideal, ou outro critério mais objetivo que convencionalmente tomemos; não importa, se ele evolui é porque admite em seu seio construções passíveis de mudança e mudança preferencialmente para melhor, ou seja, confirmando, assim, que seu estado anterior era pior — donde poderíamos qualificá-lo injusto, ilegal, imoral, imperfeito). Vale citar o sábio pensamento do jurisconsulto Paulo, afirmando que "nem tudo que é lícito [permitido] é honesto [justo]" (Non omne quod licet honestum est), donde constatou que nem toda lei é justa e que, não só há leis injustas, como também imorais.

Vale atestar que não se quer aqui pregar um relativismo quanto ao que seja justo ou injusto, antes, a contrário senso, apenas admitir-se que, ao menos enquanto hipótese, diante de normas injustas e somente em frente a elas, se poderia deixar de cumprir o que dispõem, sem perigo de transgredir normas maiores, eternas e imutáveis, caminhando, ademais, no rumo de sua evolução, ainda que descumprindo uma regra de um direito temporal [72]. Nos dizeres de Lon L. Fuller, "um homem pode infringir a letra da lei sem violar a própria lei" [73], ou seja, é possível ao homem transgredir a lei no sentido literal, sem violar a Justiça. Sócrates, entretanto, diria ser melhor ao homem justo cumprir as leis injustas, para que os injustos se vissem obrigados a cumprir as leis justas (ainda que diminutas), alertando para o perigo que o descumprimento de uma norma, mesmo que declaradamente injusta, poderia ocasionar: a segurança jurídica seria gravemente abalada, podendo acarretar inclusive — em casos extremos — um precedente para a derrocada de todo o Ordenamento.

O crime sempre existiu e — há quem ouse dizer, sempre vai existir — desde os primórdios da humanidade recém-coroada com o bastião da razão, nas mitologias dos povos, nas sagradas escrituras (Caim e Abel, José do Egito, etc), persistindo até os dias atuais. Outrossim, tem-se que o crime é uma espécie do gênero fatos jurídicos, como o próprio fato jurídico consubstancia uma subespécie do gênero maior dos fatos sociais. A história comprovou que — em regra — o Direito prioriza a externalização de uma ordem mínima em contraposição a uma tentativa de realizar a justiça. Tal ordem está voltada para os fatos sociais relevantes ao o Direito, no que vale chamá-los de fatos jurídicos. Poder-se-ia dizer então que sua fonte primordial seria a lei, uma vez que, segundo nos mostra a história, ao pesar na balança ordem e Justiça, o Direito tem priorizado sempre a ordem precisamente por ser ela mais exeqüível.

Como já foi dito, já nos exortou o gênio romano, onde há o homem, aí o direito. E, sabe-se, só há o direito quando há possibilidade de atentar-se contra a liberdade e/ou direito dos indivíduos uns pelos outros. Assim entendido, bastariam dois seres humanos para que se configure — ainda que em forma bastante primitiva — uma "sociedade" e, portanto, a necessidade de regras a facilitar a convivência. De entendermos, pois, "onde há o homem", como o haver mais de um, obviamente. Poderíamos dizer, pois, ao menos contingentemente, ou dentro do quadro a que a história já nos forneceu, que onde o homem, aí o crime ou a eventualidade de sua ocorrência.

De abstrairmos os fatores criminógenos específicos (individuais), posto que, querendo ou não, acercam-se mais do campo de atuação da Medicina Legal. As condutas praticadas em virtude ou sob a influenciação de fatores desta ordem descambam para o campo especificamente doentio. Enfim, quando do trato do fenômeno crime, a Criminologia e o Direito Penal levam em maior conta os fatores criminógenos de ordem social — os desvios de conduta prescrita por aqueles que possuem consciência da reprovabilidade da conduta. Há toda uma conjuntura a — senão determinar — ao menos influenciar e/ou facilitar a conduta criminosa. Seja em termos micro ou globais o crime resulta de fatores, jamais regido por lei de causalidade simplória em que seja dado conhecer todas as variáveis a atuar no fenômeno.

Sendo os princípios — mesmo os que norteiam o definir quais condutas sejam e quais não se coadunem com a reprovabilidade social — a base de um sistema de conhecimentos qualquer, ou hão de ser fixos, imutáveis e não-conflitantes, ou há de ruir o dito sistema; qual um edifício que não se sustem sem uma base sólida e firme, se tivesse os pilares a se entrechocarem. Há de haver em todo e qualquer sistema-paradigma — inclusive o jurídico — algo que lhe caracterize a essência, que consubstancie aquilo que ele é; doutro modo, sendo suas bases, seus fundamentos, seus alicerces (mais precisamente: seus princípios) mutáveis, o referido sistema, certamente, não mais seria o mesmo, posto não conservar cousa qualquer — mínima base que seja — do que fora outrora.

Revela-se, pois, errônea a concepção de que princípios são mutáveis e de que esta mutabilidade serviria de garantia à consecução e à manutenção das conquistas e ideais democráticos. Paradoxalmente, isto sim, seria o meio mais hábil e eficaz de se fazer soçobrar as garantias, conquistas e direitos humanos historicamente reconhecidos universais — cujo impagável preço foi o sangue, a liberdade e a vida de muitos — sob o pretexto e o engodo de, em nome destes mesmos direitos, tudo ser mutável, inclusive eles próprios.

Para efeito exemplificativo, restringindo-se ao campo criminológico especificamente, imagine-se que o único parâmetro aceito para o justo e o correto seja o que for apregoado e convencionado pela maioria (Vontade da maioria), numa clara deturpação do ideal democrático, tal como ocorreu na proposta Nazista. Nesse estado de coisas, em que há total ausência de parâmetros absolutos (ou ao menos mais sólidos) para nortear o agir humano, resta inócuo qualquer argumento ou posicionamento contra atitudes eminentemente atentatórias à liberdade, à vida, à dignidade, etc; mormente, quando tais atitudes estejam sustentadas no dogma do relativismo e sejam secundadas pela vontade da maioria. Em tais condições, tudo o que se poderia dizer de um ordenamento que adotasse essas posturas é que seria diferente dos demais, tão-somente diferente dos demais. Não haveria falar-se em justo ou injusto fora do ordenamento e nada haveria que contrariasse a vontade da maioria (dentro de cada ordenamento), ainda quando esta atentasse contra aquilo que chamamos Direitos Fundamentais. E, ressaltemos, mesmo que se perceba terem estes últimos (Direitos Fundamentais) sobrevivido ao vigor das mudanças paradigmáticas e mostrado clara validação principiológica — como verdades que se sustêm apesar das mudanças históricas — mesmo estes poderiam perfeitamente tombar ante o prisma de um relativismo absoluto.

Falando estritamente da liberdade, valor que abraça a um só tempo desde as primitivas noções de Direito às mais sólidas construções hodiernas, digamos que vazio, inócuo e sem sentido seria qualquer discurso do Ocidente no sentido de combater a opressão sofrida pela mulher em muitos países (islâmicos, por exemplo), de vez que — no seio do próprio Ocidente — sempre tem imperado (ainda que veladamente) a noção de que tudo seja relativo. Noção esta fornecedora de sustentáculo ideológico ao império da vontade da maioria e, portanto, instrumental justificador da opressão sofrida pela mulher em muitos países.

Ora, trata-se de padrão cultural diverso do nosso, além do que, imposto pela maioria. Jamais poderíamos alcunhá-lo de melhor ou pior que quaisquer outros, apenas diferente, afinal, tudo é relativo! Assim, com o dogma do relativismo, é que caem por terra todas as conquistas consubstanciadas nos Direitos Humanos Fundamentais (a que a esfera penal deveria conceder maior proteção), entre os quais aquele que mais intimamente junge-se à própria noção de Direito, a liberdade — o mesmo que mais comumente se priva àqueles que cometem condutas criminalmente reprováveis. Vemos que, para além da necessidade lógica da existência de princípios imutáveis, resta claro o seu imperativo social.

De igual modo se dá com as prisões preventiva e provisória, nos moldes em que explicitamos, a claramente tolherem, numa apreensão relativista dos princípios do devido processo legal, da legalidade, entre outros mais, fazendo perder o Direito Penal sua índole estrita de ultima ratio.

Igual raciocínio se dá, ao considerarmos a abstração do Contrato Social, a fazer com que os homens, cedendo sua liberdade natural e plena (e todos os seus poderes consentâneos) ao Estado, a fim de se privarem da autonomia plena e irregrada das vontades dos demais, e preservar, assim, suas vidas, bens e liberdade (ainda que limitada agora pelo Poder Estatal e pelas prerrogativas dos demais), passariam — já explanamos — a viver dentro de um sistema de regras, uma ordem (coativa), e adquiririam, em troca da liberdade plena, a liberdade civil (limitada). Pois bem, temos que, nos Estados que admitem a pena de morte, erige-se uma visível incoerência, eis que, no Estado Natural, os homens lhe teriam cedido poderes para preservar suas vidas, a fim de que não viessem a matar uns aos outros pelo exercício eventual da liberdade natural (plena). Bem assim, o Estado não teria esse poder (o de ceifar vidas), uma vez que não se pode exercer um poder que não se recebeu. Não é da índole restrita de ultima ratio a disposição da vida a qual exatamente visa preservar. Ora, é postulado jurídico, construção principiológica do Direito que ninguém pode ceder mais poderes (direitos) do que possui. A pena de morte seria o exercício de um direito que o Estado não possui, eis que, precisamente, veda esta faculdade aos cidadãos, que não a teriam em estado natural para cedê-la ao ente político, ainda que pretensamente venham a referendar, por vontade livre, a pena de morte e a qualquer tempo, no âmbito do Estado de que façam parte.

Ora, saíssemos ao templo da história (e os livros nos permitem fazê-lo em alguma monta) e perguntássemos a todos os homens lúcidos, de todas as épocas, em todo o globo, pertencentes a povos, raças e etnias várias, perscrutando-lhes a razão acerca de pilares absolutos ao conhecimento (e a tudo). Aí obteríamos a óbvia resposta, não uma que desnudasse os véus que separam o ente humano da Verdade, mas a inegável uniformidade de seus pensamentos nada mais revelaria que um forte indício a trilhar o sentido da irrefragável evidência: a de que, para haver evolução, é preciso haver uma mudança para melhor, um progresso; e entre dois objetos de nossa atenção comparados nada mais se pode dizer senão que são diferentes. Torna-se imprescindível haver um terceiro, mais perfeito, a dar o norte da comparação.

Assevere-se, ainda, por clamor de razão mais perspicaz, que "se tudo é mutável", a mutabilidade é lei universal, absoluta e, paradoxalmente, "imutável". Isto, de pronto, já é prova de haver coisa outra que seja imutável e absoluta, mesmo que seja esta lei que prediz que "tudo é relativo", fazendo a si mesma algo absoluto... e, portanto, contrário a si.


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Notas

01 "O próprio conceito de Direito Penal não pode ser, por decorrência, desconectado do conceito de Direito, sendo, isto sim, derivado dele. É, portanto, um conceito derivado, pois deve se basear no objeto geral do direito, na matriz normativa que é comum a todo o Direito. Para que se possa, então, conceituar o Direito Penal é necessário que se resgate o conceito de Direito." In: COELHO, Edihermes Marques.As funções do Direito Penal.Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, n.º 146. Disponível em: Acesso em: 27 nov.2006.

02 Assim diz, e parece-nos sobremaneira acertada e empiricamente comprovada, a célebre frase (aforismo) de Ulpiano: "onde o homem, aí a sociedade; onde a sociedade, aí o direito; então, onde o homem, aí o direito." Cf. ROMANO, Santi. L`ordinamento giuridico. p. 21.

03 Julgamos contraproducente macular a brilhante lição de Durkheim com nossa brevíssima paráfrase e a transcrevemos aqui com pouquíssima supressão, a fim de facilitar o correto entendimento: "um todo não é idêntico à soma de suas partes, ele é alguma outra coisa cujas propriedades diferem daquelas que apresentam as partes de que é formado. A associação não é, como se acreditou algumas vezes, um fenômeno por si mesma estéril, que consiste simplesmente em colocar em relações exteriores fatos realizados e propriedades constituídas. Não é ela, ao contrário, a fonte de todas as novidades que se produziram sucessivamente no curso da evolução geral das coisas? Que diferenças existem entre os organismos inferiores e os demais, entre o ser vivo organizado e o simples plastídio, entre este e as moléculas inorgânicas que o compõem, senão diferenças de associação? Todos esses seres, em última análise, decompõem-se em elementos da mesma natureza; mas esses elementos são, aqui, justapostos, ali, associados; aqui, associados de uma maneira, ali, de outra. É lícito inclusive perguntar se essa lei não penetra até o mundo mineral, e se as diferenças que separam os corpos inorganizados não têm a mesma origem. (...) Em virtude desse princípio, a sociedade não é uma simples soma de indivíduos, mas o sistema formado pela associação deles representa uma realidade específica que tem seus caracteres próprios. Certamente, nada de coletivo pode se produzir se consciências particulares não são dadas; mas essa condição necessária não é suficiente. É preciso também que essas consciências estejam associadas, combinadas, e combinadas de certa maneira; dessa combinação que resulta a vida social e, por conseguinte, é essa combinação que a explica. Ao se agregarem, ao se penetrarem, ao se fundirem, as almas individuais dão origem a um ser, psíquico se quiserem, mas que constitui uma individualidade psíquica de um gênero novo. Portanto, é na natureza dessa individualidade, não na das unidades componentes, que se devem buscar as causas próximas e de terminantes dos fatos que nela se produzem. O grupo pensa, sente e age de maneira bem diferente do que o fariam seus membros, se estivessem isolados. Assim, se partirmos desses últimos, nada poderemos compreender do que se passa no grupo. Em uma palavra, há entre a psicologia e a sociologia a mesma solução de continuidade que entre a biologia e as ciências físico-químicas. Em conseqüência, toda vez que um fenômeno social é diretamente explicado por um fenômeno psíquico, pode-se ter a certeza de que a explicação é falsa." DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. p. 79 e 80.

04 COELHO, Edihermes Marques.Op. Cit.

05 Rousseau afirma que "a mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é a da família. As crianças apenas permanecem ligadas ao pai o tempo necessário que dele necessitam para a sua conservação. Assim que cesse tal necessidade, dissolve-se o laço natural. As crianças, eximidas da obediência devida ao pai, o pai isento dos cuidados devidos aos filhos, reentram todos igualmente na independência. Se continuam a permanecer unidos, já não é naturalmente, mas voluntariamente, e a própria família apenas se mantém por convenção. (...) Esta liberdade comum é uma conseqüência da natureza do homem. Sua primeira lei consiste em proteger a própria conservação, seus primeiros cuidados os devidos a si mesmo, e tão logo se encontre o homem na idade da razão, sendo o único juiz dos meios apropriados à sua conservação, torna-se por sí seu próprio senhor. (...) É a família, portanto, o primeiro modelo das sociedades políticas; o chefe é a imagem do pai, o povo a imagem dos filhos, e havendo nascido todos livres e iguais, não alienam a liberdade a não ser em troca da sua utilidade. Toda a diferença consiste em que, na família, o amor do pai pelos filhos o compensa dos cuidados que estes lhe dão, ao passo que, no Estado, o prazer de comandar substitui o amor que o chefe não sente por seus povos." ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. pp. 55 e 56.

06 "Para Aristóteles ‘o homem é por natureza um animal político’, isto é, um ser vivo (zoon) que, por sua natureza (physei), é feito para a vida da cidade (bios politikós, derivado de pólis, a comunidade política). No contexto da filosofia de Aristóteles, essa definição é plausível e revela a intenção teleológica do filósofo na caracterização do sentido último da vida do homem: o viver na pólis, onde o homem se realiza como cidadão (politai) manifestando, no termo de um processo de constituição de sua essência, a sua natureza. Parece claro para os intérpretes de Aristóteles que o "zoon politikon" não deve ser compreendido como "animal socialis" da tradução latina. Este desvio semântico resultou num sentido alargado do termo grego que acabou se identificando com o social. Para Aristóteles, o social significava mais o instinto gregário, algo que os homens compartilham com algumas espécies de animais. O simples viver junto, em sociedade, não caracteriza a destinação última do homem: a "politicidade". A verdadeira vida humana deve almejar a organização política, que é uma forma superior e até oposta à simples vida do convívio social da casa (oikia) ou de comunidades mais complexas. A partir da compreensão da natureza do homem determinados aspectos da vida social adquirem um estatuto eminentemente político, tais como: a noção de governo, de dominação, de liberdade, de igualdade, do que é comum, do que é próprio, etc." In: RAMOS, César Augusto. A Individualidade Política – O ‘Zoon Politikon’ – E o Processo de Individualização nos ‘Grundrisse’ de Marx. Acesso em: 28 de nov. 2006. Disponível em: .

07 GALLIANO. Introdução à Sociologia. p. 69.

08 "Toda definição é perigosa" Cf. D. 50, 17, 202. in: NOMMIEN (org.) Corpus Iuris Civilis. passim.

09 Cf. RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. p. 93.

10 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Filosofia do Direito. p. 184.

11 Cf. CRETELLA JÚNIOR, José. Op. Cit., p. 184.

12 NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de História do Direito. passim.

13 GOODE, William J. & HATT, Paul K. Métodos em pesquisa social. p. 55.

14 SHAKESPEARE, William. Romeu e Julieta. 2000. [s.l.]

15 As definições buscadas pelo conhecimento científico não devem ser simples esclarecimentos sobre o significado das palavras, mas sim enunciar a constituição essencial dos seres. Definir "homem" como "animal racional" significa, para Aristóteles, mostrar um liame necessário que, no caso da espécie "homem", liga determinado gênero ("animal"), o mais próximo daquela espécie, à diferença específica ("racional"). Justamente porque deve apresentar um elo essencial e necessário entre o gênero e a diferença é que não pode haver, por exemplo, definição essencial de "homem branco", já que "branco" é acidente, ou seja, um atributo não-essencial de "homem". Pela mesma razão não pode haver definição essencial de indivíduos: define-se "homem", mas não se define "Sócrates". Como qualquer indivíduo "Sócrates" pode ser descrito minuciosamente em seus caracteres peculiares — por isso mesmo não universais —, mas não pode ser jamais definido. In: Aristóteles: Vida e Obra. Coleção: Os Pensadores. p. 23.

16 ERHARDT, André Cavalcanti. A realidade do Direito enquanto problema definitório . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 43, jul. 2000. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/10. Acesso em: 28 nov. 2006.

17 "Direito é o conjunto de condições pelas quais o arbítrio de um pode conciliar-se com o arbítrio do outro, segundo uma lei geral de liberdade." KANT, Emmanuel. Introducción a la teoría del derecho. p. 80.

18 Para Radbruch, o conceito de Direito deve ser universal, geral e necessário, sujeito ao raciocínio dedutivo e não à indução, como é o mote das ciências naturais. O Direito, para ele, tem caráter cultural, pertencendo, pois, ao mundo do construído, do humanamente "criado", e não ao mundo do descoberto; traduzindo uma realidade reportada a valores dos quais está a serviço e não pode se apartar. Não difere a idéia de Direito da de Justiça, concebendo se possa ter a pretensão de apreender uma noção de justo como um valor absoluto, não derivado de nenhum outro, de caráter apriorístico e que seria o ponto de partida para a conceituação do Direito. Cf. Gustav Radbruch, Op. Cit., pp. 86 a 93.

19 CRETELLA JÚNIOR, José. Op. Cit.. pp. 184 a 194.

20 RECÁSENS SICHES, Luis. Tratado general de filosofia del derecho. passim. Para o jusfilósofo Recásens Siches, "o esclarecimento do conceito essencial ou universal do Direito não pode ser subministrado pela Ciência Jurídica, em sentido estrito, porque esta versa sobre os vários ramos concretos do Direito positivo e, portanto, considera as especialidades que cada um destes oferece, é dizer, dá conta e razão do que o Direito civil tem de civil, do que o penal tem de penal, das concreções singulares do Direito mexicano, das próprias do Direito argentino, etc. E segue o renomado jusfilósofo, esclarecendo que seria enganoso supor que este conceito geral ou essencial possa ser fundado por via de comparação indutiva dos dados dos múltiplos Direitos conhecidos. Tal fundamentação resultaria injustificada logicamente por duas razões. Em primeiro lugar, porque esse procedimento de indução requereria revolver previamente o campo da experiência jurídica, sobre o qual haveria de exercer-se a comparação e a generalização; mas cabalmente este deslinde do campo da experiência jurídica, precisa, na estrutura lógica ou objetiva do conhecimento, que se disponha previamente do conceito geral ou essencial do Direito, graças ao qual se possa delimitar com rigor a área própria de dita experiência jurídica. Assim, resulta que para levar a cabo o procedimento de indução, com vistas a conseguir mediante ele a essência do jurídico, seria necessário ter de antemão essa noção essencial ou universal, que é precisamente a que se trataria de encontrar. Em segundo lugar, aquela suposta via indutiva para lograr o conceito essencial ou universal do Direito resultaria também impossível, necessariamente frustrada, por outra razão, a saber: porque o que se busca é uma noção absolutamente universal; e ocorre que o que se patenteia em cada um desses ramos concretos da Jurisprudência dogmática é tão-só a série de singularidades ou especialidades que oferecem os conteúdos jurídicos de cada um deles." In: CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. O conceito de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 43, jul. 2000. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/1>. Acesso em: 29 nov. 2006.

21 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 34.

22 Thomas S. Kuhn define paradigmas como: "as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência." In: A Estrutura das Revoluções Científicas. 3ª ed., São Paulo: Ed. Perspectiva. p. 13.

23 GUIMARÃES, Ylves José de Miranda. Direito Natural: Visão Metafísica e Antropológica. p. 283.

24 Fatos sociais ou ações sociais, nas concepções de Durkheim e Weber, respectivamente.

25 Relações jurídicas — fatos ou atos jurídicos.

26 "Uma ordem normativa que regula a conduta humana na medida em que está em relação com outras pessoas é uma ordem social. A Moral e o Direito são ordens sociais deste tipo. (...) Vista de uma perspectiva psicossociológica, a função de qualquer ordem social consiste em obter uma determinada conduta por parte daquele que a esta ordem está subordinado, fazer com que esta pessoa omita determinadas ações consideradas como socialmente — isto é, em relação às outras pessoas — prejudiciais, e, pelo contrário, realize determinadas ações consideradas socialmente úteis." KELSEN, Hans. Op. Cit. p. 27.

27 COELHO, Edihermes Marques.Op. Cit.

28 KELSEN, Hans. Op. Cit. p. 4.

29 Idem. p. 31.

30 Idem. p. 5.

31 "Com a palavra ‘vigência’ designamos a existência específica de uma norma." KELSEN, Hans. Op. Cit. p. 10.

32 THONNARD, F. J. Compêndio de História da Filosofia . p. 718.

33 Rousseau começa o capítulo primeiro de seu livro, O Contrato Social, a dizer o maior dos princípios em que suas idéias se fundam: "o homem nasce livre..." ROUSSEAU, Jean-Jacques. Op. Cit. p. 53.

34 Vide nota 4.

35 Com efeito, cada indivíduo pode, como homem, ter uma vontade particular contrária ou dessemelhante à vontade geral que possui na qualidade de cidadão. O interesse particular pode faltar-lhe de maneira totalmente diversa da que lhe fala o interesse comum: sua existência absoluta, e naturalmente independente, pode fazê-lo encarar o que deve à causa comum como uma contribuição gratuita, cuja perda será menos prejudicial aos outros que o pagamento oneroso para si; e, olhando a pessoa moral que constitui o Estado como um ser de razão, pois que não se trata de um homem, ele desfrutará dos direitos do cidadão, sem querer preencher os deveres do vassalo: injustiça, cujo progresso causaria a ruína do corpo político. (...) A fim de que não constitua, pois, um formulário inútil, o pacto social contém tacitamente esta obrigação, a única a poder dar forças às outras: quem se recusar a obedecer à vontade geral a isto será constrangido pelo corpo em conjunto, o que apenas significa que será forçado a ser livre. Assim é esta condição: oferecendo os cidadãos à pátria, protege-os de toda dependência pessoal; condição que promove o artifício e o jogo da máquina política e que é a única a tornar legítimas as obrigações civis, as quais, sem isso, seriam absurdas, tirânicas e sujeitas aos maiores abusos. (...) A passagem do estado natural ao estado civil produziu no homem uma mudança considerável, substituindo em sua conduta a justiça ao instinto, e imprimindo às suas ações a moralidade que anteriormente lhes faltava. Foi somente então que a voz do dever, sucedendo ao impulso físico, e o direito ao apetite, fizeram com que o homem, que até esse momento só tinha olhado para si mesmo, se visse forçado a agir por outros princípios e consultar a razão antes de ouvir seus pendores. Embora se prive, nesse estado, de diversas vantagens recebidas da Natureza, ganha outras tão grandes, suas faculdades se exercitam e desenvolvem, suas idéias se estendem, seus sentimentos se enobrecem, toda a sua alma se eleva a tal ponto, que, se os abusos desta nova condição, não o degradassem com freqüência a uma condição inferior àquela de que saiu, deveria abençoar incessantemente o ditoso momento em que foi dali desarraigado para sempre, o qual transformou um animal estúpido e limitado num ser inteligente, num homem. (...) Reduzamos todo este balanço a termos fáceis de comparar. O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que o tenta e pode alcançar; o que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Para que não haja engano em suas compensações, é necessário distinguir a liberdade natural, limitada pelas forças do indivíduo, da liberdade civil que é limitada pela liberdade geral, e a posse, que não é senão o efeito da força ou do direito do primeiro ocupante, da propriedade, que só pode ser baseada num título positivo. (...) Poder-se-ia, em prosseguimento do precedente, acrescentar à aquisição do estado civil a liberdade moral, a única que torna o homem verdadeiramente senhor de si mesmo, posto que o impulso apenas do apetite constitui a escravidão, e a obediência à lei a si mesmo prescrita é a liberdade. Mas já falei demasiadamente deste assunto, e o sentido filosófico do termo liberdade não constitui aqui o meu objetivo. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Op. Cit. pp. 55 e 56.

36 KELSEN, Hans. Op. Cit. p. 52 e 53.

37 COELHO, Edihermes Marques.Op. Cit.

38 Idem. Ibidem.

39 Não há quem, em seu juízo perfeito, não se ressinta diante de um ato ou fato injusto, a ocorrer diante de si, muito embora sequer possa explicar a sensação e/ou conceituar o justo em-si. Perguntássemos ao vulgo se sabe explicar o complexo mecanismo da visão, ele redargüiria que, muito embora não saiba explicá-la, no entanto vê — e isto lhe basta. Não podemos negar, porém, que as apreensões desta noção sejam (ou pareçam ser) mais apuradas em uns que em outros, nuns povos mais aprimorada que em outros, mas que se pode — os fatos o provam — remontar um traçado rumo a uma visão mais aprimorada da idéia, um paradigma de maior solidez para o Justo, perfectibilidade esta que é (ou parece ser) inata ao gênero humano.

40 Cf. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. passim; BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. passim; e WEISHEIMER, José Álvaro de Vasconcelos. Uma Visão Otimista do Estado. In: Justiça do Direito. Passo Fundo. n.°12, vol.12, 1998, pp. 113-122.

41 VIANNA, Túlio Lima. Da Ditadura dos Sistemas Sociais: uma crítica à concepção de Direito como sistema autopoiético. Revista Crítica Jurídica, n.° 22, p. 67-78, jul./dez. 2003.

42 Cf. SACCONI, Luís Antônio. Minidicionário Sacconi da Língua Portuguesa. p. 613.

43 VIANNA, Túlio Lima. Op. Cit.

44 LINS, Charles de Andrade. Direito Constitucional do Meio Ambiente. Disponível em: http://www.faroljuridico.com.br/art-direitomeioambiente.htm. Acesso em: 29 de Agosto de 2006.

45 LUHMANN, Niklas. A Nova Teoria dos Sistemas. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, Goethe-Institut./ICBA, 1997, passim.

46 Cf. LUHMANN, Niklas. Op. Cit., passim.

47 "Os sistemas biológicos recebem a todo momento elementos novos que serão utilizados pela organização interna do sistema (ar, alimentos, bebidas, etc), da mesma forma que excreta uma série de substâncias (gás carbônico, fezes, urina, etc), mas a troca de elementos do sistema com seu ambiente não altera necessariamente sua organização." VIANNA, Túlio Lima. Op. Cit.

48 Jano: Arthur Koestler. Disponível em: www.xenia.com.br/jano.htm. Acesso em 12 de agosto de 2006.

49 VIANNA, Túlio Lima. Op. Cit.

50 A tendência de que os sistemas se desagreguem.

51 Camille Flammarion a respeito dessa força agregadora que rema contra a maré da entropia diria ainda: "eis aqui uma forte trave de ferro (...) É sólida com certeza. (...) No entanto essa trave é composta de moléculas que não se tocam, que estão em vibração perpétua, que se afastam umas das outras sob a influência do calor e se aproximam sob a do frio. Diga-me, por favor, que é que constitui a solidez dessa barra de ferro? Seus átomos materiais? Certamente não, pois eles não se tocam. Essa solidez reside na atração molecular, isto é, em uma força imaterial. (...) Falando de modo absoluto, o sólido não existe. (...) O universo e as coisas e as criaturas, tudo quanto vemos é formado de átomos invisíveis e imponderáveis. O Universo é um dinamismo. Deus é a alma universal: in eo vivimus, movemur et sumus. (Nele vivemos nos movemos e existimos.) (...) O que constitui essencialmente o ser humano, o que o organiza, não é a sua substância material, não é nem o protoplasma, nem a célula, nem essas maravilhosas e fecundas associações do carbono com o hidrogênio, o oxigênio e o azoto; é a força anímica, invisível, imaterial. É ela quem agrupa dirige e retém associadas as inúmeras moléculas que compõem a admirável harmonia do corpo vivente." [destaque nosso]. In: FLAMMARION, Camille. Urânia. p. 63 e 64, 159, 160 e 196.

52 VIANNA, Túlio Lima. Op. Cit. Apud. MATURANA, Humberto R. e VARELA, Francisco J., A Árvore do Conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena, 2002, pp. 55 e 57.

53 "Começa a deixar de fazer sentido a distinção entre ciências naturais e ciências sociais; (...) as ciências sociais terão de recusar todas as formas de positivismo lógico ou empírico ou de mecanicismo materialista ou idealista com a conseqüente revalorização do que se convencionou chamar humanidades ou estudos humanísticos." SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso Sobre as Ciências. pp. 09 e 10.

54 Cf. LUHMANN, Niklas. Op. Cit., passim.

55 VIANNA, Túlio Lima. Op. Cit.

56 Idem. Ibidem.

57 Direito Penal. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_penal Acesso em: 21 de nov. 2006.

58 Idem. Ibidem.

59 "O prof. Wolfgang Naucke, catedrático da Universidade de Frankfurt (Alemanha), postula pela substituição dos bens ou valores jurídicos pelo conceito de "direito subjetivo". A incriminação, dessa forma, só estaria legitimada se voltada à proteção de direitos subjetivos reconhecidos, mas não de bens ou valores jurídicos simbólicos. A proteção à pessoa por meio da incriminação do homicídio, por exemplo, estaria legitimada porque a ela se reconhece em todos os continentes o direito subjetivo à vida." Idem Ibidem.

60 Idem. Ibidem.

61 COELHO, Edihermes Marques. Op. Cit.

62 Idem. Ibidem.

63 "O mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre senhor, senão transformando sua força em direito e a obediência em dever. (...) desde que a força faz o direito, o efeito toma lugar da causa _ toda força que sobrepujar a primeira sucedê-la-á nesse direito. Desde que se pode desobedecer impunemente, torna-se legítimo fazê-lo, visto que o mais forte tem sempre razão, basta somente agir e modo a ser o mais forte. Ora, que direito será esse, que perece quando cessa a força? Se se impõe obedecer pela força não se tem necessidade de obedecer pelo dever (...) convenhamos, pois, em que a força não faz o direito e que só se é obrigado a obedecer aos poderes legítimos." ROUSSEAU, Jean-Jacques. Op. Cit. Liv. I, Cap. III.

64 Gerar o temor da punição no indivíduo que cogitar a prática de um crime e fazer com que se insira na consciência coletiva a necessidade de respeitar as normas.

65 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral. passim.

66 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, p. 373

67 Idem. p. 490

68 PAUPÉRIO, Machado. Teoria Geral do Estado. p. 288.

69 Cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Op. Cit.. p. 463.

70 "O direito penal, pelo seu caráter aflitivo, só deve ser usado como medida extrema, porque as suas sanções afetam o que de mais precioso há no ser humano: a liberdade, quando não a própria vida, como ainda sucede em muitos sistemas penais, e, indiretamente, pelo menos, também a honra, pelo caráter simbólico de reprovação com que comporta a qualificação como criminoso de um dado comportamento humano." DA SILVA, Germano Marques. Direito Penal Português. vol. I, parte geral, Lisboa: Editorial VERBO. 2001. p. 16. Cf. Jeffrie G. Murphy/Jules L. Coleman, Philosophy of Law: an introdution to jurisprudence, ed. rev., Westview Press, Inc., Londres, 1990, pp. 109 ss.

71 Vale citar a descriminalização (discriminação) da figura do adultério, por exemplo, donde antes era acercada pela esfera legal, agora praticamente relegada ao campo moral.

72 Sófocles, pela boca de Antígone diria. "quanto a ti, se isso te apraz, despreza as leis divinas! (...) Sim, porque não foi Júpiter que a promulgou: e a Justiça que habita com as divindades subterrâneas, jamais estabeleceu tal decreto entre os humanos: nem eu creio que teu édito tenha força bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas, que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis; não existem a partir de ontem, ou de hoje; são eternas, sim! E ninguém sabe desde quando vigoram! — Tais decretos, eu, não temo o poder de homem algum, posso violar sem que por isso me venham a punir os deuses!"

73 FULLER, Lon L., O Caso dos Exploradores de Cavernas. p. 20.


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Informações sobre o texto

O presente artigo consiste em trabalho de aproveitamento da disciplina Direito Penal, apresentado ao FORUM / APROCEFEP e à UAL – Universidade Autônoma de Lisboa, com vistas à avaliação da referida disciplina,constituindo, em termos imediatos, requisito parcial para a obtenção do título de especialista, e mediatamente, do grau de Mestre, no curso de Mestrado em Direito Constitucional, sob a orientação da professor Doutor Fernando Silva.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA FILHO, Francisco de Sousa. O direito penal como "ultima ratio", suas funções e limites. Breve análise sob o fio condutor sociedade, Estado e Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1257, 10 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9269. Acesso em: 26 abr. 2024.