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A tutela de urgência nos casos de obesidade mórbida, após o advento do Código de Defesa do Consumidor e da lei 9656/96

A tutela de urgência nos casos de obesidade mórbida, após o advento do Código de Defesa do Consumidor e da lei 9656/96

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Cresce o número de obesos que buscam a intervenção do Poder Judiciário para lhes assegurar a manutenção/restauração de sua saúde, o direito à vida e à dignidade da pessoa humana.

RESUMO

O presente trabalho analisa a relação jurídica havida entre as operadoras de planos e seguros de saúde e seus beneficiários portadores de obesidade mórbida, para determinar se tais instituições estão ou não obrigadas a autorizar o tratamento médico hospitalar a seus usuários, e como deverá se dar a prestação jurisdicional quando houver o litígio. Tal análise enfatizará na abordagem, seguindo um método hipotético dedutivo monográfico qualitativo, a Lei federal 9656/96 e o Código de Defesa do Consumidor, nada obstante o necessário exame da Constituição Federal, além do posicionamento dos Tribunais brasileiros. Iniciaremos a monografia com algumas colocações propedêuticas à luz da principiologia e dos conceitos específicos que irão permear o texto. Em seguida, abordaremos os contratos de planos de saúde, desde a origem histórica no Brasil, permeando a classificação do instituto para, após, enfocar a obesidade mórbida propriamente dita, sua história, diagnóstico, classificação, riscos e formas de tratamento. Assim, buscando identificar nela o periculum in mora na hipótese, aspecto que será tratado por fim, visaremos esclarecer os requisitos jurídicos destas tutelas de urgência, suas modalidades, pressupostos e a possibilidade de fungibilidade entre elas. Após esta explanação, esperamos esclarecer o problema central deste trabalho, suscitado no início deste parágrafo, demonstrando que a Lei que regula os planos de saúde e o CDC obrigam estas instituições a tratarem os usuários portadores da obesidade mórbida, e que tal direito, dissociado das tutelas de urgência, não teria como se materializar.

Palavras-chave: Tutela de urgência / Obesidade mórbida.


ABSTRACT

This work analyses the legal relationship between Health Insurance Companies and their beneficiaries who suffer from Morbid Obesity, to determine if such institutions are or are not obliged to authorize the hospital and medical treatment to their users, and it´s done with fulcrum at the Federal Constitution, at the specific Legislation, at the Consumer defense Code and at the position of law courts. In this way, at first we will deal Urgency Guardianship, defining its concept, identifying its species, the legal aspects, their presuppositions and the possibility that they may substitute, giving us a general vision for us to understand the matter. Next, we will deal with the "periculum in Mora" for the morbid obese, in which we will define the illness, explain its intrinsic aspects, the diagnosis and the classification with statistical facts of its incidence in Brazil and in the world, the risks inherent in this pathology, the treatment and the expected results with the require guardianship in order to deal, at last, with the legal basis of the demanded urgency guardianship, approaching the foundations of this request, under the Constitution prison, law 9.656/98 that regulates the Health Insurance Companies, from the Ministry of Health, from the Federal Council Medicine, from the Consumer Defense Code and from the law counts, through the several wait the matter in question in the beginning of their paragraph, showing that the legal support summon previous, combined with the pathology gravity and the risk to which yours bearers are exposed, obliges such Institutions to authorize the medical and surgical treatments and their beneficiaries who suffer from Morbid Obesity.

Key world: Urgency Guardianship, Morbid Obesity


Sumário: 1. introdução 2. Colocações propedêuticas 2.1 A tutela constitucional 2.2 O Código de Defesa do Consumidor 2.2.1 Dos princípios consumeristas 2.3 A lei dos planos de saúde e a legislação específica 2.4 Breves noções da teoria geral dos contratos 2.4.1 Conceito e evolução histórica 2.4.2 Requisitos 2.4.3 Princípios contratuais 2.4.4 Novas manifestações contratuais 2.4.5 Formação dos contratos 3. Do contrato de plano de saúde 3.1 Conceito 3.2 Espécies 3.3 Classificação 3.4 Da aplicabilidade do CDC 3.5 Limites de cobertura e a obesidade 3.6 Responsabilidade das operadoras de plano de saúde pela negativa imotivada a tratamento 4. Da obesidade mórbida 4.1 Conceito 4.2 Diagnóstico e classificação 4.3 Fatores determinantes para evolução da patologia 4.4 Riscos e co-morbidades 4.5 Principais formas de tratamento disponíveis 4.6 Resultados esperados 5. Das tutelas de urgência 5.1 Noções gerais 5.2 Espécies 5.3 Estudo comparado 5.4 Pressupostos e características 5.5 Fungibilidade entre as tutelas de urgência do CPC 5.6 A tutela de urgência prevista no código de defesa do consumidor 5.7 Da responsabilidade civil do beneficiário da tutela de urgência 5.8 Entendimento jurisprudencial 6. Conclusão 7. Referências Anexo I: Portaria 1.075/GM do Ministério da Saúde Anexo II: Resolução CFM N° 1.766/05 do Conselho Federal de Medicina


1.INTRODUÇÃO

Irresignados com o tratamento desrespeitoso e contrário ao que determina a Constituição Federal e o que negociaram ao contratar seu plano de saúde, cresce o número de obesos que buscam a intervenção do poder judiciário para lhes assegurar a manutenção / restauração de sua saúde, o direito à vida e à dignidade da pessoa humana.

No século XIX, quando a culinária primava pelo alto teor de calorias, a Marquesa de Santos personificava a sedução feminina de formas arredondadas e flácidas. Hoje, a obesidade é um problema de saúde, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o mal do século, uma vez que afeta, indistintamente, homens e mulheres, pobres e ricos, brancos pretos, amarelos e vermelhos, católicos, espíritas e evangélicos, novos e velhos, interferindo não apenas nas atividades sociais e cotidianas do homem, o que, por si só já seria bastante grave, mas também tem causado grande limitação para o exercício das atividades laborais, sofrimento físico e espiritual e diversas co-morbidades associadas, que reduzem a expectativa e a qualidade de vida, além de privar-lhes de relacionamentos afetivos.

O Estado e os planos de saúde, por muito tempo, entendiam a obesidade como um problema estético, a ser tratado às expensas do paciente. Hoje, contudo, com o alastramento desta doença e o avanço das técnicas de tratamento e das pesquisas médicas, não há mais como se afastar a classificação da obesidade, e em especial da obesidade mórbida, como patologia grave cujo tratamento independe da força de vontade do paciente, que acaba fraquejando nas restrições alimentares e sociais e acaba por recuperar o peso perdido, ultrapassando o limite anterior, em um fenômeno conhecido como "efeito sanfona", que causa outros tantos males.

Apesar de reconhecida como doença e de sua gravidade, contrariando a Constituição Federal, que em seu art. 109 define como função do Estado promover a saúde do cidadão, as operadoras de plano e seguro de saúde têm se negado a custear o tratamento da doença, obrigando os pacientes a solicitarem a intervenção estatal, o que o fazem através das tutelas de urgência, na modalidade cautelar ou tutela antecipada, abarrotando a justiça com inúmeras demandas.

Contudo, não basta terem surgido critérios, objetivos inclusive, para se diagnosticar a obesidade. Segundo a Organização Mundial da Saúde, para se determinar o grau de risco e comprometimento da obesidade, deve-se calcular seu Índice de Massa Corpórea, de forma objetiva, pela fórmula IMC = Peso/Altura2, onde o IMC entre 20 e 25 é tido como normal, entre 25 e 30, sobrepeso, entre 30 e 35, obeso, de 35 a 40, obesidade severa e acima de 40, a obesidade mórbida.

Ter o reconhecimento pela comunidade médica e científica de que a obesidade mórbida é uma patologia grave e que necessita de medidas de tratamento drásticas e urgentes, como será amplamente demonstrado neste trabalho, não tem assegurado aos usuários de planos de saúde portadores deste mal o tratamento esperado.

Para ver sua saúde restaurada e sua vida preservada, além de tantos outros direitos e garantias restabelecidos, os usuários anteriormente descritos precisam ainda enfrentar uma prestação jurisdicional morosa e burocrática. A solução deste conflito conciliando a urgência dos obesos com as garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa só podem ser alcançados em nosso ordenamento através das tutelas de urgência.

Neste sentido, o presente trabalho pretende esclarecer se existe ou não a obrigação das operadoras de plano de saúde de custearem o tratamento médico/hospitalar de seus beneficiários, e como deverá se dar a prestação jurisdicional quando houver o litígio. Para atingir tais objetivos, utilizaremos o método hipotético dedutivo monográfico qualitativo e iniciaremos com algumas colocações propedêuticas, onde traremos os principais princípios e conceitos que irão permear o texto, e, em seguida, abordaremos os contratos de planos de saúde, com seus elementos histórico, e classificação, para, após, enfocarmos a obesidade mórbida, sua história, diagnóstico, classificação, riscos e formas de tratamento, buscando identificar nela a caracterização do periculum in mora, requisito necessário para a concessão da tutela de urgência, tema que será tratado por fim, com vistas a esclarecer os aspectos jurídicos destas tutelas, suas modalidades, pressupostos e a possibilidade de fungibilidade entre elas. Toda esta abordagem será pautada sob o prisma do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da lei 9.656/98 que regula as operados de plano e seguro de saúde, além de analisarmos diversos julgados selecionados. Após esta explanação, esperamos esclarecer a questão suscitada no início deste parágrafo, demonstrando que a Lei que regula os planos de saúde e o CDC obrigam estas instituições a tratarem os usuários portadores da obesidade mórbida, e que tal direito, dissociado das tutelas de urgência, não teria como se materializar.


2 COLOCAÇÕES PROPEDÊUTICAS

Para determinar se as operadoras de plano de saúde estão ou não obrigadas a custear o tratamento médico / hospitalar de seus beneficiários portadores de obesidade mórbida, não basta a constatação da gravidade do problema, deve-se, ainda, apreciar o vínculo obrigacional existente entre as partes e os diplomas jurídicos que regulam tais relações jurídicas, que no caso em tela são a Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei 9656/98, que trata dos planos e seguros de saúde, para se demonstrar a real existência do direito que se pretende tutelar.

Neste sentido, importante se faz realizar um estudo comparado para se vislumbrar a posição adotada nos outros países, em especial na Europa, berço da civilização, além do posicionamento dos Tribunais, enquanto aplicadores do direito material, e do Ministério da Saúde e do Conselho Federal de Medicina, posto que este tema transcende o mundo jurídico, afetando as ciências da saúde.

Mas antes mesmo de se aprofundar nestes debates, imperioso se apresenta destacar previamente os princípios e conceitos que norteiam o direito tutelado e o tema em questão, o que será feito a seguir.

2.1.A TUTELA CONSTITUCIONAL

Os direitos à vida, à dignidade da pessoa humana e à saúde dos portadores de obesidade mórbida que se pretende proteger mediante a tutela de urgência é de tão relevante importância que o legislador constituinte cuidou de registrá-los na Carta Magna do país, a Constituição Federal de 1988, conhecida como a Constituição Cidadã, ao positivar os princípios da dignidade da pessoa humana, do direito à vida e à saúde.

O Princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, inc. III da Constituição Federal, teve sua prova inequívoca de aplicação e amplitude no clássico episódio ocorrido na França envolvendo o espetáculo de lançamento de anões [01], que foi interditado por violação direta de tal instituto, o qual não pode sequer ser renunciado pela parte, constituindo direito da personalidade.

Considerado por doutrinadores, como o mestre Rizzatto Nunes (2005, p.128) como o princípio maior da Constituição Federal, mas, para tanto, deve ser feita uma leitura do sentido de dignidade, e, para tanto, faz uso o retromencionado autor de um conceito criado pelo professor Celso Antonio Pacheco Fiorillo, que é o do piso vital mínimo, pois, segundo ele, ninguém terá sua dignidade preservada se não tiver acesso a seus direitos sociais, como educação, saúde, trabalho, lazer, segurança e tantos outros previstos no art. 6° e no art. 225, ambos da carta magna de 1988.

Se, por um lado, o termo dignidade não enseja um conceito claro e inequívoco, o que a prima face poderia ser visto como uma limitação a sua aplicação, por outro, constitui uma garantia de sua permanente atualidade, pois não se pode esquecer que há apenas poucas décadas, a mulher e, antes disso os negros e índios, sequer eram considerados seres humanos, sendo alvo de toda sorte de maus tratos, humilhações, preterições e privações.

Desta forma, negar aos portadores desta patologia a oportunidade de terem um estereótipo socialmente aceito e classificado como normal pelo homem médio quando este tem direito a tal tratamento, é inaceitável e colide diretamente com o direito à dignidade da pessoa humana.

Os direitos à vida e à saúde, por sua vez, encontram-se previstos nos artigos 5º, caput e 6º, ambos do mesmo diploma legal, e devem ser interpretados juntamente com o princípio anterior, pois quando a carta magna garante o direito à vida, não se refere simplesmente a manter-se vivo, mas a lhe ser assegurada uma vida digna, com todos os elementos subjetivos acima referidos, com respeito aos demais princípios e elementos do ser humano, como sua imagem, e, neste sentido, oportuna se faz a transcrição abaixo:

Basta lembrar o estranho debate sobre a proibição de fumar em recintos fechados, como restaurantes, para verificar o quanto de desrespeito e desconhecimento há. O ar que se respira num local público é típica questão de meio ambiente, que implica a possibilidade de afetar a saúde dos indivíduos. A proibição de fumar em restaurantes é obviamente legal, e está de acordo com o texto constitucional, que determina que tanto o Poder Público quanto a própria coletividade lutem pela preservação da sadia qualidade de vida. (NUNES, 2005, p.41)

Mister se faz, ainda, chamar a atenção para a relevância destas normas constitucionais, pois o fundamento comumente apontado pelas operadoras de plano e seguro de saúde para a não autorização do tratamento médico hospitalar a seus beneficiários, e em especial os portadores de obesidade mórbida, têm cunho meramente financeiro.

Assim, não há como se criar um paralelo entre o direito à vida, à saúde e à dignidade da pessoa humana, com a preservação das exorbitantes taxas de lucro destas empresas, pois a desproporcionalidade entre tais valores é incomensurável. Ademais, o lucro e o prejuízo fazem parte do risco do negócio, e só cabe ao empresário.

Além destes princípios, cuidou a Constituição Federal de estabelecer, em seu art. 5°, XXXII, e no art. 170, V, a defesa do consumidor, o que constituiu uma inovação nas constituições brasileiras, embora, no estudo comparado, a primeira inserção constitucional visando a proteção do consumidor se deu na Constituição portuguesa de 1976, e, em seguida, na Constituição espanhola de 1978. (BULOS, 2005, P.214)

Das tentativas de se combater a eficácia destas normas, que foram reguladas pela Lei 8078/90, de 11 de setembro de 1970, dentre as quais a que ganhou maior destaque, pela amplitude de seus efeitos, foi a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade n° 2.591, que tentou afastar a submissão das instituições financeiras ao CDC, cujo julgamento segue transcrito.

Código de Defesa do Consumidor. Art. 5º, XXXII, da CB/88. Art. 170, V, da CB/88. Instituições financeiras. Sujeição delas ao Código de Defesa do Consumidor, excluídas de sua abrangência a definição do custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas na exploração da intermediação de dinheiro na economia [art. 3º, § 2º, do CDC]. Moeda e taxa de juros. Dever-poder do Banco Central do Brasil. Sujeição ao Código Civil. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. [...] Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros. (ADIN 2.591, Rel.p/ o ac. Min. Eros Grau, julgamento em 7-6-06, DJ de 29-9-06) (Grifo nosso)

2.2.O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Antes de se adentrar no suporte jurídico que o Código de Defesa do Consumidor dá para a solução dos conflitos entre as operadoras de planos e seguros de saúde e seus beneficiários portadores de obesidade mórbida, é imprescindível verificar se existe ou não uma relação de consumo entre eles, e para isto deve-se analisar seus elementos, previstos nos arts. 1º a 3º do referido diploma legal, a seguir transcritos:

Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

[...]

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifos nossos)

Isto posto, basta a simples leitura de tais dispositivos para se tornar evidente a natureza consumerista da relação entre operadoras de planos de saúde e seus usuários, sendo portanto aplicável o CDC e demais normas e princípios de proteção ao consumidor para resolver tais litígios.

2.2.1.Dos princípios consumeristas

Uma vez demonstrado ser, a relação em estudo, consumerista, e, portanto, sujeita ao Código de Defesa do consumidor, os princípios mais significativos que guardam relação com o tema em apreço, são o da efetividade, da prevenção dos danos, da publicidade e do dever de informação, dentre outros, a seguir tratados.

O legislador instituiu como meta maior da Política Nacional das Relações de Consumo, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, no caput do art. 4° do CDC, além de, seguindo o modelo da Constituição Federal, ao tratar dos direitos básicos do consumidor, no art. 6° do mesmo diploma legal, começar pela a proteção à vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços, posto que a vida é o bem máximo e condição primeira a ser observada e a saúde, o principal instrumento mantenedor da vida, positivando desta forma os princípios de proteção à vida e à saúde, para que não reste dúvida ao intérprete do dever do fornecedor de zelar por estes bens jurídicos.

Neste sentido, e já tangenciando o tema objeto deste trabalho, a saúde do ser humano funciona como uma engrenagem, da qual o funcionamento adequado de uma parte pressupõe o bom funcionamento do restante.

Não há que se falar em tratar um problema expondo o paciente ao risco concreto de outras complicações, posto que quando se contrata um Plano de Saúde, não se está a buscar o tratamento de uma determinada doença, mas sim à manutenção da sua saúde como um todo e da própria vida, de forma que, submeter o paciente a um tratamento diverso do que seu médico, após acompanhar seu caso e estudar seus exames, conhecidas as peculiaridades do caso concreto e não em um modelo abstrato, entendeu ser o mais adequado de forma a preservar-lhe a saúde física e mental, bem como sua dignidade, simplesmente por ser esta técnica mais cara que outra, é por o lucro acima da vida humana.

O Código de Defesa do Consumidor buscou ainda, além de todas estas garantias e de outras mais, dar verdadeira efetividade na proteção ao consumidor, dando ao consumidor mecanismos que garantam sua real proteção, e, dentre, estes institutos tem-se a tutela de urgência prevista no art. 84 do referido diploma legal e que será devidamente tratado no Capítulo 5 deste trabalho, de caráter processual, bem como a proteção contra o abuso do poder do fornecedor, refletida em normas de natureza material, como a regra inserta no art. 51, segundo a qual, havendo no contrato cláusula que implique na renúncia a direito, como regras de tratamento em desacordo com a Lei dos Planos de Saúde já referida, deverá a cláusula ser considerada nula de pleno direito, como se não escrita fosse, pois, como demonstra o parágrafo primeiro deste citado artigo, cominado com seu inciso segundo, presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual.

O Código Civil, a seu tempo, através seus arts. 423 e 424, estabelece ainda, que, sendo os instrumentos de vínculo entre as partes um contrato de adesão, como o é o contrato de plano de saúde, havendo cláusulas ambíguas ou contraditórias, ou ainda que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio, deverá ser adotada a interpretação mais favorável ao aderente. Já na segunda hipótese, tais cláusulas serão consideradas nulas e, portanto, como não escritas.

As operadoras de plano e seguro de saúde, quer pelas propagandas veiculadas nos meios de comunicação ou através de panfletos, quer pela ação de seus prepostos, que na hipótese estudada se materializa na figura da equipe de vendas, costumam oferecer uma proteção integral a seus beneficiários, em uma ampla rede de hospitais e clínicas credenciadas.

Contudo, no momento em que solicitam autorização para a realização de serviços médico/hospitalares, diversos obstáculos são criados para a não concessão deste benefício, sendo suscitado inclusive ausência de direito, o que já foi demonstrado ser inverossímil, pois, como se não bastassem as disposições legais já relatadas, os artigos 30 e 34 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), cominados, estabelecem que a propaganda, vinculada ou feita por seus prepostos, se vincula ao contrato mantido entre as partes, atribuindo-lhes os mesmos elementos obrigacionais das cláusulas escritas.

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

[...]

Art. 34. O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.

Não obstante esta proteção ao consumidor ser bastante ampla, a oferta, quando válida, vincula seu emissor, mesmo quando a relação não for consumerista, com fulcro no art. 427 do Código Civil vigente.

O dever de informação, positivado no art. 6°, inc. III do CDC, garante ao consumidor o direito de ter acesso a informações claras e precisas, em consonância com os ditames da realidade atual. onde informação é poder, até mesmo o poder de escolha, mas, acima de tudo, uma garantia do consumidor contra qualquer ato ou procedimento que atente contra seu direito à informação, o que passou a ser ilegal após a vigência da Lei 8078/90.

Mas não basta que haja a informação e que ela esteja disponível ao consumidor para que o fornecedor veja respeitada tal obrigação, é preciso mais, deve a informação ser ampla, substancial, extensiva a todos os aspectos da relação de consumo desenvolvida e tem de ser acessível ao consumidor, posto que, o processo de comunicação só é eficaz quando o receptor decifra a mensagem enviada pelo emissor.

Assim, deve o conjunto de informações destinadas ao consumidor serem redigidas, ou transmitidas, de forma a que este possa efetivamente conhecer o produto ou serviço que está contratando, seus riscos, limitações, vantagens e características.

Positivado no art. 6°, VI, e nos arts. 12 usque 25, dentre outros, o princípio da prevenção e da reparação de danos deve ser repartido em dois, por uma questão didática, a prevenção de um lado e, do outro, a reparação, que se manifesta quando o primeiro falhou, mas que, enquanto pese sua relevância e dos desdobramentos que poderiam advir, como a responsabilidade civil objetiva do fornecedor, uma abordagem com a profundidade que o tema requer e a paixão que dele exala, além de ser por si só tema para um trabalho desta natureza, constituiria fuga do tema, razão pela qual só será tratado neste tópico a prevenção.

Uma vez delimitado o foco desta abordagem, mister se faz destacar a amplitude deste dever de prevenção de danos, posto que envolvem danos morais e materiais, individuais, coletivos e difusos, trazendo para a cobertura do manto de proteção do CDC uma infindável gama de bens jurídicos, e que o Código de Defesa do Consumidor buscou garantir ao consumidor, em razão de sua hipossuficiência, de mecanismos eficazes de combate aos abusos praticados pelos fornecedores, re-equilibrando o poder das partes nesta luta, que pode ser comparada ao combate mitológico entre Davi e Golias.

2.3.A LEI DOS PLANOS DE SAÚDE E A LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA

Com a entrada em vigor da Lei 9.656, em 03 de junho de 1998, houve uma reestruturação do mercado de planos e seguros de saúde, que antes era regido pelo Decreto-Lei n° 73, de 21 de novembro de 1966, através da padronização dos produtos ofertados pelas diversas empresas do setor, sendo instituído inclusive o plano-referência de assistência à saúde, com a redação atribuída a seu art. 10 pela medida provisória nº 2.177/44, de 24 de agosto de 2001, abaixo transcrito:

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (Grifo nosso)

A simples leitura deste dispositivo, associada à leitura da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde 10ª RevisãoCID-10 (em especial os itens E66.0 Obesidade devida a excesso de calorias, E66.1 Obesidade induzida por drogas, E66.2 Obesidade extrema com hipoventilação alveolar, E66.8 Outra obesidade e E66.9 Obesidade não especificada), torna inequívoca a obrigação dos planos e seguros de saúde de autorizarem tratamento médico hospitalar a seus beneficiários portadores de tal patologia.

Aliado a esta orientação normativa, o Ministério da Saúde expediu a Portaria nº 1.075, publicada em 04 de julho de 2005, instituindo diretrizes para a atenção ao portador de obesidade, a serem implantadas em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão.

O Conselho Federal de Medicina, por sua vez, expediu a Resolução CFM N° 1.766/05, publicada no D.O.U. em 11 de julho de 2005, na Seção I, p. 114, que estabelece normas seguras para o tratamento cirúrgico da obesidade mórbida, definindo indicações, procedimentos aceitos e equipe, sendo sua principal contribuição a estipulação dos critérios indicativos para tal tratamento, que deve ser prescrita apenas para pacientes com Índice de Massa Corpórea (IMC) acima de 40 kg/m2 ou que, apesar do IMC seja maior que 35 kg/m2 e menor que 40 kg/m2, possua co-morbidades (doenças associadas à obesidade que elevam a morbidade de seus portadores, afetando ainda sua qualidade de vida, mas que costumam melhorar quando a mesma é tratada de forma eficaz), tais como diabetes, apnéia do sono, hipertensão arterial, dislipidemia, doença coronariana, osteo-artrites e outras.

Requer ainda uma idade mínima de 18 anos, sendo que os idosos e jovens entre 16 e 18 anos podem ser operados, mas exigem precauções especiais e o custo/benefício deve ser muito bem analisado. Por fim, deve ainda estar a obesidade estável há pelo menos cinco anos, e ter pelo menos dois anos de tratamento clínico prévio, não eficaz, além da ausência de drogas ilícitas ou alcoolismo e de quadros psicóticos ou demenciais graves ou moderados.

2.4 BREVES NOÇÕES DA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

O pleno entendimento do tema ora abordado implica no domínio de certos conceitos e princípios da teoria geral dos contratos, e considerando que esta monografia trata de assunto afeta a duas ciências distintas, a medicina e o direito, faremos uma abordagem sucinta e despretensiosa da teoria geral dos contratos, visando facilitar a compreensão daqueles que não militam na área jurídica.

2.4.1.Conceito e evolução histórica

Conceituar um instituto é sempre uma tarefa árdua, ainda mais quando este instituto possui a dimensão e a magnitude dos contratos, tanto para os dias atuais quanto para a evolução das sociedades ocidentais, mas alguns doutrinadores modernos conseguem fazê-lo com a precisão científica que se espera quando se estuda um tema com paixão, e com a simplicidade de quem escreve para se fazer entender, como se pode perceber do conceito a seguir transcrito.

O contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades. (STOLZE, 2006, p.11)

Embora o instituto do contrato seja anterior até mesmo ao império romano, e apesar de nosso direito privado ser recheado de institutos que têm sua origem no direito romano, o marco histórico que mais representa os contratos na modernidade foi a Revolução Francesa, que com seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade permearam o Código Francês de Napoleão, que, por sua vez, influenciou os códigos Italiano, Alemão e o nosso Código Civil de 1916.

Como decorrência do fundamento da igualdade trazido pela Revolução Francesa, todos, ao serem iguais, podiam agora adquirir e transmitir propriedades, as efetivas fontes de riqueza da época, possibilitando a circulação das riquezas e permitindo aos burgueses, classe ascendente, adquirir e materializar suas riquezas.

Desta forma, em nossa sociedade o contrato exerce uma função e apresenta um conteúdo constante: o de ser o centro da vida dos negócios (RODRIGUES, 2002, p.11), onde a influência da Igreja e o renascimento dos estudos romanos na Idade Média enfatizaram o sentido obrigatório dos contratos (VENOSA, 2006, p.361).

2.4.2.Requisitos

Em nosso ordenamento, o contrato é tido como espécie do gênero negócio jurídico, e, como tal se sujeita aos requisitos previstos no art. 104 do Código Civil, que requer sujeito capaz, requisito subjetivo, objeto lícito possível, determinado ou determinável, requisitos objetivos, e, forma prescrita ou não defesa em lei, requisito formal. Tais requisitos, contudo, são os genéricos, a que todos os contratos devem obedecer, mas existem outros, os requisitos específicos, que variam em razão do contrato. Assim, v.g., são requisitos específicos do contrato de venda e compra, o preço e o objeto, enquanto não o sejam dos contratos de comodato. (KRUCHEWSKY, 2006, p.29)

Além destes requisitos legais, deve ser observada ainda a vontade das partes, elemento que após a Revolução Francesa ganhou destaque, pois antes se observava mais à forma que a vontade das partes, e após tal marco, buscava-se a priorizar mais a vontade.

2.4.3.Princípios contratuais

Os contratos cíveis são regidos pelos princípios da autonomia da vontade, da força obrigatória dos contratos, da boa-fé objetiva, da função social dos contratos, da relatividade de seus efeitos e da equivalência material de suas prestações.

O princípio da Autonomia da vontade teve seu período de apogeu com a já abordada Revolução Francesa, que passou a priorizar as manifestações de vontade do que a forma, como no ordenamento romano. A vontade passou a ser elemento central dos contratos, devendo, para tanto, ser livre, sem vícios, e emitida por sujeito capaz.

Este princípio foi consagrado em nosso ordenamento em diversos artigos, mas o que mais reflete sua importância e sentido nos contratos modernos está inserta no art. 112 do Código Civil vigente, segundo o qual, nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Neste sentido, ela deve refletir tanto a possibilidade de se decidir se deseja ou não celebrar aquele contrato, como também, de poder determinar o conteúdo deste instrumento, haja vista que ele gerará obrigações para as partes, como se pode perceber do texto a seguir transcrito:

A autonomia da vontade se apresenta sob duas formas distintas [...] podendo revestir o aspecto da liberdade de contratar e de liberdade contratual. Liberdade de contratar é a faculdade de realizar ou não determinado ato, enquanto a liberdade contratual é a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato. (WALD apud GAGLIANO, 2005, p.39).

Com a evolução nas dinâmicas sociais e comerciais, com novos conceitos de riqueza, como as marcas, os bens incorpóreos e a prestação de serviços, levou à chamada Crise dos contratos, representada pela mudança de paradigma.

Se antes a autonomia da vontade era limitada, podendo as partes livremente dispor de todos os seus bens da forma como melhor lhes conviesse, com a transformação do Estado liberal para o Estado do bem estar social, a Constituição Federal e o Código Civil vigente, em especial o art. 421, esta dita autonomia passa a ser limitada pela ordem pública, marcando a crescente interferência do Estado na relação contratual privada.

O maior exemplo disso é a intervenção legislativa garantindo superioridade jurídica ao contratante mais fraco como forma de compensar a inferioridade econômica, como nas relações de consumo.

Aliado a esta interferência cada vez maior do Estado, outro fator limitador da autonomia da vontade foi a mudança no sistema de produção, que largou a produção artesanal para adotar o modelo de produção em massa, onde as manifestações de vontade sobre as próprias características dos produtos começaram a ser mitigadas, até que novas formas de contratação surgiram que, mais uma vez, atingiam a autonomia da vontade, agora para simplesmente restringir a manifestação da parte mais fraca da relação a decidir se quer ou não contratar, sem poder interferir nos termos deste instrumento.

Tais mudanças levaram a abusos por parte dos comerciantes que resultaram em uma releitura deste princípio, não se sendo mais exigido força absoluta.

A principal conseqüência do princípio da autonomia da vontade é o princípio da força obrigatória dos contratos, ou o pacta sunt servanda, segundo o qual o acordo de vontades faz lei entre as partes, e, amparado em forte doutrina e no direito canônica, se o contrato resultou da livre vontade das partes, este deve ser respeitado e cumprido, não podendo a parte dele desistir unilateralmente, sem que isto estivesse previsto no instrumento vinculatório ou na lei.

Essa força obrigatória, atribuída pela lei aos contratos, é a pedra angular da segurança do comércio jurídico, e gera a intangibilidade do contrato, de forma que, a vontade livre e soberana das partes os termos resultantes dela não podem ser alterados sem a concordância das partes, nem mesmo pelo Judiciário. Este princípio também foi atingido, na medida em que a própria autonomia da vontade não é mais absoluta.

Segundo o princípio da relatividade dos contratos, se o elemento que une os contratantes é a vontade por elas manifestada, a sua força obrigatória só atinge as partes que dele participaram, de forma que, pela regra geral, o contrato só ata aqueles que dele participaram, res inter alios acta, aliis neque nocet neque potest.

Contudo, situações existem e podem vir a existir em que as obrigações decorrentes de um contrato podem estender seus efeitos a terceiros, onde deve ser considerado como terceiro em relação ao contrato quem quer que apareça estranho ao pactuado, ao vínculo e aos efeitos finais do negócio. Porém, o representante e aquele que redigiu o contrato podem vir a ser chamados por via reflexa para responder pelos efeitos do negócio.

Outro princípio que deve permear os contratos é o da boa-fé objetiva, enquanto gerador de deveres anexos aos gerados pelo contrato, deveres estes de lealdade, informação, cooperação, confidencialidade ou sigilo, confiança etc, mas antes de adentrarmos nos aspectos da boa-fé objetiva, imperioso se faz diferenciá-la da subjetiva, e, para tanto, seguem os brilhantes ensinamentos a seguir transcritos:

Esta última, de todos conhecida por estar visivelmente presente no Código Civil de 1916, consiste em uma situação psicológica, um estado de ânimo ou de espírito do agente que realiza determinado ato ou vivencia dada situação, sem ter ciência do vício que a inquina.

[...]

Distingue-se, portanto, da boa-fé objetiva, a qual, tendo natureza de princípio jurídico – delineado em um conceito jurídico indeterminado -, consiste em uma verdadeira regra de comportamento, de fundo ético e exigibilidade jurídica.

Embora o art. 422 do Código Civil determine que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé, já é entendimento consolidado na doutrina e na jurisprudência, que sua exigibilidade vai além destes limites, alcançando os períodos anteriores e posteriores ao contrato.

Superada estas questões primeiras acerca da boa-fé objetiva, e adentrando no seu estudo mais profundo, identifica-se três funções distintas para este princípio. A primeira delas, a interpretativa ou de colmatação, e inserta no art. 113 traz a boa-fé como elemento norteador, juntamente com os usos do lugar, para a interpretação de suas cláusulas e efeitos. A outra, a de proteção ou delimitadora, corresponde à função primeira de eticidade, enquanto geradora dos deveres anexos tratados anteriormente. Por fim, a terceira e última função, a função delimitadora do exercício de direitos subjetivos, que vis evitar o uso abusivo destes direitos, o que, inclusive, dá sustentáculo ao combate às cláusulas leoninas ou abusivas, e se manifesta através do art. 187. (GAGLIANO, 2006, p.69-77)

O tratamento jurídico dado a este princípio foi de tamanha magnitude, que o professor e magistrado Rodolfo Pamplona (2005, p.1), acerca do tema se pronunciou da seguinte forma:

Destaque-se que, nesse aspecto, o novo Código Civil pode ser considerado mais explícito, no prestígio à boa-fé, que o próprio Código de Defesa do Consumidor, UMA DAS LEIS MAIS AVANÇADAS DO PAÍS, que consagra, indubitavelmente, o instituto, mas não dessa forma tão expressa e genérica. (PAMPLONA FILHO, 2005, p.1)

A função social do contrato, ou princípio da socialidade, ganhou destaque em nosso ordenamento com a Constituição Federal, juntamente com a função social da propriedade, trazendo um limite para as partes disporem de seus bens e da forma como desejam se vincular. Este princípio trouxe consigo uma nova reflexão sobre o papel do homem na sociedade, que cede o papel de centro do universo e dos interesses econômicos, políticos e sociais para a sociedade. É o fim do individualismo como fora concebido no Código Civil de 1916, e, neste sentido:

A partir do momento em que se começou a perceber que a propriedade somente mereceria tutela se atendesse a uma determinada finalidade social, abandonou-se o antigo modelo oitocentista de concepção desse direito, que cederia lugar a uma doutrina mais afinada aos anseios da sociedade atual.

Com isso, socializando-se a noção de propriedade, o contrato, naturalmente, experimentaria o mesmo fenômeno, ainda que o reconhecimento legal dessa alteração no seu trato ideológico não se houvesse dado de forma imediata. (GAGLIANO, 2006, p.46)

Destarte, embora seja a função social do contrato um conceito aberto como outros já vistos aqui, pode-se recorrer aos ensinamentos do professor Pablo Stolze para conceituar este princípio:

Para nós, a função social do contrato é, antes de tudo, um princípio jurídico de conteúdo indeterminado, que se compreende na medida em que lhe reconhecemos o precípuo efeito de impor limites à liberdade de contratar, em prol do bem comum. (GAGLIANO, 2006, p.48)

Materializado no art. 421, o Código Civil submete a vontade do particular ao interesse social, ao determinar que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, mas, cumpre destacar, o interesse social não deve contrariar tanto quanto possível a vontade contratual, a intenção das partes.

Por fim, surge o princípio da equivalência material, desenvolvido por Paulo Luiz Netto Lobo, e ainda combatido por boa parte da doutrina, que entende ser este princípio um subproduto do princípio da boa-fé objetiva. Nas palavras de seu criador, entende-se este princípio como sendo:

O princípio da equivalência material busca realizar e preservar o equilíbrio real de direitos e deveres no contrato, antes, durante e após sua execução, para harmonização dos interesses. Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco importando que as mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis. O que interessa não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva para uma das partes e desvantagem excessiva para outra, aferível objetivamente, segundo as regras da experiência ordinária. O princípio clássico pacta sunt servanda passou a ser entendido no sentido de que o contrato obriga as partes contratantes nos limites do equilíbrio dos direitos e deveres entre elas.

[...]

O princípio da equivalência material desenvolve-se em dois aspectos distintos: subjetivo e objetivo. O aspecto subjetivo leva em conta a identificação do poder contratual dominante das partes e a presunção legal de vulnerabilidade. A lei presume juridicamente vulneráveis o trabalhador, o inquilino, o consumidor, o aderente de contrato de adesão. Essa presunção é absoluta, pois não pode ser afastada pela apreciação do caso concreto. O aspecto objetivo considera o real desequilíbrio de direitos e deveres contratuais que pode estar presente na celebração do contrato ou na eventual mudança do equilíbrio em virtude de circunstâncias supervenientes que levem a onerosidade excessiva para uma das partes. (LOBO, 2002, p.5)

2.4.4.Novas manifestações contratuais

Nos Contratos com cláusulas predispostas, a automatização do contrato não inibe nem dilui os princípios de boa-fé, relatividade das convenções e obrigatoriedade e intangibilidade das cláusulas, mantém-se as regras de investigação interpretativa diversas nos contratos coletivos, mas nos contratos de massa o elemento objetivo do contrato ganha proeminência sobre o elemento subjetivo.

Os Contratos de adesão, a seu turno, são representados pela ausência de possibilidade de discussão de seu conteúdo e, por vezes, até mesmo vontade de contratar, como nos casos dos serviços públicos impostos pelo Estado, como, v.g., o serviço de esgoto por tantos combatido.

Ele se apresenta com todas as cláusulas predispostas por uma das partes, e, a outra parte, o aderente, somente tem a alternativa de aceitar ou repelir o contrato, de forma que, o consentimento manifesta-se pela adesão às cláusulas que foram apresentadas pelo outro contratante.

Surgido do Direito alemão, onde recebia a menção dos termos "contrato standard", é um contrato elaborado unilateralmente, e que requer a forma escrita, derivado da necessidade de criar situações negociais homogêneas e numerosas predispondo um esquema contratual, um complexo uniforme de cláusulas. Devido aos abusos na utilização deste instrumento, a matéria passou a ser disciplinado pelos diplomas legais competentes, impondo regras de interpretação hermenêutica diferenciadas, como se observa da simples leitura do art. 424 do Código Civil e do art. 54, § 3° do Código de Defesa do Consumidor.

Por fim, tem-se o Contrato-tipo, que se distingue do contrato de adesão porque, no contrato-tipo, as cláusulas, ainda que predispostas, decorrem da vontade paritária de ambas as partes sendo o âmbito dos contratantes identificável. Este tipo de contrato surgiu para dar segurança jurídica nas relações entre particulares, onde um terceiro, alheio ao contrato e estranho às partes, disponibiliza modelos de contratos para as partes leigas. Esta modalidade se tornou difundida através dos contratos de locação de imóvel residencial disponibilizados em papelarias e livrarias.

2.4.5.Formação dos contratos

O processo de formação clássico dos contratos é composto de três fases distintas e sucessivas, a fase das tratativas, a fase da oferta e a fase da aceitação. Contudo, na dinâmica atual, muitas vezes esta seqüência não é obedecida.

A primeira delas, a fase das tratativas ou da pontuação, é quando as partes se sondam, isolada ou mutuamente, acerca do interesse alheio em celebrar um contrato e dos termos em que este se vincularia. Nesta fase, não há nenhum vínculo entre as partes.

A fase seguinte é a da oferta, da proposta, da policitação ou da oblação, onde uma das partes, o policitante, emite uma oferta ao outro, o policitado, para que este declare se aceita ou não os termos da proposta. É a primeira fase efetiva do contrato, disciplinada na lei, e não depende, em regra, de forma especial.

Constitui ela uma declaração de vontade pela qual uma pessoa (o proponente) propõe a outra (o oblato) os termos para a conclusão de um contrato, devendo conter, para tanto, os elementos essenciais do negócio jurídico.

A oferta, via de regra, possui força vinculante e deve ser mantida sob certo prazo e condições, não se confundindo, contudo, a vinculação da proposta com sua irrevogabilidade. Desta forma, se o ofertante deixar de realizar o negócio, submeter-se-á a perdas e danos.

Contudo, como já antecipado, existem situações em que a proposta não é obrigatória, estando estas exceções contidas nos arts. 427 e 428, observada a regra do art. 434 do Código Civil, a seguir transcritos.

Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.

Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta:

I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante;

II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente;

III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado;

IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente.

[...]

Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto:

I - no caso do artigo antecedente;

II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;

III - se ela não chegar no prazo convencionado.

Vale salientar que o próprio ofertante pode ressalvar que a proposta não é obrigatória, conforme art. 427, inserindo no documento cláusulas como "não vale como proposta"; "sujeita a confirmação".

A última das fases de formação do contrato é a aceitação, consistente na aquiescência a uma proposta formulada, e que para ser válida, deve ser pura e simples, obedecendo aos requisitos de tempestividade e de forma, quando houver.

Neste sentido, a aceitação com reservas, fora do prazo ou com condições, por força do art. 431, em verdade não se configura uma aceitação e sim uma nova proposta, e como tal, desvincula o antigo ofertante, que agora assume o papel o oblato. A aceitação deve ser um ato simples de aderência à proposta feita.

A questão do prazo acima referido envolve duas questões determinantes, primeiro, se a proposta foi realizada entre ausentes ou entre presentes, e em seguida, qual o momento em que se reputa aceita a proposta e, portanto, celebrado o contrato.

A primeira questão revela-se primordial por força dos incisos I e II do art. 428 já transcrito, e o critério empregado para se determinar se foi a proposta realizada entre presentes ou entre ausentes não está na presença física das partes, mas na possibilidade de se verificar se o oblato tomou realmente ciência da proposta e qual o teor de sua resposta, em tempo real. Destarte, é considerada entre presentes as propostas realizadas pessoalmente, por telefone, programas de computador que permitam interatividade, como salas de bate-papo, chats, MSN, ou por meio de comunicação semelhante.

A segunda questão, a determinação do momento em que a proposta é aceita, envolve uma questão não pacificada na doutrina, posto que duas são as doutrinas que tentam solucionar este aspecto.

Pelo sistema da cognição ou informação, o contrato somente se perfaz no momento em que o proponente toma conhecimento do teor da aceitação. Por sua imprecisão, e por dar margem à má-fé do proponente, que poderia receber a mensagem mas não lê-la para enquanto aguardava o desdobramento de outros fatos para não se ver vinculado, v.g., esta teoria não encontra guarida em nosso ordenamento.

A segunda, delas, a da agnação, se divide em três sub-teorias, sendo a primeira delas, a da declaração propriamente dita, através da qual o contrato aperfeiçoa-se pela declaração do oblato, não é aceita também, pelo mesmo motivo da anterior, sendo, agora, a possibilidade de má-fé atribuída ao oblato, que poderia, no mesmo exemplo anterior, preparar a resposta mas guardá-la até um momento mais favorável.

A segunda subteoria é a teoria da expedição, segundo a qual o momento de ultimação do contrato é aquele em que a aceitação é expedida pelo oblato, e a última, a teoria da recepção, onde o aperfeiçoamento do negócio jurídico somente ocorre quando o proponente recebe o comunicado da aceitação, ainda que não a leia, sendo uma teoria mais segura que as demais.

Sobre estas duas existe verdadeira divergência doutrinária, onde doutrinadores como Silvio de Sávio Venosa e Silvio Rodrigues sustentam ser a da expedição a aceita pelo nosso Código Civil, pois em seu art. 434 consta que "os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida [...]" (grifo nosso).

Já para autores como Pablo Stolze Gagliano e Carlos Roberto Gonçalves, nosso ordenamento positivo adota a terceira sub-teoria, a da recepção, pois uma leitura mais atenta do referido diploma, mais especificamente o art. 433, segundo o qual "considera-se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante" deixando claro que o momento decisivo não é o da postagem, mas sim o da recepção. (GAGLIANO, 2006, p. 94-96) (Grifo nosso)


3.DO CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE

A história dos planos de saúde, tem seu marco histórico no ano de 1966, quando o Decreto-Lei n° 73, de 21/11/66, em seu art. 129, criou o seguro de saúde, nos seguintes termos: "Fica instituído o seguro-saúde para dar cobertura aos riscos de assistência médica e hospitalar", cujo objeto vinha descrito no art. 130 do mesmo diploma como sendo "o pagamento em dinheiro, efetuado pela sociedade seguradora, à pessoa física ou jurídica prestante, da assistência médico-hospitalar ao segurado" (RIZZARDO, 2005, p.895).

Contudo, foi em 1968, período em que o país passava por uma crise dentro do regime militar, marcado pelo arrocho salarial, e pela repressão política, onde, apenas para efeito de contextualização, ressurgiam também neste período, as mobilizações populares, que haviam sido interrompidas logo após o golpe, que em meio a este cenário de instabilidade política e econômica, que os governos da América Latina, buscando se adequar às exigências impostas pela "Carta de Punta del Este" (aprovada na reunião de ministros, da Organização dos Estados Americanos, em Punta de Leste, em 1961) elaboraram um "programa integrado para o desenvolvimento de sua economia", incluindo também o desenvolvimento social.

Essa idéia foi fundamental para a formulação dos conceitos básicos do planejamento em saúde, como parte integrante do desenvolvimento socioeconômico geral, sendo que os governos se comprometeram a elaborar Planos de Saúde e criar unidades de planejamento. (ALMEIDA, 2006, p.1)

No Brasil, o ato de afirmação dos desígnios privatizadores do então governo na área de saúde ficou conhecido como Plano de Saúde Leonel Miranda ou Plano Leonel Miranda, em referência ao então ministro da saúde.

Desde então, com a falência do Sistema Único de Saúde – SUS, o mercado de planos e seguros de saúde tem crescido substancialmente. Até setembro de 2006, dados da ANS informam que existiam, em atividade, 2.091 operadoras de planos de saúde registradas ou cadastradas no Brasil, as quais comercializam quase 22.000 tipos de planos de saúde diferentes, sendo que apenas as cooperativas médicas abarcam 48% dos planos ofertados, seguidas pelos planos de medicina em grupo com 30%, e pelas seguradoras especializadas em saúde, com apenas 7% do setor. [02]

Em 1998, com a entrada em vigor da Lei 9656/98, deixam os contratos de plano de saúde de serem regidos pelo Código Civil vigente para serem tutelados pelo supracitado diploma legal, que cria a Câmara de Saúde Suplementar e passa a exigir, para que as operadoras de planos privados de assistência à saúde possam comercializar ou operar planos de saúde, que estes tenham sido previamente protocolados na Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, de acordo com as normas técnicas e gerais definidas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP.

3.1.CONCEITO

Embora correndo o risco de ser impreciso, ante a escassez de trabalhos sobre este tema, torna-se necessário a conceituação deste contrato, o qual, na concepção do autor, pode ser definido como o instrumento através do qual a operadora de plano de saúde se obriga, mediante remuneração mensal, a prestar ao usuário, através rede própria de médicos, clínicas e hospitais ou por terceiros, mediante convênio, o tratamento das doenças previstas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde da Organização Mundial da Saúde.

Cumpre destacar que, em consonância com o art. 3° da Lei 9656/98, compete ao Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP, através da Câmara de Saúde Suplementar, regulamentar os planos privados de assistência à saúde.

3.2.ESPÉCIES

Segundo o art. 10 da Lei dos Planos de Saúde, as operadoras de plano de saúde são obrigadas a ofertarem o plano referência, que garante atendimento assistencial compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria ou centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, para as patologias catalogadas pela Organização Mundial da Saúde, através de sua Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, vulgarmente conhecido como CID. (DINIZ, 2003, p.577)

Após instituir o plano de referência, a supracitada lei, em seu art. 12, permite que as operadoras de planos e seguros de saúde ofertem, isolada ou cumulativamente, o ambulatorial, o hospitalar, sem ou com obstetrícia, e o odontológico.

No plano ambulatorial, que equivale ao plano referência, o usuário terá direito a consultas médicas e a serviços de diagnóstico e tratamento, com internamento ambulatorial, segundo o disposto no art. 12, I, a e b. Corresponde ao plano mínimo de tratamento, não sendo legal qualquer restrição a estes elementos.

Já o plano de internação hospitalar, regulado pelo art 12, II, garante, além dos benefícios do plano ambulatorial, assegura internação em hospital, clínica e centro de terapia intensiva, além dos exames complementares para controle e diagnóstico da doença. Neste modelo, além das despesas de internação, a operadora de plano de saúde deverá arcar também com as despesas referentes aos medicamentos, materiais cirúrgicos e clínicos, bem como à alimentação, do paciente e de seu acompanhante, quando se tratar de menores ou de idosos. Estão asseguradas inclusive, para os usuários destes planos, as remoções gratuitas do paciente para outro hospital, quando necessário. (DINIZ, 2003, p.578)

O plano obstétrico, a seu tempo, além de cobrir as despesas do parto em si, se estende para o recém nascido pelos trinta dias seguintes ao parto, garantindo, inclusive, o direito deste ser inserido no plano como dependente, sem nenhum prazo de carência, com fulcro no art. 12, III, b, mas, para que possa ele gozar de tal direito, mister se faz que sua inclusão como dependente se dê dentro do prazo de trinta dias que ele tem direito à cobertura gratuita.

A esse respeito cumpre destacar ainda que, em perfeita sintonia com os ditames da Constituição Federal e do Código Civil vigente, o direito assegurado ao recém nascido acima referido é igualmente assegurado ao filho adotivo. (DINIZ, 2003, p.578)

Os planos de saúde podem ser comercializados ainda de forma aberta, quando disponíveis indistintamente para qualquer usuário, ou fechados, situação em que só estarão disponíveis para contratação em grupo, como os contratos para empresas, onde só poderão se inscrever os seus membros, com os respectivos dependentes.

Por fim, existe ainda o plano de saúde odontológico, regulado pelo art. 12, IV, que dá cobertura a consultas e exames auxiliares ou complementares, a cobertura de procedimentos preventivos, de dentística e endodontia e a cobertura de cirurgias orais menores, assim consideradas as realizadas em ambiente ambulatorial e sem anestesia geral.

Este modelo de plano de saúde pode ser comercializado isoladamente ou em conjunto com outros modelos, mas na modalidade aberta e isoladamente, somente na última década tem ganhado força e representatividade no mercado, pois até então fazia parte apenas de alguns planos fechados, com pouca projeção no mercado.

3.3.CLASSIFICAÇÃO

Antes de tratar da classificação dos contratos de plano de saúde, mister se faz uma abordagem preliminar sobre a relevância de tal classificação, e iniciamos este mister com as advertências do mestre Rodolfo Pamplona:

Toda classificação, por ser obra da inteligência humana, pode ser considerada incompleta. Isso porque toda construção classificatória dependerá da visão metodológica de cada autor. Feitas tais considerações, a opção metodológica deste candidato é classificar o contrato em si mesmo, de acordo com o conteúdo, forma, sujeitos, tempo e previsão legal, bem como apresentar a classificação reciprocamente considerada. (PAMPLONA FILHO, 2005, p. 2)

Desta forma, o processo de classificação tem relevância além dos limites teóricos, constituindo questão propedêutica e pré-requisito no momento da interpretação do contrato e de se determinar seus reflexos. (VENOSA, 2006, p.387)

Segundo o critério de distribuição da carga de obrigações do contrato, pode ele ser classificado em contratos unilaterais, bilaterais, ou com prestações recíprocas, e em plurilaterais, devendo ter como momento de análise desta distribuição o momento em que o contrato se aperfeiçoa. Neste sentido, são contratos bilaterais aqueles que atribuem obrigações a ambas as partes.

Com reflexos dessa classificação, temos a aplicação do exceptio nom adimplenti contractus, ou exceção do contrato não cumprido, previsto no art. 476, a garantia da execução do contrato, através da permissão da lei para que o contratante suste sua parte no cumprimento até que o outro contratante perfaça a sua, art. 477, e a aplicabilidade da teoria da condição resolutiva tácita, onde o descumprimento culposo por uma das partes constitui justa causa para a resolução do contrato.

Como conseqüência da classificação anterior, e por suas próprias características, o contrato em estudo é também oneroso, o que, nos termos da professora Roxana Borges:

Gera vantagem para ambos contratantes. Gratuito é o que gera vantagem para apenas uma parte, como o comodato, a doação pura. Há, também, conseqüências jurídicas decorrentes da distinção, como regras especiais de interpretação (restrita quanto a contrato gratuito) e riscos (nos gratuitos o devedor responde por dolo, não por simples culpa). É possível um contrato ser unilateral e oneroso: o mútuo com juros gera vantagem para ambos, mas obrigações só para o mutuário. (BORGES, 2005, p.3)

Nos contratos onerosos a carga ou responsabilidade contratual está repartida entre os contratantes, embora nem sempre em igual nível, de forma que estão tais contratos sujeitos à evicção e às ações decorrentes de vícios redibitórios.

Podem ainda os referidos contratos serem classificados como aleatórios, uma sub divisão dos contratos onerosos, que se caracterizam pelo desconhecimento, por ao menos uma das partes, no instrumento em estudo o fornecedor, da carga de obrigações que terá de suportar, estando, pois, sujeito à "alea" ou sorte.

Destarte, os usuários conhecem a carga de obrigações que lhes caberá em razão do contrato, mas as operadoras não sabem se terão alguma carga, o que só ocorrerá se houver utilização, nem seu montante, em havendo.

Para minimizar os efeitos de uma carga inesperada, que poderia onerar substancialmente as operadoras, ameaçando o setor, e para assegurar a boa-fé objetiva das partes, em especial dos usuários, a Lei 9656/98, em seu art. 12, V, a e b, prevê a possibilidade de carência para início da cobertura de até trezentos dias para partos a termo e de até cento e oitenta dias para os demais casos, além do prazo de dois anos para as doenças pré-existentes tratado no item 3.3 desta obra.

São ainda contratos consensuais, uma vez que se aperfeiçoam com a simples vontade das partes, não sendo necessário nenhuma outra formalidade, como nos contratos reais, que exigem a entrega da coisa para que passe a produzir seus efeitos.

Por fim, trata-se de contratos de adesão, matéria já tratada neste trabalho, caracterizado pela impossibilidade de uma das partes, o consumidor/usuário dos planos de saúde, interferir substancialmente no conteúdo do contrato, restando-lhe apenas a escolhe entre aderir ou não a este contrato.

Tal limitação de poderes e prerrogativas no momento da elaboração e celebração do instrumento, como já visto, reverte-se no momento da sua interpretação que é feita sempre com vistas a favorecer o aderente.

3.4.DA APLICABILIDADE DO CDC

Como já visto no tópico 2.2 deste trabalho, uma vez demonstrado que as operadoras de planos de saúde são fornecedoras de serviços e seus usuários, consumidores, nos termos dos arts. 2° e 3° do CDC, resta inequívoca ser a presente relação consumerista e, portanto aplicável o supracitado diploma legal para solucionar os conflitos decorrentes desta relação contratual.

3.5.LIMITES DE COBERTURA E A OBESIDADE

Da cobertura ampla e irrestrita a que se refere o caput do art. 10 da já exaustivamente citada lei, merece destaque as exclusões previstas no mesmo dispositivo, em seus incisos I a X, que se referem a:

I - tratamento clínico ou cirúrgico experimental, assim definido pela autoridade competente;

II - procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim;

III - inseminação artificial;

IV - tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética;

V - fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados;

VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar;

VII - fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico, observado o disposto no § 1º deste artigo;

VIII - procedimentos odontológicos, salvo o conjunto de serviços voltados à prevenção e manutenção básica da saúde dentária, assim compreendidos a pesquisa, o tratamento e a remoção de focos de infecção dentária, profilaxia de cárie dentária, cirurgia e traumatologia bucomaxilar;

IX - tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob o aspecto médico, ou não reconhecidos pelas autoridades competentes;

X - casos de cataclismos, guerras e comoções internas, quando declarados pela autoridade competente.

As operadoras de plano de saúde, durante muito tempo tentaram enquadrar o tratamento da obesidade mórbida como as hipóteses previstas nos incisos II e IV atribuindo-lhes natureza estética, argumento este que, felizmente, não tem encontrado guarida nem na doutrina nem na jurisprudência que tem se posicionado no sentido de reconhecer tal direito.

Neste sentido, nossos tribunais têm reconhecido, nas restrições impostas pelos planos de saúde, a existência de práticas abusivas, o que tornaria tais cláusulas não escritas, como se pode verificar do julgado a seguir colecionado.

SEGURO SAÚDE – CONTRATO DE ADESÃO – REEMBOLSO DAS DESPESAS – INADMISSIBILIDADE DE RESTRIÇÕESINTERPRETAÇÃO DE MANEIRA MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR, NOS TERMOS DO ART. 47 e 51 DO CDC – A NEGATIVA DE COBERTURA INTEGRAL CARACTERIZA PRÁTICA ABUSIVA, PORQUE OBJETIVA A TRANSFERÊNCIA DE SEUS RISCOS, COMO FORNECEDORA, PARA O CONSUMIDOR, ROMPENDO A BOA-FÉ OBJETIVA QUE DEVERIA PREPONDERAR NA RELAÇÃO CONTRATUAL. SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO. (TJBA – APELAÇÃO 19494-8/2004. Dt. Publ.: 08 nov 05)

No mesmo sentido:

PLANO DE SAÚDE – ANGIOPLASTIA CORONARIANA – COLOCAÇÃO DE STENT – POSSIBILIDADE. É ABUSIVA A CLÁUSULA CONTRATUAL QUE EXCLUI DE COBERTURA A COLOCAÇÃO DE STENT, QUANDO ESTE É NECESSÁRIO AO BOM ÊXITO DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COBERTO PELO PLANO DE SAÚDE. (STJ – REsp 896247. Rel. Min. Humberto Gomes.. Dt. Publ.: 18 dez 06)

Na mesma linha de raciocínio, o STJ tem entendido ser igualmente abusivas as cláusulas que limitam o número de diárias para internação em UTI’s, matéria já regulada através da súmula 302, segundo a qual "é abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado", e a suspensão de atendimento por atraso em uma única parcela, como se observa no julgado abaixo, proferida pelo mesmo órgão judicante:

PLANO DE SAÚDE – ABUSIVIDADE DE CLÁUSULA. SUSPENSÃO DE ATENDIMENTO – ATRASO DE ÚNICA PARCELA – DANO MORAL CARACTERIZAÇÃO. I- É ABUSIVA A CLÁUSULA PREVISTA EM CONTRATO DE PLANO-DE-SAÚDE QUE SUSPENDE O ATENDIMENTO EM RAZÃO DO ATRASO DE PAGAMENTO DE UMA ÚNICA PARCELA. PRECEDENTE DA TERCEIRA TURMA. NA HIPÓTESE, A PRÓPRIA EMPRESA SEGURADORA CONTRIBUIU PARA A MORA, POIS, EM RAZÃO DE PROBLEMAS INTERNOS, NÃO ENVIOU AO SEGURADO BOLETO PARA PAGAMENTO. II- É ILEGAL, TAMBÉM, A ESTIPULAÇÃO QUE PREVÊ A SUBMISSÃO DO SEGURADO A NOVO PERÍODO DE CARÊNCIA, DE DURAÇÃO EQUIVALENTE AO PRAZO PELO QUAL PERDUROU A MORA, APÓS O ADIMPLEMENTO DO DÉBITO EM ATRASO [...] (STJ – REsp 258263. Rel. Min. Castro Filho. Dt. Publ.: 20 fev 06) (Grifo nosso)

3.6.RESPONSABILIDADE DAS OPERADORAS DE PLANO DE SAÚDE PELA NEGATIVA IMOTIVADA A TRATAMENTO

Apesar da Lei 9656/98 e do Código de Defesa do Consumidor assegurarem aos usuários de planos de saúde uma efetiva cobertura contra as patologias previstas pela Organização Mundial da Saúde, como demonstrado através dos julgados anteriormente colecionados, tais direitos costumam ser vilipendiados pelas operadoras de planos de saúde.

Ocorre que tal violação, à luz da jurisprudência pátria, além de configurar prática abusiva, gera dano moral, ensejando sua reparação cível, como se pode perceber pelo julgado abaixo.

SOMENTE O FATO DE RECUSAR INDEVIDAMENTE A COBERTURA PLEITEADA, EM MOMENTO TÃO DIFÍCIL PARA A SEGURADA, JÁ JUSTIFICA O VALOR ARBITRADO, PRESENTES A AFLIÇÃO E O SOFRIMENTO PSICOLÓGICO. (STJ - AgRg no Ag n.° 520.390⁄RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 05.04.2004)

No mesmo sentido:

AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. PLANO DE SAÚDE. RECUSA INDEVIDA NA COBERTURA DE CIRURGIAS. O RECONHECIMENTO, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS, DE CIRCUNSTÂNCIAS QUE EXCEDEM O MERO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL TORNA DEVIDA A REPARAÇÃO MORAL. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (STJ - REsp 714947, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, DJ 29.05.2006)

O entendimento de que a recusa indevida à cobertura pleiteada pelo segurado já justifica a indenização por danos morais, já pacificado na Terceira Turma do STJ como demonstrado acima, se justifica no fato de que, conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, tratando-se particularmente de contrato de seguro-saúde sempre haverá a possibilidade de conseqüências danosas para o segurado, pois este, após a contratação, costuma procurar o serviço já em evidente situação desfavorável de saúde, tanto a física como a psicológica.


4.DA OBESIDADE MÓRBIDA[03]

A obesidade é um dos maiores problemas de saúde deste novo milênio, acometendo quase um terço da população mundial. Trata-se de um fenômeno multifatorial que envolve componentes genéticos, metabólicos, comportamentais, psicológicos e sociais, que requer a atenção do Estado, da sociedade e da família, para que sua morbidade não continue a se alastrar.

4.1.CONCEITO

A obesidade é uma patologia caracterizada pelo excesso de peso e que, normalmente, traz diversas outras patologias associadas, tão graves quanto a própria obesidade, ao que se costuma chamar de co-morbidades.

O critério objetivo para se determinar a obesidade mórbida é o Índice de Massa Corpórea (IMC) superior a 40 Kg/m2, embora para fins de tratamento cirúrgico, a Resolução nº 1.766/05 do Conselho Federal de Medicina (CFM), Anexo B, equipara à obesidade mórbida, o portador de obesidade severa (IMC entre 35 e 40), desde que acompanhada das co-morbidades próprias da doença, reconhecendo assim, sua gravidade.

Apesar da polêmica ser tão recente, a obesidade não é um fato novo, pois desde há muito já temos obras refletindo padrões estéticos valorizando as formas arredondadas, mas somente no final do século passado os estudos sobre a influência do excesso de peso ganhou um cunho científico.

4.2.DIAGNÓSTICO E CLASSIFICAÇÃO

O percentual de obesos tem evoluído significativamente, atingindo indistintamente pessoas de todas as faixas etárias, sexos, classes sociais e localidades do mundo, como denota o gráfico a seguir sobre a prevalência global da obesidade, fruto de pesquisa realizada entre 1988 e 1994, envolvendo homens e mulheres de 14 países com estágios de desenvolvimento diferentes.

Este estudo demonstrou ainda que, apesar dos EUA ocuparem a quarta posição no total de obesos pesquisados, foi o país que apresentou a maior taxa de crescimento da obesidade nos últimos 25 anos, seguido da Austrália e da Inglaterra.

A evolução da incidência nos EUA foi tão significativa, que a obesidade tem sido considerada uma epidemia e se transformou em problema de saúde pública, ocupando o segundo lugar em número de óbitos por causas evitáveis naquele país, gerando um gasto astronômico, que pulou de US$ 99 bilhões em 1995 (direta ou indiretamente) para US$ 117 bilhões em 2000 (sendo US$ 61 bilhões diretamente e US$ 56 bilhões indiretamente). No Brasil, o fenômeno também é preocupante, pois a taxa de ascensão ao ano é de 0,36 pontos percentuais para as mulheres e de 0,20 pontos percentuais para os homens. (MALHEIROS; FREITAS JÚNIOR, 2002, p.20)

Com o avanço dos estudos médicos sobre a influência do excesso de peso na saúde e na longevidade da vida humana, tornou-se imperioso estabelecer critérios objetivos de diagnóstico da obesidade e do peso tido como normal, o que só foi feito por autoridades médicas e políticas no Brasil em julho passado próximo. Até então, fazia-se referência tão somente ao CID e a estudos científicos de médicos, nutricionistas e pesquisadores.

Neste sentido, foi utilizado como elemento aferidor da distribuição de peso o Índice de Massa Corpórea (IMC), calculado segundo a fórmula IMC = Peso ÷ Altura2, e cuja variação, conforme tabela abaixo, indica o nível de peso da pessoa.

TABELA 01

Classificação da Obesidade Segundo o Índice de Massa Corpórea (IMC) e
Risco de Doença (Organização Mundial da Saúde)

IMC (Kg/m2)

Classificação

Grau de Obesidade

Risco de Doença

<18,5

Baixo Peso

0

Elevado

18,5 ~24,9

Normal

0

Normal

25 ~29,9

Sobrepeso

0

Elevado

30 ~39,9

Obesidade

I e II

Muito elevado

> 40,0

Obesidade Mórbida

III

Muitíssimo elevado

Fonte: MANCINI, 2002, p. 1.

Não basta porém, diagnosticar a obesidade, é preciso também conhecer seus aspectos característicos para então ponderarmos sobre os riscos intrínsecos a tal patologia e podermos avaliar a capacidade do paciente reverter este quadro clínico através de controle alimentar, da prática de exercícios ou com o uso de medicamentos inibidores de apetite ou que minimizem a absorção calórica, para que, só então, possamos precisar se há ou não necessidade de intervenção médico / cirúrgica, uma vez que sendo identificada a obesidade e classificada como mórbida, o risco de mortalidade a que está sujeito o obeso sofre um aumento de 250% em relação a pacientes não obesos (IMC < 30). (MANCINI, 2002, p. 3).

4.3.FATORES DETERMINANTES PARA EVOLUÇÃO DA PATOLOGIA

Como fatores determinantes desta evolução, podemos apontar diversos fatores, sendo os mais significativos a vida sedentária, a cessação do tabagismo e a alimentação. Fatores étnicos e sociais não são significativos para o desenvolvimento da obesidade, embora no Brasil tenha se observado uma prevalência de pacientes nas classes econômicas mais baixas.

Com relação aos indígenas, os estudos demonstram um aumento no risco de desenvolvimento deste quadro clínico quando eles deixam seus hábitos culturais e adotam profissões e costumes ditos civilizados.

O sedentarismo é apontado por Mancini (2002), como o principal fator de desenvolvimento da obesidade, sendo mais significativo que a ingesta energética, segundo estimativas de ingestão energética realizada na Grã-Bretanha. Os avanços tecnológicos, que transformaram os controles remotos uma realidade em quase todos os lares e escritórios, bem como os aparelhos de telefone sem fio e celulares, têm contribuído decisivamente neste processo, pois reduziram significativamente as atividades diárias que auxiliavam na queima de calorias, como o simples mudar de canal da televisão ou levantar para atender a uma chamada telefônica.

Outro elemento relacionado ao sedentarismo que tem provocado este crescimento descontrolado é o novo desenho urbano das principais cidades do mundo que afastaram as pequenas lojas dos bairros, levando o consumidor aos shoppings, o que substitui as pequenas caminhadas pela utilização de um meio de transporte outro qualquer, normalmente mais cômodo. Além disso, a dinâmica social e as cargas de trabalho elevadas têm retirado o ânimo de muitos pela prática de um esporte qualquer.

O fator alimentação é um item muito importante para se entender o problema da obesidade, pois, o que leva à obesidade é a ingesta de calorias em quantidade maior que a consumida pelas atividades diárias, e na busca da sensação de satisfação do "estômago cheio", ele acaba por comer mais do que o necessário, onde este quantum é cada vez maior, haja vista que, de um lado, o estômago é composto por tecido elástico, o que o leva a aumentar seu tamanho, e por outro, o obeso tende a compensar suas frustrações por ser "gordo" e rejeitado na sociedade, com a comida, levando-o comer por compulsão, o que torna a dieta uma tarefa quase impossível de se cumprir sem a ajuda de medicamentos.

Este item, em nossa estrutura cultural, deve ser analisado segundo os prismas da quantidade e da qualidade, pois tanto é prejudicial comer demasiadamente, ainda que alimentos saudáveis, quanto comer moderadamente, mas apenas alimentos ricos em calorias, como doces e gorduras. Neste sentido, novamente a modernidade tem contribuído para o crescimento da população obesa, posto que, com o ritmo acelerado dos grandes centros urbanos, aliados ao caos dos sistemas de transportes e a difusão dos restaurantes que cobram por quilo, as pessoas, via de regra, estão deixando de fazer as refeições em casa, onde o alimento pode ser elaborado de forma a conciliar sabor e qualidade, para comer nestes estabelecimentos, onde os alimentos são preparados em grande quantidade, com o uso de diversos produtos químicos e visando um equilíbrio entre sabor e lucro, o que resulta em refeições hipercalóricas e pouco saudáveis.

Embora o uso de alguns medicamentos, em especial os antipsicóticos, os antidepressivos, os antiepiléticos e os esteróides, possam induzir a um ganho de peso, este é insuficiente para causar a obesidade propriamente dita, a exceção dos corticóides ministrados em altas doses. (MANCINI, 2002, p. 5)

4.4.RISCOS E CO-MORBIDADES

Os males da obesidade mórbida vão muito além do desconforto com a imagem corporal, embora este fato por si só possa gerar conflitos internos capazes de gerar transtornos no âmbito sócio-ocupacional, tais como o acesso o acesso ao ensino superior, ao mercado de trabalho, e a dificuldade para manter relacionamentos amorosos, desencadeando ainda processos depressivos preocupantes. (SEGAL, 2002, p. 289)

A obesidade mórbida, assim como a AIDS, não bastasse a gravidade de seus efeitos, normalmente vem acompanhada de outras patologias, aqui denominadas co-morbidades, que expõem o paciente a diversos riscos e limitações.

Os riscos da obesidade, sobretudo a mórbida, não se limitam aos já expostos, que atingem basicamente ao corpo, mas atingem também a psique humana, causando distúrbios psiquiátricos, em razão da desvantagem social em ser obeso, o que leva o portador de tal patologia a viver em conflito interno, negando sua aparência deformada, mas tendo que ser socialmente agradável, para minimizar o preconceito a que está sujeito.

A internalização destes conflitos, associada à segregação nas esferas social, laboral e amorosa, podem acabar por desencadear problemas psicológicos nos portadores de obesidade mórbida.

Doenças como diabetes, hipertensão arterial, hiperlipemia (aumento da gordura no sangue), doença coronariana (angina e infarto), refluxo gastro-esofágico, doenças articulares, apnéia do sono, insuficiência respiratória e cardíaca, além de diversas formas de câncer (mama, útero, vesícula biliar, etc.), têm uma freqüência muito aumentada nos obesos, e são as principais responsáveis pelo aumento das taxas de mortalidade, da diminuição da expectativa e da qualidade de vida, ampliando o fator de risco a que estão submetidos, reforçando sobremaneira o perículum in mora a que estão submetidos os beneficiários de planos de saúde portadores de obesidade mórbida que são obrigados a recorrerem ao judiciário para terem autorizado seu tratamento médico hospitalar.

Um outro fato dramático que ilustra a gravidade da obesidade e que mostra a baixa expectativa de vida deste grupo de doentes é ilustrado ao se avaliar os indivíduos que entraram para o Guiness Book (O livro dos recordes), onde nenhuma das pessoas consideradas as mais pesadas ultrapassou os 40 anos de idade.

Para piorar, o grande obeso tem a sua doença "estampada na cara" para que todos o vejam, o julguem e o discriminem. Isto posto, não bastassem as doenças que trazem consigo, e a dificuldade em realizar os mais comuns dos atos cotidianos, essas pessoas são discriminadas e humilhadas pela pior de todas as doenças, o preconceito.

Por fim, apesar de tais considerações, mister se faz esclarecer que a identificação do risco para a saúde e para a vida do beneficiário de planos e seguros de saúde portador de determinada patologia, e, em especial da obesidade mórbida, cabe tão somente ao médico que o acompanha, o qual, após realização dos exames necessários, deve indicar o risco em relatório por ele assinado, não cabendo aos operadores do direito, por falta de capacitação técnica, entender de forma diversa.

Ainda que seja o douto julgador também graduado em medicina, o que lhe permitiria, em tese, compreender os detalhes da doença e assim entender o receio de dano irreparável ou de difícil reparação que fundamenta o pleito, este deveria ater-se às provas produzidas nos autos ou, havendo dúvida acerca da origem e veracidade das informações contidas no relatório médico, requerer uma perícia médica, mas nunca afastar de pronto a avaliação realizada pelo médico que o acompanha.

4.5.PRINCIPAIS FORMAS DE TRATAMENTO DISPONÍVEIS

Da mesma forma que o magistrado não pode questionar o risco na demora do tratamento por falta de capacitação técnica, está ele impedido de conceder opção terapêutica diversa da prescrita, pois cada técnica possui sua indicação, sendo adequada para um determinado perfil de pacientes, e apenas seu médico, que conhece seu histórico clínico e tendo avaliado seus exames, pode indicar a forma que lhe garanta uma resposta adequada, sem expor-lhe a um risco desnecessário ou demasiadamente elevado.

E, nesse sentido, merece destaque recente julgado da Terceira Turma do STJ, que, à unanimidade, reconheceu que é o médico, e não o plano de saúde, quem decide sobre o tratamento do doente, que pode, tão somente, estabelecer que doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura. No que concerne ainda à escolha do profissional que irá tratá-lo, em casos de tal jaez, onde os riscos de morte são tão altos, a sua escolha deve caber ao consumidor/paciente, posto que sua vida e saúde estão protegidas por garantias fundamentais e constituem bens infungíveis, não se confundindo com um simples equipamento, que pode ser submetido a concerto por várias vezes e, depois, ante o insucesso destas tentativas, ser substituído por outro.

No que se refere à obesidade mórbida, existem várias alternativas terapêuticas que, combinadas, conseguem boas perdas de peso, como as dietas de baixas e muito baixas calorias, a psicoterapia, a terapia comportamental, o exercício físico, e algumas drogas como a sibutramina e o orlistat (plenty, reductil e xenical) que incrementaram o arsenal terapêutico da obesidade.

Porém, quando se trata de obesidade mórbida, essas medidas, na maioria das vezes, são inócuas, pois a imensa maioria dos pacientes não consegue promover uma mudança nos seus hábitos alimentares e na prática de atividade física de forma definitiva. Além disso, existem alterações nos mecanismos que controlam a distribuição da gordura e o gasto energético, fazendo com que haja uma grande tendência à recuperação do peso perdido, superando inclusive seu peso inicial, tornando-o ainda mais obeso, fenômeno popularmente conhecido como "efeito sanfona".

Os pacientes com obesidade mórbida devem, portanto, ser encarados como portadores de uma doença séria, que ameaça a vida, reduz a qualidade de vida e a auto-estima, e que requer medidas eficientes para promover a perda de peso de forma definitiva. A cirurgia bariátrica (nome utilizado para se definir a cirurgia para obesidade mórbida) é o único método cientificamente comprovado que promove uma acentuada e duradoura perda de peso, reduzindo as taxas de mortalidade e resolvendo, ou pelo menos minimizando, uma série de doenças associadas à obesidade grave.

Entre as formas de tratamento cirúrgico realizadas com segurança em Salvador atualmente, as principais são a Banda gástrica ajustável, e o bypass gástrico (gastroplastia com derivação em "Y" de Roux) ou, como é mais conhecida no Brasil, a Cirurgia de Fobi-Capella.

A banda gástrica ajustável, consiste na colocação de um pequeno anel ao redor da porção superior do estômago, que o divide em dois compartimentos: um pequeno que fica acima da banda e irá armazenar pouca quantidade de alimento e que será responsável, quando cheio, pela sensação de saciedade; e um segundo compartimento maior, que é o resto do estômago normal abaixo da banda, e que continuará a participar do processo digestivo normal, recebendo e enviando o alimento para o duodeno. Ela é dotada de um balão que fica em contato com o estômago e que, à medida que é inflado, reduz a velocidade de esvaziamento da pequena câmara, limitando a capacidade de armazenamento de alimento. Este balão é ligado por um estreito tubo de silicone a um pequeno dispositivo para injeção que é implantado sob a pele e que permite uma calibração do diâmetro do anel e, por conseqüência, da velocidade de esvaziamento do reservatório gástrico.

Esta propriedade possibilita um ajuste a qualquer momento após a cirurgia, adequando a restrição gástrica às necessidades e à tolerância de cada pessoa. O paciente é forçado a mastigar bastante e a comer lentamente, ingerindo pequenos bolos de cada vez, promovendo um estímulo constante do paladar e uma sensação de saciedade mais precoce; conseqüentemente há uma redução do volume diário ingerido, levando a uma diminuição do aporte calórico diário e à perda de peso.

A Cirurgia de Fobi-Capella, é o "procedimento de redução do estômago" mais utilizado nos Estados Unidos e no Brasil, e consiste na divisão do estômago em duas partes, com a parte maior ficando excluída da passagem do alimento (bypass) e a parte menor que se continua com o esôfago sendo desviada para o intestino delgado. Ao redor da parte pequena, que tem o formato de um tubo estreito e curto, coloca-se um anel que evita a dilatação da passagem entre o estômago e o intestino, promovendo uma perda de peso mais duradoura.

Da mesma maneira que na banda gástrica, esta técnica possui um componente principal restritivo, diminuindo consideravelmente a quantidade de alimento necessária para proporcionar saciedade, e requerendo o mesmo padrão de comportamento alimentar (mastigar bem o alimento, comer lentamente, e ingerir pequenos bolos de cada vez). Por outro lado, pelo fato do alimento não passar pela maior parte do estômago e pelo duodeno, caindo direto no intestino delgado, o bypass gástrico traz alguns mecanismos adicionais que levam a um controle maior do apetite e a uma perda de peso mais rápida e mais intensa do que nos procedimentos puramente restritivos.

Entre os mecanismos do bypass gástrico que levam à perda de peso destaca-se o dumping, uma sensação de mal estar caracterizada por náuseas, tontura, taquicardia, sudorese, sonolência e eventualmente diarréia, que acontecem quando são ingeridos alimentos ricos em açúcar e gordura, e, em geral, variam de intensidade, freqüência e duração, desaparecendo em cerca de um ano, quando a perda de peso já não é mais tão necessária.

4.6.RESULTADOS ESPERADOS

Uma vez demonstrado os riscos e limitações impostas aos portadores de obesidade mórbida pelas operadoras de planos de saúde quando negam o tratamento médico / cirúrgico aos seus usuários, embora não seja requisito nem pressuposto para concessão da tutela requerida, somente para consolidar os conceitos aqui apresentados, e para demonstrar que não se busca uma remodelagem estética tão simplesmente, nem de um modelo experimental, apresentaremos, a seguir, dados estatísticos extraídos dos 340 pacientes operados entre agosto de 1999 e outubro de 2003 pela equipe médica do Centro de Cirurgia da Obesidade, que funciona no primeiro andar do Hospital Santo Amaro, sob a coordenação do médico cirurgião, Dr. Marcos Leão Vilas-Bôas [04].

Antes porém, resta esclarecer que os resultados do tratamento definitivo da obesidade mórbida, vão além da simples perda de peso, atuando também no combate às co-morbidades, em especial a hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, diabetes, dislipidemia, esofagite, risco cirúrgico, pseudotumor cerebral e tromboembolismo.

TABELA 02

CARACTERÍSTICA DOS PACIENTES OPERADOS[05]

PRÉ-OPERATÓRIO

BANDA GÁSTRICA AJUSTÁVEL

FOBI-CAPELLA

Pacientes

177

141

Mulheres

143

106

Homens

34

35

Idade

35 (18 – 76)

35 (16 – 67)

Peso inicial (Kg)

125 (81 – 200)

128 (75 – 199)

IMC inicial (Kg/m2)

45 (34 – 65)

47 (36 – 70)

5 DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

Os magistrados comumente se deparam com um grande dilema: de um lado, a necessidade de prover uma solução rápida e eficaz do conflito de interesses das partes, uma vez que, nas palavras do eterno mestre Rui Barbosa, uma justiça tardia é sinônimo de injustiça; e, do outro lado, a necessidade de que respeitados os requisitos legais mínimos de validade, a saber, o contraditório e a ampla defesa, sem o que, haverá, igualmente, injustiça e, mais do que isso, afronta à Constituição Federal.

Na solução deste impasse, deve o magistrado agir com cautela de forma a, na efetivação da prestação jurisdicional, não acabar por gerar uma injustiça ao invés do verdadeiro ato de justiça que do Judiciário se espera.

A busca por uma prestação jurisdicional célere, em respeito ao regime de urgência, contudo, não autoriza o magistrado a proferir uma decisão judicial com uma fundamentação superficial, pois ela é imperiosa. O que se pode admitir, é certa concisão, o que não pode ocorrer na prolatação de uma sentença judicial, por exemplo, pois a sua ausência pura e simplesmente, gera a nulidade do pronunciamento judicial, de pleno jure.

Destarte, as tutelas de urgência buscam contornar tal crise para que haja uma tutela jurisdicional efetiva, sobretudo nestes casos, uma vez que, por diversos fatores, uma decisão de mérito transitada em julgado tarda muito e, sem este instituto, poderiam vir quando o objeto já tivesse perecido ou deixado seqüelas de difícil reparação.

5.1.NOÇÕES GERAIS

Após tais considerações, uma dúvida ainda persiste e precisa ser sanada de imediato, que é o conceito das tutelas de urgência. Assim, tutela de urgência é o gênero do qual a tutela cautelar e a tutela antecipada são espécies. São tutelas calcadas em juízos de verossimilhança, limitando-se a afirmar o provável, baseadas na técnica da cognição sumária.

Para se entender as tutelas de urgência, mister se faz esclarecer o que o legislador entendeu por urgência, o que pode ser alcançado pela simples leitura do CPC, em especial dos incisos do art. 273, que trata da tutela antecipatória, e do art. 798, que trata da tutela cautelar, todos listados a seguir, mas desde que estejam presentes os demais pressupostos previstos no diploma legal retromencionado e que serão objeto de comentários específicos no tópico 1.4 Pressupostos e características.

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

[...]

§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.

[...]

Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.

5.2.ESPÉCIES

As tutelas de urgência aplicáveis na defesa do direito à vida e à saúde, segundo o escopo deste trabalho, são a tutela cautelar e a tutela antecipada. No mundo jurídico, a primeira a ser concebida foi a tutela cautelar, prevista no Livro III do CPC, através do artigo 796 e seguintes, segundo o qual, o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente.

Somente em 1994, contudo, a tutela antecipada foi introduzida ao ordenamento pátrio, com a redação dada ao art. 273 do CPC pela Lei 8.952, que alterou a redação dada ao então artigo, como deixa claro a evolução do referido dispositivo: "Art. 273 O procedimento especial e o procedimento sumaríssimo regem-se pelas disposições que lhes são próprias, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, as disposições gerais do procedimento ordinário."

Com a nova redação dada ao dispositivo acima pela Lei n° 8.952/94: "Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:"

A referida inovação legislativa, como leciona o mestre processualista Luiz Guilherme Marinoni (2006, p.177), veio pôr fim a antigos conflitos sobre a utilização das medidas cautelares, e cita como exemplo os casos citados por Galeno Lacerda onde atos que deveriam ser combatidos através mandado de segurança, mas, uma vez esgotado o prazo decadencial de cento e vinte dias, seriam combatidos mediante ação cautelar.

Nestes casos, segundo o autor, "a prova seria pré-constituída e, portanto, faltaria a própria aparência legitimadora da ação cautelar", como resta evidenciado no trecho da retromencionada obra, a seguir transcrito: "A reforma eliminou a necessidade do uso distorcido da "ação cautelar" para a obtenção da tutela antecipatória, possibilitando a correção dos equívocos que eram cometidos em casos como aquele há pouco mencionado."

5.3.ESTUDO COMPARADO

O problema em se conciliar a necessidade de uma prestação jurisdicional célere, sem comprometer os princípios basilares do processo, e a solução adotada pelo legislador brasileiro, as tutelas de urgência, não está restrita ao cenário nacional, sendo, pelo contrário, um fenômeno mundial.

No nosso sistema, embora a tutela cautelar e a antecipatória sejam espécies do mesmo gênero, o sistema processual adotado é diferenciado, tendo o legislador pátrio previsto normas diferenciadas para uma e para outra.

Na Europa, contudo, segundo Humberto Theodoro Júnior (2002, p. 532), a tendência na regulamentação deste tipo de tutela, é para uma visão unitária da tutela de urgência. Este fenômeno pode ser observado nos Códigos da Itália, França, Alemanha, Suíça e Portugal, como denota o art. 381, nº 1 do Código de Processo Civil de Portugal, após os Decretos-Leis nº 329-A/95 e 180/96, a seguir transcrito:

Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.

5.4.PRESSUPOSTOS E CARACTERÍSTICAS

Para a concessão da tutela cautelar, os requisitos são menos rigorosos, limitando-se a basicamente dois:

I - Um dano potencial, um risco que corre o processo principal de não ser útil ao interesse demonstrado pela parte, em razão do periculum in mora, risco esse que deve ser objetivamente apurável;

II - A plausibilidade do direito substancial invocado por quem pretenda segurança, ou seja, o fumus boni iuris. (THEODORO JUNIOR, 2002, p. 343)

A tutela cautelar, assim como a antecipatória, deve ser provisória, buscando tão somente assegurar o resultado útil de uma sentença no processo principal (na hipótese da cautelar incidental) ou de um outro processo a ser instaurado no prazo máximo de 30 dias [06] (na hipótese da cautelar preparatória).

Esta situação de dependência da Ação Cautelar a uma principal acima descrita, contudo, reflete a regra geral deste tipo de Ação, pois, existem situações como a problemática sob a qual nos debruçamos, nas quais, pode a tutela requerida estar marcada pela satisfatividade, situação em que não é exigida a interposição de uma ação principal.

A existência, contudo de cautelares satisfativas é tema extremamente controverso na doutrina e na jurisprudência pátria.

Doutrinadores como Moniz Aragão (apud THEODORO JÚNIOR, 2002, p. 545) ao enfrentar este tópico, lembram que o próprio Código de Processo Civil previu cautelares satisfativas ao tratar dos alimentos provisionais, v. g., embora ressalte que tais hipóteses são admissíveis quando não houvesse "contestação séria" ao direito do autor, e desde que seja possível a reversibilidade da medida. Mister se faz ressaltar que, embora possível, sua concessão pelo judiciário deve ser marcada por bastante atenção e cuidado, pois neste tipo de procedimento os exercícios da ampla defesa e do contraditório são mitigados para que a tutela possa ser deferida em tempo hábil, de forma que o dilema devido processo legal versus tutela efetiva ganha maior relevância.

Fredie Didier Jr. (2001, p.9), entre outros doutrinadores, por sua vez, sustentam a impossibilidade da concessão de tutela cautelar satisfativas, referindo-se a elas como "malsinadas medidas" e como "figura de museu, pois não há justificativa para ainda viver" como se observa na transcrição a seguir:

Sucede que, com o uso inapropriado — porém legítimo — da "cautelar satisfativa", passou-se a burlar o procedimento ordinário, em razão do que proliferaram casos em que, falseando uma situação de necessária cautelaridade, conseguia-se medida antecipatória liminar, apenas com o mero preenchimento dos requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora, menos rigorosos, como é cediço, do que os necessários para o juízo de verossimilhança de um processo de conhecimento. A antecipação de tutela veio corrigir este fenômeno, adequando formalmente o procedimento comum. (DIDIER JR., 2001, p. 9)

A possibilidade da existência de cautelares satisfativas, apesar de polêmica, possui respaldo no posicionamento do STJ, como demonstram as decisões proferidas pelas Turmas recursais deste órgão judicante abaixo transcritas:

TENDO A CAUTELAR NATUREZA SATISFATIVA, A NÃO PROPOSITURA DA CORRESPONDENTE AÇÃO PRINCIPAL NO PRAZO LEGAL NÃO IMPLICA NA PERDA DA EFICÁCIA DA MEDIDA CAUTELAR CONCEDIDA.

- A AÇÃO CAUTELAR AJUIZADA PARA IMPEDIR A INSCRIÇÃO DE NOME DO DEVEDOR NO CADIN TEM NATUREZA PREVENTIVA E NÃO SATISFATIVA, DAÍ PORQUE SER NECESSÁRIO A PROPOSITURA DA AÇÃO PRINCIPAL CORRESPONDENTE.

- A OPOSIÇÃO DE EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA SUSPENDE O CURSO DO PROCESSO, ENTRETANTO, NÃO INTERFERE NO CUMPRIMENTO DA EXIGÊNCIA ESTABELECIDA NO ART. 806 DO CPC.RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (STJ – TERCEIRA TURMA: RESP 641806 / MG ; RECURSO ESPECIAL 2004/0026574-8; Rel.: Min. NANCY ANDRIGHI; Data Julgamento: 20/09/2004; DJ 11.10.2004 p. 323). (Grifo nosso)

No mesmo sentido:

EM PRINCÍPIO, AS MEDIDAS CAUTELARES ESTÃO VINCULADAS A UMA AÇÃO PRINCIPAL, OU A SER PROPOSTA OU JÁ EM CURSO (ART. 800/CPC). TODAVIA, A JURISPRUDÊNCIA, SENSÍVEL AOS FATOS DA VIDA, QUE SÃO MAIS RICOS QUE A PREVISÃO DOS LEGISLADORES, TEM RECONHECIDO, EM CERTAS SITUAÇÕES, A NATUREZA SATISFATIVA DAS CAUTELARES.

O PROVIMENTO JURISDICIONAL QUE DETERMINA A LIGAÇÃO DA ENERGIA ELÉTRICA EXAURE-SE EM SI MESMO, RESULTANDO DESNECESSÁRIO FORMULAR OUTRO PEDIDO EM CARÁTER PRINCIPAL.RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (STJ – QUARTA TURMA: RESP 541410 / RS; RECURSO ESPECIAL 2003/0068135-0; Rel.: Min. CESAR ASFOR ROCHA; Data Julgamento: 22/06/2004; DJ 11.10.2004 p. 336). (Grifo nosso)

A título de requisito da tutela antecipada temos: o requerimento da parte autora (opoente, denunciante, reconvinte), do assistente, ou do Ministério Público (embora à estes não alcance); a produção de prova inequívoca mas não exauriente, por meio de cognição sumária e as vezes superficial; o convencimento do Juiz em torno da verossimilhança (expressiva probabilidade de acolhimento futuro e definitivo) das alegações de sustentação do pedido; riscos de danos de difícil ou incerta reparação, ou de perecimento do direito tutelado; abuso do acionado no exercício do direito de defesa ou resistência incabível ao andamento regular do processo, como forma de evitar a sua efetividade; e a reversibilidade da situação concreta criada pela medida, caso não venha a ser confirmada pela sentença definitiva, em respeito à exigência constitucional da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.

Neste tipo de tutela de urgência, o que se busca é, diferentemente da tutela cautelar, antecipar, total ou parcialmente, o resultado útil de uma sentença que, quando for prolatada, reconhecerá os fundamentos já expostos e tornará a providência deferida definitiva.

Analisando os aspectos intrínsecos a cada uma das tutelas podemos identificar como traços comuns a ambas, o fato de visarem evitar o perecimento de um direito tutelado, onde: a cognição, para efeito de deferimento da medida, é sumária e não exauriente; podem ser requeridas a qualquer momento do processo, inclusive inaudita altera parte; e sua provisoriedade.

O aspecto que distingue fundamentalmente a Tutela Cautelar da Tutela Antecipada está relacionado com suas finalidades, pois, como já abordado alhures superficialmente, enquanto a primeira visa preservar a eficácia do direito postulado, mesmo que postergada no futuro, a segunda pressupõe direito desde já evidenciado, cuja tutela pode, mesmo provisoriamente, ser imediatamente deferida, produzindo efeitos práticos de reversão no plano real.

Assim, ao nos debruçarmos sobre a eficácia destas tutelas, observamos ainda que a tutela antecipada adianta, total ou parcialmente, a providência final, enquanto que a cautelar preserva uma situação até o provimento final, sem coincidir com o pedido postulado na exordial.

5.5.FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS DE URGÊNCIA DO CPC

Apesar dos aspectos divergentes entre as tutelas de urgência, em algumas situações a antecipação da tutela pode ensejar resultados nitidamente acautelatórios, sem perder a sua essência técnica. Além disso, dificuldades comuns de distinção entre os dois institutos inspiraram a inovação trazida pela Lei 10.444/02, que introduziu o § 7º ao art. 273 do Código de Processo Civil, transcrito a seguir, para que se admitisse a concessão de medida tipicamente cautelar, ainda que tenha sido requerida como tutela antecipada.

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

[...]

§ 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 07/05/2002)

Com a positivação desta fungibilidade, a primeira parte do tema tornou-se pacífico, restando-nos apenas enfrentar o outro aspecto: a possibilidade de se aplicar a fungibilidade entre as tutelas de urgência em mão dupla através da concessão de medida tipicamente antecipatória, quando requerido tutela cautelar, questão que encontra grande conflito na doutrina e na jurisprudência.

Assunto polêmico que tem rendido diversos artigos e ensaios sobre o tema, a fungibilidade de mão dupla tem dividido os doutrinadores em duas correntes, os que neguem esta possibilidade, dentre os quais Cândido Rangel Dinamarco, Fredie Didier Jr., Marcelo Abelha Rodrigues e Ricardo Raboneze, e os a admitam, dentre eles, Luiz Rodrigues Wambier e Luiz Guilherme Marinoni.

Os que rejeitam a possibilidade da chamada fungibilidade em mão dupla fundamentam tal entendimento na incompatibilidade entre a natureza de ambas, por serem excludentes, posto que a tutela antecipada é satisfativa, enquanto que a tutela cautelar deve assegurar a realização de direitos subjetivos.

Desta forma, segundo tal corrente, sustentar a existência da fungibilidade em mão dupla é reconhecer a possibilidade de existência de cautelares satisfativas, o que vai de encontro à sua natureza própria.

Para os que, por sua vez, defendem a possibilidade da fungibilidade em mão dupla, o argumento principal é que o sentido das palavras não é por acaso, onde os signos apresentam sentidos específicos, e no mundo jurídico, o termo fungibilidade possui acepção própria, definido no Código Civil, em seu art. 85, como sendo a possibilidade de determinados bens serem substituídos um pelo outro, sendo ambos da mesma espécie, qualidade e quantidade.

Como os ramos do direito não devem conflitar, mas sim formar um conjunto harmônico e integrado, muitas vezes complementares, sobretudo quando tratamos do Direito Civil e do Direito Processual Civil (direitos adjetivo e substantivo), ramos intimamente ligados, não se pode conceber um conceito de fungibilidade para o Direito Civil e outro para o Direito Processual Civil. Ademais, não pode haver a fungibilidade somente em um sentido. Se "A" pode ser substituído por "B", pelo princípio da fungibilidade, "B" também poderá ser substituído por "A".

Isto posto, como nos ensina Marinoni (2005, p. 225), tal instituto foi criado para dirimir dúvidas suscitadas pelas áreas "nebulosas", onde se torna difícil a identificação da medida específica para o caso concreto. Ele assim se pronuncia:

Em uma primeira interpretação poderia ser dito que o § 7º do art. 273 pretendeu somente viabilizar a concessão, no bojo do processo de conhecimento, da tutela cautelar que foi chamada de antecipatória. Entretanto, aceitando-se a possibilidade de requerimento de tutela cautelar no processo de conhecimento, é correto admitir a concessão de tutela cautelar. Neste caso, não existindo erro grosseiro do requerente, ou, em outras palavras, havendo dúvida fundada e razoável quanto À natureza da tutela, aplica-se a idéia de fungibilidade, uma vez que seu objetivo é evitar maiores dúvidas quanto ao cabimento da tutela urgente (evidentemente de natureza nebulosa) no processo de conhecimento. (MARINONI, 2005, p. 225).

No mesmo sentido:

Por outro lado, e embora a regra não o diga expressamente, as razões antes expostas evidenciam que a fungibilidade também haverá de ser reconhecida no sentido oposto – ou seja, poderá haver deferimento de tutela antecipada requerida sob a forma de "medida cautelar". (WAMBIER, 2003, p. 36)

Nelson Nery Júnior (2004, p. 724), ao comentar o § 7º do art. 273, que versa sobre o tema em apreço, assim se pronunciou:

45. Fungibilidade. Generalidades. O autor não será prejudicado por haver feito pedido fora da técnica processual. Caso tenha direito ao adiantamento, é irrelevante que haja interposto cautelar incidente ou haja pedido antecipação de tutela. O juiz deverá aplicar a fungibilidade, nada obstante a norma aparentemente possa indicar faculdade: presentes os requisitos para a tutela de urgência (cautelar ou antecipatória), cabe ao juiz concedê-la.

46. Fungibilidade. Cautelar incidental. Quando o autor fizer pedido de antecipação de tutela, mas a providência requerida tiver natureza cautelar, não se pode indeferir o pedido de tutela antecipada por ser inadequado. Nesse caso, o juiz poderá adaptar o requerimento e transformá-lo de pedido de tutela antecipada em pedido de cautelar incidental. Deve, portanto, receber o pedido como se fosse cautelar. Anote-se que os requisitos para a obtenção da tutela antecipada são mais rígidos que os necessários para a obtenção de tutela cautelar. Assim, só poderá ser deferida a medida cautelar se estiverem presentes os requisitos exigidos para tanto (fumus boni iuris e periculum in mora).

47. Fungibilidade. Tutela antecipada. A recíproca é verdadeira. Caso o autor ajuíze ação cautelar incidental, mas o juiz verifique ser o caso de tutela antecipada, deverá transformar o pedido cautelar em pedido de tutela antecipada.Isso ocorre, por exemplo, quando a cautelar tem natureza satisfativa. Dado que os requisitos da tutela antecipada são mais rígidos que os da cautelar, ao receber o pedido cautelar como antecipação de tutela o juiz deve dar oportunidade ao requerente para que adapte o seu requerimento, inclusive para que possa demonstrar e comprovar a existência dos requisitos legais para a obtenção da tutela antecipada. A cautelar só deverá ser indeferida se não puder ser adaptada ao pedido de tutela antecipada ou se o autor se negar a proceder à adaptação. (NERY JÚNIOR, 2004, p. 724) (GRIFOS NOSSOS)

Demonstrado está, portanto, que para que seja efetivamente reconhecido o efeito fungível entre estas tutelas, deverá se dar nos dois sentidos, e não apenas em um sentido como tenda fazer prosperar parte da doutrina e da jurisprudência.

5.6.A TUTELA DE URGÊNCIA PREVISTA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor, não se limitou a tratar do direito material, pelo contrário, expandiu seus limites trazendo também normas de direito processual, a exemplo do art. 84 a seguir transcrito, presente em seu Título III, que, ao tratar da defesa do consumidor em juízo, em seu parágrafo terceiro instituiu modalidade de tutela de urgência semelhante às abordadas até o presente momento, que estão respaldadas no Código de Processo Civil.

Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

[...]

§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

§ 5° Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

Observe que o legislador pátrio, no uso de suas funções legiferantes, buscou dotar o consumidor de um instituto com os rigores abrandados da tutela cautelar, quais sejam o fumus boni iuris e o perículum in mora, além de criar mecanismos eficazes garantidores da eficácia de seu comando judicial, como a imposição de multa pecuniária e o emprego das denominadas "medidas necessárias" que amoldam a urgência do caso in tela às medidas que o magistrado entenda mais adequada, sem seus parágrafos quarto e quinto.

Contudo, embora os rigores legais para o deferimento da tutela em sede de liminar, o alcance de seu comando não foi delimitado, de forma que a tutela requerida com fulcro neste dispositivo pode ter natureza acautelatória ou antecipatória, constituindo, desta forma, em mais uma demonstração do tratamento "paternalista" dado ao consumidor por este diploma legal.

5.7.DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO BENEFICIÁRIO DA TUTELA DE URGÊNCIA

Um dos principais argumentos das operadoras de plano de saúde para combater as liminares concedidas autorizando tratamentos cirúrgicos e excluindo a limitação temporal para internação, ainda que em UTI, tem sido os prejuízos que estas instituições virão a sofrer caso a sentença lhes seja favorável, posto que os custos com tais procedimentos tendem a ser elevados e os usuários, via de regra, não terão como arcar com tais encargos, estando estas empresas desprotegidas. Contudo, tal argumento tem se demonstrado ser falacioso, como se pode perceber abaixo.

Primeiro aspecto a ser considerado acerca da responsabilidade do beneficiário da tutela de urgência está relacionada com a litigância de má-fé. Tal situação encontra-se regulada no art. 16 do Código de Processo Civil, segundo o qual "responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente".

Nas demais hipóteses, em que a má-fé não se faz presente, mas que a razão também não lhe assiste, igualmente a matéria já se encontra regulada em nosso diploma processual, no art. 804, mas, antes desta abordagem, merece destaque as garantias que a referida norma disponibiliza para garantir a restituição das despesas decorrentes da tutela de urgência.

Art. 804. É lícito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz; caso em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer. (Grifo nosso)

A simples leitura do art. 811 do CPC, a seguir transcrito, deixa claro que o a tutela de urgência constitui uma ferramenta importante para o jurisdicionado que precisa recorrer ao Judiciário para ver seu direito assegurado, em especial para os usuários de plano de saúde portadores de obesidade mórbida, que em razão do jaez dos direitos envolvidos, e ante a necessidade de preservação do tempo do processo para que ele respeite as garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa, dentre outras, mas que não pode ser utilizada levianamente, pois sujeita seu beneficiário ao dever de reparar a outra parte pelos danos por ventura havidos em decorrência da supracitada tutela de urgência.

Art. 811. Sem prejuízo do disposto no art. 16, o requerente do procedimento cautelar responde ao requerido pelo prejuízo que Ihe causar a execução da medida:

I - se a sentença no processo principal Ihe for desfavorável;

II - se, obtida liminarmente a medida no caso do art. 804 deste Código, não promover a citação do requerido dentro em 5 (cinco) dias;

III - se ocorrer a cessação da eficácia da medida, em qualquer dos casos previstos no art. 808, deste Código;

IV - se o juiz acolher, no procedimento cautelar, a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor (art. 810).

Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos do procedimento cautelar. (Grifo nosso)

A utilização leviana deste instituto buscando a satisfação de uma necessidade imediata quando se tem conhecimento de que o direito não lhes assiste e que haverá a revogação da medida quando da prolatação da sentença, além de violar o princípio da boa-fé e infringir o art. 811 do CPC, sujeitando o beneficiário ao dever de reparar os prejuízos sofridos pelo fornecedor, sendo pois conduta reprovável social e juridicamente, pode gerar duas outras graves conseqüências.

A primeira, que ante a forma "promiscua" com que vem sendo empregada, que os magistrados passem a dificultar sua concessão, o que prejudicaria aqueles que realmente necessitam deste instituto.

A segunda, ainda mais grave que a primeira, diz respeito ao equilíbrio econômico financeiro das operadoras de planos de saúde, que ante uma série de gastos imprevistos e pelos quais os usuários não faziam jus, pode levá-las à uma situação de insolvência ou, pior, de falência, comprometendo ainda mais pessoas.

5.8.ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL

Com o surgimento da técnica e o início do tratamento cirúrgico para tal mal, houve uma corrida aos consultórios médicos especializados para se tratar tal problema, na esperança de que, em fim, fossem submetidos a um tratamento definitivo, permitindo-lhes cuidar da doença que lhes deformava não apenas o corpo, mas a vida, os relacionamentos e sua dignidade.

Com a negativa das operadoras de plano e seguro de saúde, passaram seus beneficiários a buscar a tutela jurisdicional do Estado, mediante as tutelas de urgência já abordadas neste trabalho, para que lhes fosse deferido tal pleito, ao que os juízes de 1ª Instância e os Tribunais têm, em sua grande e esmagadora maioria, atendido, como veremos a seguir.

Recentemente, em Agravo de Instrumento interposto contra decisão do juiz a quo negando tutela antecipatória para autorização de tratamento médico / hospitalar a beneficiário do PLANSERV, a Câmara Especializada do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, assim se pronunciou:

FAZEM-SE PRESENTES A FUMAÇA DO BOM DIREITO E O PERIGO A DEMORA, EIS QUE AQUI SE CUIDA DE CASO DE MOLÉSTIA GRAVE A POR EM RISCO A VIDA DA PACIENTE AGRAVANTE, QUE JÁ APRESENTA AS CO-MORBIDADES DECORRENTES DA OBESIDADE MÓRBIDA. MAIS DO QUE OS LEGAIS, SÃO OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE AMPARAM A PRETENSÃO DO S AGRAVANTES: DIREITO À VIDA E À SAÚDE, EM FACE DOS QUAIS, TORNAM-SE AMESQUINHADOS OS INTERESSES DE FUNDO ECONÔMICO DO AGRAVADO. DO NÃO ATENDIMENTO À PRETENSÃO DOS AGRAVANTES DECORRE O RISCO DE LESÃO GRAVE E IMPOSSÍVEL REPARAÇÃO SE A PACIENTE EVOLUIR A ÓBITO. ANTE A RELEVÂNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO DO PEDIDO, COM RESPALDO NO ART. 527, III, C/C O ART. 558, AMBOS DO CPC, ATRIBUO AO PRESENTE AGRAVO O EFEITO SUSPENSIVO REQUERIDO PELAS AGRAVANTES.

EM SE TRATANDO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO EM QUE O AGRAVADO AINDA NÃO TEM ADVOGADO CONSTITUÍDO NOS AUTOS PRINCIPAIS, PODE O MESMO SER ALVO DE JULGAMENTO IMEDIATO, COMO TEM PERMITIDO A JURISPRUDÊNCIA NACIONAL, RAZÃO PORQUE, COM VISTAS AO ART. 5º CAPUT, ART. 6º CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, O PRIMEIRO GARANTINDO A INVIOLABILIDADE DO DIREITO À VIDA, DIREITO INDIVIDUAL DO CIDADÃO, E O SEGUNDO ESTATUINDO A SAÚDE COMO DIREITO SOCIAL, DOU PROVIMENTO AO PRESENTE AGRAVO PARA CASSAR A DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU HOSTILIZADA. .. (TJBA – Câmara Especial. Agravo 14466-9/2005. Relator Juiz convocado Irany Almeida. Publicado no D.O.J. 21 jun 2005) (Grifos nossos)

O poder judiciário, sensível a tal problema, tem se posicionado repetidamente no sentido de assegurar a vida e a saúde dos beneficiários de planos e seguros de saúde, declarando abusivas cláusulas que restrinjam o gozo deste direito, e, por conseqüência, restabelecendo o equilíbrio econômico financeiro do contrato, pois com esta tutela poderão efetivamente se beneficiar de todos os serviços pelos quais têm contribuído ao longo dos anos, como demonstra mais este julgado abaixo transcrito.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. PLANO DE SAÚDE. OBESIDADE MÓRBIDA. INTERNAMENTO EM SPA. SOLICITAÇÃO MÉDICA. DOENÇA RECONHECIDA PELA OMS. INADMISSIBILIDADE DA NEGATIVA. CARACTERIZADO O DIREITO DO AGRAVANTE À REALIZAÇÃO DOS MEIOS GARANTIDORES DE SUA SAÚDE, E A ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL QUE EXCLUI ENFERMIDADE RECONHECIDA PELA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, TEM-SE QUE SE APLICA À ESPÉCIE O DISPOSTO NO PARÁGRAFO 3º DO ART. 84 DO CDC DA LEI 8.078/90, A RESPALDAR A LIMINAR ENCARECIDA QUE, A PAR DE EVITAR DANO DE DIFÍCIL E INCERTA REPARAÇÃO, TERÁ, AINDA, O CONDÃO DE RESTABELECER O EQUILÍBRIO CONTRATUAL IMPOSTO PELOS DITAMES CONSUMERISTAS. (TJBA – Quarta Câmara Cível. Agravo 7592-1/2004. Relator Dês. Paulo Furtado. Publicado no D.O.J. 16 set. 2004) (Grifos nossos)

Tal entendimento não é restrito a nosso Tribunal, sendo, ao contrário, um fenômeno nacional, como demonstraremos a seguir com os julgados transcritos.

AGRAVO DE INSTRUMENTO - OBRIGAÇÃO DE FAZER COM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - SEGURO-SAÚDE - SEGURADA PORTADORA DE OBESIDADE MÓRBIDA - NECESSIDADE DE SEPTAÇÃO GÁSTRICA - DOENÇAS RELACIONADAS QUE AUTORIZAM O DEFERIMENTO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM RESPEITO À VIDA E À SAÚDE DA AGRAVANTE - REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS - RECURSO PROVIDO (Agravo de Instrumento n. 185.200-4/9 - São Paulo - 3ª Câmara de Direito Privado - Relator: Carlos Stroppa - 06.02.01 - V.U.) (Grifo nosso)

No mesmo sentido:

MEDIDA CAUTELAR - DEFERIMENTO DE LIMINAR PARA AUTORIZAR COBERTURA, POR SEGURO SAÚDE, DE CIRURGIA PARA TRATAMENTO DE OBESIDADE MÓRBIDA - HIPÓTESE DE DOENÇA CLASSIFICADA EXPRESSAMENTE NA CID, COM PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS PREVISTOS NA TABELA DA AMB, NÃO SE CUIDANDO DE MERO TRATAMENTO DE EMAGRECIMENTO PARA FINS ESTÉTICOS OU POR MOTIVOS GENÉRICOS DE SAÚDE - PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA A LIMINAR - DESNECESSIDADE DA PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO. (Agravo de Instrumento n. 183.588-4 - São Paulo - 7ª Câmara de Direito Privado - Relator: Salles de Toledo - 30.05.01 - V.U.)

De igual forma:

PLANO DE SAÚDE - ANTECIPAÇÃO DA TUTELA - OBESIDADE MÓRBIDA - TRATAMENTO CIRÚRGICO - VEROSSIMILHANÇA DO DIREITO AFIRMADO - DISPENSA DA CAUSA - RECURSO NÃO PROVIDO. ESTÃO ATENDIDOS OS REQUISITOS PARA A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA, POIS A OBESIDADE MÓRBIDA É UMA DOENÇA, CUJA EVOLUÇÃO ACARRETA DISFUNÇÃO ORGÂNICA GENERALIZADA DE GRAVES CONSEQÜÊNCIAS, E O TRATAMENTO CIRÚRGICO PRECONIZADO PARA A CURA DA MOLÉSTIA NÃO PODE SIMPLESMENTE SER EQUIPARADO A UM PROCEDIMENTO DE EMAGRECIMENTO POR EVENTUAL EXCESSO DE PESO, POIS ESTE ÚLTIMO, SE NÃO DECORRENTE DE UMA ANOMALIA ORGÂNICA, SE RESOLVE COM ALIMENTAÇÃO BALANCEADA E ATIVIDADES FÍSICAS, EMBORA, ÀS VEZES, A UM CUSTO ELEVADO EM CLÍNICAS OU ESTABELECIMENTOS ESPECIALIZADOS (OS CONHECIDOS ‘SPAS’). ADEMAIS, A OBESIDADE MÓRBIDA, EM FAZENDO PARTE DAS DOENÇAS RELACIONADAS NA CLASSIFICAÇÃO ESTATÍSTICA INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS RELACIONADOS COM A SAÚDE, DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, SUA COBERTURA INTEGRA O PLANO-REFERÊNCIA A QUE SE REFERE A LEI, NÃO PODENDO SER EXCLUÍDA DA COBERTURA SECURITÁRIA (ARTIGO 10, DA LEI N. 9.656/98). A EXIGÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO DE QUEM SEQUER TEM MEIOS PARA ARCAR COM AS CUSTAS DO PROCESSO SEM O PREJUÍZO À PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA CONSTITUI INSUPERÁVEL OBSTÁCULO PARA O EXERCÍCIO DE UM VEROSSÍMIL DIREITO SUBJETIVO VIOLADO. (Agravo de Instrumento n. 260.389-4 - São Paulo - 9ª Câmara de Direito Privado - Relator: Ruiter Oliva - 22.10.02 - V.U.)

Julgados no mesmo sentido espalhados pelos Tribunais e Juízos do Brasil existem tantos, que seriam necessários resmas de papel para documentar todas, mas, dada a clareza e precisão com que os operadores do direito acima referidos acima referidos se manifestaram, não há necessidade de novas citações.


CONCLUSÃO

Apesar de a obesidade ser um fenômeno tão antigo quanto a humanidade, somente no final do século passado passou a ser visto como uma doença e então recebeu a atenção da classe médica e científica para realização de estudos, o que culminou no reconhecimento de que se trata de uma patologia que acomete uma parcela cada vez maior das sociedades modernas, tendo sido incluída na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde da Organização Mundial da Saúde.

Com a evolução das técnicas de tratamento da doença, os beneficiários de planos e seguros de saúde, ante a negativa destas empresas em autorizar o tratamento médico hospitalar necessário a garantir sua saúde e sua vida, buscam o judiciário para que, através da tutela de urgência estes direitos lhe fossem assegurados.

As operadoras de planos e seguros de saúde, a seu tempo, alegam como fundamento para a negativa à prestação de tais serviços, ser o tratamento voltado à obtenção de resultados meramente estéticos, que o tratamento era experimental e portanto não coberto pelos planos, ou ainda, que seus beneficiários não possuem direito ao tratamento em função de cláusulas contratuais que excluíam tais procedimentos, dentre outros motivos.

Analisando os diplomas legais vigentes, ficou constatado, contudo, que tais alegações não procedem, uma vez que a OMS, como já dito, reconheceu ser a obesidade uma patologia, e, portanto, não cabe a alegação de ter o tratamento uma motivação estética, e a Lei 9.656/98, legislação específica que regula a atividade dos planos e seguros de saúde, ao regular as cláusulas de cobertura, determinou que todas as instituições que explorem tais atividades deverão tratar de todas as doenças acima referidas, sendo, portanto, improcedente também argumentos neste sentido.

A existência de cláusula excludente também não pode ser acatada, posto que, à luz da legislação específica, do Código de Defesa do Consumidor e da Constituição Federal, os direitos em questão não podem ser objeto de negociação, devendo portanto, serem consideradas nulas de pleno direito, não gerando pois, nenhum efeito no mundo jurídico.

Assim, resta demonstrado que as operadoras de planos e seguros de saúde estão obrigadas a autorizarem o tratamento médico / hospitalar a seus beneficiários, na forma e nos moldes indicados por seu médico, mediante relatório médico, a quem compete identificar os riscos a que está submetido, sendo indignos os argumentos por estas oferecidos para a não concessão deste direito assegurado aos seus usuários, não merecendo o respaldo da tutela jurisdicional.

Tal postura, vergonhosa e covarde, assemelha-se, mutatis mutandi, à adotada por empregadores que não repassam a seus empregados todos os direitos que a lei lhes assegura, baseado na estatística de que apenas uma pequena parcela destes recorrerá à justiça em busca do que lhe é devido.

Ademais, decisão em sentido diverso, importará em sobrepor os interesses econômicos e financeiros das empresas sobre os direitos à vida, à saúde e à dignidade da pessoa humana, assegurados constitucionalmente e pelos quais seus beneficiários têm desembolsado parcelas significativas, mês a mês, ao longo dos anos em que mantêm seus contratos vigentes.

Contudo apenas reconhecer o direito não basta, no quadro delimitado para este estudo, o usuário de plano de saúde portador de obesidade mórbida, o tempo corre a seu desfavor, sendo necessário que o Estado Juiz aplique medidas garantidoras de que a demora da prestação jurisdicional não acabe por tornar ineficaz seu reconhecimento.

E, para solucionar este dilema, preservar o direito de uma parte sem violar a garantia a um processo justo do outro, as tutelas de urgência previstas em nosso ordenamento, a tutela cautelar, a tutela antecipatória e a tutela inominada do Código de Defesa do Consumidor, assumem papel determinante.

Dentre elas, contudo, a tutela de urgência prevista no CDC demonstra ser a mais adequada para a proteção do usuário portador de patologias graves como a obesidade mórbida, por garantirem o alcance máximo da tutela antecipada com os requisitos mínimos da tutela cautelar, ambas previstas no CPC, além do que, por se tratar de relação de consumo, ante o princípio da especialidade da norma, aquela revela-se mais apropriada tecnicamente.

Contudo, em um arremate final, cumpre salientar, como destacado do texto, que tal benefício não pode ser utilizado levianamente pelos consumidores pautados na tendência paternalista do judiciário para com os hipossuficientes.

Ao contrário, deve ser empregada com prudência, posto que seu beneficiário responde civilmente pelos prejuízos causados na hipótese de uma sentença desfavorável, além do que, não podemos afastar o dever de observância aos princípios da boa-fé e da função social dos contratos.


REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Célia. Comentário: Política e planejamento: o Plano de Saúde Leonel Miranda. Revista de Saúde Pública. Teresina, ano 3, n. 40, dez. 2006. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/rsp/v40n3/02.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2007.

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ANEXO I – Portaria 1.075/GM do Ministério da Saúde

PORTARIA Nº 1075/GM DE 4 DE JULHO DE 2005.

Institui diretrizes para a atenção ao portador de obesidade, a serem implantadas em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão.

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições, e

Considerando a Constituição Federal, no capítulo saúde, em seus artigos 196 a 200 e as Leis Orgânicas da Saúde nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990;

Considerando a magnitude social da obesidade na população brasileira e suas conseqüências;

Considerando o quadro de morbidade, composto por elevada prevalência de co-morbidades associadas à obesidade;

Considerando as condições atuais de acesso da população brasileira aos procedimentos de Cirurgia Bariátrica;

Considerando a possibilidade de êxito de intervenção na história natural da obesidade por meio de ações de promoção e prevenção, em todos os níveis de atenção à saúde;

Considerando os custos cada vez mais elevados da atenção ao paciente portador de obesidade;

Considerando a necessidade de estruturar uma rede de serviços regionalizada que estabeleça uma linha de cuidados integrais e integrados no manejo da obesidade e suas co-morbidades, com vistas a minimizar o dano da obesidade, melhorar o acesso dos pacientes ao atendimento especializado e melhorar o acesso do paciente, quando necessário, à cirurgia bariátrica;

Considerando a necessidade de aprimorar os regulamentos técnicos e de gestão em relação ao tratamento da obesidade no País;

Considerando a necessidade da implementação do processo de regulação, fiscalização, controle e avaliação da atenção ao portador de obesidade, com vistas a qualificar a gestão pública; e

Considerando a necessidade de promover estudos que demonstrem o custo-efetividade e analisem as diversas formas de intervenção na obesidade,

R E S O L V E:

Art. 1° Instituir diretrizes para a atenção ao portador de obesidade, a serem implantadas em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão.

Art. 2° Estabelecer que a atenção ao portador de obesidade seja organizada de forma articulada entre o Ministério da Saúde, as Secretarias de Estado da Saúde e as Secretarias Municipais de Saúde, permitindo:

I - desenvolver estratégias de promoção, proteção e de recuperação da saúde e prevenção de danos, protegendo e desenvolvendo a autonomia e a eqüidade de indivíduos e coletividades;

II - organizar a linha de cuidados da atenção da obesidade grave, em todos os níveis de atenção, promovendo, desta forma, a integralidade da atenção;

III - identificar os principais determinantes e condicionantes que levam à obesidade e ao desenvolvimento de ações transsetoriais de responsabilidade pública, sem excluir as responsabilidades de toda a sociedade;

IV - definir critérios técnicos mínimos para o funcionamento e avaliação dos serviços públicos e privados que realizam cirurgia bariátrica, bem como os mecanismos de sua monitoração com vistas a diminuir os riscos aos quais fica exposto o paciente após a realização da cirurgia;

V - ampliar cobertura no atendimento, garantindo a universalidade, a eqüidade, a integralidade, o controle social e o acesso às diferentes modalidades de atenção aos portadores de obesidade no Brasil;

VI - fomentar, coordenar e executar projetos estratégicos que visem ao estudo do custo-efetividade, eficácia e qualidade, bem como a incorporação tecnológica do tratamento da obesidade;

VII - contribuir para o desenvolvimento de processos e métodos de coleta, análise e organização dos resultados das ações decorrentes das diretrizes para a atenção ao portador de obesidade, permitindo que a partir de seu desempenho seja possível um aprimoramento da gestão, disseminação das informações e uma visão dinâmica do estado de saúde das pessoas com obesidade e aqueles em acompanhamento pós-cirúrgico;

VIII - promover intercâmbio com outros subsistemas de informações setoriais, implementando e aperfeiçoando permanentemente a produção de dados e garantindo a democratização das informações;

IX - qualificar a assistência e promover a educação permanente dos profissionais da saúde envolvidos com a implantação e a implementação das diretrizes para a atenção ao portador de obesidade, em acordo com os princípios da integralidade e da humanização.

Art. 3° Definir que as diretrizes para a atenção ao portador de obesidade, de que trata o artigo 1º desta Portaria, devam ser operacionalizadas a partir dos seguintes componentes fundamentais:

I - Atenção Básica, que realizar a ações de caráter individual e coletivo, voltadas para a promoção da saúde e prevenção dos danos, bem como as ações clínicas para o controle da obesidade e suas co-morbidades que possam ser realizadas neste nível, as quais terão lugar na rede de serviços básicos de saúde (Unidades Básicas de Saúde e Equipes da Saúde da Família);

II - Média Complexidade, que realizar a atenção diagnóstica e terapêutica especializada garantida a partir do processo de referência e contra-referência do portador de obesidade, ações essas que devem ser organizadas segundo o planejamento de cada unidade federada e os princípios e diretrizes de universalidade, eqüidade, regionalização, hierarquização e integralidade da atenção à saúde;

III - Alta Complexidade, que garantirá o acesso e assegurará a qualidade das cirurgias bariátricas, visando alcançar impacto positivo na sobrevida, na morbidade e na qualidade de vida e garantirá eqüidade na realização da cirurgia, e cuja assistência se dará por meio dos hospitais credenciados como Unidades de Assistência de Alta Complexidade ao Portador de Obesidade Grave;

IV - regulamentação suplementar e complementar por parte dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, com o objetivo de regular a atenção ao portador de obesidade;

V - a regulação, o controle e a avaliação de ações de atenção ao portador de obesidade serão de competência das três esferas de governo;

VI - sistema de informação que possa oferecer ao gestor subsídios para tomada de decisão para o processo de planejamento, regulação, fiscalização, controle e avaliação e promover a disseminação da informação;

VII - protocolos de conduta em todos os níveis de atenção que permitam o aprimoramento da atenção, regulação, controle e avaliação; e

VIII - educação permanente e capacitação das equipes de saúde de todos os âmbitos da atenção, a partir de um enfoque estratégico promocional, envolvendo os profissionais de nível superior e os de nível técnico, em acordo com as diretrizes do SUS e alicerçada nos pólos de educação permanente em saúde.

Art. 4º Determinar que a Secretaria de Atenção à Saúde, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da publicação deste ato, adote todas as providências necessárias ao cumprimento das diretrizes estabelecidas por esta Portaria.

Art. 5º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

HUMBERTO COSTA


ANEXO II – Resolução CFM N° 1.766/05 do Conselho Federal de Medicina

RESOLUÇÃO CFM N° 1.766/05

(Publicada no D.O.U., 11 jul 2005, Seção I, p. 114)

Estabelece normas seguras para o tratamento cirúrgico da obesidade mórbida, definindo indicações, procedimentos aceitos e equipe.

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei n° 3.268/57, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto n° 44.045 de 19 de julho de 1958, e

CONSIDERANDO que o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional (Art.2° do CEM);

CONSIDERANDO que o médico deve aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente (Art.5° do CEM);

CONSIDERANDO que é vedado ao médico efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida (Art. 46 do CEM);

CONSIDERANDO que o Conselho Federal de Medicina é órgão supervisor da ética profissional em toda a República e, ao mesmo tempo, julgador e disciplinador da classe médica, cabendo-lhe zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerça legalmente (Art.2° da Lei n°3.268/57);

CONSIDERANDO a necessidade de normatização do tratamento cirúrgico da obesidade mórbida;

CONSIDERANDO o parecer aprovado na sessão plenária de 13/05/05,

RESOLVE:

Art. 1° - Normatizar, nos termos dos itens do anexo desta resolução, o tratamento cirúrgico da obesidade mórbida.

Art. 2° - Novos procedimentos serão analisados pela Câmara Técnica sobre Cirurgia Bariátrica para Tratamento de Obesidade Mórbida.

Art. 3° - O paciente e seus familiares devem ser esclarecidos sobre os riscos da Cirurgia e a conduta a ser tomada no pós-operatório.

Art. 4° - Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília-DF, 13 de maio de 2005.

Dr. EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE Dra. LÍVIA BARROS GARÇÃO

Presidente Secretária-Geral

ANEXO À RESOLUÇÃO CFM N° 1.766/05

1- INDICAÇÕES GERAIS:

Pacientes com Índice de Massa Corpórea (ICM) acima de 40 kg/m2.

Pacientes com IMC maior que 35 kg/m2 e co-morbidades (doenças agravadas pela obesidade e que melhoram quando a mesma é tratada de forma eficaz) que ameacem a vida, tais como diabetes, apnéia do sono, hipertensão arterial, dislipidemia, doença coronariana, osteo-artrites e outras.

Idade: maiores de 18 anos. Idosos e jovens entre 16 e 18 anos podem ser operados, mas exigem precauções especiais e o custo/benefício deve ser muito bem analisado.

Obesidade estável há pelo menos cinco anos.

Pelo menos dois anos de tratamento clínico prévio, não eficaz.

Ausência de drogas ilícitas ou alcoolismo.

Ausência de quadros psicóticos ou demenciais graves ou moderados.

Compreensão, por parte do paciente e de seus familiares, dos riscos e mudanças de hábitos inerentes a uma cirurgia de grande porte e da necessidade de acompanhamento pós-operatório com a equipe multidisciplinar por toda a vida do paciente.

2 - RISCO CIRÚRGICO: deve ser compatível com o procedimento cirúrgico proposto e ausência de doenças endócrinas de tratamento clínico.

3 - EQUIPE: precisa ser capacitada para cuidar do paciente nos períodos pré e trans-operatório, e fazer o seguimento do mesmo.

COMPOSIÇÃO: cirurgião com formação específica, clínico, nutrólogo e/ou nutricionista, psiquiatra e/ou psicólogo, fisioterapeuta, anestesiologista, enfermeiros e auxiliares de enfermagem familiarizados com o manejo desses pacientes.

4 - HOSPITAL: precisa apresentar condições adequadas para atender obesos mórbidos, bem como possuir UTI e aparelho anestésico regulável para ciclagem com grandes volumes e baixa pressão.

5 - PROCEDIMENTOS ACEITOS:

A) RESTRITIVOS:

1- BALÃO INTRAGÁSTRICO: colocação de um balão intragástrico com cerca de 500 ml de líquido, com 10% de Azul de Metileno, objetivando diminuir a capacidade gástrica do paciente, provocando a saciedade e diminuindo o volume residual disponível para os alimentos. Método provisório: o balão deve ser retirado no prazo máximo de seis meses.

INDICAÇÃO: adjuvante do tratamento de perda de peso, principalmente no preparo pré-operatório de pacientes com superobesidade (IMC acima de 50kg/m2), com associação de patologias agravadas e/ou desencadeadas pela obesidade mórbida.

CONTRA-INDICAÇÕES: esofagite de refluxo; hérnia hiatal; estenose ou divertículo de esôfago; lesões potencialmente hemorrágicas como varizes e ângiodisplasias; cirurgia gástrica ou intestinal de ressecção; doença inflamatória Intestinal; uso de antiinflamatórios, anticoagulantes, álcool ou drogas e transtornos psíquicos.

COMPLICAÇÕES: aderências ao estômago; passagem para o duodeno; intolerância ao balão, com vômitos incoercíveis; úlceras e erosões gástricas; esvaziamento espontâneo do balão; obstrução intestinal por migração do balão; perfuração gástrica; infecção fúngica em torno do Balão.

VIA DE ACESSO: endoscópica.

2- GASTROPLASTIA VERTICAL BANDADA OU CIRURGIA DE MASON: Nestes procedimentos é criado um pequeno reservatório gástrico na região da cárdia, com capacidade em torno de 20 ml, regulando-se a saída por um anel de polipropileno. Estas cirurgias provocam cerca de 20% de perda de peso.

INDICAÇÕES: pacientes não compulsivos, que não tenham o hábito de ingestão de doces em abundância e não se desviem da orientação nutricional, ingerindo líquidos ricos em calorias; caso contrário, os resultados são desanimadores.

VANTAGENS: causa mínimas alterações metabólicas, com baixa morbi-mortalidade e baixo custo. Procedimento reversível, preserva a absorção e a digestão. O estômago e o duodeno permanecem acessíveis à investigação endoscópica e radiológica.

DESVANTAGENS: perda de peso insatisfatória (menos de 50% do excesso de peso) por fístula gastrogástrica ou por intolerância progressiva maior à ingestão de líquidos ou pastosos hipercalóricos; maior ocorrência de vômitos; possibilidade de deiscência das linhas grampeadas,

seguida de complicações intra-abdominais; procedimento inadequado tanto para pacientes que ingerem muito doce como para portadores de esofagite de refluxo.

VIAS DE ACESSO: convencional (laparotômica) ou por videocirurgia.

3- BANDA GÁSTRICA AJUSTÁVEL: é uma prótese de silicone que, colocada em torno do estômago proximal, faz com que este passe a ter a forma de uma ampulheta ou uma câmara acima da banda. O diâmetro interno da banda pode ser regulado no pós-operatório por injeção de líquido no reservatório situado no subcutâneo, de fácil acesso.

VANTAGENS: método reversível, pouco agressivo, permite ajustes individualizados no diâmetro da prótese. Com sua retirada é possível realizar de outros procedimentos bariátricos, mínimas repercussões nutricionais. Não há secção e sutura do estômago. Baixa morbimortalidade operatória e retorno precoce às atividades habituais.

DESVANTAGENS: custo elevado; perda de peso freqüentemente insuficiente a longo prazo; exige estrita cooperação do paciente em seguir as orientações dietoterápicas; riscos inerentes ao uso permanente de corpo estranho; inadequada para pacientes que ingerem muito doce e/ou apresentam esofagite de refluxo e hérnia hiatal; possibilidade de ocorrência de complicações a longo prazo, como migração intragástrica da banda, deslizamento da banda e complicações com o reservatório.

VIA DE ACESSO: convencional (laparotômica) ou por videocirurgia.

B) CIRURGIAS DISABSORTIVAS:

Essas cirurgias (PAYNE OU BYPASS JEJUNO-JEJUNAL) estão proscritas em vista da alta incidência de complicações metabólicas e nutricionais a longo prazo. O princípio fundamental das mesmas é a perda, pelas fezes, das calorias ingeridas. As complicações ocorrem pela grande quantidade de intestino desfuncionalizado, que leva a um supercrescimento bacteriano no extenso segmento intestinal excluído, provocando alta incidência de complicações digestivas, tais como diarréia, cirrose, pneumatose intestinal e artrites. Pelo exposto, não mais devem ser realizadas.

C) CIRURGIAS MISTAS:

As cirurgias mistas para tratamento de obesidade mórbida associam restrição e disabsorção em maior ou menor grau do intestino, dependendo da técnica empregada e da extensão do intestino delgado excluído do trânsito alimentar.

1 - CIRURGIA MISTA COM MAIOR COMPONENTE RESTRITIVO: esse grupo de cirurgias compreende as diversas modalidades de bypass gástrico com reconstituição do trânsito intestinal em "Y de Roux".

CIRURGIAS MAIS EMPREGADAS:

CIRURGIA DE FOBI, CIRURGIA DE CAPELLA E CIRURGIA DE WITTGROVE E CLARK. Estas cirurgias, além da restrição mecânica representada pela bolsa gástrica de 30 a 50 ml, restringem a alimentação por meio de um mecanismo funcional do tipo Dumping (mal-estar provocado pela ingestão de alimentos líquidos ou pastosos hipercalóricos) e, ainda, pela exclusão da maior parte do estômago do trânsito alimentar. Com isso, o hormônio ghrelina, que aumenta o apetite e é produzido no estômago sob estímulo da chegada do alimento, tem sua produção minimizada.

Pode-se acrescentar um anel estreitando a passagem pelo reservatório antes da saída da bolsa para a alça jejunal – o que retarda o esvaziamento para sólidos, aumentando, ainda mais, a eficácia dos procedimentos.

VANTAGENS: perda de peso adequada e duradoura, com baixo índice de insucesso. Tratam a doença do refluxo. São eficientes em comedores de doces e têm baixo índice de complicações a longo prazo. Fácil controle metabólico e nutricional do paciente. São reversíveis, embora com dificuldade técnica. Apresentam ótimos resultados em termos de melhora da qualidade de vida e das doenças associadas. São as mais usadas no Brasil e nos Estados Unidos, com maior tempo de acompanhamento.

DESVANTAGENS: tecnicamente mais complexas; acesso limitado ao estômago e ao duodeno para métodos radiológicos e endoscópicos; passíveis de complicações como deiscência de suturas; maiores chances de deficiências protéicas e anemia do que as cirurgias restritivas.

VIA DE ACESSO: convencional (laparotômica) ou videocirurgia.

2- CIRURGIA MISTA COM MAIOR COMPONENTE DISABSORTIVO: São procedimentos que envolvem menor restrição da capacidade gástrica, o que permite maior ingestão alimentar, com predomínio do componente disabsortivo.

CIRURGIAS MAIS USADAS:

-CIRURGIA DE SCOPINARO (derivação bílio-pancreática com gastrectomia distal).

-CIRURGIA DE DUODENAL-SWITCH (derivação bílio-pancreática com gastrectomia vertical da grande curvatura e preservação do piloro). Nestas cirurgias o intestino delgado é seccionado a cerca de 250 cm da válvula íleo-cecal. O segmento distal é anastomosado ao estômago. O

-segmento proximal é anastomosado ao íleo a 50, 100 ou 150 cm da válvula íleo-cecal, dependendo da técnica escolhida.

VANTAGENS: não há restrição de alimentos ingeridos; muito eficazes em relação à perda de peso e manutenção a longo prazo; reservatório gástrico completamente acessível aos métodos de investigação radiológica e endoscópicos.

DESVANTAGENS: mais sujeitos a complicações nutricionais e metabólicas de difícil controle; maior chance de haver deficiência de vitamina B12, cálcio, e ferro; maior chance de haver desmineralização óssea; alta incidência de úlcera de boca anastomótica; aumento do número de evacuações diárias, com fezes e flatos muito fétidos.


Notas

01 Um pequeno dublê recorreu a um órgão de defesa dos direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) da decisão francesa que proibiu a prática deste espetáculo, consistente em jogar pequenos dublês o mais longe possível, alegando discriminação e privação do direito de trabalhar, mas perdeu sua apelação pois aquele órgão de defesa dos direitos humanos entendeu que a necessidade de proteger a dignidade humana era fundamental e necessária para a proteção da ordem pública, incluindo considerações sobre a dignidade humana.

02 Dados disponibilizados na cartilha de informações sobre planos de saúde disponibilizada no sítio da ANS, disponível no endereço eletrônico < http://www.ans.gov.br/portal/upload/informacoes>.

03 Regra imposta pelo imposto pelo art. 806 do CPC, sob pena de ter cessada a eficácia da tutela concedida, que, contudo perde sua aplicação nas hipóteses de cautelares satisfativas.

04 Dr. Marcos Leão Vilas-Bôas, é especialista em Cirurgia da Obesidade e Videolaparoscopia, foi eleito 1º Secretário da Sociedade Baiana de Cirurgia Bariátrica (SBCB), Foi o pioneiro no Norte-Nordeste nesta especialidade, e tornou-se uma referência nacional, apresentando e publicando trabalhos científicos em diversos congressos e cursos, no Brasil e no mundo.

05 Um pequeno dublê recorreu a um órgão de defesa dos direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) da decisão francesa que proibiu a prática deste espetáculo, consistente em jogar pequenos dublês o mais longe possível, alegando discriminação e privação do direito de trabalhar, mas perdeu sua apelação pois aquele órgão de defesa dos direitos humanos entendeu que a necessidade de proteger a dignidade humana era fundamental e necessária para a proteção da ordem pública, incluindo considerações sobre a dignidade humana.

06 Regra imposta pelo imposto pelo art. 806 do CPC, sob pena de ter cessada a eficácia da tutela concedida, que, contudo perde sua aplicação nas hipóteses de cautelares satisfativas.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VILAS-BÔAS, Alex Leão de Paula. A tutela de urgência nos casos de obesidade mórbida, após o advento do Código de Defesa do Consumidor e da lei 9656/96. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1282, 4 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9350. Acesso em: 28 mar. 2024.