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Direito à privacidade

Direito à privacidade

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            O programa Big Brother Brasil, da Rede Globo, celebrizou Bambam, Dhomini, Manuela, Sabrina, Alan, Xaiane e tantos outros. Viviam confinados numa casa, sendo a sua intimidade mostrada pelo apresentador Pedro Bial e por vários canais da Net. Refletindo sobre essa violabilidade, encontramos o preceito constitucional de que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas" (CF, art. 5º, X).

            O Ocidente, entre as duas guerras mundiais, viu o declínio da democracia. O conflito de classes era grande, porque os aristocratas, industriais e financistas não estavam dispostos a renunciar ao seu considerável poder em favor das maiorias menos privilegiadas. As condições econômicas atuavam contra a criação de democracias estáveis, pois a fundação de novas nações estimulava rivalidades econômicas debilitantes. Finalmente, o sentimento nacionalista fomentava a insatisfação entre as minorias nos recém-criados estados da Europa Central. Essa situação os levava para o totalitarismo, um sistema que oferecia a promessa de eficiência e força de propósito, realizadas pela autoridade centralizadora, em troca da renúncia das liberdades individuais.

            Foi assim que surgiram o totalitarismo na Rússia comunista de Lenin e Stalin, o fascismo na Itália de Mussolini e o nazismo na Alemanha de Hitler.

            As tendências intelectuais e culturais entre as duas guerras foram marcantes. Os antimetafísicos descartavam a busca de Deus ou do significado da vida como uma tarefa inútil e despropositada. O pessimismo dominava com a filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre (1905-1980) e de Sören Kierkegaard (1812-1855).

            Protagonista dessa época foi George Orwell (1903-1950). Insistia que todos os movimentos políticos são corruptos. Instava os escritores a reconhecerem o dever de só escrever com base no que houvessem experimentado eles próprios. Seu romance 1984 é uma expressão vigorosa de sua desconfiança em relação aos regimes políticos, quer da esquerda, quer da direita, que se declaram democráticos, mas, na verdade, destroem a liberdade humana. A frase "O Grande Irmão te vigia" (Big Brother is watching you) ficou famosa com a história de 1984. Winston Smith mora em Londres, que faz parte do país Oceania. O mundo estava dividido em três países: Oceania, Eurásia e Estásia, uma sociedade totalitária dirigida pelo Grande Irmão (Big Brother), que censura o comportamento de cada um, inclusive seus pensamentos.

            Funcionário do Ministério da Verdade, seu trabalho consiste em corrigir dados históricos, para que sempre estivessem em harmonia com a doutrina do Partido, cujas ordens são: a) a guerra é a paz; b) a liberdade é a escravidão; e c) a ignorância é a força. Mas Winston não suporta mais essa situação. Seu maior desejo era ver cair o regime. Seu crime foi descoberto pela Polícia do Pensamento, cuja pena é a vaporização, ou seja, a eliminação total do indivíduo assim como qualquer prova de existência prévia.

            O aparecimento de 1984 em plena guerra fria foi uma espécie de caixa acústica do anticomunismo, um exemplo do perigo das sociedades comunistas. Orwell estava contra o comunismo soviético e sua revolução e contra o fascismo. 1984 traz o espírito revolucionário contra qualquer tipo de totalitarismo, numa luta para preservar a democracia.

            Como fica o direito à privacidade diante da vigilância do Grande Irmão (Big Brother is watching you)? O juiz americano Cooly, em 1873, identificou a privacidade como o direito de ser deixado tranqüilo, em paz, de estar só: right to be alone. O texto constitucional (art. 5º, X) abarca todas as manifestações da esfera íntima, privada, e da personalidade, direito de toda a pessoa tomar sozinha as decisões na esfera da sua vida privada.

            O direito à intimidade (right of privacy) é sinônimo de direito à privacidade. Ao estatuir que "a casa é o asilo inviolável do indivíduo" (art. 5º, XI), a Constituição está reconhecendo o direito de vida doméstica livre de intromissão estranha.

            A vida privada é também inviolável (art. 5º, X), pois é o repositório de segredos e particularidades do foro moral e íntimo do indivíduo.

            A honra e a imagem das pessoas (art. 5º, X) são invioláveis. A honra é o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação. A inviolabilidade da imagem consiste na tutela do aspecto físico, como é perceptível visivelmente.

            A privacidade das pessoas é ameaçada pela complexa rede de fichários eletrônicos, especialmente sobre dados pessoais. O sistema de informações computadorizadas (Big Brother is watching you) gera um esquadrinhamento das pessoas que ficam com sua individualidade inteiramente devassada. O habeas data é o instituto específico para a efetividade dessa tutela.

            A violação da privacidade assegura ao lesado o direito à indenização por dano material ou moral, decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, ou seja, do direito à privacidade. Vale para a Constituição a frase ‘Big Brother is watching you’?


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Informações sobre o texto

Artigo publicado no "Jornal da Cidade", de Caxias (MA), em 22/06/2003.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Máriton Silva. Direito à privacidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1287, 9 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9345. Acesso em: 28 mar. 2024.