Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/pareceres/94234
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Parecer: compliance

Parecer: compliance

Publicado em . Elaborado em .

Fundação Getúlio Vargas - Turma 08/2021

Cabeçalho

 

Órgão solicitante : Conselho de Administração do Laboratório Remédios & Medicamentos LTDA.

Assunto: compra de medicamentos injetáveis com prazo de validade próximo ao vencimento.

 

 

 

Ementa

 

Atividade: análise da compra de medicamentos injetáveis com prazo de validade próximo ao vencimento. Demonstração das obrigações do profissional de auditoria interna. Demonstração das obrigações da empresa empregadora e dos membros da alta direção. Observância dos princípios basilares do compliance e da governança corporativa bem como da atuação da alta direção. Análise comparada da independência do auditor interno e do compliance officer. Considerações com o escopo de esclarecer a postura mais adequada a ser adotada pelo auditor interno dentro de uma perpectiva fundamentada na integridade e ética.

 

 

Relatório

 

No caso em análise, Cláudio, auditor interno do Laboratório REMÉDIOS & MEDICAMENTOS LTDA, durante uma auditoria de praxe, percebeu que grande parte dos medicamentos injetáveis para crianças acima de dois anos estava para vencer em três meses.

 

Cláudio, na função de auditor, imediatamente comunicou a alta direção sobre o ocorrido. No entanto, o fato já era de conhecimento desta, que havia comprado os remédios com um prazo de validade próximo ao vencimento em razão de ter conseguido um preço melhor, avisando esse detalhe ao comprador.

 

A alta direção explicou a Cláudio sobre o motivo da compra e ainda informou que por ele ser um funcionário da empresa não deveria mais tocar no assunto.

 

Para melhor entendimento dos fatos, segue abaixo, uma análise detalhada do caso concreto sob o prisma do compliance.

 

 

Fundamentação

A venda de medicamentos com prazo de validade próximo ao vencimento é regulamentada pelo art 51, parágrafos 1º e 2º, da Resolução de Diretoria Colegiada da Anvisa, nº 44 de 2009, que estabelece que o consumidor deverá ser avisado sobre o prazo de validade e que o produto apenas poderá ser vendido se o consumidor puder concluir o tratamento a tempo. Vejamos:

 

 

“Art. 51. A política da empresa em relação aos produtos com o prazo de validade próximo ao vencimento deve estar clara a todos os funcionários, bem como descrita no Procedimento Operacional Padrão (POP) e prevista no manual de Boas Práticas Farmacêuticas (BPF) do estabelecimento.

§1º O usuário deve ser alertado quando for dispensado produto com prazo de validade próximo ao seu vencimento.

§2º É vedado dispensar medicamentos cuja posologia para o tratamento não possa ser concluída no prazo de validade.

 

 

Apesar da compra, pelo laboratório, dos medicamentos com prazo de validade próximo ao vencimento estar regulamentada e, a príncipio, desde que atendidas as exigências para este tipo de comercialização, não ser considerada ilegal, a aquisição de grande quantidade de medicamentos nestas condições, de forma sigilosa, infrige claramente importantes pilares do programa de integridade de uma empresa e demonstra a falta de ética por parte da administração.

 

É obrigação do laboratório demonstrar transparência em suas ações, bem como fomentar boas práticas, estar em conformidade com o código de ética e as normas de conduta, mantendo, desse modo, a boa reputação da empresa.

 

Claúdio agiu adequadamente ao informar a administração sobre o ocorrido, pois são inerentes a sua função de auditor interno as obrigações de coletar informações, avaliar riscos, documentar dados e avaliar a eficiência. Existindo riscos ou falhas é obrigação do auditor informar tal situação
à administração, de maneira a auxiliar a empresa a atingir os objetivos traçados no plano de ação, possibilitando alcançar um melhor resultado. A auditoria não funciona apenas para dizer quando algo já deu errado, mas também quando algo pode dar erro, é obrigação do auditor levantar as “red flags”, as bandeiras vermelhas, quando percebe o risco para a empresa.

 

A alta direção, por sua vez, ao comprar e tentar manter o sigilo sobre a compra de grande parte dos medicamentos injetáveis, para crianças acima de dois anos, com data próxima ao vencimento, desconsiderou importantes princípios de compliance e de governança corporativa, principalmente no que se refere a transparência; desconsiderou ainda, e não menos importantes, os principios da equidade, ética e integridade. Ademais, ao tentar calar o auditor interno sob a justificativa dele ser um funcionário da empresa, demostra total falta de ética.

 

Infere- se que houve ausência de idoneidade nas atitudes da alta direção e a exposição da empresa ao risco de conduta ilícita penalmente tipificada.  Neste sentido expõe a lei nº 9.677/98, parágrafo 1º e 1ºA, do art. 273:

 

 

 

"Art. 273. Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:"(NR)

 

"Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa."(NR)

 

"§ 1o Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado."(NR)

 

"§ 1o-A. Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.”

 

 

 Na questão atinente a obdiência do auditor interno aos gestores é importante dizer que, apesar do princípio da confidencialidade, o que está em jogo é algo maior, qual seja, a reputação e o nome da empresa, além de risco iminente a saúde pública. Além disso, existem duas vertentes a serem observadas. Levando em consideração o conceito de auditoria interna de  Maffei (2015, pag 20):

 

“Auditoria interna é uma atividade independente e objetiva, que presta serviços de avaliação e de consultoria e tem como objetivo adicionar valor e melhorar as operações de uma organização.

 

Depreende-se que é necessário que o auditor interno possua liberdade para atuar, no entanto, por outro lado, apesar da independência ser relevante, este possui independência limitada, visto que é um funcionário da empresa. Neste ponto, a função de auditor interno se difere do compliance officer, pois este último possui indepedência. Contudo, Claudio poderia informar os fatos ao Conselho de Administração, pois faz parte da sua obrigação informar a empresa sobre possíveis riscos, podendo ser responsabilizado futuramente caso não o faça. No entanto, na prática, sabe -se que isso poderia acarretar na sua demissão.

 

Ademais, ainda sobre as diferenças entre o compliance officer e o auditor interno, tem -se que o primeiro está em contato com todos os setores da empresa buscando implementar política de conformidade com as leis, as normas e próprio estatuto da empresa. O auditor interno avalia riscos, apresentando um plano de ação para que a empresa alcance seus objetivos.

 

 

Considerações finais

 

Resta claro que, no caso em análise, a alta direção não atuou em conformidade com os princípios basilares do compliance, com as práticas de boa governança e programa de integridade, quando deveria ser exemplo para os funcionários. Ademais, houve inobservância de importantes pilares como a prevenção e a transparência, expondo a empresa a riscos desnecessários e podendo ainda, levar a empresa a responder penalmente por eventuais consequências da sua conduta.

 

Fatos como este demonstram a importância da existência de um programa de compliance eficaz na organização. Ter um nome forte e respeitado vale mais para uma empresa/organização do que o lucro momentâneo, pois em minutos pode se desfazer o nome de uma organização e restaurá-lo pode levar anos.

 

Para que a empresa seja competitiva no mercado e tenha bons resultados, ela precisa estar saudável, e para estar saudável é necessário que esteja em conformidade com a legislação, ética, boas práticas, ou seja, estar em compliance, considerando sempre a transparência dos atos, prevenindo, detectanto e corrigindo possíveis falhas.

 

 

Referências bibliográficas

 

CARNEIRO, Cláudio e JUNIOR, Milton de Castro Santos. Compliance. Apostila. Material do aluno;

 

INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Código das Melhores Práticas de Governança. 5ª ed;

 

MIGALHAS.COM. A questão do prazo de validade dos produtos em geral e dos medicamentos. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/abc-do-cdc/311295/a-questao-do-prazo-de-validade-dos-produtos-em-geral-e-dos-medicamento;

 

PORTAL DE AUDITORIA.COM. Função e importância da auditoria interna nas corporações. Disponível em: https://portaldeauditoria.com.br/funcao-e-importancia-da-auditoria-interna-nas-corporacoes;

 

LEGIS COMPLIANCE.  Guia Boas Práticas de Compliance. Disponível em: https://www.legiscompliance.com.br/

 

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA . Resolução -RDC – 44. 2009. Disponível em: Minist�rio da Sa�de (saude.gov.br)

 

LEI 9.677 de 2 DE JULHO  de 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9677.htm

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.